Death Note: Ressurreição escrita por Goldfield


Capítulo 6
Capítulo VI: Confiança




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/28156/chapter/6

A marola da revolução morre na praia do marasmo

E eu ainda espero a ressurreição

 

Eu ainda aguardo, aguardo a cada manhã

Pois sem a Justiça, com ela morta

Quem me protegerá nas noites mais frias?

 

Pois só a Justiça trará meu futuro

Sem que eu me renda às maçãs verdes

A Justiça não me trairá

E eu ainda espero a ressurreição

 

Porque a Justiça não pode morrer

E é nisso que irei acreditar

Pois ela mais uma vez se fará sentir

Abalará o mundo como nunca abalou

 

A Justiça ressuscitará

 

- - - - - - - -


Capítulo VI

 

“Confiança”

 

Justine adentrou a sala de aula um pouco envergonhada, sendo que o professor já havia começado a ministrar a matéria, Direito Constitucional, há alguns minutos. Desculpou-se num discreto “pardon” e, após o docente assentir com a cabeça voltada para a lousa, a loira prosseguiu até seu lugar entre resmungos e risadinhas por parte dos colegas que a odiavam. Acomodou-se ao lado de Paule e apanhou rapidamente os livros para conseguir acompanhar a explicação.

Todavia, Clare sentiu que havia algo estranho. A amiga não olhava para frente, atenta à aula, como de costume, tendo naquele momento os olhos fixos na órfã. Esta fingiu ignorar tal fato no início, porém, conforme tentava ouvir o professor e fazer anotações em seu caderno, começou a se sentir extremamente incomodada. Era como se Paule a estivesse vigiando, atenta a qualquer ato suspeito. Será que Justine deixara escapar algum indício a respeito do Death Note? Não, era impossível. Não havia como ninguém mais saber.

Num dado instante, bufou e largou a caneta. Não podia mais agüentar aquilo. Virou-se para Delacroix com o máximo possível de naturalidade e perguntou:

         Algo errado, Paule?

         Justine... – a morena falou quase num suspiro vazio, semblante pensativo. – Você apóia Kira, não?

 

Quê? Por que isso agora?

 

Seu rosto fechou, seus lábios se retraíram, os dedos de sua mão direita tamborilaram um tanto nervosos a madeira da bancada, porém não podia fugir à indagação. A amiga provavelmente a fazia sem qualquer intuito de testá-la ou coisa parecida, mas a resposta que daria poderia denunciá-la ou não. Respirando fundo, procurou ser sincera. Só o fato de não mentir já daria uma grande contribuição para que eventuais suspeitas se afastassem de sua pessoa.

         Sim, eu apóio. E você sabe muito bem disso.

         É, lembro-me bem... Nós nos conhecemos apenas aqui na universidade, porém você me disse numa certa ocasião que não reprovava os atos de Kira no período em que ele agiu pela primeira vez.

         Minha opinião é que há a necessidade sim de Deus ter um representante direto na Terra para executar seus julgamentos. Só assim este mundo pode melhorar. E ele de fato melhorou enquanto Kira agia. Agora que ele retornou, espero que a criminalidade também volte a diminuir e os maus saibam que serão punidos caso se manifestem.

         Você tem uma postura bem formada diante desse assunto, Justine. Mesmo não concordando totalmente, é algo que admiro.

         Hum... Não concorda totalmente? O que acha de Kira, Paule?

Clare se deu conta de que realmente nunca ouvira o parecer da amiga a respeito da questão, e seria algo sem dúvida interessante de se tomar conhecimento. A situação se invertera, e isso a agradava. Tinha de permanecer no controle.

         Eu acredito que os atos de Kira não passem de ações individualistas destinadas a satisfazerem seu próprio ego, estando de acordo apenas com suas noções particulares de certo ou errado. A longo prazo não terão trazido nada de benéfico à humanidade, talvez até a prejudicando.

         E por que acha isso? – Justine lançou um olhar astuto sobre a colega.

         Não existe justiça imparcial.

         Explique-me direito.

         Por exemplo, matar crianças. Para nossa civilização judaico-cristã ocidental do século XXI, é um crime hediondo considerado bem mais grave que muitos outros. No entanto, nem sempre foi assim. Na Idade Média não existia o conceito de infância como o enxergamos hoje; as crianças eram vistas praticamente como adultos em tamanho menor, não diferindo deles em mais nada. Por isso naquela época não se via como crime hediondo enviar crianças para uma guerra ou matá-las numa mesma. E também existiram e ainda existem culturas que não traçam uma divisória nítida entre infância e maturidade perante suas leis ou códigos de conduta.

         E?

         O que Kira considera um delito grave pode não o ser para outras pessoas. Algum ato que ele veja como digno de pena de morte pode não o ser para os demais. É nesse ponto que quero chegar. Alguém com o poder de Kira escolhe suas vítimas de acordo com seu ideal individual de justiça, seguindo sua própria moral, preceitos e quiçá caprichos.

O mesmo argumento apresentado antes pelo professor Pasquale, em suma. Argumento que Justine não aceitava de modo algum. Kira era o arauto da justiça divina no mundo, o Death Note sendo o meio infalível de executá-la entre os homens. E Deus nunca errava em seus julgamentos. Ele era imparcial, implacável e fulminante. Aqueles que merecessem morrer devido a seus crimes morreriam. Isso jamais deveria ser questionado. Clare construiria uma sociedade em que todos compreenderiam isso, e falas como a que Paule acabara de articular nunca mais seriam ouvidas.

         Vejo que você também tem uma opinião formada... – a loira sorriu de leve.

         É preciso que todos nós nos posicionemos acerca de algo tão importante, não é mesmo?

As duas riram baixinho por um instante e em seguida voltaram suas atenções para a aula. Sem que Delacroix notasse, porém, Justine lançou um último olhar de soslaio sobre sua figura. E prometeu a si mesma ficar de olho nela pelo tempo que fosse necessário. Seu segredo não podia ser descoberto por ninguém. Ninguém.

 

- - - - - - - -

 

Quartel-General da Interpol.

Onze homens seguiam o agente do FBI Ernest Adams, que carregava fechado o laptop cinza, por um dos corredores do prédio após o término da assembléia. Estavam todos visivelmente ansiosos, agitados. Arrumavam os ternos e gravatas constantemente, outros cochichavam entre si. Haviam aceitado uma missão altamente arriscada, e não poderiam mais voltar atrás.

Aqueles eram os voluntários provenientes de várias partes do mundo que haviam se prontificado a auxiliar “L” na caçada a Kira, colocando suas vidas em perigo.

Pararam por fim diante de uma porta. Adams inseriu um cartão magnético na fechadura e abriu-a calmamente, os demais o acompanhando enquanto sentiam um misto de receio e curiosidade. Tinham certeza de que aquela investigação marcaria para sempre suas existências dedicadas ao cumprimento da lei.

A sala a seguir se assemelhava a um escritório simples, porém bem mobiliado, com móveis remetendo ao século XIX. Os exemplares de tapeçaria pareciam oriundos do Império Turco-Otomano e as cadeiras, estantes de livros e escrivaninhas pertencendo ao inventário de algum dos últimos monarcas da Europa. Foi sobre a última dessas peças citadas que o estadunidense colocou o computador, abriu-o e ligou-o diante dos policiais. De imediato o logotipo de “L” ocupou mais uma vez a tela.

         Pois bem, senhores – a voz robótica continuava protegendo a identidade do detetive. – Vocês foram os únicos que se dispuseram a integrar a nova força-tarefa destinada a deter Kira. Presumo por isso serem homens de imensas coragem e determinação, virtudes que muito valorizo e que serão imprescindíveis para o fechamento deste caso. A partir deste momento deposito minha total confiança em suas pessoas. Juntos deteremos essa terrível ameaça que assassina seres humanos tão deliberadamente.

Os onze concordaram movendo a cabeça ou pronunciando “sim” em suas respectivas línguas. “L” então prosseguiu:

         O agente Adams já me enviou por e-mail os nomes, nacionalidades e históricos de cada um de vocês, mas eu gostaria que se apresentassem pessoalmente.

O grupo de voluntários se dispôs em fileira e um por um, dando passos à frente, falaram de forma breve a respeito de si mesmos. O primeiro foi um loiro relativamente alto e forte, seu intenso sotaque indicando de onde vinha:

         Sou o agente Günter Ackerman. Bundespolizei. Polícia Federal Alemã.

O próximo foi um indivíduo calvo, talvez o mais velho ali. Sua face e jeito de se expressar no entanto demonstravam uma firmeza de caráter admirável.

         George Bakerton. Scotland Yard. Polícia britânica.

Em seguida foi a vez de um moreno de pele cor de jambo, cabelos pretos e crespos.

         Ricardo Souza. Polícia Federal do Brasil.

Logo depois um rapaz magro, quase ruivo.

         Moshe Yahudain. Mishteret Yisrael. Polícia israelense.

A dupla de oficiais japoneses veio em seguimento:

         Touta Matsuda. Agência Nacional de Polícia do Japão.

         Hideo Hoshi. Também da polícia japonesa.

Após os dois, um homem negro, mais alto do que Ackerman:

         Scott Boruanda. Serviço de Polícia da África do Sul.

Uma mulher de cabelos castanhos, gestos constantes e corpo atraente.

         Izabela Rivera. Cuerpo Nacional de Policía. Espanha.

Mais uma dupla, composta agora por um homem e uma mulher, ambos loiros.

         Mark Dennegan. ATF. Alcohol, Tobacco and Firearms. Estados Unidos.

         Eliza Krammer. FBI. Estados Unidos da América.

Por último, um outro oriental de porte bastante rígido.

         Zheng Wu Liu. Força Policial Armada do Povo Chinês.

Seguiu-se então um minuto de silêncio... e a imagem na tela do notebook foi alterada de forma súbita e drástica, retratando um fundo preto com o desenho rústico na cor branca de um boneco-palito morto numa forca, seu corpo balançando para lá e para cá ao som de “bips” do aparelho. Os onze policiais recuaram assustados e confusos, até que a figura da letra “L” retornou e o detetive fez questão de interpelá-los:

         Será que nada aprenderam com os acontecimentos dos últimos anos? Se eu fosse Kira como insistem alguns membros da Interpol, vocês todos já estariam mortos!

Os voluntários, dentre os quais Matsuda era o que mais se reprovava por ter cometido deslize tão perigoso, trocaram olhares temerosos entre si antes da fala continuar:

         Daqui em diante não poderão mais usar seus nomes verdadeiros. Adams distribuirá a todos vocês, durante o vôo até meu centro de operações no Japão, novos distintivos de acordo com as forças policiais das quais são originários contendo nomes falsos que deverão utilizar até que as investigações terminem. Suas vidas são importantes demais para serem desperdiçadas, senhores.

         Quando partirá esse vôo? – quis saber Dennegan.

         O quanto antes. O jato já os aguarda neste momento no aeroporto de Lyon. Recomendo que não informem a ninguém que irão viajar, pelo menos não num primeiro momento. Toda discrição é bem-vinda quando se trata de Kira.

“L” terminou e todos permaneceram calados por vários instantes, suas visões se alternando entre os novos companheiros de força-tarefa, o sisudo agente Adams e o computador que compunha o elo com o maior detetive do mundo. Este indagou, depois de julgar ter dado tempo suficiente para que todos se decidissem:

         Posso mesmo contar com todos vocês?

A confirmação foi geral. Estavam prontos para começar.

 

- - - - - - - -

 

Ela tinha de fugir.

Tinha de continuar a se afastar, firme, calada, em linha reta, sem demonstrar quaisquer emoções. Correr significaria sua morte. Tentar reagir significaria sua morte. Por mais que quisesse parar e voltar atrás, destruir seu inimigo, livrar-se de toda a dor, não podia. Naquele sofrido momento teria de reprimir todo o seu ódio e simplesmente ir embora.

Fugir e fingir.

A risada a feria. As provocações a feriam. Sua alma desolada recebia cada golpe clamando silenciosamente por socorro. Era obrigada a esboçar uma farsa que não estaria disposta de modo algum a levar adiante em condições normais. Mas não podia mais sair dela, fazer o que realmente desejava. Isso significaria seu fim. E ela havia encarado a morte nos olhos.

Mantendo seu teatro e contendo-se ao máximo para não verter lágrimas, continuava andando. Assim seguiria por quilômetros e quilômetros. E atrás de si, apenas o emblema da derrota, uma descoberta que lhe enchia de pavor e fúria. Algo contra o que queria reagir, porém não podia.

Ela tinha de fugir.

 

         Não!

Despertou muito agitada, a camisola embebida de suor assim como o travesseiro e o lençol. Ofegante, sentou-se sobre a cama e seus olhos vasculharam o quarto. O outro ser ainda se encontrava nele, suas grandes asas tomando bastante espaço; sua figura, porém, oculta em meio às trevas do cômodo. Era madrugada e ela despertara de novo para uma realidade que mais parecia um devaneio. A noite estava longe de terminar.

         O pesadelo de novo? – perguntou a criatura.

         Sim. Cada vez pior. E pensar que, apesar de eu já o ter re-visitado tantas vezes, sempre acabo tão aflita... Creio que também é por conta de tudo isto que está acontecendo.

         Durma. Mesmo não conseguindo alcançar a paz de espírito, permita-se ao menos tentar buscá-la com o sono.

Ouvindo isso, ela deitou-se novamente e revirou-se sob o lençol, uma terrível amargura dominando-lhe a mente. Será que todo aquele suplício estaria perto de acabar? Será que um dia poderia voltar a viver com tranqüilidade?

De costas para o ser alado, suspirou brevemente, uma lágrima escorrendo por sua face...

Ao menos eles já estavam lutando para isso.

 

- - - - - - - -

 

Death Note – Como usar:

 

11 – As condições da morte não serão cumpridas a não ser que sejam fisicamente possíveis para o humano ou razoavelmente prováveis de serem realizadas pelo mesmo.

 

12 – As possibilidades máximas das condições da morte não são conhecidas nem pelos deuses da morte. Assim, você terá de testar para descobrir.

 

13 – Uma página retirada do Death Note, ou até mesmo um pedaço de página, contém todos os efeitos do caderno em si.

 

- - - - - - - -

 

Paris. Final de tarde.

Justine e Paule caminhavam pela calçada de uma das ruas de Montparnasse. O céu assumia um tom laranja com algumas nuvens mais escuras; talvez voltasse a nevar aquela noite. A loira, com seu cachecol ao vento e expressão facial longínqua, continuava envolvida por seu propósito, simultaneamente atenta a quaisquer suspeitas que pudesse causar, evitando-as. Masuku, invisível à amiga de Clare, seguia-as em silêncio, batendo suas asas de forma lenta e despreocupada.

         Gostou da aula hoje? – Delacroix resolveu indagar, sorridente.

         Foi razoável... – Clare replicou friamente. – O professor está atrasado com os conteúdos.

         Sim, isso é...

Voltaram a se calar, vencendo mais alguns metros a passos lentos. A temperatura baixava mais a cada minuto, Paule abraçando seu tronco com os braços num dado momento para proteger-se da brisa gélida. Então tornou a tocar no assunto que mais se destacava em seus pensamentos:

         Quando chegar em casa ligarei a TV para saber se Kira fez mais alguma vítima. É muito frustrante ainda não ter certeza se realmente a morte no Japão foi causada por ele, não acha?

         Certamente. Mas eu espero que tenha sido.

A amiga de Justine chegava a sentir arrepios devido à forma como ela apoiava Kira. Decidiu que seria melhor mudar o tópico da conversa para não começarem a discutir. O tema escolhido foi justamente aquele do qual mais gostava: garotos.

         E o Henri?

         Que tem ele? – ao replicar, Clare ouviu Masuku dar uma risadinha atrás de si.

         Tem pensado nele?

         Sim, mas apenas no fato de que ele ainda não devolveu meu “Crime e Castigo”.

         Ai... Como você é insensível! Ele adora você! Devia ao menos dar alguma esperança ao coitado. É um ótimo rapaz!

Nisso, ambas se deram conta de que estavam na frente do mercadinho em que o jovem trabalhava. Paule olhou de modo rápido através do vidro da entrada para verificar se o mesmo estava dentro do estabelecimento, logo confirmando que sim ao notá-lo atrás do caixa terminando de atender um freguês. Em seguida fitou a amiga de relance, um sorrisinho malicioso brotando em seus lábios... E, de súbito, puxou-a por uma das mãos, arrastando-a para o interior do local.

         Venha, Justine! Vamos lá dar um “oi” para ele!

         Paule, o que pensa que está fazendo? – irritada, a loira tentava se soltar, mas o braço da morena era mais forte.

Assim adentraram a loja, passando por prateleiras contendo desde produtos alimentícios até artigos simples para o lar. O Shinigami continuava a acompanhá-las, seu riso se intensificando devido à embaraçosa situação em que a órfã se metera. Paule a conduzia até o caixa, onde Henri, assim que o cliente se afastou, percebeu a aproximação das duas e sorriu tímido. Coçou a cabeça por um instante para então saudá-las:

         Boa tarde, meninas.

         Boa tarde, Henri – respondeu Delacroix alegremente.

         Olá... – Justine foi, como de costume, seca.

         Desejam algo?

         Não, estamos apenas de passagem...

         Na verdade desejamos sim! – cortou Paule. – Hoje irei à casa de Justine e pretendemos ficar até tarde estudando para as provas. Por isso vamos precisar levar algo para comer.

 

O que essa idiota está armando?

 

Masuku continuava rindo.

         Ah, é? – o rapaz demonstrava ser bastante desajeitado em companhia feminina. – Ali naquela prateleira do fundo há pacotes de salgadinhos, doces e outras coisas do tipo!

         Merci. Irei lá dar uma olhada. Por que não fica aqui no caixa enquanto isso conversando com o Henri, Justine?

         Oh, não, muito obrigada. Irei até ali dar uma olhada nos jornais e revistas.

O funcionário ficou ainda mais sem jeito diante da recusa de Clare. Já Paule, apesar de querer esbofetear a amiga ali mesmo devido à sua teimosia, conteve-se e dirigiu-se disfarçadamente até a área do mercadinho que ele indicara. Justine, por sua vez, caminhou até uma pequena banca dentro do estabelecimento onde havia várias publicações à mostra. De costas para o caixa, permaneceu dessa forma imóvel examinando as capas e manchetes.

Como suspeitara, praticamente todas estavam relacionadas ao ressurgimento de Kira. Os periódicos mais sensacionalistas até falavam que ele já fizera dezenas de vítimas em poucos dias, o que era desmentido pela imprensa séria. A jovem constatou que até o momento apenas a morte por parada cardíaca do criminoso Tuomo Sanbashi no Japão era publicamente atribuída a Kira. Havia também reportagens sobre o fim de Eliah Bantu, porém nenhuma a relacionava ao suposto serial killer.

Justine estava ainda distraída com as notícias, quando a porta da loja foi mais uma vez aberta. A moça voltou de leve a cabeça na direção da entrada e fitou um homem em seus prováveis quarenta anos ganhar o recinto, tendo os cabelos castanhos desgrenhados e o corpo coberto por roupas surradas, mais precisamente uma camisa laranja na qual faltavam botões, uma calça jeans contendo rasgos e sapatos bem sujos. Tinha as duas mãos enfiadas nos bolsos, uma expressão evasiva demais na face.

Bastou para que a estudante tivesse um pressentimento, seu coração batendo frenético.

O misterioso personagem percorreu o caminho até o caixa, no qual Henri ligara um radinho para ouvir música. Antes que pudesse sintonizar alguma estação, notou a presença do indivíduo e arregalou os olhos. Ele o conhecia. Foi com certa surpresa que exclamou assim que o visitante parou bem diante de si:

         Jean? É você mesmo?

O recém-chegado, por sua vez, franziu as sobrancelhas e respondeu numa voz rouca e um pouco aterradora:

         Olá, Henri. Quanto tempo.

         Sem dúvida! – o garoto se animara por rever um velho amigo. – E aí, como vão as coisas? Nunca mais o vi desde que deixou de trabalhar aqui!

Justine ainda observava atenta, porém discreta, e dessa forma notou o ato seguinte do desconhecido assim que ele o executou: mordendo os lábios, arrancou bruscamente uma das mãos do bolso, portando um revólver calibre 38, dedos já prontos no gatilho. Apontou a arma para um trêmulo Henri ao mesmo tempo em que dizia:

         Nunca me pergunte como vão as coisas!

Nesse instante Paule também percebeu o que ocorria, olhando para a amiga com uma expressão de horror. Clare, por meio de um gesto quase imperceptível, pediu que ela permanecesse onde estava. O homem aparentemente estava descontrolado e qualquer movimento que ele interpretasse como tentativa de reação poderia ser fatal.

         Desde que o maldito Chambert me demitiu, não consegui mais nenhum trabalho! – berrou, explodindo em fúria. – Minha mulher e filhos passam fome há semanas!

         Acalme-se, Jean... – Henri tentava dialogar. – Talvez haja algo que eu possa fazer para ajudá-lo...

         Há sim! Chame o gerente!

         Mas, ele...

         Chame o gerente agora, moleque!

E engatilhou o revólver para reforçar a ordem. Apavorado, o rapaz seguiu até uma porta nos fundos do mercadinho, por pouco não tropeçando no caminho devido ao nervosismo. Cruzou-a e, durante sua ausência, o meliante olhou ao redor rapidamente, afobado, como uma fera acuada. Chegou a notar que Justine o espiava e até a encarou por um momento, pupilas ardendo num ímpeto assassino. Por sorte, nada fez contra a jovem, tornando a focar sua atenção na porta pela qual Henri sumira. Este retornou instantes depois acompanhado de um sujeito de meia-idade, pouco cabelo, bigode e que usava óculos e suspensórios. Tratava-se do tal Chambert, gerente do estabelecimento.

         Moreau? O que significa isto?

A resposta não veio por palavras, mas através de um disparo. A bala partiu do cano da arma de Jean e se alojou no ombro esquerdo do ex-patrão, sangue passando a manchar suas roupas. O ferido caiu sentado junto à parede atrás do caixa, sendo amparado por Henri. O atirador então falou:

         Não tinha razão para me demitir, desgraçado! Trabalhei duro nesta espelunca por quinze anos! Agora vai pagar caro por isso!

Justine, por sua vez, estava estática. O som do tiro, o projétil cortando o ar... Não tinha contato direto com tais coisas desde o assassinato dos pais, quando ainda era bebê. Uma intensa aflição dominou-a, as pernas oscilaram, porém conseguiu, pela segunda vez aquele dia, mantê-las firmes. Tinha de agir logo. O acaso lhe sorrira e poderia testar as propriedades do caderno dando cabo de um criminoso antes mesmo da mídia divulgar seu nome, o qual, graças a Henri e Chambert, Clare descobrira sem qualquer esforço. Jean Moreau. Seus minutos estavam contados.

Ela abaixou-se sem causar ruído diante da prateleira, retirou a mochila das costas, abriu-a e apanhou o Death Note com o máximo possível de discrição. Enquanto isso, os ânimos se exaltavam ainda mais:

         Não o mate! – pedia o caixa desesperadamente. – Leve todo o dinheiro que quiser, Jean, mas por favor, não mate o gerente!

O criminoso continuava com a arma apontada para aquele que julgara ter arruinado sua vida, os dedos ansiosos por pressionarem mais uma vez o gatilho, dando fim à sua figura miserável... Porém por fim abaixou o revólver e apanhou uma sacola plástica de um suporte que estava próximo. Abrindo-a diante de Henri, ordenou enquanto apontava com um indicador para seu interior:

         Coloque toda a grana aqui dentro, depressa!

O garoto obedeceu, abrindo a caixa registradora e despejando todas as notas e moedas nela contidas dentro do recipiente. Enquanto isso, Justine usava uma mão para ocultar o caderno no meio de uma revista – ironicamente, uma história em quadrinhos do personagem “Justiceiro”, da Marvel – e com a outra segurava sua caneta-tinteiro, com a qual escrevia rapidamente numa folha em branco. A ponta do instrumento deslizava suave e mortal sobre o papel, a tinta selando mais um destino...

Logo terminou, fechando de uma vez o volume com o Death Note em seu miolo. Fitou então em volta. Paule tinha os olhos fixos no que acontecia junto ao caixa, e neste nenhum dos três homens estava voltado em sua direção. Sua ação passara totalmente despercebida. Continuava acima de qualquer suspeita.

         Belo movimento, Justine! – elogiou o Shinigami.

O dinheiro terminou de ser colocado dentro da sacola e, fechando-a, o assaltante virou-se na direção da porta de vidro para deixar a loja. Enfiou de forma desajeitada a arma num bolso e, correndo, logo já atingira a calçada, examinando aturdido os dois lados da rua.

As duas universitárias aproximaram-se das janelas do lugar para acompanharem os passos seguintes do bandido, enquanto Henri permaneceu junto de Chambert, estancando o sangramento em seu ombro com um pedaço de pano.

Clare acompanhava as ações de Jean com uma forte curiosidade, ansiosa pelos próximos desdobramentos de seu teste... Para ela aquele homem realmente não passava de uma cobaia desprezível.

O criminoso primeiramente notou a aproximação de um táxi pela via e acenou para que ele parasse. O motorista chegou a diminuir a velocidade e se aproximar de Moreau para que adentrasse o veículo, no entanto de alguma forma o guia percebeu que havia algo errado e voltou a acelerar, desaparecendo numa esquina. Jean soltou um xingamento e correu para o meio do asfalto na esperança de avistar algum outro táxi ou carro que pudesse tomar. Um descuido desastroso.

Um ônibus que vinha bastante veloz pela rua atingiu o meliante em cheio, pelas costas, erguendo-o do solo e arremessando-o vários metros para frente. O barulho de ossos se quebrando pôde ser escutado inclusive dentro do mercadinho, evidenciando a violência do impacto.

         Mon Dieu! – exclamou Paule, muito chocada.

Justine se esforçava para manter o rosto sério... Já Masuku gargalhava sem parar, divertindo-se como nunca.

Logo um grupo de curiosos cercou o cadáver do fugitivo, as notas de Euro roubadas tendo voado da sacola e agora voltando lentamente ao chão carregadas pelo ar, algumas manchadas de sangue. As moedas rolavam pelo calçamento, várias despencando para o interior de bueiros próximos. Havia também quem se aproveitasse da situação e, ignorando totalmente o morto, buscasse coletar o máximo possível de dinheiro. Às vezes os seres humanos pareciam todos iguais...

E, beneficiando-se do momento de distração geral, a órfã abriu mais uma vez a revista com o caderno em seu interior, conferindo o que escrevera nele há pouco:

 

Jean Moreau. Atropelado por um ônibus. Após assaltar um pequeno mercado em Montparnasse, sai e tenta desesperadamente fugir num táxi. O motorista, porém, vai embora sem ele. Procurando outro veículo para deixar o local, acaba correndo desatento até o meio da rua, quando é morto.

 

O Death Note era mesmo fantástico. As condições para a morte haviam se cumprido com incrível precisão. A prova viva, ou melhor, morta, era o corpo estilhaçado do bandido. Uma total confiança nos poderes do caderno consolidou-se no íntimo de Justine, fazendo-a sentir-se plenamente pronta para sua missão. Passaria longe dos erros do antigo Kira, fazendo cumprir os julgamentos divinos sem nunca ser descoberta. Agora tinha certeza de que era mesmo capaz.

Concluído o definitivo teste, era hora de realmente começar a agir.

 

- - - - - - - -

 

Aguardando a Justiça

Eu quero quebrar com o marasmo deste mundo

Com a inércia das pessoas

Com a preguiça das maçãs verdes

 

Eu me tornarei luz

O sol da humanidade cega e tola

Eu me tornarei luz

E irei guilhotinar os maus

 

Eu posso conduzir a Justiça em minhas mãos, eu sei

Eu sei que posso trazer a luz a este mundo

Eu sei que posso amadurecer estas maçãs

 

Eu sei que posso fazer a ressurreição

 

- - - - - - - -

 

Prévia:

 

Masuku... Você disse que me auxiliaria, não?

 

Preciso que permaneça aqui e registre para mim o máximo de nomes de criminosos que conseguir. Então eu decidirei quais deles merecem a morte.

 

Com este meu método e precauções, logo o mundo estará limpo do mal sem que quase ninguém tenha notado o que aconteceu!

 

Próximo capítulo: Ação

 

- - - - - - - -

 

Humor:

 

NARRADOR – Neste mês de julho, Goldfield iniciará a escrita da fanfic “Indiana Jones e o Mistério do Báltico”. Assim, a nova história e “Death Note: Ressurreição” passarão a ser atualizadas num esquema de alternância, um capítulo de cada por vez.

 

JUSTINE, entrando junto com Masuku – Isso não é justo! O mundo precisa logo ser limpo! Eu não posso esperar mais! ò.ó

 

NARRADOR – Não posso fazer nada...

 

JUSTINE – Mas eu posso! (apanha o Death Note) Se eu acabar com esse tal Indiana Jones, não haverá fic dele, e então poderei avançar com meu plano sem interrupções! :D

 

MASUKU – Hehehe, ótima idéia!

 

INDIANA JONES – Olá, senhorita! Vem sempre por aqui?

 

JUSTINE – Ha, ha, considere-se morto! Todos os inimigos da justiça serão aniquilados! Nenhum arqueólogo de meia-tigela irá atrasar minha missão!

 

(Justine escreve o nome “Indiana Jones” numa das páginas do caderno).

 

JUSTINE – Fácil até demais! :D

 

INDIANA JONES – Ué, não entendi, senhorita. Você quer um autógrafo?

 

JUSTINE – Não se incomode! Os nomes neste caderno só precisam ser escritos uma vez, e eu já registrei o seu por você, ha, ha!

 

(Passam-se 30 segundos).

 

JUSTINE – Aproveite seus últimos instantes de vida!

 

(Mais 10 segundos).

 

JUSTINE – É agora!

 

(Indiana Jones continua de pé. Masuku ri).

 

JUSTINE – Quê? o.o

 

(Mais 20 segundos. Indy, com os braços cruzados, ainda vive).

 

JUSTINE – O que há de errado? O.ó

 

(Masuku gargalha).

 

JUSTINE – Ah, já sei! Seu nome verdadeiro não é Indiana Jones. Aliás, é compreensível. Quem em sã consciência se chamaria “Indiana”?

 

MASUKU – Era o nome do cachorro dele!

 

INDIANA JONES – Calado... u.u

 

JUSTINE – Como irei descobrir o verdadeiro nome dele? T.T

 

INDIANA JONES – Você está tentando me matar por esse caderno, é?

 

JUSTINE – Era a intenção T.T

 

INDIANA JONES – Quer um conselho? Mude de método. Existe um artefato muito mais eficiente que esse aí. Se chama “Arca da Aliança”. Até o alcance é maior.

 

JUSTINE – Sério? (Justine fica extremamente interessada e, conversando com Indy, os dois se retiram).

 

MASUKU – Não percam “Indiana Jones e o Mistério do Báltico”. E também não deixem de acompanhar “Death Note: Ressurreição”. Até o próximo capítulo! :D


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!