Laila escrita por Solidão


Capítulo 13
XII




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Duas semanas se foram naquele meio de ensaio, preocupações e testes marcados. Durante esse tempo, poucas coisas novas aconteceram com Laila e suas amigas.

Luna continuou apaixonada por aquele varapau da noite (ou seria tarde?).

Leila e Cíntia continuaram matando ensaios e sequer apareceram na cada de Laila para o grande ensaio final, no qual o grupo representaria a peça por inteiro, sem pausas, com todas as falas gravadas (quero dizer, uma parte do grupo).

Serena conseguira decorar todas as suas falas e conseguiu fazer suas cenas maravilhosamente bem, mas não acho que isso interesse.

E Laila, bem, Laila criou uma rotina com Thiago. Os dois passaram a sentar juntos, no final da sala, quase grudados à parede bege, e conversavam praticamente todos os dias. Desciam juntos durante o intervalo, compravam a Coca-Cola de Thiago e subiam novamente, ouvindo música, para se sentarem na sala e ficarem debaixo do ar-condicionado.

Em seguida, os dois assistiam às aulas juntos (ou teoricamente o faziam, já que ficavam desenhando nas folhas e cadernos e conversando por bilhetes durante os ensinamentos dos professores) e depois esperavam pelas aulas de Educação Física juntos, sozinhos, no corredor.

Sim, Laila ainda se sentia incomodada, mas nem tanto quanto antes. Em seu consciente, ela aprendera a ver Thiago como um amigo e gostava de seus papos sobre videogames e motos de corrida.

Ela até se esforçava para gostar dele, gostar do garoto que ele aparentava gostar dela! Queria sentir alguma coisa por ele, mas não conseguia. Seu pensamento fútil e patético ainda a perturbava: Thiago é muito feio...

Acabou desistindo de gostar dele e pensou que se os dois fossem apenas amigos, tudo seria bem melhor.

Pelo menos ela já não pensava mais em Luna daquele jeito e nem ligava mais se a amiga tagarelava o dia inteiro sobre o fulano da tarde (ou seria noite?). Não sentia mais aquelas dores estranhas no estômago e nem mesmo aqueles enjoos esquisitos.

Graças a Thiago, ela pensava. Mas Laila se enganava, hoje sei disso. Ela não pensava mais em Luna pelo fato de quase não ficar mais tão perto da amiga quanto antes. Ela simplesmente se afastou de Luna e isso fez com que se sentisse melhor.

Será que aquela era a solução? Se afastar de Luna?

Vamos retomar a história, caro leitor.

Na saída da escola, todos os alunos corriam de volta para suas casas, ansiosos para deitarem em suas camas e dormirem infinitamente. Claro que nem todos poderiam fazer isso, como era o caso de Serena, que precisava voltar correndo para seu lar afim de terminar as lições de química, física e matemática para estudar para o teste da semana seguinte.

Leila e Cíntia, bem, as duas estavam apressadas para ir para casa, como ficavam todos os dias da semana, e correram avoadas para o ponto de ônibus.

Luna... Laila não reparou na amiga. Ela realmente não viu se a amiga fora para casa, se pegara o ônibus, se ainda estava na escola. Não viu, não deu importância.

Naquela saída de aulas, ela estava em seu ponto, singelamente esperando pelo ônibus, com Thiago ao seu lado. Durante os últimos dias, ele se acostumara a ficar esperando enquanto ela tomava seu ônibus. Era um amigo leal, mas Laila sabia que ele não queria ser apenas amigo dela.

Ela tinha certeza que ele, de uma forma bem inusitada e surpreendente, nutria uns sentimentos por ela. O que era algo realmente chocante, já que ninguém mais gostara da garota daquele jeito (exceto um menino, no sexto ano, mas isso não vem ao caso. Laila nem ia com a cara dele, decentemente).

Estavam ali, silenciosos, esperando o ônibus chegar quando Lúcio, o garoto da sala de Laila, chegou até os dois.

Sim, você pode estar estranhando essa aparição inusitada do mauricinho bonito metido a político engajado, mas ele sempre teve uma relação muito próxima à Cíntia, a amiga de Laila. Os dois eram melhores amigos desde o princípio dos tempos e estavam sempre perto um do outro.

E como ele estava sempre perto de Cíntia e teoricamente perto de Laila, acabou se enturmando no assunto “Thiago”.

-Então, esperando o ônibus? – Lúcio perguntou, sorrindo. A mochila negra nas costas aparentava não ter nada, exceto por um estojo rabiscado e um bloco de notas que ele levava para anotações e desenhos pornográficos.

Coisas de criança.

Thiago assentiu, respondendo.

-Ela está. Eu estou esperando o ônibus com ela.

Lúcio assentiu, ainda com um sorriso na boca. Os olhos azuis passaram de Thiago, para Laila e voltaram em Thiago.

-Olha, eu posso falar uma coisa? – disse de repente – Thiago, se você não falar com a Laila, nada vai acontecer! Nunca.

Thiago arregalou os olhos e soltou uma risada nervosa.

-Você é muito lento, Thiago! – Lúcio continuou tagarelando – Fala pra ela que você gosta dela, senão a Laila pode acabar gostando de outro, aí, não vai ter volta.

Laila tentou lançar um olhar de fúria para Lúcio. Não queria nenhuma droga de declaração! Ela era apenas amiga de Thiago. Claro, dizia para as amigas que estava até certo ponto interessada nele e tudo mais, mas... Não era a verdade. No fundo de seu coração, ela sabia que não era a verdade.

Ela gostava de Abelardo. Era dele que ela gostava e gostaria para todo sempre! Mesmo o garoto não dando a mínima para ela, e conversando, na maior parte do tempo, com Luna e Serena.

-Bom, eu tenho que ir. Meu ônibus está vindo – Lúcio despediu-se dos dois e correu para o ponto, onde milhares de estudantes esperavam pelo mesmo ônibus.

Laila olhou, desconfortável, para Thiago.

Eu estou tão acostumada a ser apenas amiga dele... Não acho que poderia namorar Thiago ou algo do gênero, pensou.

Thiago a encarou, com aqueles dois olhos verdes escurecidos, quase castanhos, e engoliu em seco.

-Laila, a gente pode conversar?

O embrulho no estômago voltou.

Não, ela pensou.

-Ãhn, pode, mas tem que ser rápido – disse – Se o ônibus vier vou ficar o tempo inteiro esperando.

Ele assentiu, nervoso, e apontou para a rua em frente, onde havia uma enorme padaria. Queria que os dois conversassem pra lá.

-E-eu também tenho que ir – gaguejou – Meu pai pediu pra eu passar na loja de um amigo dele.

E lá foram os dois, caminhando silenciosamente pela rua até a padaria enorme, feita de mármore, com aquele cheiro delicioso de pão exalando pelos ares.

Thiago pigarreou.

-Laila, eu... Eu vou falar tudo de uma vez, ‘tá? – ele olhou para frente – Eu gosto de você, Laila, eu gosto mesmo de você. Você é uma pessoa muito legal e tal, e, bom, é isso. Eu gosto de você.

Os dois continuaram caminhando pela rua, até a padaria.

Laila quis sentir vontade de sorrir, de pular e abraçar Thiago, mas... Não foi exatamente isso que ela sentiu em seu peito. Na realidade, seu coração batia muito rápido, nervoso pelo que acabara de ouvir.

Era sua primeira declaração. Que coisa mais... Diferente. Era diferente de tudo que ela havia imaginado, certo dia, num delírio musical.

Engoliu em seco e mediu bem as palavras. Primeiramente, pensou em dizer que “Thiago, você também é muito legal, mas eu gosto de você apenas como amigo”, depois, pensou num “É, bem, eu gosto de você, mas não quero namorar e nem nada disso” e em seguida pensou em Abelardo.

Ela gostava dele, sim, isso era claro, mas ele não queria nada com ela. Parecia que o garoto não a suportava, não gostava de olhar para seu rosto e nem de trocar palavras com ela. Quando Laila sentava numa cadeira de frente para Abelardo, gostava de encarar os olhos dele e de contar suas sardinhas, mas... Quando ele a olhava, sempre vinha com aquela expressão de “Que diabos está olhando pra minha cara? Sai daqui, garota”.

E ela fingia estar olhando para a janela, pensativa. Ignorava a atitude dele – algo completamente desnecessário – e simplesmente continuava com seu “olhar perdido”. Aos poucos, parecia que Abelardo se convencia de que ela não o observava.

Por uns breves momentos, Laila pensava que não gostava dele, mas sim o odiava! Como era arrogante aquele garoto! Como era patética sua atitude para com metade da escola! Como ele se achava o melhor tocado de piano da face da Terra! Como ele se achava com aquela banda patética que resolvera montar, de uma hora para outra...

Laila engoliu em seco, novamente, voltando à realidade. Thiago esperava uma resposta.

Eu nunca terei Abelardo para mim... Nunca, ela pensou. Em sua mais íntima profundeza, ela sentia uma terrível vontade de chorar. Ele nunca seria dela, nem mesmo como amigo. Abelardo poderia ter mil defeitos, mas tinha mil qualidades para bater cada um deles.

Ela balançou a cabeça. O jeito era se conformar.

Mordeu os lábios.

-Eu... Eu acho que eu também gosto de você, Thiago – fez questão de frisar o ‘acho’ – Não tenho certeza de nada e, enfim, não sei exatamente, mas... Eu acho que eu gosto de você. Talvez como amigo.

Falou a última frase correndo. A última coisa que ela queria era deixar o garoto triste. Ele era bom e não merecia ficar triste como ela ficava ao pensar em Abelardo.

Thiago sorriu para ela.

Novamente ele entendeu tudo errado.

-Ah, que bom... – respirou fundo – Acho que a gente podia sair, um dia desses, já que aquele cinema não deu certo – riu.

Laila dera uma desculpa ridícula para o garoto. Dissera qualquer coisa sobre estar com dos de dentes, sendo que fazia uns bons anos que não sentia mais algo daquele tipo – somente quando o dentista apertava demais seu aparelho fixo, aí... Santo Deus, doía demais.

-É, claro, eu vejo se posso – deu de ombros, meio sem graça – Então, tchau.

Thiago sorriu.

-Tchau.

Brevemente, ela chegou à conclusão de que era muito sem jeito com garotos. E que Thiago conseguia ser trinta vezes pior que ela.

Respirou fundo e tomou um impulso que nunca quis que existisse em si.

-Thiago! – chamou o garoto.

Quando ele virou, ela o beijou.

Engraçado, pensou, Acho que eu deveria estar feliz. Tudo que sinto é um tremendo vazio no estômago e uma vontade muito estranha de correr para longe daqui.


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