Capítulo 2 - Mais Idiota Impossível

Os dois conversaram o caminho todo para a casa de Ashley Vagabunda.

Passávamos por vários locais amontoados de pessoas nas ruas e o trânsito estava insuportável, empacávamos com o carro a cada metro andado.

O dia estava até um pouquinho ensolarado, coisa rara em Londres. O clima estava contradizendo meu humor, agora deveria estar chovendo granizo, nevando, acontecendo um furacão, pessoas morrendo com raios caindo em suas cabeças, mas claro, tinha que ter sol.

Ashley colocou umas músicas bem antigas e bregas e quando eu digo antigas são antigas mesmo, tipo aquelas do Billy Joel que ninguém escuta mais. Ela não parava de falar no filinho querido dela, mas eu, é claro, não estava prestando a mínima atenção, minha leitura de Fallen estava muito mais interessante.

“Você vai adorar o Blake, um encanto. Lindo!” Ashley dizia coisas desse tipo do filho dela, Blake.

Fiquei tão entretida no livro que nem tinha percebido que já havíamos chegado.

Pois é, a casa dela não era assim tão grande para os milhares de golpes que ela já tinha dado em homens ingênuos e indefesos como o meu pai. Talvez essa fosse a intenção, não dar pistas que era uma aproveitadora, e assim que largasse David, correria para outro homem rico que não teria a menor chance de desconfiar de seus antecedentes criminais.

Porque, obviamente ela era algum tipo de serial killer não identificado, dentro de sua casa deveria ter algum porão ou sótão onde ela torturava suas vítimas caindo em cima delas com sua enorme barriga e com sua chatice.

–Sophie, querida, chegamos - Anunciou meu pai.

–Sério? Nem tinha percebido - disse irônica. Eu sei. Você deve estar me achando muito grossa, mas eu não sou assim, sou uma filha exemplar, mas tudo tem limites, e David definitivamente tinha ultrapassado todos eles.

–Sophie! – Repreendeu-me.

–Deixe amor, ela deve estar cansada da viagem. – Ashley, mais uma vez intrometeu-se, fazendo meu pai ficar calado. Preferia que David continuasse brigando comigo do que ficar calado por uma ordem da Ashley.

Descemos do carro e pude ver a fachada da casa/mansão com mais clareza, onde havia um jardim muito bem cuidado, com certeza não por Ashley, pois ela não iria querer sujar suas mãos com isso. Imagine!

–Depois peço para levar as suas malas. Seu quarto fica à terceira porta à esquerda, subindo as escadas - disse com um falso tom prestativo.

–Obrigada - resmunguei seca.

Subi as escadas seguindo as instruções de Ashley para chegar ao meu quarto.

Com todas aquelas portas e o corredor enorme poderia até ser difícil de achar, se Ashley Vagabunda não tivesse me dito. Terceira porta à direita.

Passei pela primeira porta, o chão era de madeira, havia pequenas estantes com retrados ao longo do hall.

Parei no meio do caminho para ver uma das estantes.

Nos retratos estava Ashley exatamente do mesmo jeito de hoje, os cabelos longos, o rosto jovem e a pele lisa, provavelmente era uma foto recente.

Em três retratos tinha um menino de cabelo castanho escuro e olhos azuis, idênticos aos de Ashley. Provavelmente era o pirralho melequento, digo, o filho de Ashley, o tal de Blake.

Você deve estar pensando que eu sou algum tipo de monstro que odeia crianças, não, eu não sou o problema era que ele era o filho dela.

Quando percebi que estava parada tempo demais no corredor, continuei o caminho para o meu novo quarto.

Girei a maçaneta do meu suposto quarto e... Nada. A porta estava trancada.

Tentei mais umas três vezes, a porta não abriu.

Será que tinha alguém dentro?

Coloquei alguns fios de cabelo atrás da orelha e dei um passo para trás. Aquele deveria ser o quarto de outra pessoa.

Já estava me virando quando escutei a porta se abrir me fazendo dar um pulo. Apareceu um garoto, encostado na soleira da porta, com uma expressão não muito boa.

–Que? – perguntou com a voz grossa.

–Que o quê?

–Você estava tentando abrir a porta... – disse o garoto com as sobrancelhas levemente erguidas, como se estivesse falando com uma retardada.

É... Eu acho que era a porta da esquerda e não da direita. Ou talvez a Ashley fez tudo isso de propósito e contratou esse garoto lindo para me seduzir e ter o caminho totalmente livre para enganar meu pai, e ai quando eu menos esperasse ele iria me sequestrar e me colocar no porão da casa, onde a vaca me torturaria.

Permaneci calada, confusa e sem saber o que dizer.

Ele revirou os olhos e disse com a mesma voz lenta:

–Quem é você? Alguma empregada nova?

–O quê? Não! Meu nome é Sophie. – disse com um tom meio indignado.

Agora quem estava confuso era ele. Seus olhos percorreram todo meu corpo e pararam em meu rosto.

–Você? Você é a filha do David? - perguntou com as sobrancelhas arqueadas e um tom duvidoso.

–Sou. - Murmurei não entendendo nada do que estava acontecendo.

Ele olhou por cima de meu ombro como se houvesse alguém atrás de mim, provavelmente esperando outra garota aparecer do nada e dizer que ela sim era a filha do David. Voltou a me encarar e depois desviou sua atenção para o grande decote de meu vestido. Se eu soubesse que teriam tarados – gostosos – na casa de Ashley teria usado uma roupa mais decente, mas nem me importei direito com isso. Estava ocupada demais percebendo uma coisa que nem tinha notado antes.

Azuis. Os olhos do garoto eram completamente azuis.

Já havia visto os visto antes. Azul claro por dentro e com um contorno mais escuro. Aqueles olhos eram exatamente iguais aos dela, sim da Ashley Vagabunda, a serial killer que pretendia roubar meu pai e vender meus órgãos no mercado negro.

O cabelo, antes castanho escuro, estava preto e um pouco maior, até a metade do pescoço. Era ele, o filho da vaca, o pirralho melequento que de pirralho não tinha nada, muito menos melequento.

Um sorriso torto surgiu em seu rosto, um sorriso sarcástico.

–Bem vinda, irmãzinha.

Estava estática, chocada de mais para formular uma resposta descente. O filho de Ashley não era uma criança. Não mesmo, eu que o diga.

Dei uma resposta muito inteligente.

–Hã... Ashley filho, você filho dela, Ashley. – minha língua parecia embolada na garganta.

Você é uma idiota Sophie, nunca ficou assim antes, porque logo agora?

Novamente me olhou como se eu fosse retardada. Ótimo. Eu estava agindo como uma.

O que eu faço em momentos como esse? Tento agir o mais naturalmente possível. Pelo menos era o que eu pensava que fazia, até eu olhar para o rosto do filho de Ashley e dar meia volta pelo corredor andando o mais rápido que podia.