Yusuke abraçava a menina pela cintura enquanto esperava ela organizar os pensamentos e se preparar para contar. Harumi mordia o lábio perguntando-se como começar e também criando coragem para contar, pois não era algo que conseguia discutir com qualquer um. A garota respira fundo e então começa a contar.

– Quando eu tinha 7 anos... - disse Harumi - eu comecei a ficar cega. Antes era só algumas vezes que minha visão ficava embaçada ou escura, mas foi aumentando a frequência que isso acontecia. Meu pai me levou para dezenas de médicos e nenhum sabia o que eu tinha. Começamos a ir a médicos cada vez mais caros, comprar remédios cada vez mais caros e eu comecei a fazer várias cirurgias. Com isso tudo... Começou a nascer a nossa dívida.

– Então a dívida é toda com gastos de hospital? - perguntou o garoto.

– Não exatamente... Também teve os gastos para pagar uma escola especial para mim... Um cão guia... Basicamente... A dívida é toda culpa minha. - disse a garota um tanto depressiva ficando com lágrimas nos olhos.

– Não! - disse Yusuke dando um beijinho na bochecha dela - Não é culpa sua....

– É sim!! Se eu não tivesse nascido... Se eu não tivesse começado a ficar cega... Meu pai estaria com a vida bem melhor do que agora!

– Mas eu duvido que ele iria querer que você não nascesse Haru... Ele te ama.

Harumi parou de falar um pouco para limpar as lágrimas que escorriam pelo seu rosto, a garota estava um pouco soluçante enquanto Yusuke a abraçava fortemente tentando a acalmar. Ela sempre havia se sentindo culpada pela dívida que eles tinham... Por esse mesmo motivo ia todo dia tocar violão no parque para conseguir dinheiro para de alguma forma pagar.

– Ne Yusuke... Eu não fiz o Ensino Médio... - disse Harumi.

– Não?!

– Não... Eu me sentia muito culpada pela dívida... E ainda me sinto... Então eu larguei a escola. Uma coisa a menos para pagar ficava melhor para meu pai. Mesmo assim ele relutou em me deixar largar a escola... Mas depois de muita discussão... Ele acabou concordando apesar de que ainda não parecia gostar muito da ideia.

– Você sabe quanto é a divida mais ou menos?

– Não... Ele não me conta mais.. Mas sei que é muito dinheiro. Se não fosse ele não estaria toda hora trabalhando.

Harumi respira fundo e segura o cobertor o puxando para mais pertinho dela se cobrindo mais e se aconchegando no colo de Yusuke que não parava de abraçar a garota. Ele não sabia bem o que falar, mas às vezes um abraço já poderia ajudar bastante... Mas mesmo se não ajudasse... Ele sentia que era tudo que ele poderia fazer. Mesmo assim... Ele pensava em sua própria mesada.. Uma mesada indiscutivelmente bem gorda... E pensava se poderia ajudar a garota a se livrar da dívida... Por maior que pudesse ser.

– Bem... Voltando... Com 7 anos eu comecei a ficar cega e com 8 anos eu já não enxergava nada. Alguns dias antes do meu aniversário de 8 anos... Dois médicos finalmente descobriram o que eu tenho.

– "Tenho"? - disse Yusuke um tanto preocupado - Por que não "tinha"?

– Não tem cura. Pelo menos ainda. Tudo o que eles puderam fazer foi uma cirurgia - disse Harumi dando leves toques na cabeça - no cérebro. Foi algo bem delicado e me deixou um tanto fraca. Minha parte do cérebro que cuida da visão... Não funciona mais. Para que as outras áreas do cérebro não sejam afetadas... Eu tenho que tomar aquele remédio de tarja preta... E o de dor de cabeça... Bem... Qualquer coisinha me da dor de cabeça... Abalo emocional, doença... Qualquer coisa. E é uma dor de cabeça muito forte.

– I-Isso... É... Tipo... Normal?

– Infelizmente é... - disse ela um tanto cabisbaixa recomeçando a ficar com lágrimas nos olhos.

O garoto a abraçou carinhosamente de modo protetor enquanto fazia carinho na cabeça da garota entrelaçando seus dedos no longo cabelo castanho dela. Yusuke achava que saber para que era o remédio o deixaria menos preocupado... Mas havia feito exatamente o oposto. Afetar outras áreas do cérebro era realmente algo bem complicado... E nessa hora... O garoto não conseguia evitar lembrar com terror das aulas de biologia da escola em que aprendera sobre algumas das coisas que o cérebro controla... Visão... Audição... Paladar... Tato... Equilíbrio... Memória... Respiração.

Yusuke a abraçava cada vez mais forte tentando por tudo segurar o choro... Não era para ele ficar deprimido, era para ajudar ela a não ficar deprimida. Enquanto ele a abraçava, Harumi retribuiu o abraço escondendo seu rosto no pescoço dele o fazendo sentir as lágrimas que rolavam pelo pescoço dela e então batiam em seu pescoço ou ombro.

– Está tudo bem... - disse Yusuke - Eu vou cuidar de você

– Esse remédio... - disse Harumi sem deixar de esconder o rosto - eu de certo modo o odeio.

– Mas por quê??! - exclamou o garoto um pouco assustado - Você não pode odiar ele! Tem que amar ele! Ele tá salvando sua vida!!

– Eu sei... Não nego que ele tá salvando a minha vida, mas... - disse Harumi soltando um suspiro - Assim como ele salva a minha vida... Ele também quase a levou.

– Como assim?

– É um remédio muito forte... Eu tive que começar a tomar logo depois que fiz a cirurgia. Meu corpo estava fraco... Eu estava magra... Mas mesmo assim eu tive que o tomar. Ter que tomá-lo não fez eu melhorar... Fez exatamente o contrário. Enquanto meu corpo não se acostumava com ele... Eu vomitava... Tremia... Ficava sem ar... Tudo que você puder imaginar.

– Q-Quanto tempo você passou no hospital?

– Alguns meses... Acho que uns 5. Não sei bem... O suficiente para meu corpo se acostumar com o remédio e eu ganhar os vários quilos que havia perdido.

– Você falou que esses médicos descobriram o que você tinha pouco antes do seu aniversário então... Você passou seu aniversário no hospital?

– H-Hai... Assim que eles descobriram o que eu tinha começaram imediatamente o tratamento. No dia do meu aniversário eles e as enfermeiras me surpreenderam com uma pequena festa de aniversário. Eu estava muito fraca para sair da cama... Tinha feito à cirurgia há poucos dias... Então a "festa" foi no meu quarto mesmo. Eles me deram alguns presentes... Inclusive esse ursinho de pelúcia... E também arranjaram um cupcake de chocolate para eu comer. Pena que eu não comi ele todo - disse ela com um meio sorriso - Ele estava gostoso, mas mal consegui comer metade.

– Se quiser... Eu arrumo um cupcake gigante de chocolate para você comer agora.

Harumi deu uma risadinha com isso fazendo Yusuke abrir um leve sorriso feliz por ter ouvido uma risada dela e não ela chorando, mas isso não fez com que ele deixasse de abraçar a garota.

– Acho que eu aceito - disse a garota sorridente.

– Ótimo! Vou arrumar um bem gostoso então amanhã.

– Combinado. Sabe... Eu tenho uma foto do meu aniversário de 8 anos.

– O do hospital?

– Hai... Eu insisti para tirar essa foto apesar de que eu nem conseguia mais ver nada e guardo-a até hoje. Sabe quando dizem que a esperança é a ultima que morre? Acho que bem lá no fundo eu ainda tenho esperança de voltar a ver... E quando conseguir... Quero ver o rosto dos médicos que salvaram a minha vida.

Yusuke abriu um sorriso de canto e então depositou na testa de Harumi um doce e gentil beijo fazendo o sorrisinho da garota voltar enquanto ela o abraçava delicadamente pelo pescoço.

– E até lá... - disse Yusuke - Eu vou cuidar de você Haru.