O Feiticeiro Parte I - O Livro de Magia escrita por André Tornado
Era pelo esplendor luminoso, pela magnificência inigualável e pela beleza transcendental que chamavam àquele enorme salão retangular, rodeado de finas colunas esculpidas, o Salão da Luz. A dominá-lo, sobre um estrado de mármore, estava o Trono de Marfim.
No Trono de Marfim, sentava-se o Sumo-sacerdote do Templo da Lua.
Desde que ali tinha entrado, Zephir não movera um músculo. Fitava com altivez o homem que se sentava naquele trono, consciente que a vitória estava a escassos minutos de distância, sabendo que o outro também tinha essa noção, medindo-se num silêncio cúmplice e acusador. Atrás do feiticeiro, Kang Lo não conseguia esconder a admiração, observando boquiaberto a maravilha daquele salão enorme cheio de brilho.
- Estava à tua espera, Zephir – disse o Sumo-sacerdote, por fim.
Zephir não ripostou.
- Sabia que este dia viria. Surpreende-te que não tenha feito nada para impedir a tua vinda?
- Não me surpreende. Não esperava menos de um cobarde.
O Sumo-sacerdote levantou-se do Trono de Marfim e desceu o estrado. O enorme manto vermelho, ricamente bordado, ondulou atrás dele.
- O Templo da Lua é teu – anunciou num brado, como um trovão a rasgar o céu.
Zephir arreganhou os dentes.
- Porque é que me estás a entregar o templo?
- Porque sei que é inútil resistir. O teu fiel servo assassinou todos os outros que habitavam este recinto sagrado e fiquei sozinho diante da magia poderosa que utilizas. A vitória é tua.
- Continuas a mostrar a mais básica das cobardias. Se pensas que te irei poupar por te mostrares tão generoso, enganas-te.
- Não quero que me poupes. Termina a tua vingança e acaba comigo. Não tenho ilusões, sei o que vai acontecer. Os oráculos da Deusa já me tinham revelado a tua vinda, Zephir, e o que sucede a seguir.
O feiticeiro deu uma gargalhada triunfal.
- Sim, a Deusa está do meu lado. Sempre esteve! Os oráculos também te revelaram que serei o Senhor do Universo e sabes que qualquer resistência é, de facto, inútil. Estás a contemplar um prodígio e ajoelhas-te ante a minha glória.
- Conquistaste o Templo da Lua facilmente. Mas não vai ser tão fácil alargares as tuas conquistas. A Terra está protegida – e como se fosse um eco da voz de Toynara –, por poderosos guerreiros das estrelas.
A felicidade de Zephir diluiu-se no ácido do ódio onde nadava a sua alma tresloucada. Toldado pela ira, horrorizado pela ameaça velada, atacou o Sumo-sacerdote com um raio que disparou da mão aberta. Atingido no torso, o grande senhor tropeçou nos próprios pés e caiu junto ao Trono de Marfim. Fechou os olhos, com resignação.
O feiticeiro voltou-se para Kang Lo. Era altura de acabar com aquela farsa, de uma vez por todas. Não estava ali para resolver os enigmas do Sumo-sacerdote, mas para começar o seu reinado sobre o mundo. A vitória era agora inevitável. Ordenou a morte dos cinco monges que Kang Lo aprisionava na manápula e este não se demorou. Despertou-os primeiro, porque o mestre lho ordenou. Obrigou-os a reconhecer Zephir, para que soubessem por que razão iriam perder a vida. Quatro imploraram que fossem poupados, o que lhes tornou o fim mais lento. Morreram por asfixia. O último monge enfrentou-se a Zephir cheio de bravata. Ergueu-se ferido sobre as pernas bambas e troçou:
- Tens medo, feiticeiro. Porque nós sabemos o teu segredo.
Kang Lo preparava o golpe, torcendo os dedos da mão, transformando-a numa garra medonha. Zephir, curioso, quis saber mais e susteve a mão ansiosa do lutador. O monge completou:
- O grande Zephir, aquele que quer ser o Senhor do Universo, quando estava a ser sovado … implorou por misericórdia!
As pálpebras do feiticeiro fecharam-se e Kang Lo atacou o monge corajoso. Enfiou-lhe a garra pelo abdómen e arrancou-lhe as tripas. O infeliz morreu com um sorriso de troça. Despeitado, mas nunca perdendo o controlo, Zephir desfigurou-lhe o rosto para apagar aquele sorriso que zombava dele.
Houve, a seguir, uma estranha calma em redor.
Faltava, contudo, o derradeiro ato de crueldade, o encerrar daquela peça macabra.
Zephir estendeu um dedo assassino na direção do Sumo-sacerdote.
Sem abrir os olhos, porque conseguia ver para além da escuridão que se auto impusera, o Sumo-sacerdote esboçou um sorriso ténue, como se acreditasse que aquele não seria o fim. Tinha a certeza que, apesar de toda a maldade, o bem haveria de triunfar. A Deusa vingaria todos aqueles que ali tinham perecido.
Um silvo cortou o silêncio do salão quando o raio foi disparado, certeiro, ao coração daquele homem bom. O rosto do Sumo-sacerdote crispou-se. Tornou-se transparente e rígido. O corpo resvalou inerte pelos degraus do estrado que conduziam ao Trono de Marfim. Morria em silêncio.
Zephir aproximou-se do estrado. Dobrou-se sobre o cadáver e arrancou-lhe do pescoço o soberbo colar dourado – as Insígnias Sagradas da Lua. Depois, com um pé empurrou-o e afastou-o do caminho.
Subiu os degraus e sentou-se exausto no Trono de Marfim.
A vitória não teve o sabor que esperava. Fora demasiado fácil.
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Próximo capítulo:
O sobrevivente.