Clichê! escrita por Jessearth


Capítulo 4
Raízes


Notas iniciais do capítulo

Oi, olha eu aqui de novo. Desculpe a demora (se é que alguém notou), mas eu tive uma penca de problemas por isso não pude postar antes. Foi um tal de internet caindo no meio da escrita do capitulo, falta de luz, falta de tempo... Afe.
Na próxima vez posto mais cedo. Tenho um sério problema com prazos (meus professores tão ai que nao me deixam mentir).
Bem, é isso. Enjoy!



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Pouco depois de sair da rodoviária, Guilherme sentira o alívio de deixar a cidade grande, e agora, toda vez que via uma galinha ou vaca pastando, ele sorria. A visão em si não era o bastante para se esquecer do motivo que o levava aquele lugar. Guilherme, pouco antes de deixar a cidade, entrou no processo de declaração de falência. Na verdade, só entrou. Por que até o caso realmente começar, Guilherme pretende estar morto e gozando da inconsciência eterna.

Ele entregara as chaves de seu apartamento, prometendo vendê-lo, ao síndico e foi embora ouvindo as vivas de Dona Marilda.

Guilherme encostou a cabeça na janela do ônibus. Há muito tempo, sentara-se num ônibus parecido com aquele, mas com destino contrário. Ele vira, com os olhos marejados, as vacas pastando, os fazendeiros à beira da estrada e sacolejou, como agora, com os buracos da estrada, quase arrependido de ter partido. Guilherme bocejou, entediado. Tinha uma leve sensação de quem iria se arrepender amargamente da decisão que tomou, mas não tinha muitas escolhas. Aquele lugar representava a maior e mais complicada parte de sua vida. Imagine: ainda mais complicado do que o lugar que o fez se matar.

Lembrou-se de sua família. Sua família constituía-se de sete membros. Os pais e os cinco filhos, incluindo Guilherme. Guilherme era o terceiro mais velho. Seus dois irmãos mais velhos eram o orgulho de sua mãe. Os dois juntos, pelas contas de Guilherme, casaram-se e divorciaram-se quase sete vezes. José Mauro, o primogênito, vivia no Rio Grande do Sul com uma namorada e seus seis filhos. Josias era o filho predileto de sua mãe e o único dos homens a viver com ela. O filhinho da mamãe. Dos outros, Guilherme nunca teve muitas notícias - nem quando morava com eles.

Guilherme era o único filho que morava na cidade grande. A vergonha da família.

Sua mãe era uma daquelas mulheres antigas e tradicionais que iam a igreja todo o domingo e davam boa noite ao repórter do jornal quando se apresentava. Boa noite, estamos começando... "Boa noite, senhor. Dá boa noite pro homem, menino!". Uma mulher que não se importava se seus filhos homens se casassem, mas que exigia netos. Não por que gostasse de crianças, mas poder passar seu sangue cabra-macho adiante. Transmitir seu legado por gerações. Guilherme não ter filhos era mais uma ofensa pessoal.

Alguém sacudiu seu braço e Guilherme acordou sobressaltado. "Senhor, chegamos". Guilherme buscou a bengala e a valise. "Obrigado".

O susto ao notar a total semelhança da cidadezinha em que desembarcara com a de suas lembranças foi perfeitamente agradável. O sentimento de nostalgia meio que o invadiu enquanto andava pelas ruas onde cresceu. Um senhor em um barzinho o reconheceu; e passaram algum tempo conversando sobre as peripécias de Guilherme, seus pequenos atos de contrabando de balas. Reviu um antigo colega de brincadeiras e uma namoradinha que hoje se casara. Reconheceu sua antiga rua.

Ele lembrava-se bem. A sua casa era uma das únicas de dois andares em muitos quilômetros. E ainda era. A fachada havia melhorado um pouco, com um visual levemente urbano, possivel obra de Josias, Guilherme imaginou. Passou um bom tempo ali, parado há poucos metros da entrada do quintal, hesitando.

Guilherme quis voltar. Fora longe demais. Estava mesmo parado em frente ao seu lar do passado? Era pior do que encarar os portões do inferno. Mas já era tarde demais. Guilherme deu um passo hesitante para frente, vendo, mentalmente, a Morte rindo-se dele, de sua incapacidade. Talvez se ele fracassasse Ela visse a extensão de sua inutilidade e percebesse, que no fim das contas, ele estava certo. "Não!", ele deu um passo a frente. "Prove que não precisa viver e não viverá". Não era esse o acordo? É só provar. Mostrar a Morte um pouco da verdade por trás de sua dor.

Ele deu dois passos para frente. Depois, mais um, e quando se deu conta atravessara metade do quintal. Identificou lugares de sua infância, brincadeira, pequenas memórias que não conseguia esquecer. Parou. Havia uma varanda que não existia em suas lembranças. Uma mureta de tijolos. E um homem. Ele estava deitado sobre uma cadeira de balanço, com os pés sobre a mureta e um chapéu de palha cobrindo o rosto. Um pedaço de capim mastigado saia dali.

Guilherme baixou sua mala ao chão. Bateu a bengala de leve na perna do irmão. O homem resmungou, mas não disse nada. "Há!", Guilherme riu baixo. "Criando a boa imagem de caipira?".

Josias ergueu a aba do chapéu, espiando com um olho. Depois sorriu. Tirou o chapéu da cabeça, repousando-o sobre o peito. "Sabe como é. Como posso enganar os 'caras da cidade grande' se nem me pareço com um caipira? Tenho que fazer jus ao papel".

"É", concordou Guilherme com um aceno, "eles ficariam decepcionados se soubessem que você passa a maior parte do tempo do Facebook. Perderiam a fé no mundo".

Josias deu uma risadinha baixa. Tirou os pés da mureta e se colocou de pé, fitando atentamente o irmão. "Eu fiquei surpreso", disse. "Quer dizer, quando você ligou. Nunca imaginei que..."

"É, nem eu".

Os dois se encararam.

"Ela quer ver você. A mãe".

"Não sei se posso. Nem se devo".

"Por que veio até aqui?"

"Não sei". admitiu Guilherme. "Mas já estou arrependido".

Josias baixou os olhos, olhou para o alto, e deu uma risadinha baixa. "A sua sinceridade é cruel, sabia?".

"É uma herança de família".

Josias bateu o punho contra a mureta. Apontou para Guilherme. "Eu pedi a mãe para deixar você vir. Pedi a ela. Não faz ideia de como foi difícil convencê-la".

"Por que, a mamãe não quer me ver?".

"Não se faça de idiota", rosnou Josias. " Você a magoou. Feriu os sentimentos, o orgulho dela!"

"Então se trata disso? De seu enorme orgulho?"

Os dois ficaram um bom tempo se encarando, Guilherme se impondo, Josias tentando não brigar. Por fim, o irmão mais velho suspirou.

"Vou deixá-lo entrar, Guilherme, com uma simples condição: você não vai fazer nada para lembrar aquele episódio. Está me ouvindo? Não quero que a magoe novamente".

Guilherme respirou fundo, fitando a casa atrás de Josias, queria dizer a si mesmo que sentia falta daquele lugar e que faria qualquer coisa para voltar a entrar lá, mas seria hipocrisia de sua parte. Queria ir embora. Mas Josias estava esperando uma resposta. Ele fechou a cara e respondeu: "Tudo bem. Eu prometo que vou me comportar, maninho. Vai me deixar ver a mamãe agora?"

Josias abriu o portão da varanda, e virou-se para entrar na casa. "Você é o mesmo idiota de sempre", riu-se.

Guilherme pegou a valise do chão e entrou em "casa", batendo as botas (Ou melhor, "a bota", ainda não tirara o gesso) para tirar a poeira. Imaginou que o irmão não notara o gesso por causa da mureta entre eles. Ele teve que admitir que o olhar do irmão foi surpreso ao ver a perna recoberta de gesso.

"O que você...?" Sua mão apontava a perna.

"Uma tentativa frustrada de corrigir os erros da mãe. Onde ela está?"

Josias balançou a cabeça, desaprovador. Guilherme ficou aliviado por o irmão não ter entendido o real significado daquilo. "Está lá em cima", ele respondeu seguindo para a cozinha. Antes que entrasse, Guilherme o ouviu falar alto. "Marta, você não vai imaginar quem está aqui!"

Guilherme tomou fôlego antes de entrar na cozinha. Enxugando as mãos num pano de prato bordado, Marta encarava Josias com uma expressão confusa. Quando viu Guilherme, deixou o pano cair. Fitaram-se mutuamente; Guilherme desafiador; Marta, atônita.

Ele se lembrou que ela era a mais nova dos irmãos, ela não o odiava como os mais velhos. Ele repetiu isso a si mesmo quando ela o abraçou com força. Guilherme cambaleou para trás, sem o apoio do pé machucado. "Ei, ei, vai me esmagar desse jeito". Ele enxugou uma lágrima do rosto da irmã caçula. "Oi, maninha".

Os três irmãos dispensaram um bom tempo pondo as notícias em dia. Marta finalmente parou de chorar quando recomeçou o trabalho de fazer o almoço, ocupando a cabeça. Passou um café para Guilherme que lembrou-se de como sentia falta do café coado na hora, quentinho. Bebera muito energético nos últimos tempos. Os irmãos faziam perguntas sobre a cidade grande e Guilherme respondia da melhor maneira possível. Josias fazia pose e também falava da cidade, mas nunca estivera numa grande metrópole em toda a vida.

"Mas, irmão, por que voltou?" perguntou Marta terminando de colocar as panelas na mesa. Delas subia uma fumaça clarinha de aroma maravilhoso. "Não que não seja maravilhoso vê-lo novamente, claro".

"Não... Voltei, tecnicamente falando. Digamos que só estou de passagem, e quis fazer uma visitinha", explicou tomando um gole do café. Josias brincava com uma formiga sobre a mesa enquanto Marta só assentia de leve. Depois disso, eles mudaram de assunto.

Guilherme não questionou o motivo de sua mãe não ter descido para almoçar. Ele tinha quase certeza de que ela o ouvira chegar, e não acreditava muito que fosse vê-la em algum momento. Mas estava errado; porque logo depois de almoçarem, Guilherme viu Josias ficar tenso e se levantar de supetão, olhando para a entrada da cozinha, a qual estava de frente. Guilherme estava de costas a ela. Ele se levantou, imaginando o motivo para a tensão de Josias, virou-se lentamente e a viu parada no batente da porta.

Ele lutou contra com vários sentimentos de uma só enquanto ficou fitando os olhos duros da mãe. Os dois se avaliaram. Sua mãe não ficara ilesa dos males do tempo: as rugas embaixo dos olhos que já eram comuns a Guilherme quando menor agora eram muitos mais visíveis e fundas, estava mais magra, porém seus braços eram flácidos e de aparência frágil. Os cabelos brancos e quebradiços. Parecia ligeiramente mais escura; queimada de sol, pensou. E também, havia pequenas manchas escuras em torno dos braços magricelos.

Sua mãe ainda não dissera nada. Guilherme quis saber o que ela estava pensando. Ele espiou por cima do ombro, mas não viu nenhum dos irmãos.

"Não vai dizer nada a sua mãe, garoto?" Guilherme estreitou os olhos, mas sentia-se um pouco contente. Não queria admitir, mas ficara um pouco feliz por sua mãe ainda ser a mesma mulher. Disse a si mesmo que era porque facilitaria seus planos de morte, e não por motivos sentimentais bobos.

"Oi, mãe", disse finalmente, arrancando uma careta da mãe.

"Oi, mãe?", repetiu a mulher num tom de deboche. "Oi, mãe?" Deu alguns passos não muito firmes na direção de Guilherme. Encarou    Guilherme com evidente desconfiança nos olhos. "O que faz aqui?"

"Senti saudades". Ele não pode evitar, o tom de voz de sua mãe o incitava a implicar com ela.

"Não minta pra mim, garoto".

Guilherme soltou uma risadinha sem humor. "Estou um pouco grande para continuar me chamando de 'garoto', mãe".

"Eu o chamo do jeito que eu quiser. Um garoto deve ser tratado como tal".

Os dois se encaram, desafiando um ao outro. Guilherme viu nos olhos da mãe que ela ainda esperava a verdade para a sua pergunta. Ele arrastou os pés, tentando mudar o peso do corpo, mas se esqueceu do pé machucado e doeu um pouco. Guilherme se encolheu levando a mão à perna instintivamente. Sua mãe notou. Franziu o cenho, confusa.

"Anda tentando se matar por aí?".

"Você realmente se importa?" retorquiu Guilherme e sua mãe não respondeu.

Sua mãe respirou profundamente, e cruzou os braços numa pose que Guilherme já vira durante anos, quando ela estava prestes a passar um castigo. Ele quase riu. Imaginou se ela o ameaçaria com o cinto caso se recusava a dizer alguma coisa.

"Estou esperando Guilherme".

Guilherme abriu um sorriso cínico. Mudou a perna machucada de lado e caminhou trôpego em direção a sala. Sua mãe o seguiu com o olhar. Ela a fitou na metade do caminho.

"Por que não se senta, mãe? Tenho algumas coisas que quero lhe contar".


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Notas finais do capítulo

Então, gostaram? Se sim, mandem reviews. Se não, mandem assim mesmo :D
Agora, vou logo avisando, talvez eu comece a postar um capitulo por semana só. Eu não gosto, mas as aulas voltaram T_T e eu preciso me concentrar esse ano, ano passado só teve tragédia - não quero falar sobre isso.
Bye, até o próximo capitulo!