O Feiticeiro Parte III - O Medalhão de Mu escrita por André Tornado


Capítulo 56
VII.3 As intrusas.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/324955/chapter/56

Bra espirrou e o seu espirro ouviu-se a quilómetros. Pan saltou com o susto. O eco perdia-se pelo corredor afora. Atirou-se para cima dela e tapou-lhe a boca.

- Queres que descubram a nossa presença? – Sussurrou zangada.

Como não podia falar com as mãos da amiga na cara, negou com a cabeça, os olhos azuis a brilhar, murmurou uma desculpa que soou como:

- Hummm… Hum.

Pan soltou-a. Colou o dedo indicador nos lábios e pediu:

- Shhh… Pouco barulho, estamos na casa do inimigo.

- Devem estar a falar mal de mim, Pan-chan.

- Anda, vamos continuar.

O Templo da Lua era feio, pensou Bra. Demasiado escuro, frio, silencioso, com estalidos estranhos e suspiros que saíam das paredes. Era feito de muitas casas quadradas umas em cima das outras, como se tivessem sido despejadas do céu e ficado conforme tinham caído. Uma parte estava em ruínas, lançando rolos de fumo para a atmosfera, o que significava que tinha sido destruída recentemente.

Pan caminhava à frente, liderando a diminuta comitiva.

- Estamos à procura do quê? – Perguntou-lhe em surdina.

- Do feiticeiro.

- Ahn?! E isso… não será perigoso?

- Vamos dar-lhe uma lição. E não vai ser perigoso, porque somos saiya-jin.

- Pois, mas…

- Mas, nada! Estamos aqui para lutar contra Zephir.

Bra fechou a boca, numa linha direita. Apertou os punhos, amaldiçoando a sua falta de coragem e embrenhou-se de tal maneira nos seus pensamentos que não deu pela amiga ter parado e enfiou-lhe uma marrada nas costas. Pan puxou-a pelo dogi.

- Vem esconder-te!

Esgueiraram-se para um buraco na parede, junto a uma coluna. Uns segundos depois, alguns bichos pretos saltitaram pelo corredor, passaram sem que se tivessem apercebido da presença delas e sumiram-se numa curva mais adiante.

- Ah! O que era aquilo? - Perguntou Bra com os olhos muito abertos.

- Não sei… Que criaturas tão feias. Vamos, o feiticeiro não deve estar longe.

Prosseguiram, agora com cautelas redobradas para não voltarem a encontrar mais bichos pretos. No fim do corredor descobriram uma porta e, passada a porta, estava um pátio interior. Entraram e descobriram, sob a luminosidade esparsa da manhã que nascia, uma estátua negra, enfeitada com um colar de flores brancas. Bra analisou a escultura com uma careta.

- O que será?

- Talvez… uma deusa – respondeu Pan com outra careta.

- É…

- Feia? Parece, mas depois… deixa de parecer.

- Achas que é uma estátua enfeitiçada?

- Hai, Bra-chan. Esta é a deusa do feiticeiro. A lua.

- Hum… Mete medo. – E Bra girou a cabeça para deixar de olhar.

Sentiu uma cotovelada nas costelas, um toque leve mas impertinente. Olhou para Pan espantada.

- Tu estás com medo? Então, não és uma verdadeira saiya-jin?

A insinuação irritou-a. Crispou os punhos.

- Eu não tenho medo de nada.

- Ah, não? Parece que tens medo de uma estátua de pedra que está ali parada e que não te pode fazer mal nenhum, a não ser que caia em cima de ti. Mesmo assim, duvido que te magoe, porque tens os músculos preparados.

- Ah, cala-te, Pan-chan. Queres que eu te provo que não estou com medo?

- Quero. Vai ali e tira uma flor do colar da estátua.

- Pois tiro!

Pan olhou de relance por cima do cabelo apanhado em rabo-de-cavalo de Bra, o desafio ainda a sair-lhe da boca, a amiga já a alçar o braço, a preparar o salto para responder ao desafio e viu um movimento perturbador. Raios! Aquela pequena conversa tinha-lhe roubado a concentração e esquecera-se completamente de estar atenta às deslocações de energia. Puxou pelo dogi de Bra, para afastá-la daquela criatura enorme que, pelo aspeto, só podia ser um dos demónios do feiticeiro.

A criatura sorria-lhes. E ainda a sorrir disse:

- Ora, ora… O que temos nós aqui?

O ki indicava que era muito forte, um adversário formidável. Pan arrepiou-se ao tentar medir mentalmente aquela energia desmesurada mas, estranhamente, a alma vibrou-se-lhe de alegria por encontrar alguém tão poderoso com quem pudesse medir a sua força. O sangue saiya-jin aqueceu dentro das veias.

A criatura ficou séria e rugiu:

- Intrusas! E vão pagar o preço por terem entrado num sítio que não deviam perturbar. – Volveu os olhos vermelhos para Bra, pois parecia-lhe a mais impressionável. Inclinou-se ligeiramente, apoiando os punhos na cintura e revelou divertido: – Sabias que como meninas ao pequeno-almoço? E hoje ainda não tomei o pequeno-almoço…

Bra nem pestanejou. Se estava assustada, escondia muito bem o que estava a sentir. Pan preparou-se para intervir. Iria tentar um golpe que o deixasse atordoado, esperava consegui-lo para fugirem dali, já que a criatura tapava a porta, a única via de fuga. Mas antes de se lançar no que planeava, Bra fê-lo – atacou a criatura. Desferiu-lhe um pontapé com tanta força nos queixos que a criatura acabou estendida no pequeno pátio, batendo com a cabeça na parede criando um conjunto de rachas.

Pan abriu a boca de espanto. Bra desatou a fugir pelo corredor, atravessando a porta desimpedida e chamou por ela com um grito:

- Não fiques aí, baka! Não vês que ele vai levantar-se?

A criatura apoiou o queixo numa mão, rugindo:

- Kuso!... Ninguém ataca Kumis desta maneira e fica impune!

Antes que Pan pudesse reagir, a criatura levantou-se com uma agilidade surpreendente e disparou um raio de energia que reduziu a porta a escombros. Apontava a Bra, que se escapulira pelo corredor. Pan chamou pela amiga, voltou-se, ia impulsionar-se para sair daquele pátio a voar. Ainda viu o rosto da estátua negra e pareceu-lhe que aquela boca de pedra se torcia num sorriso malévolo. Piscou os olhos, distraiu-se nesse milésimo de segundo e a sua oportunidade esfumou-se. Uma manápula agarrou-se à sua perna e deu-lhe um puxão tal que o chão chocou violentamente contra as suas costas. Pan gemeu com a dor que a paralisou.

A claridade ensombrou-se e ela viu o demónio parar à sua frente. Apertou os dentes, estava em desvantagem, à mercê daquele adversário. Mas nunca iria dar a conhecer como era inferior naquele combate. E talvez nem precisasse. Talvez a criatura soubesse.

Isso irritou-a. Ela era filha de Gohan e de Videl. Ela era a neta de Son Goku!

A criatura inclinou a cabeça para a esquerda, sorrindo.

- Adeus, intrusa.

Mostrou-lhe uma mão ameaçadora, dedos abertos. Pan reagiu, movida pelo instinto da preservação. Antes de receber o disparo da criatura, esticou também o seu braço e envio um ataque de ki. Era fraco, uma descarga mínima, a energia que tinha latente no braço, mas serviu para surpreender a criatura que não se conseguiu defender e apanhou com este em cheio na cara. A expressão sorridente desapareceu numa nuvem de fumo. Pan levantou-se, ia fugir, mas apanhou com um pontapé em cheio nas costelas e tornou a cair, cuspindo uma bola de sangue.

As gargalhadas da criatura furaram-lhe os tímpanos que zuniam.

- Dás luta e gosto disso… Muito bem, queres brincar. Então, vamos brincar mais um pouco, intrusa.

Pan arquejou.

Tinha de ser mesmo muito rápida, sem pensar na precisão do ataque, apenas na força deste. Uma coisa desesperada, inconsequente sabia-o, mas não sabia o que mais podia fazer para se escapar.

Atacou a criatura, saltando para cima desta com um punho em riste. O soco foi defendido facilmente, a criatura insistia nas gargalhadas. Ela tentou outros socos e pontapés, numa luta corpo-a-corpo que estava a cansá-la, sabia-o, mas também que distraíam a criatura que continuava a rir.

Então, afastou-se, uniu as mãos diante de si, soltou um grito profundo e disparou uma esfera energética vermelha como o sangue que se revolvia com a saliva dentro da sua boca. A explosão engoliu a criatura e uma convulsão tremenda varreu o pátio. A estátua negra da deusa e o colar de flores brancas desapareceram no mar de fogo.

Pan fugiu, esgueirando-se por uma racha maior que se abrira na parede mais afastada. Correu até as pernas lhe doerem, sem olhar para trás. Ao perceber que não estava a ser perseguida, parou. Encostou-se, a tentar conciliar a respiração, a perceber que os corredores tinham escurecido e que tinha descido escadas enquanto corria desatinada. Olhou em volta, engoliu a saliva que tinha o peculiar sabor metálico do sangue. O coração batia frenético. Lembrou-se que tinha perdido Bra de vista e dispôs-se a procurá-la, ficando atenta ao ki da criatura para não ter outro encontro desagradável. Esfregou o estômago, não lhe apetecia lutar outra vez com o demónio Kumis.

Apareceram mais daqueles bichos pretos, escondeu-se e esperou que passassem. Teve sorte, não foi descoberta e retomou a caminhada. Não conseguia detetar o ki de Bra e assustou-se.

Viu luz mais adiante e correu para lá. Era uma sala cuja porta estava entreaberta e entrou.

Em cima de um altar, ladeado por dois castiçais onde ardiam as velas que iluminavam a sala, estava um livro aberto. Espreitou as páginas amareladas e não conseguiu perceber uma palavra do que lia, pois era uma língua estranha, cheia de símbolos esquisitos. Lembrou-se que o pai lhe dizia sempre que os livros eram muito importantes e murmurou:

- Isto deve ser um livro de magia. Deve ser o livro de Zephir.

Passou uma folha e apareceu o desenho de um monstro com grandes dentes que a sobressaltou. Fechou o livro com um safanão, soltando uma baforada de pó. Tossiu um pouco e resolveu levar o livro com ela.

- Se levar isto comigo, ninguém se vai zangar comigo por ter vindo até ao templo do feiticeiro. Pode ser que isso ajude o ojiisan a derrotá-lo.

Puxou o livro. Mas, ao fazê-lo, encalhou num pequeno vaso azul cheio de terra que também estava no altar. Ainda tentou agarrar no vaso, mas este escorregou-lhe da mão e caiu no chão partindo-se.

- Ups…

Os cacos do vaso tremiam. Da terra saiu uma nuvem de fumo negro que tentava tomar forma. Ouviu-se um guincho, Pan estremeceu de medo e recuou para a porta. Mas como a terra estava toda espalhada e já não se continha dentro do vaso encantado, a nuvem diluiu-se e a forma que guinchava também se diluiu e antes de ser o que estava programada para ser, feneceu num silêncio agonizante.

- Era… um daqueles bichos pretos…

Voltou-se para a porta. Deparou-se com outro bicho preto, mas real e ameaçador, não era nenhuma nuvem disforme de fumo. Preparou a defesa, mas o livro atrapalhou-a. O bicho foi rápido e socou-a na barriga.

Enraiveceu-se por ter sido atingida. Utilizou a mão direita para esmurrar o bicho. Viu a carantonha descrever uma curva, escutou os ossos de alguma coisa parecida a pescoço estalar. E viu também a raiva nos pequenos olhos vermelhos do bicho. Mas não viu o golpe traiçoeiro que o bicho lançou com as garras em riste.

Pan deu um passo atrás. A face esquerda estava aberta com um rasgão doloroso. Susteve a respiração com o ardor que lhe paralisou o rosto. Encarou o bicho que guinchava satisfeito por tê-la atingido. Largou o livro. Solta daquele peso, conseguiu atacar o bicho com um pontapé que o enviou pelos ares. Antes de este cair no chão, fritou-o com um disparo de energia.

Uma náusea obrigou-a dobrar-se, quase a vomitar. Ouviu o matraquear de passos no fundo do corredor. Um bando de bichos pretos aproximava-se. Afastou a tontura, agarrou no livro e começou a correr. Ao fim de alguns metros, tropeçou e caiu. Estava ofegante e não percebia o que é que lhe estava a acontecer. Levantou-se resoluta. Não podia sucumbir, porque tinha com ela o livro de magia do feiticeiro.

Abriu um buraco no teto e saiu dali a voar. Queria fugir, não pensava mais em Bra. Tinha uma missão mais importante do que resgatar a amiga, pensava confusa. Tinha de guardar aquele livro com ganas, com a própria vida. A cabeça era um remoinho de tonturas que nasciam da face e subiam e desciam, conquistando-lhe todo o corpo.

O sol matutino queimava-lhe a pele e provocava-lhe uma estranha sede de água fresca. Cruzava os céus, os olhos já tinham deixado de ver, movia-se por instinto. E disse, alucinada, a enfraquecer:

- Casa… Quero ir para casa… ’Tousan, tenho o livro de Zephir.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
O salvador.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Feiticeiro Parte III - O Medalhão de Mu" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.