Shikihime escrita por Ms Saika


Capítulo 4
III - Entre reis e peões




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/321196/chapter/4

Mithera

As florestas seguiam seu caminho exuberante circundando cidades e vilarejos, adornando montanhas, salpicando de verde até mesmo as áreas mais áridas. O vento que vinha do oeste trazia um distante aroma de maresia. À medida que se seguia a sul, o calor do verão parecia tornar-se mais ameno, especialmente quando se subia pelas montanhas. E era lá no alto dos grandes montes que se localizava um território cuja principal barreira era o seu próprio relevo acidentado, para se chegar à Trovithera era necessário conhecer trilhas pelas montanhas que só seus habitantes seriam capazes de desvendar. Em meados do outono e durante todo o inverno a subida se tornava impossível para qualquer um que quisesse chegar com vida, mas o mesmo valia para quem quisesse sair do país e sendo assim, os habitantes passavam a maior parte do tempo isolados do restante do mundo.

Mas em tempos de guerra esse isolamento geográfico não era de todo ruim. Era sob o frio congelante do inverno montanhoso que o povo de Trovithera se sentia mais seguro apesar dos obstáculos geográficos; O frio congelava a terra e a vegetação tornando impossível cultivar as plantações, o que obrigou o povo a se adaptar as condições climáticas para sobreviver: O cultivo começava no início da primavera, quando a neve começava a derreter. O trabalho era árduo nos campos de plantação afinal era necessário ter o suficiente para o ano inteiro de uma só vez, já que boa parte do alimento plantado seria estocado para ser consumido no período frio.

Apesar das adversidades, a Trovithera ao longo dos séculos galgou seu lugar para tornar-se uma potência de guerra. As crianças aprendiam a lutar desde cedo, logo integravam o exército, o treinamento era intensivo e feroz e tamanha preparação fazia com que os soldados fossem temidos como verdadeiros tigres em batalha. Tudo isso aliado ao fato de que jamais algum exército inimigo havia conseguido invadir aquele território espalhava a fama daqueles guerreiros, tornando o exército Trovitheriano muito provavelmente o mais temido de todos. O país enriquecera graças a suas conquistas e toda essa riqueza era investida em infraestrutura e avanços tecnológicos na agricultura e nas áreas bélicas. O povo vivia em fartura conforto.

Atravessando os imensos muros fortificados que protegiam aquela terra envolta em mistérios, tem-se a dimensão da quão grandiosa era aquela cidade. Mais ao sul da Trovithera, sobre alguns morros, reinava absoluto o majestoso palácio sede do poder central. Era belo e ao mesmo tempo assustador em sua grandeza, o tom escuro das pedras que o formavam davam um aspecto pesado que era quebrado apenas por alguns vitrais que adornavam as janelas da fachada do chão até o topo. Lá em cima, em uma das torres, através da janela via-se uma silhueta esbelta que observava lá de dentro o céu estrelado. Era uma mulher.

Os límpidos olhos azuis, num tom levemente acinzentado, vagueavam semicerrados pelas nuvens e adornavam o rosto alvo de expressão longínqua. E como era belo seu rosto, parecia esculpido cuidadosamente por um hábil artista, perfeitamente moldado por ondas loiras que caiam pelos ombros. Seu aspecto chegava a ser angelical não fossem os olhos frios e pesados que possuía, mas não menos belos que o resto do conjunto. A jovem caminhou pelo rico recinto até uma poltrona onde sentou-se, apoiando a cabeça sobre a mão num gesto cansado e ao mesmo tempo impaciente.        

–Eu estava tão perto... – Disse num tom resignado. Foi então que fez-se presente uma segunda figura que estava mais ao canto daquele salão. Esse era um homem trajando uma capa que lhe cobria todo o corpo e vestes e arrastava-se ao chão à medida que ele lentamente se aproximava. – O que saiu errado, Orwen?

-Minha rainha, não deveria se preocupar tanto, estamos tendo tantas novas conquistas, por que se ater a uma única falha? – Ele respondeu-lhe em sua voz grave. Um leve sorriso desenhou os lábios finos que marcavam um rosto de traços suaves. Tinha um olhar profundo, misterioso, colorido por olhos acinzentados que agora a fitavam com um brilho peculiar.

-Por que uma única falha é suficiente para arranhar algo que era perfeito. E eu não me contento com nada menos que a perfeição. – Ela disse fria.

-Mas uma falha sempre pode ser corrigida. – Orwen aproximava-se lentamente enquanto tentava contornar a insatisfação da mulher.

-E será. Essa foi a última vez que confiei na pessoa errada para uma missão importante. – Ela ergueu-se e voltou a observar a janela onde estava anteriormente, pensativa. – Mas esse homem sabe demais... Quero que assegure que ele não verá o próximo amanhecer. – E falando isso, olhou o homem que assentiu com a cabeça. – Lune tece teias como uma aranha venenosa, há alguma coisa muito importante acontecendo em Denhaar, nunca estiveram tão fechados. Precisarei de outro informante, um que não me decepcione desta vez.

-Eu tenho uma notícia que provavelmente vai fazê-la se sentir mais tranquila. – O homem falou-lhe.

-Notícia?

-Uma mensagem chegou de Virn pouco antes do anoitecer: Bridish aceitou nossa aliança e enviará seu exército para lutar conosco contra os Sasennianos. Nem grandiosa Sasenn será capaz de resistir à força de nossos exércitos combinados. – E dizendo isso, ele percebeu um sorriso formar-se no rosto dela.

-Excelente. – A soberana concluiu – Durante anos os Sasennianos adiaram sua derrota usando a força de suas montanhas. Mas agora nem mesmo a natureza será capaz de bloquear nossa ofensiva. Se a barreira montanhosa for ultrapassada, então essa batalha já estará ganha. – Ela se aproximava lentamente dele enquanto falava. – Por quanto tempo pensavam que poderiam sobreviver nesse mundo só se defendendo?

-Quem sabe achavam que podiam seguir a grandeza de Denhaar.

-Denhaar não tem postura ofensiva, mas se apoia em muito mais que suas vantagens geográficas para ser uma defesa impenetrável. Há muito ali que os demais ignoram, mas eu não. Eu irei descobrir a fonte do poder deles, e começarei isso destruindo Lune, aquela serpente traiçoeira. – A mulher cerrou levemente os punhos, havia um brilho de ódio em seus olhos. O outro a olhou com um quê de ternura em seu semblante misterioso.

-Não se preocupe, minha rainha. Logo seus feitos grandiosos a farão ser reconhecida como soberana por todos deste mundo. – O rapaz a falou, fazendo com que ela lançasse um olhar diretamente dentro do dele. Erguendo a mão de dedos finos, a rainha tocou-lhe a lateral do rosto num afago bastante íntimo, que escorregava lentamente pela orelha e pescoço.

-Orwen... Quantas vezes terei de dizer que não precisa usar de formalidades quando estivermos a sós? Tem que parar de agir como se fosse apenas um de meus soldados... – Ela disse fitando-o com um leve sorriso que por alguns momentos lhe tirou o frio costumeiro do olhar e acrescentou a ele um brilho cheio de sentimento.

-Você sabe que independente de ser ou não a soberana da Trovithera, sempre foi e sempre será a minha rainha Medith. – E ao ouvir tais palavras, quase sussurradas, ela aproximou o rosto e encostou-o ao dele, sentindo o calor de sua tez, guardando-se em seu pescoço, acariciando-o com o escorregar de sua pele. Ele segurou-lhe a cabeça, acariciando com a mão os cabelos sedosos e a pele branca da bochecha de Medith, inclinando o rosto para envolver o dela que agora estava apoiado em seu ombro. Aquela simples carícia trocada por tão breves segundos conseguia ser carinhosa na mesma medida em que era extremamente sensual.

Aos poucos eles iam se separando até que ela o soltou delicadamente, ainda olhando-o até virar as costas e afastar-se para a janela. Orwen a observava em cada passo.

–Avise Irian e Abrah que os quero ver tão logo o dia raiar... – Medith disse-lhe, sua voz agora soava num tom bem mais suave que antes. – Quero uma reunião com os generais e os outros comandantes para falar a respeito da invasão a Sasenn. – E dizendo isso, ela desviou um último e carinhoso olhar a seu mais fiel comandado, antes de sair do recinto, deixando- o sozinho.

País de Oran

A chuva caía forte e impiedosa sobre o campo de batalha naquela noite. O Barulho dos trovões servia de fundo para a luta fervorosa que acontecia naquele momento, interrompendo o ruído agudo das espadas que se chocavam e dos gritos desesperados daqueles bravos soldados. O Lugar estava completamente tomado pelas tropas que se confrontavam. Do lado defensor, soldados modestamente  armados em comparação ao sofisticado poder de ataque e defesa do inimigo, entretanto com coragem e bravura para proteger sua terra mesmo sabendo que seus destinos provavelmente já estavam traçados àquela altura. Os guerreiros invasores lutavam com o moral alto graças a enorme vantagem que haviam conseguido e se preocupavam apenas em avançar mais, derrubando os últimos focos de resistência que ainda se mantinham de pé.

 Do topo de um morro próximo, um homem coberto por uma capa cinzenta assistia a tudo com atenção sobre sua montaria, a expressão satisfeita lhe era notável enquanto observava seu exército alcançar facilmente o triunfo. Seu olhar era profundo e gélido, de um verde penetrante, e um sorriso arrogante desenhava seu rosto. Aparentava ser mais jovem do que realmente era, mas exibia fios já grisalhos nas raízes sobre as orelhas. Aquele temporal não parecia afetar a sua satisfação. A pele levemente bronzeada estava agora ensopada pela chuva, assim como os cabelos negros que sacudiam com o vento forte.

–Que batalha e tanto, meu senhor. –  Dizia um velho que se aproximava a cavalo por trás de si, cujo rosto era coberto por uma barba densa e branca. Embora estivessem ambos vestidos para uma batalha, seus trajes de guerreiro eram bastante refinados, com cavalos entalhados nos peitorais e vários adornos, revelando assim que pertenciam a uma alta classe social. As armaduras não possuíam um arranhão sequer, demonstrando que provavelmente nunca haviam sido usadas num campo de batalha. – O seu triunfo é praticamente certo!

–Eu sei. – Respondeu simplesmente o outro, relanceando o olhar atrás de si e vendo a numerosa tropa que o acompanhava. –Finalmente chegou o momento em que Oran sucumbirá perante mim. – Completou alargando o sorriso já confiante de sua vitória.

De fato, o destino daquela batalha já estava selado. Lá embaixo, os poucos homens que ainda conseguiam ficar de pé para proteger o castelo de Oran caiam pouco a pouco diante da superioridade dos inimigos. A fortaleza do pequeno país estava prestes a sucumbir e agora o único empecilho para o domínio completo era o rei, que estava lá dentro protegido pelos altos muros da construção.

O comandante observador desembainhou a espada, colocando-a diante de si. Percebia que quase todo o território por onde seus olhos alcançavam já estava tomado pelas suas forças, esse era o momento ideal. Ele sabia que não era necessário que usasse a tropa reserva agora que pouco restava para sua vitória, mas queria mais. Não deixaria que nenhum soldado inimigo sobrevivesse, precisava esmagar seus oponentes e demonstrar a todos o seu poder, tamanho seu ódio por aquele povo.

–Farei com que Haphir morra derrotado e desonrado! E aquela sua filha presunçosa irá se ajoelhar aos meus pés. Esse será o castigo por Oran ter se oposto a mim. – Disse numa feição séria enquanto olhava para o velho e experiente comandante próximo a ele. Este assentiu com um leve sorriso, também puxando sua espada enquanto esperava as ordens de seu superior. O mais jovem novamente voltou-se para frente e pôs-se a bradar:

–Homens! – Seu grito despertou os soldados que esperavam sob a forte chuva, fazendo-os se acomodarem corretamente em suas montarias apenas aguardando a ordem de seu rei. –Ataquem!

O grito ecoou por todo o local. O monarca foi o primeiro a atiçar seu cavalo e descer o morro em direção a grande concentração de soldados em frente ao castelo. Os demais guerreiros assentiram a ordem de seu senhor num enorme clamor e o seguiram rapidamente. O massacre estava completo. Os poucos soldados de Oran que sobraram no campo de batalha foram sendo exterminados pela violenta cavalaria que destruía tudo o que ainda restava de pé naquele lugar. Logo, não existiam mais protetores para a fortaleza que estava completamente cercada pelos inimigos. As tropas recém-chegadas dizimaram inimigos em seu caminho como se fossem insetos a serem esmagados.

O ser humano é mesmo capaz de coisas grandiosas. Trazemos dentro de nós um número infinito de facetas que nos levam a agir de formas distintas em cada situação de nossas vidas. Temos o poder de escolher o caminho pelo qual seguiremos e cada ação abrirá uma nova e diferente rota a se trilhar, como um infinito emaranhado de possibilidades. Se somos conscientes disso, por que muitas vezes sequer pensamos no caminho que estamos tomando? Por que tantas vezes ignoramos as consequências futuras que cada pequeno ato pode ser capaz de proporcionar, como uma pequena gota ao cair na água e gera ondas que se tornam grandes com o tempo?

Sim, somos capazes de coisas grandiosas, para o bem e para o mal. Somos capazes de amar na mesma medida que somos capazes de odiar; somos capazes de salvar vidas assim como somos capazes de tirá-las. É como um jogo de luz e sombra na qual uma parte completa a outra por que ninguém é capaz de viver imerso apenas dentro de uma delas durante toda a vida. Talvez o que defina qual lado estamos mais aptos a seguir seja algo muito além da ação em si, talvez seja o nosso motivo e o que sentimos lá dentro quando a fazemos. 

Agora só o que lhe impediam de adentrar o castelo eram os portões fortemente protegidos. O rei observou ao seu redor sorrindo de maneira sádica, satisfeito ao ver a destruição que seu poder causara naquele lugar. Passou a mão pelo rosto limpando água que lhe caia nos olhos e escorregou para cima até os cabelos, jogando-os para trás, antes de apontar a espada suja de sangue para os portões.

–Entrem no castelo e destruam tudo! O tesouro de um rei àquele que me trouxer a cabeça de Haphir! – Bradou sendo retribuído por seus homens que rapidamente começaram a destruir os portões que guardavam o castelo enquanto outros mais hábeis escalavam os altos muros. O soberano virou-se para seu velho companheiro, olhando-o mais seriamente. Fez um gesto para que ele seguisse junto com os invasores antes de voltar sua atenção novamente para os soldados. Sorriu quando o enorme portão de madeira em chamas ia abaixo, seu olhar percorreu todo o castelo, tomando um brilho de alegria fria e cruel ao ver tal massacre.

Enquanto isso, lá dentro, os poucos soldados que faziam a segurança interna do rei e de sua filha deparavam-se com os guerreiros que entravam rapidamente e não tinham chance alguma contra tantos de uma só vez. Em um dos recintos no andar mais alto daquela morada, um homem já velho e um tanto debilitado, embora grande e troncudo para a sua idade,  aguardava apreensivo o que aconteceria. Ainda que os anos já se fizessem pesados sobre ele, era sério e tinha uma presença forte. Mesmo naquele momento, vendo que seu fim estava próximo, não parecia nervoso ou temeroso, esperava de pé pelo que seu destino lhe reservaria. Na mão direita, segurava uma lança. Uma arma bela e imponente que possuía três pontas afiadíssimas, brilhantes. Uma fita vermelha se trançava num pequeno segmento em seu comprimento e desta parte, um pequeno cordão trazia na extremidade um pingente com o emblema representando o lobo, símbolo de Oran. Aquela lança representava a honra de seus governantes, e era com ela que os reis daquele país lutavam já a várias gerações.

Um pouco mais a frente dele, diante da porta do recinto, uma garota, a sua filha. Esta aparentava ser bastante jovem, mas sua postura imponente era notável. Mesmo sendo uma princesa, vestia-se como uma guerreira pronta para enfrentar a batalha empunhando também uma lança que erguia diante do corpo, como se estivesse pronta para atacar a qualquer momento. Seus cabelos eram de um ruivo intenso que contrastavam com a pele clara, e os olhos, de um azul forte. Suas vestes, também de cores vibrantes, traziam o vermelho, o roxo e o vinho numa combinação perfeita. Era leve e solta, o que lhe dava mais agilidade, porem não muita proteção.

Os dois estavam acompanhados de outro soldado, este tremia ouvindo os gritos que vinham do lado de fora, enquanto segurava nervosamente a espada diante do corpo.

–Eles estão chegando... – Ela sussurrou para si mesma, ofegando um pouco. Estava nervosa, mesmo que não movesse um músculo ou não aparentasse. Não tardou para que sua previsão se consumasse. Logo dois ou três soldados derrubaram de uma só vez a porta que dava entrada àquele quarto, fazendo a garota afastar-se um pouco, colocando-se em posição de batalha. O soldado, que deveria proteger a família real, simplesmente deu um pulo enquanto se defendia desesperado dos golpes que os inimigos desferiam contra ele, mas logo tudo o que encontrou foi a morte rápida quando uma lâmina fria perfurou seu corpo. Enquanto isso a princesa lutava bravamente de igual para igual com os soldados, demonstrando toda sua habilidade de batalha que surpreendia e até assustava aqueles homens. Ela tentava evitar ao máximo que se aproximassem de seu pai, mas tal esforço era inevitável devido à quantidade de inimigos que chegavam.

Porem Haphir, apesar da idade avançada, mostrava toda sua experiência de guerreiro e derrotava aqueles que lhe confrontavam. Enquanto isso, a ruiva sentia-se esgotar em ter que lutar contra tantos inimigos de uma só vez, por mais que já tivesse alguma experiência de combate, aquela era a mais violenta batalha que já havia participado. Mas ela não se importava naquele momento, só pensava em lutar até o fim e não se render mesmo que isso lhe custasse a vida, foi o que aprendeu com seu pai.

–Alina! – A voz conhecida de dois soldados que acabavam de adentrar o local fizeram a jovem princesa sorrir claramente aliviada e surpresa.

–Siran, Driel! Que bom que estão aqui! – Disse enquanto derrubava outro oponente.

–Consegui passar pelos soldados o mais rápido que pude. Imaginei que estivesse precisando de uma ajuda! – Disse em tom de brincadeira um dos recém-chegados, este de cabelos cacheados e loiros que usava uma faixa vermelha na testa, fazendo a garota rir levemente, descontraindo por um instante o clima pesado daquele momento. Eles se defendiam como podiam de cada invasor que chegava ao local, mas logo era notório o cansaço no rosto dos três. De repente, o som de um grito abafado e enrouquecido fez com que ela sentisse um calafrio por todo o corpo, paralisando assustada e temerosa. Virou-se para trás e seus olhos logo encontraram a figura do velho rei tendo uma espada cravada em seu corpo por um soldado invasor. Sentiu os olhos encherem-se de lágrimas num instante e um grito lhe explodir na garganta.

–Pai! – Ela correu na direção dele disparando um golpe cheio de vontade contra o assassino do soberano, antes de abaixar-se e erguer o rosto dele nervosa, sem saber o que fazer. Haphir por sua vez esforçava-se para respirar, cobrindo com uma das mãos o lugar da ferida que sangrava intensamente. Alina olhava-o em desespero deixando que as lágrimas escorressem de uma só vez em seu rosto.

–Alina... Estou morrendo...! – Ele disse-lhe em voz fraca.

–Não...!

–Pegue... – Ele puxou para junto de si a lança que jazia no chão próximo a si e a ergueu para entregá-la a filha. –Enquanto a usar, carregará a força de toda Oran em sua mão!

–Eu não vou conseguir sobreviver...! – Alina respondeu-lhe entre soluços, recebendo como resposta um aceno negativo do pai ofegante.

–Lute...! Combata até o fim para proteger seu país... Será derrotada, mas... Se não morrer... Volte e traga liberdade novamente a Oran...

–Eu não vou conseguir Pai...! – A jovem segurou com mais força as vestes manchadas pelo sangue do rei.

–Não cometa o mesmo erro que eu quando achei que você não era capaz... – O velho Haphir segurou a mão da filha e a olhou com um sorriso no rosto, sentindo uma lágrima da princesa cair sobre o seu. Alina arregalou levemente os olhos ao ouvir tal resposta. –Não sabe... Não sabe o orgulho que tenho de você...!

–Alina!! – Driel gritou-lhe em um certo desespero, chamando-a para a batalha enquanto, acompanhado apenas do outro guerreiro amigo, segurava como podia os soldados que felizmente chegavam em menor número. A princesa virou-se rapidamente para o amigo ao ouvi-lo, mas logo voltou sua atenção ao pai que agonizava em seus braços, enquanto segurava firmemente sua mão.

–Como eu vou conseguir sem o senhor...? Como vou saber o que fazer?

–Lembre-se de seu país... De seu povo... Então compreenderá sua verdadeira razão de lutar, R-rainha... Alina... – E enquanto dizia isso, Alina sentia o pai soltar sua mão lentamente, escorregando por ela até cair ao chão.

–Não... Por favor não me deixe! – A jovem guerreira puxou levemente a roupa do pai, como se quisesse acordá-lo. Era em vão, o rei de Oran estava morto.

–Alina... – Driel aproximou-se enquanto segurava o braço direito ferido com um corte, olhando desolado o corpo do rei no chão. –Eu... Sinto muito... Siran também está morto... – O jovem deixou uma lágrima cair em seu rosto, era de seu primo que falava. Mas logo se recompôs e a olhou sério. – Agora cabe a mim tirá-la daqui a salvo!

Alina ainda organizava em sua cabeça tudo o que acontecera ali. Sentia dentro de si um vazio doloroso como nunca sentira na vida. O pai era tudo o que ela tinha e agora estava morto, e sobre ela caía de uma só vez a responsabilidade para com toda uma terra. Mas logo ergueu a fronte e tomou uma expressão séria e decidida. Passou a mão no rosto, enxugando o sangue e as lágrimas e ergueu-se portando a lança que seu pai lhe confiara.

-Vamos, Driel. – O rapaz assentiu e logo saíram do recinto para se colocar a mercê do que os deuses lhes reservavam para aquele dia. Teriam de tentar escapar dali com vida, mas seu caminho não seria fácil. Logo novos inimigos chegaram e se colocaram contra eles enquanto percorriam os corredores do castelo.

Novamente o combate se iniciou e desta vez Alina parecia ainda mais motivada a lutar.

Ela não desistia. A cada golpe de sua lança era como se estivesse um passo mais próximo de conseguir a missão que seu pai lhe confiou: Proteger seu país. Ela queria sobreviver a qualquer custo pois estava nas mãos dela o futuro de sua terra. Mas mesmo com todos os esforços dos dois, os inimigos eram muitos e logo os guerreiros estavam cercados.

-Vá, Alina! Eu segurarei esses soldados, siga pelo corredor e use as passagens secretas! – Driel lhe disse de costas para ela, fazendo a agora rainha olhá-lo surpresa.

-Mas e você, Driel?

-Eu me viro aqui, vá logo! A sua segurança é o que importa agora! – O loiro a olhou rapidamente com um sorriso confiante, escondendo todo o seu nervosismo. Alina sentiu seu coração apertar, mas sabia que não tinha outra opção. Olhou em despedida nos olhos do companheiro de tantos anos de amizade e logo deu as costas, não tinha tempo a perder.

Mas foi inútil, do corredor que a princesa tentou seguir dezenas de soldados surgiram como de repente e a cercaram, fazendo-a olhar atônita a situação em que se encontrava. Tentou passar por eles, mas muitos a atacaram de uma só vez e acabou atingida por um corte que a fez gritar de dor, caindo no chão de joelhos. Um dos inimigos aproveitou a guarda baixa da princesa e a desarmou, golpeando-a e fazendo-a largar a lança.

–Alina!! – Driel gritou desesperado tentando correr para ajudá-la, mas seus inimigos não lhe deram espaço.

Nesse momento, o soldado apontou a espada para a garota e preparou-se para dar um fim a sua vida, mas no momento em que ia disparar o golpe de misericórdia, foi interrompido.

–Pare! – A voz grave fez o jovem combatente virar-se na direção em que ela vinha. Do grande e escuro corredor a diante chegava o intrépido governante que comandava aquelas tropas. O homem saiu da penumbra e colocou-se diante dos olhos de Alina que o olhou com desprezo e ódio.

-Horen...! – Ela disse o nome dele com frieza, tentando levantar-se para ataca-lo, mas foi impedida por dois soldados que a seguraram pelos braços. O outro por sua vez sorria exultante com a cena que acabara de presenciar: a princesa de Oran de joelhos, derrotada, humilhada e prestes a receber o golpe final.

Ele caminhou lentamente, passando pelos corpos no chão em direção a ela, mas sem deixar de lançar um olhar a Driel que agora era segurado por dois de seus soldados. Ao se aproximar, olhou com surpresa a arma que jazia no chão próximo a ela, era a lança usada pelos governantes de Oran. Horen não conseguiu conter um riso irônico.

-Ora, quer dizer que o velho já está morto? Quem foi o eficiente soldado que cumpriu o serviço tão rápido, para que eu possa lhe dar o tesouro prometido? – Disse olhando seus comandados, todos riram e se manifestaram.

-Vai ter que oferecer o tesouro a uma alma no mundo dos espíritos, eu mesma cravei minha lança no coração dele. – A garota disse olhando-o com tamanha raiva que fazia Horen ter certeza de que, se ela tivesse condições, estaria tentando mata-lo nem que fosse com as unhas. Ele riu sarcástico e pôs-se diante dela.

-Princesa Alina... Percebe agora que um destino muito mais feliz esperava por você se tivesse aceitado se casar comigo?

-Seja mais atento, Horen. Sou uma rainha agora. – Ela disse com um sorriso irônico nas feições enfraquecidas.

-Rainha? Uma rainha precisa de um povo e o seu agora é meu escravo; precisa de uma terra e a sua agora arde em chamas lá fora. Do que você é rainha?

-Coisas muito maiores que terras e súditos tornam alguém merecedor desse título... Você pode ter se tornado rico, roubado muitas terras de outros senhores e forçando muitos povos sob seu comando, mas nunca vai ser um rei digno por que é pobre de espírito, é pobre de caráter, você não tem honra. – Ela lhe dizia sorrindo com um ar de superioridade que o irritaram quase tanto quanto suas palavras ferinas. O homem a encarava frio, um brilho perigoso tomava seu olhar, mas sorriu controlando a raiva.

–Não banque a corajosa, Alina. Minha paciência tem limites, mesmo com você.

–Já vi os limites da sua paciência. Não tenho mais nada a perder.

–Então não se importa se eu tirar sua vida?

–Você tirou minha mãe, agora a honra do exército, a vida do meu pai, a liberdade do meu país. Minha vida não é nada diante disso. – Ela dizia sincera. Seu pai lhe confiara à missão de sobreviver para que pudesse lutar depois, mas o seu orgulho não a deixava pedir pela vida naquele momento. Sentia-se pisada embora permanecesse firme, preferia que tudo aquilo terminasse de uma vez.

–Matar você agora seria como lhe dar um prêmio. Eu vou fazer você se sentir humilhada como você e o seu povo fizeram comigo. – Horen ergueu uma das mãos e entrelaçou levemente os dedos pelas mechas do cabelo dela, que virou o rosto ao percebê-lo se aproximar lentamente. – Ainda me falta tirar sua liberdade... E depois... – Ele, que já estava com o rosto bem próximo do dela, aproveitou-se para roçar os lábios na pele macia da ruiva que logo rosnou afastando-o como se fosse investir contra ele, mas sendo impedida pelas mãos que a seguravam. Uma chama de fúria ardia em seus olhos. Ele simplesmente riu, divertia-se com a situação, com o sofrimento.

–Levem a garota e o rapaz também. É jovem e forte, vai ser útil no trabalho... – Ele ordenou desviando um último olhar aos seus então prisioneiros e saiu do recinto. Os soldados levaram Alina junto com Driel e seguiram o soberano para a saída. Estavam a caminho do acampamento de Horen e depois voltariam para casa vitoriosos.

C.O.N.T.I.N.U.A...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Shikihime" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.