O Feiticeiro Parte III - O Medalhão de Mu escrita por André Tornado


Capítulo 57
VII.4 O salvador.


Notas iniciais do capítulo

Capítulo narrado na primeira pessoa.



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Despertei com ar fresco a bater-me na cara.

Vento.

Pensei que talvez fosse um sonho. Lembrava-me que era de noite e que estava na Capsule Corporation, cheia de fome. Lembrava-me de Trunks a ouvir música no escuro e que ele não quisera a minha companhia. Talvez tivesse sucumbido à fome e tivesse desmaiado de desilusão porque Trunks me tinha mandado embora e agora fugia embalada pelo vento, voando despreocupada como se o pudesse fazer, a escapar do pesadelo de ter sido rejeitada por aquele que o meu coração adorava.

Não abri logo os olhos. Regressei ao meu corpo mole, encarnando lentamente, sentindo a alma preencher cada centímetro do meu ser físico. A dor percorreu-me como uma chicotada de luz e então percebi que estava pendurada no vazio, braços e pernas caídos, como se fosse uma coisa a ser transportada pelo ar.

E depois lembrei-me de Ubo, que vira na Capsule Corporation e escancarei os olhos cheia de medo, porque tinha a certeza que o miúdo me tinha atacado e era por isso que desmaiara, não fora por causa da fome ou da rejeição de Trunks.

Um grito ficou-me atravessado na garganta e quase me sufocou. Voava por cima de uma mancha verde que deduzi ser um espaço rural, pois a velocidade era tal que a paisagem passava como um borrão colorido. Mexi-me agitada, tentei segurar-me a alguma coisa que me desse a impressão que não estava tão atirada à sorte, porque voava, o vento batia-me na cara, estava presa por algo duro e decidido que me envolvia a cintura. Um braço. Mexi-me mais, lancei a mão esquerda até tocar no corpo ao qual pertencia o braço. Os dedos reconheceram o toque de tecido, agarrei-me à camisa do meu raptor, puxei com força. A mão direita tentou conseguir também um pedaço de tecido ao qual se segurar. Icei-me, esperneando e então, finalmente, gritei.

Vi a cara dele, o penacho de cabelo negro ondulava furiosamente e disse-lhe aos berros histéricos:

- Ubo! Mas o que estás tu a fazer? Estás a raptar-me! Mas… tu és dos nossos. Porque é que me estás a levar? Para onde? Ubo, responde-me… Tu atacaste-me?

Voltou a cara para mim e vi-lhe as pupilas vermelhas, um “M” negro tatuado no centro da testa. O medo contraiu-me o estômago. Apertei ainda mais os dedos, amarrotando-lhe a camisa. Vestia-se como um pescador, notei de relance. Pés descalços, calças enroladas nos tornozelos, camisa aos quadrados aberta no peito. Pareceria um rapaz normal não fosse aquele olhar demoníaco e aquela letra rebuscada. Exigi sem pensar:

- Solta-me! Solta-me imediatamente.

Fez um esgar, algo como um sorriso que lhe torceu a boca de uma maneira assustadora. E depois cedeu à minha exigência: soltou-me.

Gritei, de olhos esbugalhados, a sentir o corpo desamparado. Puxei-lhe a camisa, o tecido rasgou-se. A minha segurança foi-se, caía e a queda não seria meiga, pois iria estatelar-me lá em baixo. Haveria de me desfazer em papa, pois nem aquele corpo leve da Dimensão Z me haveria de salvar e lá se ia a rapariga que o feiticeiro precisava para se transformar num deus.

Talvez fosse melhor assim, o Universo seria salvo…

Fechei os olhos.

Um solavanco deteve a minha queda. Escutei a gargalhada, abri os olhos. Ubo tinha-me apanhado por um pulso e ria-se do susto que me tinha pregado. Esperneei outra vez, a gritar como uma possessa. Tossi engasgada, rouca.

Depois de me ter dado a lição que achava que eu merecia, Ubo tornou a agarrar-me pela cintura e continuou o seu caminho, imperturbável.

A metade do Medalhão de Mu balançava no meu pescoço. Compreendi com um arrepio que Zephir era o mentor daquele rapto e isso explicava os olhos vermelhos de Ubo e o “M” negro na testa. Mas não cheguei a deslindar por que estúpida razão teria o aluno de Son Goku se convertido ao feiticeiro e passado a ser nosso inimigo.

Apertei o medalhão, vincando as arestas na palma da mão. Estava aterrorizada, não queria voltar para junto de Zephir, odiava aquele Templo da Lua e sobretudo não desejava ficar com os olhos vermelhos e com um “M” negro desenhado no centro da testa. Não me queria voltar contra Son Goku ou… Trunks.

Engoli em seco, sentia-me à beira das lágrimas. E por que é que Trunks não me vinha salvar? Estaria ainda a curtir a sala escura e a ouvir música? Ou já teria dado pela minha falta?

Olhei para baixo. O verde tinha sido substituído por diversas tonalidades de castanho, que se elevavam em determinados pontos. Passávamos sobre terreno montanhoso e o voo era agora aos altos e baixos, para escaparmos de picos, escarpas e penhascos. Comecei a ficar enjoada. Apertei ainda mais o metal frio do medalhão.

Uma ideia apareceu, louca e arriscada, mas uma possibilidade como qualquer outra. Ubo nunca me iria deixar cair, pois Zephir precisava de mim – com o medalhão. Mesmo que eu fizesse aquilo… Por um segundo, considerei a hipótese de retirar a corrente dourada do pescoço e de atirar o medalhão para que se perdesse nas ravinas daquele terreno montanhoso. Respirei fundo, iria tentar, não teria nada a perder, já estava numa situação condenada. Ia fazê-lo, quando Ubo travou repentinamente. Arquejei com a dor que me esmagou a barriga e senti-me à beira do desmaio.

Obriguei os meus pulmões a trabalhar normalmente, para oxigenar o cérebro, não podia perder os sentidos. Agarrei-me novamente à camisa de Ubo, levantei a cabeça para perceber o que estava a acontecer.

Alguém pairava alguns metros adiante, barrando-nos o caminho.

Reconheci-o e a alegria foi como uma onda morna a penetrar no terror que sentia.

- Gohan…

Descemos numa aterragem rápida que me arrepiou toda. Ubo pousou num planalto rochoso. Eu tinha as pernas moles como gelatina quando senti os pés tocarem em terra firme, mas quis escapar-me do meu raptor. Tentei um coice para me libertar, que foi tão inútil quanto um suspiro.

Gohan seguiu-nos e também aterrou, ligeiramente afastado de nós.

As rajadas de vento fustigavam o lugar, agitavam o cabelo negro de Gohan e o dogi alaranjado que envergava, semelhante ao do pai. Exibia a altivez de um grande guerreiro, estava concentrado e tinha uns olhos vazios. Antecipava o confronto, o que queria dizer que estava disposto a lutar contra Ubo… para me salvar.

Ou talvez quisesse apenas salvar o Medalhão de Mu. Cada vez odiava mais aquele triângulo dourado.

Ou era a minha cabeça zonza que me pregava partidas.

Não conseguia raciocinar, estava mortificada, esfomeada, fraca. Para qualquer dos guerreiros da Terra eu não era um mero acessório. Não o seria para Trunks… O meu coração acelerou. Não o seria para Gohan que tivera a paciência de me tentar ensinar japonês. O meu coração acelerou ainda mais. Não o seria para Goku, que eu tinha abraçado na noite anterior. E o meu coração disparou.

Inesperadamente, Ubo soltou-me e caí sentada no chão duro do planalto. Voltou o pescoço, quase num ângulo impossível, torcendo-o todo, criando pregas de pele junto à gola da camisa. Senti a minha cara arrepanhar-se de horror.

- Nem penses em fugir… Se o fizeres, mato-te – ameaçou com uma voz gutural.

- Não me podes matar. Zephir quer-me viva. Se o fizeres, o feiticeiro vai castigar-te – repliquei com uma coragem estranha, vinda das minhas profundezas.

Arreganhou-me os dentes, numa espécie de sorriso ameaçador e de raiva contida.

- Não sabes se irei obedecer ao feiticeiro. Por isso, fica quieta.

Voltou-se para o adversário, sem esperar qualquer resposta da minha parte. Também não a tinha, não perante aquela ameaça mortal. Teria de confiar no filho mais velho de Goku e não me sentia muito confortada com essa ideia. Afinal, ele tinha desistido de combater para se dedicar a uma carreira académica. Fechei os olhos, pensei em Dende, e supliquei-lhe que o protegesse.

Os dois entreolhavam-se em silêncio.

Os minutos passavam e nada acontecia, só o vento uivava furioso no planalto, incitando-os a começar de uma vez por todas a luta pela minha posse. Rastejei às arrecuas, a ponta da minha sapatilha deslocou algumas pedrinhas, Ubo olhou-me de esguelha. Parei. Percebi a irritação dele através da capa fina e transparente que se desprendeu da pele escura.

Mais silêncio.

Tentei engolir e a garganta doeu-me.

Então, Gohan agiu. Atacou, punho em riste. Ubo defendeu o golpe com o antebraço. Soltou uma gargalhada. Empurrou Gohan, fazendo-o subir pelos ares e enviou um disparo de ki. A explosão foi demasiado brilhante e protegi os olhos com as mãos.

O vento dissipou o fumo e Gohan tinha desaparecido. Pelo meio das pestanas vi Ubo encolher-se, enquanto enrijecia os músculos do corpo, preparando-se para o embate. Que veio dois segundos depois, inesperado e poderoso. Não vi o que aconteceu claramente, era impossível também, pois o conjunto de golpes foi demasiado rápido. Quando me pareceu que a cena se focava e devolvia uma imagem estática, uma fotografia do momento intenso, Gohan estava onde Ubo estivera e Ubo tinha desaparecido. Escutei um ribombar distante, voltei a cabeça alertada pelo som. Os pedregulhos caíam, rolando uns por cima dos outros, numa cascata ensurdecedora onde Ubo tinha caído.

Um puxão pôs-me de pé. Ainda tinha as pernas em gelatina e senti os joelhos cederem miseravelmente. Olhei para o meu salvador aliviada, cansada.

- Ana, foge daqui. Ele vai voltar.

Perguntei atónita:

- Queres que fuja? Para onde?

Estava no meio de um deserto pedregoso, sem trilhos ou caminhos à vista.

- Ubo vai atacar e não vou conseguir proteger-te. O nosso combate vai aumentar de intensidade. A energia dele está a aumentar… Isto vai ficar muito perigoso.

Agarrou-me nos braços e foi insistente, duro.

- Percebeste?

Teria de descobrir uma forma de abandonar aquele planalto. Vi os olhos dele passarem de relance pelo medalhão.

- Hai – concordei.

O chão começou a tremer. A areia e as pedrinhas saltavam como pipocas num tacho destapado. Gohan soltou-me. O monte de pedregulhos agitava-se porque o que soterrava mexia-se ali debaixo, queria soltar-se, iria soltar-se. Finas tiras de luz começaram a irromper do monte, uma a uma, criando um porco-espinho luminoso.

- O que é que se passou com Ubo? – Perguntei.

Ele encarava o monte de pedregulhos iluminado que se desfazia sob o efeito de uma força imensa.

- Foi enfeitiçado…

- Vais enfrentá-lo?

- Para que possas fugir, devo fazê-lo… Ana-san, nunca, mas mesmo nunca, poderás cair outra vez nas mãos do feiticeiro.

Voltou-se.

- Se confias em que te vou proteger, confio que consigas fugir para o mais longe possível deste lugar.

- Não combates há tanto tempo… - E depois arrependi-me de o ter dito.

Sorriu-me com alguma mágoa.

- Sou o filho de Son Goku, sou um saiya-jin. Os saiya-jin não se esquecem de como se combate.

Tive de me equilibrar pois o tremor de terra era cada vez mais intenso. Suspirou, confessando:

- Não vim até aqui para combater, mas também não tinha a ilusão de que não iria empregar a força ao ter vindo para um sítio tão perigoso como é o Templo da Lua.

- Estamos perto do Templo da Lua?

- Hai.

Nisto, gritou:

- Foge! Imediatamente!

Os pedregulhos foram projetados para a atmosfera, lançados pela energia pulsante que criava a estrela luminosa que nascera naquela prisão rochosa.

E eu fugi. Escorreguei por uma ladeira íngreme e irregular, raspei as mãos e os braços, rasguei as mangas do casaco. Tremia a fugir, mas só me lembrava que tinha de sair do planalto. Um dos pedregulhos caiu à minha frente com estrondo. Gritei durante um minuto, ininterruptamente, com o mesmo fôlego. Reparei que o tremor de terra tinha terminado. Estava ofegante de medo, de exaustão.

Uma explosão de brilho fez-me olhar por cima do ombro. E vi uma supernova a desagregar-se no céu azul. Ubo e Gohan combatiam. Levantei-me, limpei os olhos lacrimejantes.

- Boa sorte, Gohan.

Continuei a descer a ladeira, uma espécie de trilho, algo parecido a uma escapatória daquele lugar abandonado onde lutavam dois guerreiros fantásticos.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
A necessidade de combater.



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