Death Note: Ressurreição escrita por Goldfield


Capítulo 5
Capítulo V: Cautela




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A marola da revolução morre na praia do marasmo

E eu ainda espero a ressurreição

 

Eu ainda aguardo, aguardo a cada manhã

Pois sem a Justiça, com ela morta

Quem me protegerá nas noites mais frias?

 

Pois só a Justiça trará meu futuro

Sem que eu me renda às maçãs verdes

A Justiça não me trairá

E eu ainda espero a ressurreição

 

Porque a Justiça não pode morrer

E é nisso que irei acreditar

Pois ela mais uma vez se fará sentir

Abalará o mundo como nunca abalou

 

A Justiça ressuscitará

 

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Capítulo V

 

“Cautela”

 

Quartel-General da Interpol, Lyon, França.

Representantes da organização provenientes de inúmeros países do mundo, todos membros da mesma, encontravam-se acomodados atrás de bancadas com microfones e pequenas placas contendo seus nomes e a bandeira da nação da qual eram originários. Mesmo com todas as suas diferenças, todos tinham algo em comum: além da agitação que os dominava, o assunto referente ao possível retorno de Kira predominava nas conversas e cochichos. Reunidos em assembléia extraordinária, suas posições circundavam uma bancada central até então vazia, de frente para a parede contendo a grande representação do emblema da Interpol, com uma imagem da Terra, espada e balança douradas, e as iniciais da organização.

Apesar da língua mais usada no recinto ser o inglês, os enviados para a reunião também falavam usando seus dialetos naturais, o que tornava o local uma quase completa babel. Coube ao secretário-geral, depois de entrar apressadamente ajeitando a gravata, assumir seu posto no centro do lugar e tentar impor ordem através do microfone:

         Senhores... Senhores! Queiram se acalmar, por favor!

O pedido não surtiu grande efeito no início, sendo necessário ao interlocutor dar um suspiro e insistir:

         Senhores, será que podemos começar a reunião?

Aos poucos os representantes se deram conta da situação um tanto embaraçosa que perpetuavam e foram se calando. Os mais exaltados, que haviam até levantado de suas cadeiras, tornaram a sentar entre resmungos. Dentro de alguns instantes o silêncio dominou a assembléia, e o secretário-geral pôde finalmente transmitir o que tinha para dizer:

         Creio que todos vocês saibam o porquê de terem sido convocados para este encontro de caráter emergencial. Os últimos acontecimentos não podem de modo algum ser ignorados. Primeiro a morte do criminoso Tuomo Sanbashi no Japão por parada cardíaca no exato momento em que era preso, e em seguida o falecimento do ditador Eliah Bantu em circunstâncias praticamente iguais, segundo fontes confiáveis.

         Que fontes? – o enviado do Irã questionou aborrecido. – A CIA?

         Os agentes americanos violaram claramente a soberania de nosso país com suas ações – afirmou o representante do Mali. – O fato de alguém fora de nosso governo ter tido acesso direto a essas informações não deixa dúvidas de que estávamos sendo espionados!

         Os Estados Unidos da América têm todo o direito de intervir em países com regimes que violem os preceitos da democracia e da liberdade! – defendeu-se um dos estadunidenses presentes.

         Democracia? – o iraniano irritou-se ainda mais. – Vocês fomentam uma oposição minoritária contra um regime legítimo eleito democraticamente pelo povo e ainda falam em democracia?

         Senhores, por favor! – o secretário-geral retomou a palavra. – Queiram discutir suas desavenças na ONU, não aqui. O único propósito desta reunião é somarmos forças para capturar um criminoso de alta periculosidade. E o fato inegável de Bantu ter morrido por ataque cardíaco torna evidente a suspeita de que o assassino conhecido como “Kira” reiniciou suas atividades.

Uma nova onda de agitação tomou o recinto, o péssimo hábito de todos ali falarem ao mesmo tempo se repetindo. O burburinho indistinguível voltou a predominar, até alguns gritos acalorados surgindo de tempos em tempos, e o secretário-geral bateu com uma das mãos na testa de tanta frustração. Por fim pediu de novo que os enviados se calassem e depois de cinco minutos conseguiu novamente falar:

         Ainda não temos pistas a respeito de quem seja esse meliante e onde se encontra. Pode ser o mesmo Kira anterior ou uma outra pessoa dotada dos mesmos poderes. De qualquer forma, “L” está disposto a nos auxiliar mais uma vez nesse caso.

         Nós não confiamos em “L”! – protestou o representante de Cingapura.

         Como é que é? – o enviado da Grã-Bretanha retrucou.

         “L” é conhecido por sua excentricidade e atos de caráter dúbio. Todos aqui sabem como ele suspeitou da própria polícia japonesa na investigação anterior e até sondou membros de suas famílias por conta própria, o que levou à trágica morte de agentes do FBI! Além disso, há anos fala-se na possibilidade do próprio “L” ser Kira e estar nos manipulando em um de seus joguinhos sádicos! Eu questiono totalmente o envolvimento desta organização com tal figura, secretário!

         Como ousa colocar em dúvida a integridade da Interpol, senhor Hazirah? – o secretário-geral rebateu nervoso.

         Uma organização que caiu nas mãos dos nazistas durante a Segunda Guerra pode muito bem ser colocada em xeque ao meu ver!

         Isso é passado! Estamos falando do hoje, e Kira está de novo à solta fazendo vítimas!

Nisso, na bancada em que os três representantes do Japão presenciavam a discussão, um deles, convidado pessoalmente pelo capitão Matsuda e também pelo atual diretor da Agência Nacional de Polícia, Honshu Nikemura, para acompanhá-los até a França, perguntava a si mesmo se estava diante de uma assembléia de pessoas civilizadas ou um ringue de luta livre. Era Hideo Hoshi, o atirador que Touta tanto valorizava. O marido de Sayu considerara uma boa experiência para o rapaz participar de uma reunião como aquela, assim como Soichiro Yagami lhe dera a mesma oportunidade no passado, mas o jovem agora se encontrava confuso e decepcionado, tanto que resolveu perguntar a Matsuda:

         Eles são sempre assim?

         Na maioria das vezes... Porém não fique com uma má impressão. No fundo todos eles desejam cumprir seu dever.

E, percebendo que o agressivo debate dos colegas ainda tinha “L” como foco, o capitão decidiu se manifestar:

         Eu acredito que se “L” investigou as famílias daqueles que considerava suspeitos na polícia japonesa, era porque tinha fortes razões para isso. Deposito total confiança nos julgamentos do detetive e até hoje eles nunca se mostraram falhos. Acho que esta cúpula está sendo um pouco dura demais com ele...

Matsuda fez sua colocação com tamanha certeza que todos no recinto imaginaram se ele não saberia algo mais do que aparentava... A verdade era que sim: Raito Yagami era Kira, o que mostrara que “L” seguira a pista certa ao investigar as famílias dos policiais. Mesmo sendo um argumento forte, Touta no entanto não podia revelá-lo. Jurara que a real identidade de Kira jamais viria a público.

         De qualquer forma, há um representante de “L” no prédio – informou o secretário-geral. – Está aguardando nosso consentimento para tomar parte neste encontro.

         Ótimo, mande-o entrar! – replicou o enviado de Cingapura. – Vamos ver o que ele tem a nos dizer!

E eis que logo em seguida um homem de sobretudo marrom, cabelo curto e inseparáveis óculos escuros adentrou o local. Trazia algo como uma maleta numa das mãos, mas boa parte dos participantes da reunião já sabia do que se tratava. Parou de pé diante da bancada central e olhou primeiro para o secretário, logo depois se voltando para os demais membros da Interpol. Foi com uma voz calma e sem maiores pretensões que se apresentou:

         Bom dia. Sou Ernest Adams, agente do FBI.

         FBI? – estranhou um enviado russo. – Mas e o tal Watari?

         Watari se aposentou.

Diante de resposta tão seca, ninguém mais indagou a respeito do assunto. Porém, antes que o federal estadunidense pudesse realizar a tarefa para a qual viera até ali, o representante da Alemanha falou:

         Ernest Adams... conheço esse nome! Não é você o principal suspeito do assassinato de um dos líderes da União Européia sob a desculpa insana de ele ser um vampiro?

         Acredite: existem mais coisas sobrenaturais no mundo do que alguém capaz de matar pessoas por meio apenas de seus nomes e rostos.

A sábia réplica bastou para calar de vez todos os presentes. Adams então pôde colocar sua aparente maleta sobre a bancada do secretário-geral e abri-la de frente para a assembléia. Era um notebook, o qual foi imediatamente ligado. Um “L” estilizado logo dominou a tela branca, simultaneamente a voz irreconhecível do detetive se fazendo ouvir por todos:

         Bom dia, senhores. Creio que o secretário-geral já tenha exposto bem a situação. Há fortes indícios de Kira, seja o mesmo ou um novo, ter retornado. A morte de Sanbashi isolada não bastava para levantar tantas suspeitas, pois poderia muito bem ter sido natural devido aos vários fatores envolvidos, mas o fim de Eliah Bantu mostra que podemos estar sim diante de uma nova onda de assassinatos em série.

         Já conseguiu chegar a alguma conclusão, “L”? – perguntou o representante da França.

         Nenhuma. Apenas há uma maior porcentagem de chance de Kira estar no Japão. Apesar dos horrores da ditadura de Bantu terem sido divulgados amplamente através da mídia em todo o mundo, a captura de Sanbashi foi transmitida em primeiro lugar apenas pela imprensa japonesa. Até agora não há informações sobre outras possíveis vítimas, porém tenho certeza de que elas existirão. E devemos estar alertas a isso.

         Não leva em conta que tanto a morte desse Sanbashi quanto a de Bantu possam ser coincidências, “L”? – inquiriu o enviado brasileiro. – Será que não estamos fazendo uma tempestade em copo d’água nos mobilizando tão prematuramente?

         Como disse, ao meu ver apenas o infarto de Sanbashi pode ser analisado como coincidência. É possível até que ele seja realmente uma, porém serviu para nos alertar cedo quanto a prováveis novos atos de Kira, já que a morte de Bantu é bem mais suspeita. Mesmo que no final tudo isto não passe de um alarme falso, ao menos iremos ter nos mobilizado a tempo de evitar mais mortes.

         Alguma outra colocação? – indagou o secretário-geral.

         Sim, na verdade... Uma suspeita que trago comigo. Trabalho no momento com três hipóteses. A primeira é que tanto Sanbashi quanto Bantu foram mortos por um mesmo Kira. A segunda, que Sanbashi morreu por causas naturais e apenas Bantu foi assassinado por Kira. Já a terceira é que existam dois Kiras, e cada um foi responsável por uma morte.

A estupefação foi geral. Dois Kiras? “L” não estaria se precipitando demais com uma teoria tão aterradora? Quem conhecia bem o detetive sabia que não, e Matsuda era um deles. Inclusive talvez fosse essa a hipótese que fazia mais sentido. Hoshi se sobressaltou, cutucando o capitão e falando palavras desconexas, mas este pediu que se aquietasse. A explicação da suspeita estava por vir.

         Tenho razões para acreditar nisso. A primeira é que, apesar das mortes possuírem um padrão – ataque cardíaco e ambas as vítimas serem criminosos – as condições diferem. Sanbashi sofria de problemas envolvendo colesterol e era bastante propenso a um infarto. Já Bantu tinha uma saúde de ferro. Nada me tira da cabeça que se Sanbashi foi assassinado, o ato serviu como uma espécie de aviso, um recado aos seguidores de Kira de que ele estava retornando. E foi algo ambíguo, já que é praticamente impossível saber se a vítima morreu devido a um infarto natural ou provocado. Com Bantu é diferente: parece-me um ato deliberado de um Kira, todavia talvez não o mesmo. Assim, o Kira que aniquilou Sanbashi pode ter servido de arauto ao Kira que assassinou Bantu.

         Faz sentido! – constatou Matsuda. – Pode realmente ser isso!

         Sendo assim, precisamos da maior força-tarefa possível! – preocupou-se o britânico que falara anteriormente.

         Eu já ia entrar nessa questão. Estou disposto a formar uma nova equipe para em conjunto dela iniciar as investigações. Os voluntários devem se apresentar ao agente Adams, que então lhes fornecerá a localização do meu centro de operações. Pretendo começar pelo Japão, pois como eu disse, há maiores chances de Kira ou um deles, se forem dois, estar lá. Devo lembrá-los de que quem quiser me auxiliar nessa nova caçada terá de abrir mão da própria possibilidade de sair vivo dela. Todos aqui sabem dos riscos e precisam estar totalmente cientes deles antes de se efetivarem meus parceiros, pois pretendo contar com todos até o fim.

Silêncio. Era uma proposta difícil, mesmo a maioria ali sendo dotada de um senso de justiça bastante admirável. Teriam de abrir mão de seus amigos, famílias... Suas próprias existências estariam em jogo se resolvessem integrar o time de “L”, e era um jogo sem dúvida alguma delicado. Um jogo mortal contra Kira.

Aos poucos, em vários pontos do grande salão de reuniões, alguns membros foram se levantando... Diferentes nacionalidades, diversas culturas, mas um único propósito. Entre eles estavam o capitão Matsuda e seu comandado Hoshi, dispostos a irem até o fim.

A justiça mais uma vez prevaleceria.

 

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Death Note – Como usar:

 

9 – A data e a hora da morte podem ser manipulados dentro dos 40 segundos após se ter escrito o nome.

 

10 – O humano que tocar o Death Note pode reconhecer a imagem e a voz de seu proprietário original, um deus da morte, mesmo se esse humano não for o dono do caderno.

 

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Paris. Uma nova manhã.

Justine caminha despreocupada na direção da Sorbonne como de costume, suas botas desmanchando os flocos de neve na calçada caídos na noite anterior. A diferença é que agora a estudante é acompanhada por alguém invisível às demais pessoas, o Shinigami Masuku, que, alguns metros acima do chão, bate suas asas negras contra o ar frio do inverno.

Carregando sua mochila e seus livros, a loira tem o semblante erguido e os olhos fixos em algum ponto desconhecido no horizonte, como se estivesse presa num estado de profundo transe. Parece totalmente alheia aos outros seres humanos ao redor de si e ao próprio mundo em que habita, a única coisa dominando seus pensamentos sendo sua missão, a tarefa pela frente... Purificar o mundo; ser, através do Death Note, o fogo de justiça que acabaria com todo o mal.

         Está quieta... – observa Masuku num dado momento. – Não trocou palavras comigo hoje desde que acordou, mesmo quando não havia ninguém por perto... Espero que você esteja bem!

         Só estou tentando me concentrar, organizar em minha mente tudo que devo fazer... – ela responde discretamente.

         Entendo... Deve ser bem difícil mesmo. Ainda mais para uma universitária.

Logo Clare chega à frente da Sorbonne, onde, como em todos os dias de aula, Paule a aguarda sorridente entre os vários estudantes.

         Bonju, Justine! – ela acena alegre.

         Bonju... – a réplica da recém-chegada não possui quase nenhum ânimo.

Delacroix se aproxima da amiga com visível ansiedade, e esta agradece às regras do Death Note por não ter de apresentar Masuku a ela, dado o frenesi que geralmente a tomava ao conhecer pessoas novas. Imagine só se ainda por cima essa pessoa não fosse humana...

         Parece desanimada! – Paule percebe o aspecto de Justine ainda mais sério do que o habitual sem dificuldade. – Aconteceu algo?

         Não, nada, só estou um pouco atordoada devido às provas estarem chegando...

         Pensei que fosse por conta da notícia...

         Notícia? Que notícia?

         Ainda não soube? Ah, me esqueci que você quase nunca assiste TV... Mas todos estão falando a respeito. Kira voltou a agir!

 

O quê?

 

A súbita revelação contribuiu para fazer o corpo da órfã gelar ainda mais, já que o clima também contribuía para isso. Sentiu-se zonza por um instante, acreditou até que ia desmaiar, e num relance ainda mais breve reprovou-se por não ter tomado café da manhã antes de sair de casa, o que a deixara mais fraca. Lutou como nunca para manter a firmeza das pernas e a naturalidade da situação, porém não conseguiu controlar totalmente a reação de seu organismo. A pele embranqueceu, os dedos tremiam de forma perceptível. Notando o abalo causado pela informação, Paule preocupou-se e já ia avançar para amparar a amiga com os braços, evitando que caísse, quando ela lhe falou:

         C-como assim? Como foi isso?

         Um criminoso morreu no Japão de parada cardíaca logo após ser preso pela polícia e ter nome e rosto divulgados pela mídia. As autoridades acreditam que seja obra de Kira.

         Mas... mas...

         Justine, você está bem?

Que fazer? Ela deveria disfarçar? Se sim, como? Era difícil enganar Paule, pois ela a conhecia como ninguém!

         Estou sim. Apenas fiquei surpresa.

         Pareceu-me bem assustada...

         Só não esperava receber uma notícia assim logo pela manhã, de súbito... E sabe que estou preocupada com muitas coisas!

Deu então um risinho cínico, mas foi o bastante para a amiga tornar a sorrir, mais aliviada. Ela acreditara. Felizmente.

         Tem de descansar mais, Justine. Você só estuda e estuda! Precisa sair e distrair mais a cabeça, ou acabará ficando doente!

         Eu sei, Paule. Não precisa me dar um sermão.

Diante de tal resposta Delacroix de início fez uma careta, mas, lembrando-se do temperamento difícil da loira, logo acabou por rir descontraída. As duas caminhavam na direção do interior do campus, moças e rapazes ao redor conversando enquanto as aulas não começavam. Justine pôde ouvir a palavra “Kira” uma ou duas vezes no meio das rodinhas. Realmente a população já estava ciente do misterioso fato e este parecia ter se tornado o assunto principal.

 

Droga, droga!

 

Clare não se conformava. Como seria possível? Olhou de soslaio para Masuku, e ele mantinha completo silêncio desde que Paule falara sobre a morte no Japão. Tinha um quê de perplexidade, de assombro, talvez até maior que a própria estudante de Direito. Pelo visto ele também não esperava isso, mas Justine não tinha certeza. Necessitava de respostas, e teria de obtê-las o quanto antes.

         Por que não vai até o banheiro lavar esse rosto? – perguntou a morena. – Você está parecendo um cadáver, é sério!

Ótima sugestão. A loira nem precisara inventar uma desculpa para se ausentar.

         Acho que farei isso mesmo.

         Além do mais... vai que algum gatinho resolve olhar para você hoje e te encontra assim?

         Paule, por favor...

Delacroix deu mais uma risada de divertimento e observou a amiga se afastar por um dos corredores da universidade, por pouco não trombando com outras duas garotas. Justine parecia estranhamente atordoada aquela manhã...

 

O banheiro feminino por sorte se encontrava vazio. Primeiramente a jovem seguiu o conselho de Paule e andou até a pia, abrindo a torneira e usando as mãos pálidas para banhar a face com água fria. Precisava daquilo. Despertar para os riscos, perigos... os imprevistos. Aquele que encarava agora com certeza não seria o último a ameaçar seus planos.

Em seguida virou-se para Masuku, que pousara sobre o piso com a mesma expressão perplexa notada antes por Justine. Não parecia pronto para elucidar dúvidas naquele momento, mas mesmo assim a estudante as lançou, logo depois de certificar-se que estava mesmo sozinha no local:

         Você deixou cair mais de um Death Note na Terra?

         Não... O único foi o que você encontrou!

         Há a possibilidade de um outro Shinigami ter entregado seu caderno a outra pessoa?

         Isso pode sim ter acontecido... Mas não tenho certeza, Justine! Acredite ou não, estou tão surpreso quanto você!

Clare bufou. Como era irritante a névoa da imprecisão! Haveria outro Kira na ativa, provavelmente no Japão? Ele teria tido acesso a um Death Note antes ou depois da francesa? De qualquer forma, isso ameaçava expor seus intentos antes mesmo de efetivamente iniciá-los. Tinha de descobrir mais coisas!

         Lembre-se que essa morte também pode ter acontecido de forma natural – considerou o Shinigami. – Vocês humanos têm infartos sem que precisem ser induzidos pelo caderno. E nos últimos tempos eles vêm se tornando mais freqüentes, já que se alimentam tão mal e cuidam tão pouco da saúde... Acontece que como o antigo Kira utilizava esse método como marca registrada, a polícia já entrou em alerta!

         Exatamente. Mesmo que tenha sido somente uma coincidência, essa morte não poderia ter vindo em pior momento. Agora todo o mundo já está pronto para caçar um novo Kira, mesmo antes de ele realmente surgir. É estranho... Pode-se encarar esse fato ocorrido no Japão até como uma espécie de aviso!

         Será que...

Masuku ia dizer algo, porém deteve-se de repente. Isso não passou despercebido a Justine:

         Ia falar alguma coisa?

         Será que eles suspeitam que Bantu tenha sido eliminado através do caderno?

         É provável, mas isso ainda não foi levado a público... Na imprensa predomina a versão oficial de que ele foi envenenado por rebeldes. Mesmo que as autoridades saibam que a real causa da morte foi uma parada cardíaca, não divulgarão abertamente tão cedo. Os inimigos de Kira não querem dar à população a certeza de que ele retornou. Na visão deles isso só fomentaria o medo e estimularia os seus seguidores. Seja como for, o assassinato de Bantu não pode levar a mim. O genocídio comandado por ele no Mali já era de conhecimento internacional e seria um alvo preferencial de Kira não importando a parte do mundo em que este se encontrasse. Estou segura por enquanto.

         Se você diz...

Sentando-se junto a uma das paredes do banheiro, Clare, já mais calma e com um estado de nervos menos suspeito, retirou sua mochila e, enquanto a abria, afirmou ao aliado:

         No entanto, há algo nesse evento ocorrido no Japão que me beneficia.

         Ah, é? – Masuku chegou mais perto, curioso. – E o que é?

         É certo que a prisão do criminoso morto foi veiculada pela mídia primeiramente dentro do próprio país, então as investigações certamente começarão por lá. As atenções ficarão longe da França por todo o tempo que eu conseguir escrever os nomes no caderno sem causar suspeitas. Como eu disse, Bantu era um ditador sanguinário repudiado em todo o planeta e por isso o assassino dele pode muito bem estar também no Japão. Eles irão atrás de uma pista bem distante de mim.

Justine então retirou alguns livros que carregava de dentro da bolsa, e entre eles via-se um volume de capa preta, fino, que logo deslizou para as hábeis mãos da garota... Tratava-se do Death Note.

         Você o está trazendo consigo? – a voz do Shinigami continha um sincero espanto.

         Sim, como pode ver – a universitária respondeu com desdém, folheando-o.

         Mas... Não tem medo de ser descoberta? Ainda mais agora com o retorno de Kira sendo tão falado?

         É certo que a partir de agora terei de redobrar a cautela com a qual já me propunha a agir, mas não se engane. Carregar o caderno comigo é justamente um meio de evitar suspeitas.

         Como assim?

         O principal meio de localizar Kira é através dos criminosos cujos nomes e rostos foram ou não transmitidos pelos meios de comunicação. Se eu começar, por exemplo, a matar vários meliantes que sejam divulgados apenas pela TV francesa, logo os investigadores concluirão que o novo Kira é francês. Porém, se eu conseguir presenciar crimes no momento em que eles acontecerem e tiver o Death Note comigo, posso descobrir os nomes dos responsáveis de algum jeito e eliminá-los antes mesmo da mídia veicular quem eram. Aí basta apenas eu diversificar bem as causas dos óbitos, como expliquei antes, e voilà! Ninguém nem vai suspeitar que foram causados pelo caderno!

         É um excelente estratagema, mas você espera mesmo testemunhar tantos delitos aqui na França, Justine? Lembre-se que é um país de primeiro mundo e a violência é relativamente baixa...

         Nunca se sabe, Masuku. O importante é eu estar prevenida.

Ela tinha mesmo razão. Sorrindo, o Shinigami ergueu-se do solo e agitou as asas, pairando ao lado de Clare. Quaisquer dúvidas que ainda tivesse sobre a capacidade da jovem utilizar o Death Note de forma sagaz se dissiparam após aquele último diálogo. Ele realmente escolhera bem... E sabia que não se arrependeria. Acompanhar a loira em sua cruzada contra o mal do mundo seria bastante realizador... e incrivelmente divertido!

         Agora temos de ir... – lembrou-se Justine. – Já estou atrasada para a aula. E devo manter as aparências, não é mesmo?

         Certamente que deve, hehehehehe...

         Pois então vamos.

Assim se retiraram do banheiro, os humanos que o usariam em seguida no decorrer daquele dia sequer imaginando que fora palco de uma conversa entre um deus da morte e uma mulher que poderia decidir em questão de instantes a respeito de todas as suas vidas...

 

- - - - - - - -

 

Aguardando a Justiça

Eu quero quebrar com o marasmo deste mundo

Com a inércia das pessoas

Com a preguiça das maçãs verdes

 

Eu me tornarei luz

O sol da humanidade cega e tola

Eu me tornarei luz

E irei guilhotinar os maus

 

Eu posso conduzir a Justiça em minhas mãos, eu sei

Eu sei que posso trazer a luz a este mundo

Eu sei que posso amadurecer estas maçãs

 

Eu sei que posso fazer a ressurreição

 

- - - - - - - -

 

Prévia:

 

Não posso deixar escapar esta oportunidade... Vamos ver até que ponto as propriedades deste caderno são verdadeiras!

 

É incrível... Simplesmente incrível.

 

E ninguém suspeita de mim. Agora estou pronta para agir verdadeiramente!

 

Próximo capítulo: Confiança


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