A Garota E O Fantasma escrita por LiKaHua


Capítulo 3
Capítulo 02




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Quando abriu os olhos, Alissa percebeu que estava em seu quarto, confortavelmente deitada em sua cama e coberta, mas como? Será que estava tão abalada com a morte de Deyv a ponto de ter imaginado aquilo tudo? Fora apenas um sonho? Não... Ela se lembrava de levantar, foi real. O arrepio ainda percorria todo o seu corpo, estava pálida. Olhou para a cama de Karen, que ainda dormia profundamente, os raios de sol já se desprendiam no horizonte. Ela se forçou a levantar e fitou sua figura em frente ao espelho, estava pálida, abatida, e sentia-se, sobretudo, morta por dentro.

Como ia conseguir sair? Como ia ficar na escola? Na praça, se em todos os lugares havia uma lembrança dele? Mesmo assim nada podia ser feito, ela precisava encarar, mas a dor que sentia não podia ser ignorada, naquele dia, passou pelo corredor do colégio outra Alissa. Uma Alissa pálida e abatida, com um olhar mortalmente triste, olheiras profundas, cabelos escondidos por um capuz que vinha do casaco preto que usava, a calça preta e o coturno completavam o visual, nenhum adorno, nenhuma maquiagem, apenas Alissa e a dor que a acompanhava. Os olhares, antes curiosos ou assustados, agora percebiam que a garota estranha e antissocial tinha sentimentos, que sofria como qualquer pessoa.

Alissa não queria ver aula, com os fones de ouvido no volume máximo ela se perdia em recordações dos momentos que passara com Deyv, as lágrimas eram envolvidas por metal sinfônico, suas músicas favoritas, as musicas que Deyv mais gostava, ainda não conseguia acreditar que ele estava morto, que nunca mais o abraçaria, ouviria a voz dele chamando-a de maluca, de menina. Seu peito doía demais.

– Alissa? - A professora chamou. - Alissa?!

– O quê? - Alissa tirou um dos fones tentando prestar atenção.

– Você não está em condições de ver aula hoje, como todo mundo já percebeu, vá para casa.

– Eu tô bem. – Era uma mentira na qual nem ela mesma acreditava.

– Tem certeza? – Firmou a professora.

– Sim. - Alissa insistiu, secando as lágrimas. Repreendeu-se mentalmente. - Vamos lá Alissa, força, você consegue! Se acalma, droga!

O resto do dia pareceu interminável. Na hora de sempre Alissa encontrou-se com Karen na praça, onde costumavam se encontrar com Deyv para ver o por do sol, olhando a irmã com o olhar aquoso, Karen perguntou com a voz chorosa:

– Ele não vem, não é? Nunca mais...

Alissa abraçou a irmã com carinho, tentando evitar as lágrimas, tentando tirar força de onde não tinha para ajudar Karen naquele momento. No fundo queria que alguém ligasse e dissesse que era mentira, uma piada de mau gosto, e que Deyv logo voltaria, que tudo seria como antes. Olhando para o céu ela desejou que ele a ouvisse, que não tivesse ido. O sol se escondeu atrás da montanha e a escuridão começou a tomar a cidade, Alissa ligou o celular com a música Memories, que julgava perfeita para aquele momento porque as memórias de Deyv era tudo que teria agora.

As duas caminharam para casa, tristes, vestindo o preto que desta vez, simbolizava o luto de suas almas. Alissa não chorava na frente de Karen nunca, dedicava seu tempo a manter a irmã calma e entretida com alguma coisa, fosse um filme, um dever de casa, um afazer doméstico. Tentava dar o máximo de carinho que ela precisava e sempre procurava consolá-la quando a dor alcançava tamanho nível que ela precisava desabafar. Enquanto isso, Alissa guardava suas lágrimas, se começasse a chorar talvez não conseguisse mais parar. Era o momento de ser forte pela irmã, ela era o único pilar que Karen tinha para se agarrar agora.

Eram duas da manhã quando Alissa despertou, novamente havia um barulho estranho na casa, desta vez no quarto vazio que ficava na cozinha, insegura ela levantou da cama indo até lá e sussurrou um "oi" fraquinho enquanto as pernas tremiam. Nenhuma resposta. Ela voltou para o quarto e sentou na cama levando as mãos ao rosto. Karen dormia profundamente, os pais também, apenas ela estava ali acordada em meio à casa escura e tenebrosa à noite.

– Qual é, Alissa? – Repreendeu-se. - Desde quando você fica agindo como uma criança de três anos? Não tem ninguém na casa! Vai dormir!

– Ninguém?! – Uma voz grave e cadenciada ecoou no quarto. – Nossa, eu já recebi um tratamento melhor!

Quando Alissa virou o rosto viu que era Deyv, ali ao seu lado, o rosto sereno, terno, olhando-a como sempre fez. Ela deu um pulo na cama, encolhendo-se contra a cabeceira e abraçando o travesseiro, fechou os olhos tentando evitar o grito que veio na sua garganta e começou a repetir para si mesma:

– É só um sonho, Alissa... Acorda! Acorda!

– Vamos lá, menina! – Repreendeu Deyv. - Você era menos medrosa antes!

Abaixando o travesseiro, Alissa percebeu que ele ainda estava lá, e ria dela com o mesmo cinismo de sempre, o cinismo que a fazia rolar de rir. Assustada e com os olhos arregalados ela gaguejou:

– An-Antes você não brilhava... N-Não t-tava Mo... Mo... Mo...

– Morto Alissa! – Gritou com tédio. - Fala logo! Até parece que tá vendo um fantasma!

Ele começou a gargalhar, Alissa estava imóvel, era mesmo Deyv, seu melhor amigo de sempre. Como? Ele parou de rir por um momento e a olhou:

– Certo, essa piada foi infame, eu sei. – Recompôs-se.

– Você devia ter aparecido para a Karen e não pra mim! – Forçou as palavras a sair, quase sem achar sua voz diante do choque.

– E você devia parar de gaguejar como se estivesse vendo o Freddy Krueger! Eu sei, eu tô morto, e se eu não apareci para a Karen é porque eu sei que, por mais que pareça, ela não é forte o bastante. – Explicou ele, calmamente.

– E você acha que eu sou? - Ela perguntou, já mais calma.

– Você não gritou. É um bom sinal da minha teoria. – Deu de ombros. - Qual é, Alissa, somos amigos, sempre seremos!

– E o que aconteceria se eu gritasse? – Quis saber.

– Hum... – Ele fez uma falsa expressão de quem estava pensando, com a mão apoiando o queixo. - Ia acordar todo mundo e pensariam que você estava louca porque mais ninguém consegue me ver ou ouvir!

– Eu tô vendo que o seu humor não foi nem um pouco afetado pela mulher da foice, né? – Ironizou. - Em que eu posso te ajudar?

Eu que estou aqui pra te ajudar! – Ele enfatizou as palavras como se falasse com uma criança.

– Agora eu entendi menos ainda! Me ajudar em quê? – Perguntou ela, confusa.

– A seguir em frente. Depois de mandar o meu "papai" - Ele cuspiu no chão ao dizer a palavra. - pra cadeia!

– O que houve com você, Deyv? Quem fez isso? – A dor voltou a martelar-lhe o peito.

– Feche os olhos. – Ordenou. - Não precisa ter medo.

Alissa obedeceu. Deyv tocou em sua testa e ela sentiu um leve arrepio, como se uma brisa suave passasse pelo seu rosto, nesse momento, as imagens surgiram como advindas de uma neblina, e ela pode ver a cena clara em sua mente, como se tivesse sido transportada para lá.

Deyv e Dennys discutiam com o homem gordo e de aparência asquerosa, Alissa lembrava-se de tê-lo visto, lembrava-se de Deyv protegendo-a dele. Ela não podia ouvir o que diziam, mas viu quando o homem apontou a arma para Dennys e disparou, Deyv passou na frente do irmão. Um tiro acertou na cabeça de Deyv e outro nas costas de Dennys, que caiu ao lado do irmão, chorando:

– Deyv... Cara... Acorda...

Ele falava com dificuldade, o sangue escapando pela boca enquanto contemplava seu irmão morto em sua frente, a poça de sangue se formava embaixo da cabeça de Deyv, chegando até Dennys, que não conseguia sequer se mexer sentindo uma dor aguda em todo o corpo. A ambulância chegou alguns minutos depois que o homem sumiu, mas era tarde demais, Deyv estava morto.

Ao abrir os Olhos, ofegante, Alissa começou a tremer, as imagens não saíam da sua cabeça, uma mistura de choque, raiva, revolta e dor se misturavam dentro dela.

– Não acredito que ele fez isso... – Sussurrou rendendo-se às lágrimas.

– Então, acha que eu sou um fantasma mentiroso? – Deyv fingiu estar ofendido.

– Eu falei com indignação, Deyv, não com dúvida! – Defendeu-se.

– Eu sei, mas é legal te contrariar! – Provocou.

– Se eu te bater não vai doer né? – Ela passou as mãos pelo rosto.

– Essa foi uma pergunta idiota!

Os dois começaram a rir, era tão bom sentir aquilo de novo, por um instante Alissa não sentia uma dor tão forte em seu coração, era como se conseguisse sentir que seu melhor amigo estava mesmo ali, era mesmo ele, mas como era possível e por que ela? Deyv olhou-a e falou um pouco sério.

– Olha, eu sinto muito por isso, não imaginei que ele fosse fazer aquilo. O Dennys tá bem, agora tentem não chorar mais... Eu não gosto de ver você e a Karen assim, você sabe que vocês sempre foram especiais pra mim...

– E como achou que a gente ia se sentir? – Alissa perguntou, chocada.

– Eu sempre vou estar com vocês...

– Dá um tempo, Deyv! – Bufou, irritada. - Esse papo sentimental não é nem um pouco a sua cara!

– Agora tente dormir, eu tenho que ir. Mas não se preocupe nos veremos de novo logo. E não ache que está dormindo, senão, da próxima vez eu te belisco!

Alissa mostrou a língua para o amigo e sorriu, deitando-se na cama, fechou os olhos por um segundo e, quando abriu, Deyv havia sumido. Ela respirou fundo várias vezes, no fundo, por mais real que tenha sentido que foi não conseguia de fato acreditar que aquilo estava acontecendo. O dia amanheceu triste àquela manhã, como se o sol não quisesse mais brilhar depois que a estrela de Deyv se apagou... Alissa despertou preguiçosa, havia dormido pouco, quase nada, e não conseguia deixar de lembrar-se do que acontecera ontem. Será que estava enlouquecendo?

– Alissa, o que está havendo com você? – Perguntou a mãe, pela manhã.

– Como assim mãe? – Fez-se de desentendida.

– Eu ouvi você conversando sozinha hoje de manhã.

– Eu estava lendo... – Mentiu.

– E quando você conseguiu a habilidade de ler no escuro? – Desafiou.

– Dã! Tava usando o celular...

– Alissa, você mente tão bem quanto faz contas de cabeça! – Repreendeu-a carinhosamente. - Filha, eu sei que a morte do seu amigo te afetou muito... Mas...

– Mãe, me deixa tá? Eu tô bem.

Alissa não queria falar daquilo, ela ainda lembrava nitidamente o que Deyv lhe mostrara, naquele momento ela só queria justiça e conforto para sua alma abatida pela dor da perda de metade do seu coração.


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