Crônicas De Um Casal Assassino escrita por Alexandria Manson


Capítulo 9
Capítulo 9- Matheus




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Uma fogueira crepitava silenciosamente na primeira noite da fuga. Matheus havia andado o máximo que conseguia, até pedir para Beatriz parar. Estava exausto e confuso, mas Beatriz não aparentava disposição para revelar as respostas de seus devaneios.

— Você não deveria ter matado uma mulher, Matheus. — disse Beatriz, interrompendo os pensamentos de seu amigo.

— E quem te disse que eu matei uma mulher? — retrucou Matheus, um pouco surpreso com a razão de Beatriz.

— Vinte homens bateram na minha porta. O trato foi quebrado.

— Que eu saiba, não fiz nenhum trato. — disse Matheus, franzindo o cenho.

— Você não, mas eu fiz. Comigo mesma. Matar homens não é nada, mas um cadáver de uma mulher tem o poder de levantar uma rebelião muito maior que o de costume.

Matheus poderia ter se limitado a ficar quieto e assentir, mas decidiu se manifestar:

— Beatriz, você precisa me dizer como isso começou. E eu sei que começou com seu irmão.

Beatriz aquiesceu completamente, abaixando a cabeça. Matheus começou a se levantar, pegando sua mochila.

— Aonde vai? — perguntou Beatriz, que voltava toda a sua atenção para o seu amigo que se preparava para partir.

— Se você não vai falar nada, eu não vou arriscar minha vida sem saber o porquê. — Matheus esperou que Beatriz o impedisse, e como esta não o fez, Matheus começou a andar para nenhum lugar em especial.

— Eu tinha seis anos. — começou Beatriz, conseguindo que Matheus voltasse e se sentasse ao seu lado.

“Eu e minha família vivíamos bem, felizes. Meus pais eram investigadores da polícia, dispostos a fazer o bem, não importando a ocasião. Rafael tinha apenas quatro anos quando foi morto.

A eleição seria no ano seguinte, e meus pais começaram a descobrir coisas sombrias sobre o prefeito atual na época. Lavagem de dinheiro, corrupção passiva, corrupção ativa, ameaças, assassinato... Eram muitos intens. Se o levantamento de informações liderado por meus pais fosse divulgado de alguma forma, as possibilidades de reeleição do prefeito seriam remotas.

Tudo começou com uma carta anônima. ‘Não façam isso, ou sofrerão as consequências’. Meus pais ignoraram. Em seguida, oficiais da operação desapareceram. Coincidência? Eu acho que não. Os capangas do prefeito começaram a seguir meus pais, vigiavam nossa casa.

O dinheiro muda a mente dos homens. O poder é o que eles mais prezam. Quando alguém ameaça tirar isso deles, esse alguém deve ser exterminado rapidamente. Meus pais não foram exterminados rapidamente.

Em uma noite, enquanto eu brincava com meu pequeno Rafael, os homens do prefeito invadiram minha casa. Levaram meus pais. Rafael começou a chorar desesperadamente quando viu minha mãe sendo arrastada por homens que ele nunca tinha visto na vida. Eu estava em choque. Completamente em choque. Lágrimas escorriam de meus olhos sem que eu tivesse consciência delas. Rafael teve mais ação que eu. Ele se jogou em nossa mãe, como se pudesse segurá-la e protegê-la.

Um capanga grande e forte o tirou do caminho. Segurou em seu pescoço com força, e o prensou na parede. Eu comecei a gritar. Minha família... Completamente destruída. Em uma única noite. Eu tentei intervir quando mexeram com meu irmão, mas o grande homem me lançou um olhar, como um aviso. Eu me retraí, com medo. Medo de morrer. Eu tive medo de morrer enquanto meu irmão era sufocado na minha frente. Eu tive medo de morrer enquanto tiravam meus pais de mim. Eu tive medo de morrer enquanto minha vida se desfazia, lentamente...

Rafael não morreu rapidamente. Morreu em meus braços, enquanto eu me desfazia em lágrimas. E eu não fiz nada para impedir sua morte.

Após o último suspiro de meu irmão, não senti vontade de fazer nada. Eu tinha seis anos, e chorei desesperadamente até não ter mais forças e pegar no sono.

Quando minha tristeza e as lágrimas acabaram, rapidamente foram substituídas por raiva e uma missão: fazer com eles o que eles fizeram comigo. Eu tinha seis anos, e tinha ganhado uma faca de escoteiro pouco tempo atrás.

A faca com o nome do meu irmão. A faca com que matei por meu irmão.

Nunca subestime a raiva de alguém. Minha raiva me permitiu matar dois capangas que vigiavam a casa do prefeito, sem que eles soubessem o que os havia atingido.

O prefeito dormia sozinho. Se ele tivesse uma esposa, não estava com ele no momento. Fiz questão de acordá-lo. Ele viu uma criança. Coberta de sangue, descabelada. Sentei-me ao lado dele. Quando retomou a consciência, se retraiu. O movimento sutil bastou para que eu começasse a aterrorizá-lo. Enfiei minha faca em sua mão, que buscava o revólver em sua mesa de cabeceira. Um grito de dor me alegrou. Sua outra mão tateava embaixo do travesseiro desesperadamente. Eu fui mais rápida que ele e peguei o punhal que procurava.

Cortei veias e tendões do pulso de sua mão livre. Ele urrou de dor. O homem já implorava por piedade. Por um fim rápido. “Mas e meu irmão, senhor? Ele morreu lentamente. Morreu em meus braços, enquanto o ar fugia de seus pulmões.” Minhas palavras não chegaram a ser ditas, mas pesavam no ar.

Notei que o prefeito estava com a barba por fazer. Claro que fiz a gentileza de cuidar disso para ele. Raspei pele e carne com Rafael. Não satisfeita, fiz um corte vertical em seu corpo, que ia da base do pescoço até sua virilha. Abandonei um homem agonizante naquela casa. Espero que tenha demorado a morrer. Espero que tenha sofrido tanto quanto eu.

Peguei os processos que estavam no escritório de meus pais. Nome por nome, cúmplice por cúmplice, todos sentiram minha vingança. Quase todos os homens eram do prefeito. Mulheres sofriam por perder seus maridos, então poupei suas vidas.

Homens arrumavam rebeliões para acabar comigo de tempos em tempos. Se todos se juntassem, eu não teria chance. Mas homens também são rivais entre si. Sempre vinham em grupos pequenos, fáceis de exterminar com táticas e certas habilidades.”

— Tudo o que eles precisavam era uma causa em comum. A morte de uma mulher punha em risco todos daquela cidade. Vinte homens. Poucos, comparados aos que estão por vir. — disse Beatriz, concluindo sua história.

Matheus foi tomado por uma culpa tremenda no fim da narrativa. Culpa por matar uma mulher, culpa por fazer Beatriz sair da cidade. Acima de tudo, sentiu culpa pela dor dela. Sentiu-se culpado por não poder tomar aquela dor para si, na esperança de ver sorrir aquela menina que ele aprendera a gostar.

Matheus envolveu Bea em um abraço caloroso. Um abraço necessário, que forneceu segurança e conforto suficientes para Beatriz se desfazer em lágrimas.


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