Capítulo 24 - Maldito Orgulho

O clima dentro do carro que nos levava para o aeroporto era tenso e inquietante. Pela terceira vez nos quatro anos que eu conhecia Dallas, o vi nervoso quando viu seu corpo rabiscado com caneta permanente. Juro que não imaginei que ele ficaria tão irritado.

A semana inteira passou assim, sem Dallas falar direito comigo nem com Annie, e quando dei por mim o dia em que os dois iriam embora chegou.

Apesar de Dallas ter ficado chateado, foi engraçado ver Ruby desesperada tentando apagar o VADIA escrito em sua barriga, o que não funcionou uma vez que havia sido escrito com o mesmo canetão que usamos em Dallas (e em todos os outros). Annie com um sorrisinho disse que demoraria pelo menos uma semana pra sair.

Annie e eu fomos acordadas por um Nate que rolava de rir do “Sou da mamãe” no antebraço direito de Ethan. Os dois, Dallas e Jason estavam parados na porta do meu quarto e tirando Nate, os outros não pareciam muito felizes.

O olhar de Ethan borbulhava de raiva, mas fora os olhos, sua expressão era neutra, sem sentimentos. Dallas olhava com a testa franzida, meio irritado, com nós duas e Jason estava discutindo com Nate sobre a seta apontada para sua bunda com os caracteres “Muito usada”.

Jason resmungou alguma coisa sobre não conseguir pegar garotas enquanto ainda tivesse aquela inscrição.

Estava no carro levando meus amigos para o aeroporto e Blake no banco de passageiro da frente, ao lado de Ashley que por algum motivo desconhecido queria nos levar para o aeroporto. Ele nem mesmo olhava na minha cara, tinha ficado bravo por causa do que havíamos escrito nele e quando Annie disse “sem querer” quem havia feito a obra de arte nele, só faltou me estrangular.

– Hum, interessante – disse Nate quando estávamos todos no meio corredor, menos Ruby que provavelmente devia estar limpando a barriga.

Ele leu as palavras escritas na região do umbigo em Blake, depois riu, divertindo-se diante de toda a situação que parece extremamente raivosa para os outros.

Até Ethan riu quando ouviu Nate ler as palavras escritas em Blake.

Este último parecia tão furioso que nem sequer olhou em minha direção, apenas saiu marchando para seu quarto, trancando a porta em seguida. Conseguíamos escutar os palavrões que saiam de sua boca através da porta fechada.

Todo mundo tinha parado de falar e encarávamos uns aos outros.

Cansado do drama de Blake (Eu falo que ele vive em uma eterna TPM), Nate foi até a porta e deu algumas batidas. Sem receber nenhuma resposta, grudou o ouvido na madeira, tentando escutar algo.

– Ah, qual é amorzinho – Nate fez uma voz manhosa. – nós dois sabemos que o que você tem dentro das calças não é nada pequeno, tanto que da última vez você quase me esfolou.

Arregalei os olhos, horrorizada. Apesar de nenhuma daquelas palavras serem direcionadas a mim, senti-me envergonhada, o rubor subindo pela minha face fazendo com que eu me perguntasse mentalmente como consigo conviver com essas pessoas que estão rindo dessa frase.

Um tempo depois um Blake carrancudo saiu pela porta, descendo as escadas apressadamente.

E foi assim durante todo esse tempo, eu parecia ter ficado invisível para ele. Isso serviu apenas para me fazer prestar atenção em tudo que ele fazia. Percebi que, inconscientemente, entrava nos cômodos com o pé esquerdo, percebi que tem a mania de dobrar e desdobrar com os dedos do pé a ponta do tapete de sala.

Cheguei a conclusão de que sou sádica. Odeio estar apaixonada pelo garoto mais irritante que já conheci – e que por sinal não dá a mínima pra mim -, mas também não faço nada para parar de gostar dele.

Annie mexia no meu celular, fazendo sabe-se lá o que e Blake admirava a paisagem cheia de poluição de Londres.

Observei o perfil de Ashley, o nariz fino e delicado, a pele branca, sem imperfeições. Seus fios de cabelo preto ondulados tão brilhosos e bem cuidados. Tão irritantemente bonita.

Imaginei-a e David agarrando-se na mesma cama que ele dormia todo dia com minha mãe. O sorriso branco e radiante dela, os olhos brilhantes dele. Ele sussurrando em seu ouvido que a ama. Toques, toques.

A raiva cresceu em meu peito, subindo para minha boca e deixando um gosto amargo.

Desviei o olhar para a janela, respirando fundo e dizendo a mim mesma para parar de pensar nessas coisas.

O carro estava em completo silêncio até o momento em que Annie soltou um grito assustando todos dentro do automóvel.

– Eu não acredito que você ainda tem essa foto! - Falou virando o lado da tela para mim.

Era uma foto do tempo em que eu ainda saia com o Bryan: eu olhava para a câmera enquanto ele beijava minha bochecha. Fazia tanto tempo que eu não pensava nele que quase me esqueci como ele era bonito. Fofo e malicioso ao mesmo tempo. Na foto seus olhos expressavam inocência, mas seus lábios encostados em minha bochecha abriam-se em um sorriso travesso.

Franzi a testa sem saber da onde Annie havia tirado aquela foto. Isso não poderia significar boa coisa.

– Que foto? - Dallas perguntou finalmente tirando a expressão aborrecida do rosto.

– Uma foto dela com o Bryan - Ela virando o celular na direção de Dallas.

– Bryan? - Blake se fez presente virando a cabeça para nos olhar.

– É o ex ficante da Sophie. Eles não formam um lindo casal? Pena que ela mudou para cá. - Annie falou entregando o celular para ele.

Ela me olhou com um sorriso cruel como se tudo aquilo tivesse sido planejado. Juro que nunca senti tanto vontade de voar no pescoço dessa garota como agora.

Pude ver Ashley esticar o pescoço discretamente, tentando ver a foto.

– Esse menino parece ser gay - Comentou Blake provocativamente.

– GAY? – Ashley levantou as mãos, mostrando o quanto estava indignada. – Ele é lindo! Tudo bem que existem gays bonitos, mas olha o jeito como ele está sorrindo, eles deviam estar num amasso daqueles. Essas crianças...

Dei um pulo no assento ao ouvir o grito de Ashley, surpresa com a repentina manifestação dela. A voz esganiçada quase fazendo meus tímpanos explodirem.

Blake fez uma careta, torcendo a boca.

– Sophie pode lhe assegurar que de gay ele não tem nada, pra ser sincera nunca vi casal pior que os dois, ficavam se beijando em todo o tanto. Eles pareciam namorados e não ficantes.

– C-a-l-a a b-o-c-a, Annie. – falei letra por letra, lentamente.

– Ah vamos lá Sophie, não seja tímida. Conte para o Blake daquela vez que vocês foram pegos se beijando no armário do zelador.

Eu estava vermelha, tanto de raiva como de vergonha. Annie claramente me provocava. Os olhos azuis faiscavam com diversão, atenta ao que eu falaria. Ela tinha esquecido de contar a parte mais importante: A própria tinha nos trancado no armário de limpeza.

– Ou do tanto que você ficou com raiva quando soube que ele estava saindo com a Stella.

A expressão de Blake se fechava cada vez mais com cada palavra que a minha amiga falava.

O que mais me intrigou foi porque ele parecia tão bravo.

Annie não parava de falar, jogando as palavras, uma atrás das outras. Contando o que Bryan havia me dado de presente de aniversário de dezessete anos, depois falando do meu desespero quando eu iria dormir na casa dele, em como eu fiquei com medo de perder a virgindade aquele dia (O que não aconteceu).

O carro parou e sem esperar Ashley avisar que havíamos chegado praticamente joguei Annie pra fora do carro e sai de lá o mais rápido que pude tentando me livrar de mais constrangimento.

– Você é louca?

– Minhas malas ficaram pra trás, Sophie. – Ela olhava para frente, sorrindo.

– Dallas as pega.

Annie deu uma risadinha.

– O quê? O que houve?

– Então eu me lembrei mesmo. – disse para si mesma.

– Lembrou-se do que? – perguntei impaciente.

Olhei para trás vendo que ainda estavam no carro tirando as malas.

Annie parou de andar de repente e me puxou para um canto.

Encarou-me por longos dez segundos, a expressão pensativa.

– Aquele dia que eu dei o soco no amigo babaca de Blake.

Estanquei e minha respiração acelerou-se, tudo que tinha acontecido naquela noite voltando com tanta rapidez que eu tive de apertar as mãos na barra do meu casaco de lã.

– Eu me lembrei. – disse ansiosamente.

– Hã?

– De tudo. Lembrei-me de tudo.

Prendi a respiração com pensamentos de Annie correndo para contar para Blake que eu gostava dele, porque foi isso que ela me disse depois de cuidar dela. Annie conseguiu perceber que eu estava apaixonada por ele antes mesmo de eu notar.

Ela abriu a boca para falar alguma coisa, mas ao olhar para um ponto atrás de mim passou a língua pelos lábios e apenas disse:

– Não o deixe escapar por causa do seu maldito orgulho. Se continuar com isso, vai perdê-lo.

E no instante seguinte Dallas me abraçou pelos ombros, depositando um casto beijo no topo da minha cabeça.

O resto do tempo foi um borrão, minha cabeça martelava com o que Annie havia me falado.

Levamos meus amigos até o lugar onde colocavam as malas e depois ficamos jogando conversa fora, falando sobre qualquer assunto. Na verdade eu nem estava participando da conversa, eu hiperventilava.
Annie e Ashley conversavam animadamente e esse foi um dos momentos em que eu prestei atenção no que acontecia ao meu redor.

Senti uma pontada de culpa me golpear no estômago. O riso de Annie tornando um lembrete de que eu não tinha lhe contado sobre a minha situação, que eu estava omitindo um detalhe importante da minha vida para uma das poucas pessoas que eu ainda confiava.

Meus olhos marejaram já sentindo a saudade dos dois quando Dallas e Annie me abraçaram ao mesmo tempo, despedindo-se de mim.

Antes de passarem pelo detector de metais Annie deu uma última olhada para mim, os olhos demonstrando que ela queria me falar tanta coisa, mas ela apenas disse sem fazer nenhum som:

– Aposto que você vai perder a virgindade com Blake.

E depois riu.

Ah, meu Deus. Meu rosto ficou vermelho e eu olhei para baixo. E eu achando que ela iria falar alguma coisa importante.

Outro momento em que eu fiquei atenta ao que estava ocorrendo foi quando, durante o trajeto de volta para casa Ashley disse toda felizinha:

– Sua festa de aniversário vai ter o tema de halloween, Blaaaake – Os dedos batucavam no volante.

– Vou o que? – Ele virou a cabeça tão rapidamente que não sei como não deslocou o pescoço. – Você ao menos perguntou se eu quero uma festa de aniversário?

Os dois começaram a discutir e eu voltei a hiperventilar, encarando Blake.

"Não o deixe escapar por causa do seu maldito orgulho."