Desde o incidente no campo de treinamento do Acampamento Meio-Sangue, Amelie Graycastle estivera desacordada e inconsciente do mundo ao seu redor. Depois de cinco longos dias de sono profundo, a garota começava a despertar aos poucos. Assim que percebeu que pessoas conversavam ao seu redor, Amy tentou abrir os olhos, mas o esforço lhe parecia inútil.

- Ela tá ai apagada há muito tempo, Chiron. – Dizia Scott.

- Senhor Campbell, não há com o que se preocupar. A senhorita Amy está sendo muito bem cuidada pelos filhos de Apolo aqui na enfermaria. – Respondeu o centauro. – Eles têm um motivo todo especial pra querê-la muito bem. Os irmãos de Samuel Parker não a culpam pela morte do rapaz, na verdade eles a agradecem por tê-lo feito feliz em seus últimos dias de vida. – Neste momento, era possível ouvir os cascos de Chiron chocando-se contra o piso de madeira deixando claro que ele trotava para o lado de fora da cabana.

- Blah, blah, blah. Filhos de Apolo são tão bonzinhos, humpf. Quero só ver se é tudo de verdade, espero que eles não estejam dando ve... – Dai, o garoto foi interrompido de seus devaneios por uma figura feminina que se aproximava lentamente do leito da neta de Zeus.

- Veneno? – Completou questionadora, Bridgitt Bordeaux, a filha de Apolo responsável pela enfermaria e, agora, líder de seu chalé. – Nós jamais poríamos veneno na ambrosia de ninguém, nem mesmo de nossos inimigos. Não que esse seja o caso da senhorita Graycastle.

- Quem me garante? Se bem que você deve estar adorando isso tudo, né, Bridgitt? Sem o Sam, é você que manda no chalé e aqui também.

- Perder um irmão é uma fatalidade sempre, Campbell. Eu gostava do Sam, ao contrário do que você está pensando. E mais, eu sempre fui a chefe de enfermaria do acampamento, não entendi seu ponto.

- Você até podia ter sempre sido a chefe, mas desde que ele chegou aqui você ficou meio apagadinha. – Amy percebeu que agora conseguiria abrir seus olhos, mas preferiu mantê-los fechados até que a conversa entre seu amigo e a estranha garota de quem ela nunca ouvira falar antes tomasse um rumo mais ameno e contornável. – Você sempre quis ser a líder do chalé e, quando o John finalmente decidiu ir embora e deixar o cargo vago, o Sam chegou e fez todo mundo se apaixonar por ele, te deixando fora da jogada. Aqui na enfermaria, o pessoal sempre passava por cima das ordens que você dava pra atender aos pedidos dele. Admita, Bordeaux, você nunca foi páreo pro Sam Parker. Ele sempre conseguia tudo o que queria e você ficava sempre pra escanteio. A segunda opção, a vice, a invisível. Tem mesmo certeza que é filha de Apolo? Ele deve sentir vergonha de ter feito um troço como você. – E Scott caiu na risada.

- Cala a boca, Campbell. – Bradou lentamente a garota. – Você não sabe metade do que eu já fiz pra chegar até onde eu cheguei.

- Ah, sei, sim. Passou por cima de meio mundo pra chegar onde queria e, mesmo assim, conseguiu a proeza de ser passada pra trás por um recém-chegado.

- Você é um idiota, cala a boca.

- Só isso que você sabe dizer? “Cala a boca”? Porque, olha, eu tenho um bocado de coisa podre sobre você. Presta atenção, garota. Olha lá o que fala e com quem fala, todo mundo sabe que eu tenho contatos em tudo o que é lugar e não há nada nesse acampamento que ninguém tenha me contado. Ou você acha mesmo que aquele seu casinho ridículo com o esquisito de Hades passou despercebido? O que você acha que a namoradinha dele vai pensar se souber que você se jogou na cama dele por mero capricho? Ou o que a nossa querida Amy aqui vai fazer quando souber que você dava menos ambrosia que o recomendado pro Sam pra que ele demorasse a se recuperar e você pudesse fazer cafuné nele todas as noites enquanto o via dormir? Você estava nos campos de treinamento semana passada, você viu com seus próprios olhos o que ela é capaz de fazer. Você estará sendo burra se ficar contra mim, seja minha aliada. Você tem muito a ganhar com isso.

- Muito? Muito o quê?

- Poder, minha cara. Muito poder. Você teria vida de princesa. – Pela respiração acelerada, Amy presumiu que Scott estava se aproximando do rosto de Bridgitt. - Eu tenho meus lances, meus negócios, meus contatos. Tem muito mais coisa em jogo do que você imagina. – O tom de Scott era presunçoso e perigoso. – E eu posso te dar tudo o que você quiser, tudo o que deverá fazer é ficar do meu lado. Do resto, cuido eu.

- Você promete?

- Claro, e eu já descumpri alguma promessa que te fiz, Bree? – Disse ele, enfatizando o apelido.

- Não, nunca. – Respondeu ela, ofegante, depois de um ruído que muito se parecia com o de um beijo.

“Bom, acho que tá na hora de acordar.”

* * *

Assim que recebeu alta de uma constrangida e corada Bridgitt Bordeaux, Amy foi direto para o chalé de Zeus acompanhada de um Scott que era todo “sorrisos e suspiros”.

- Ok, agora você está me assustando. O que realmente aconteceu naquela enfermaria? E não venha com essa de que você só disse que ela era bonita, porque não essa não vai colar. – Perguntou ela, tentando parecer casual e disfarçando as emoções por ter escutado certas coisas enquanto ainda estava num leito.

- Ta, eu beijei ela, mas é claro que eu não ia falar isso com essa tranquilidade na cara da menina, né? Ela já estava corada o suficiente por uma vida, você não acha?

- Tudo bem, acho que essa dá pra engolir.

- Qual é, eu to falando a verdade, cara. Juro pra você que foi só um beijo.

- Scott, seja sincero. Não foi só um beijo, foi o beijo. Se fosse unzinho qualquer, ela não estaria escarlate.

- Aquilo não foi nem um beijo de verdade, ela que gosta de mim e ficou toda boba porque reparei nela pela primeira vez. Quer dizer, eu nunca passei tanto tempo acordado dentro de uma enfermaria.

- Falando nisso, quanto tempo eu fiquei fora? – Indagou, enquanto abria a porta do chalé e encostava-se ao batente. – Ela não chegou a me dizer.

- Uns quatro ou cinco dias, não tenho certeza. – Então, notando a postura defensiva da garota, ele colocou um sorriso travesso nos lábios. – E ai, não vai me deixar entrar, não?

- Não, eu preciso de tempo pra fazer umas coisas. A começar por um bom, longo e relaxante banho com sais na minha banheira de mármore branco particular. – Respondeu ela, colocando os braços atrás da cabeça em um implicante tom superior.

- Ta certo, só não precisava jogar na cara. Mais tarde tem treino no campo de treinamento, vê se não detona a previsão do tempo dessa vez.

- É só cuidar pra que Alexandra Johnson fique o mais longe possível de mim!

- Sim, majestade. Vou cuidar para que suas exigências sejam cumpridas à risca pelos pobres mortais que servem à Corte de Vossa Senhoria, a neta do Grande Zeus. – Respondeu ele, zombeteiro, enquanto se retirava fazendo exageradas reverências e fazendo-a sorrir largamente.

“Eu ainda vou descobrir o que você tá tramando, Scott. Mas eu tenho problemas mais urgentes primeiro, preciso tirar certa história a limpo com certo McHale.”, pensou ela, indo em direção ao banheiro revestido em mármore branco polido.

* * *

- Hey, Tessa, quanto tempo não a vejo. – Acenou Amy, para a pequena filha de Athena que passava na frente do chalé de Zeus com seu colete e elmo, como sempre.

- Amy, oi. Fiquei sabendo o que aconteceu com você semana passada, você tá bem?

- Estou bem melhor agora, muito obrigada. Sabe, você pode me fazer um favor?

- Se estiver ao meu alcance e não for preciso quebrar nenhuma regra, sim.

- Não é nada de mais, só preciso falar com um amigo aqui do acampamento mesmo, mas é um pouco urgente. Você pode encontrá-lo e passar o recado?

- Claro, quem é?

- Kevin McHale. – Amy notou que a garotinha dos olhos cinza retesou-se ao ouvir o nome do filho de Hades. – Por que? O que houve?

- É que... – Theresa olhou para ambos os lados procurando um possível observador, não havia ninguém prestando atenção naquela cena em particular. – Promete que não vai contar pra ninguém?

- Prometo.

- É que eu tenho um pouco de medo dele. Mas é só um pouquinho mesmo. – Amy se segurou pra não rir da criança à sua frente. – Aquele jeito dele é meio assustador.

- Não precisa ter medo, Tess. O Kevin é um cara muito legal, você vai ver. Ele é um dos caras mais inteligentes que conheço, vocês vão se dar super bem.

- Tudo bem, se você diz que ele é bacana, eu vou. – Disse ela, com um sorrisinho no rosto e saiu correndo rumo ao arsenal do acampamento.

- Ah, Kevin McHale, você não sabe o sermão que te espera. – Murmurou ela, enquanto voltava para a parte de dentro de seus aposentos.