Death Note: Ressurreição escrita por Goldfield


Capítulo 19
Capítulo XIX: Fuga




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Crise no sistema democrático

Onde está a justiça?

Crise no sistema democrático

Onde está a justiça?

 

Assassinos à solta depois de julgados

Quem punirá seus crimes?

Assassinos à solta depois de julgados

Quem punirá seus crimes?

 

Hey, hey, francesinha

Seja o juiz, seja o Kira!

Hey, hey, francesinha

Seja o juiz, seja o Kira!

 

Porque em terra de justiça cega

Quem tem um caderno é rei!

Porque em terra de justiça cega

Quem tem um caderno é rei!

 

Hey, hey, francesinha

Seja o juiz, seja o Kira!

 

- - - - - - - -

 

Capítulo XIX

 

“Fuga”

 

Entardecer de sexta-feira.

Justine caminhava por uma das calçadas da rua de Montparnasse onde estava situada sua casa, preocupando-se em demonstrar através de seus passos o máximo possível de naturalidade. Em meio às suas coisas, dentro da mochila, trazia o Death Note de capa trocada, sempre pronto a ser utilizado caso a situação o exigisse, apesar de tudo já estar tão complicado para o lado da francesa. Errar, assim, continuava sendo inaceitável. Qualquer atitude tomada por Clare teria de ser bem analisada e ponderada antes de ser efetivamente executada. Ela não poderia comprometer-se ainda mais.

Logo chegou ao sobrado, atravessando a porta, cruzando a sala de estar e subindo as escadas. François, como sempre, encontrava-se imóvel em sua poltrona, e desta vez nem mesmo saudou a neta quando de seu regresso. Era fato que o idoso, nos últimos dias, encontrava-se imerso em forte letargia e parecia cada vez mais alheio a tudo e todos. Suspeitaria ele de algo? Justine acreditava que não, porém não duvidava do aguçado senso dedutivo do avô, capaz de perceber algo estranho com o mínimo de indícios. Ou então estava apenas ainda abalado pela repentina morte de Paule, tão rápida e tão próxima... Sim, talvez fosse somente isso, e Clare não teria mais uma razão para se preocupar.

A estudante concluiu a subida e adentrou seu quarto. Masuku mais uma vez recolhia dados de criminosos via TV e Internet, registrando-os no arquivo de texto no computador. Bastou que a jovem se aproximasse, sem dizer qualquer palavra, para que o Shinigami deixasse sua posição, cedendo a ela o assento. Nele se acomodando, Justine arrastou sua mochila alguns centímetros pelo chão, abriu-a e retirou dela o caderno da morte. Tinha trabalho a fazer. E já cumpria seu dever quase que maquinalmente.

Enquanto anotava nas páginas do instrumento punitivo os nomes dos meliantes e a forma como deveriam perecer, a garota teve certo lampejo quando seus olhos viram, no arquivo de texto, o registro de um terrorista político que assassinara membros de determinado partido num país do Leste Europeu. Deu-se conta de como seus julgamentos como Kira influenciavam o destino das nações e do mundo, e como seu poder era vasto. Poderia alterar o curso de revoluções ou golpes de Estado simplesmente anotando alguns nomes de indivíduos naquele caderno, como já fizera, por exemplo, em relação ao Mali e o ditador Eliah Bantu. De repente, para ela, soara ainda mais absurdo uma pessoa com tamanha capacidade de ação estar sendo encurralada por um grupo de simples detetives, e se sentir tão sufocada pela pressão que aparentemente o cerco deles exercia! Ela poderia sair de modo fácil daquela incômoda situação, e de variadas maneiras!

Uma das opções seria eliminar um notório líder mundial e, através da propriedade do Death Note de poder controlar os últimos atos da vítima antes de seu óbito, dar um recado ao mundo sobre Kira desejar ser deixado em paz, com a ameaça de outros chefes de Estado virem a morrer caso a investigação não fosse interrompida. O presidente dos EUA, talvez? Ou o presidente do conselho da União Européia? Quem sabe uma figura religiosa, como o papa católico ou o patriarca da Igreja Ortodoxa? Um nome importante do meio econômico, como o proprietário de uma grande empresa ou o responsável pela pasta de finanças de algum governo próspero? As alternativas eram quase ilimitadas, e nenhum desses indivíduos era totalmente inocente, o que até justificaria Kira eliminá-los como criminosos. Enquanto os chefes das grandes nações eram quase sempre responsáveis por guerras e pela exploração dos países do Terceiro Mundo, os líderes religiosos carregavam em suas costas séculos de atos de intolerância e violência contra outras crenças e os príncipes dos negócios não abriam mão do uso de meios ilegais – até hediondos – para alcançarem o lucro. A podridão do mundo era mais ampla do que uma mente mais ingênua poderia imaginar...

Apesar do mínimo esforço que gastaria para eliminar tais pessoas, e do impacto que tais mortes talvez causassem no time de investigadores, Clare logo recuperou o controle de suas emoções e julgou melhor não agir dessa maneira. Kira estava numa situação difícil, seus inimigos sabiam disso e assim era vital não demonstrar fraqueza, como orquestrar mortes tão graves poderia acabar ressaltando. Além disso, as suspeitas em relação a si por certo apenas cresceriam. Respirando fundo, Justine resistiu à tentação megalomaníaca e voltou a se concentrar somente nos nomes que Masuku lhe havia fornecido. Acabara de vencer uma grande batalha contra si mesma. E considerou isso um sinal de que, capaz de conter seus impulsos, conseguiria facilmente derrotar seus oponentes.

Ela estava preparada para o que viesse a seguir.

 

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Noite, sexta-feira.

A espera muitas vezes é algo angustiante. E os integrantes da equipe de investigação do Caso Kira sentiam isso na pele. As ordens de “R” haviam sido claras: eles só tornariam a agir depois que Justine Clare fizesse seu movimento – como se aquilo tudo se assemelhasse a um jogo de xadrez – e então a ação dos policiais seria decisiva para a captura da suspeita. Antes disso, não deveriam sair do hotel, e tudo que poderiam fazer era reexaminar as informações sobre o caso mais algumas vezes na tentativa de descobrirem algo mais. Mas a verdade era que tudo que poderiam depreender a partir do que ocorrera até então já fora depreendido.

Daí a angústia causada pela postura de ter que, simplesmente, esperar.

Todavia, “R” os instruíra somente a respeito de não poderem deixar o hotel, o que não os impossibilitava de sair da suíte e esticar um pouco as pernas caminhando pelos corredores e dependências. Era o que fazia, àquela hora, o trio composto por Ackerman, Boruanda e Rivera. Haviam optado por jantar no restaurante do local, ao invés de pedirem que os pratos fossem levados até o quarto, e naquele momento, já satisfeitos, subiam pelas escadas de volta à central de operações. Os dois homens seguiam alguns metros à frente da espanhola, envolvidos em interessante conversa:

–         Quem você acha que é “R”? – Scott perguntou ao alemão.

–         Além de uma pessoa com a mesma sede de justiça que nós? – Günter sorriu. – Acredito que seja uma mente-prodígio assim como foi “L”, mas certamente uma pessoa mais decidida e implacável do que ele. Não duvido que o próprio “L” tenha indicado “R” como seu sucessor. Como podemos ver, o novo líder tem conduzido as investigações muito bem.

–         É que sinto como se “R” tivesse motivos pessoais para estar neste caso... Algo que o impulsionasse a agir com tanto afinco...

–         Se existir tal motivo, acredito que logo descobriremos qual é.

O diálogo foi interrompido por um tiro. Bem próximo. Logo atrás deles.

Os dois investigadores sacaram suas armas quase por reflexo e voltaram-se imediatamente para trás, notando que Izabela não estava em seu campo de visão. Encontravam-se naquele momento em meio a um lance de escadas levando ao último andar, e, lembrando-se que a mulher antes os acompanhava a certa distância, desceram pelo trajeto na esperança de encontrá-la. Logo avistaram-na na dobra da subida, sentada sobre alguns dos degraus próximos da intersecção plana entre os dois segmentos de escada, costas apoiadas numa das paredes. Tinha uma das mãos nuas cobrindo o ombro esquerdo... que sangrava em abundância. Boruanda imediatamente abaixou-se para ajudá-la, enquanto Ackerman, após passar cinco segundos apontando sua pistola na direção da descida, nada vendo, indagou, ofegante:

–         O que houve?

–         Estava subindo logo atrás de vocês, quando alguém disparou pelas minhas costas... – respondeu a jovem, assustada, os dedos sobre o ferimento tingidos de rubro. – Depois correu...

–         Você viu quem era? – quis saber Scott, muito sério.

–         Apenas o vi de costas... Era um homem, de terno... assim como nós! Não consegui perceber mais detalhes.

–         Parece que o tal traidor resolveu agir de forma mais direta... – suspirou Günter, guardando a arma. – Vamos subir até a suíte e comunicar o ocorrido aos outros imediatamente. Rivera, você conseguiu ao menos identificar o armamento?

–         Uma pistola 9mm, eu acho...

–         OK, então, senhorita – falou o sul-africano num sorriso, procurando quebrar a tensão enquanto ajudava a colega a se levantar e andar. – Eu tinha certeza de que estava mais perto de nós, não deveria ter se afastado tanto, pois aí poderíamos ter visto o atirador... Mas vamos, precisamos contar isso aos demais!

Intrigado com a alegação de Boruanda, o alemão pôs-se a segui-los escadas acima, até a central de operações.

 

A suíte estava com as luzes apagadas, a única claridade, como antes, provindo dos monitores ligados. Desse modo, aqueles que haviam permanecido no recinto se assustaram quando as lâmpadas foram acesas, logo depois de ouvirem alguém cruzando a porta. Ackerman, Boruanda e Rivera haviam voltado e, para surpresa de todos, esta última possuía parte da roupa, a partir do ombro esquerdo, banhada em sangue. Scott colocou a espanhola sentada num sofá, para que se recuperasse do susto causado pelo ataque, enquanto ia até outro cômodo apanhar um kit de primeiros-socorros. Günter, por sua vez, tinha em sua face a expressão mais séria vista por seus colegas desde que estes o haviam conhecido. Fitado por todos eles, o policial germânico explicou sucintamente:

–         Izabela foi baleada, pelas costas. E os indícios apontam para alguém da equipe. Provavelmente o traidor mencionado por “R”. O desgraçado fugiu, porém creio haver uma maneira de identificá-lo. Rivera o visualizou como sendo um homem, mas mesmo assim... Krammer e todos os outros, coloquem suas armas sobre esta mesa.

Ackerman apontou o móvel próximo, e todos, com seus semblantes tomados por uma mistura de surpresa e incômodo, um por um, depositaram seus armamentos em cima dele. Alguns ficaram espantados pelo fato até então desconhecido de Yahudain possuir três armas: duas pistolas israelenses e um revólver, os quais foram todos expostos para averiguação do grupo. Rivera e Boruanda foram os últimos a apresentar suas armas, e logo depois o sul-africano passou a fazer um curativo em torno do ombro ferido de Izabela. Estando todos os meios de defesa expostos, entre os quais algumas facas, Günter constatou existirem somente três pistolas de calibre 9mm entre todas as demais: a sua, que obviamente não fora a responsável pelo tiro que atingira a colega, e outras duas... pertencentes ao capitão Matsuda e seu amigo Hoshi.

–         Ha, eu sabia que os japoneses escondiam algo! – exclamou Dennegan. – Eles não são nada confiáveis! Meu avô perdeu a vida lutando contra esses malditos em Okinawa!

–         Nós não fizemos nada, estivemos nesta suíte o tempo todo revisando os dados do caso! – protestou Touta.

–         Isso é uma grande mentira. Como sabem, as luzes estavam apagadas e alguém poderia facilmente deixar o quarto despercebido se quisesse. Além disso, nós ouvimos uma ou duas vezes sobre a habilidade desse Hoshi com uma arma, não é mesmo? Ele poderia facilmente ter disparado contra Rivera de um ponto em que ficasse invisível e corrido até o elevador, tendo voltado até aqui antes de eles chegarem!

–         Mark, você está exagerando... – alertou Eliza.

–         O que você diz não faz sentido! – Hoshi reagiu contra o estadunidense.

–         Não faz sentido? Vocês dois têm escondido o jogo desde o Japão. O que o capitão Matsuda foi fazer antes de viajarmos? Não estaria se encontrando com alguém de fora para revelar as informações do caso? Vocês são ingênuos demais... Conseguem mesmo confiar neles?

A resposta à provocação feita por Dennegan veio na forma de um soco, desferido contra si por Matsuda. Atingido no meio do rosto, o petulante agente voou atordoado sobre uma poltrona, pousando sobre ela de total mau jeito. Gemendo, ergueu-se devagar, massageando a face e já se preparando para reagir, quando uma voz grave e firme fez-se ouvir no recinto:

–         Parem já com isto!

A figura de Ernest Adams surgira não se sabe de onde, os óculos escuros ocultando seus olhos nunca parecendo tão sinistros. Alguns dos policiais chegaram até a recuar alguns passos diante de sua aparição. Com os punhos fechados, o braço-direito de “R” continuou a falar:

–         Usar apenas o calibre de uma arma como prova para identificar o traidor é uma linha de ação de uma insuficiência incrível. Ninguém neste time fará algo a respeito sem que “R” se pronuncie. Estamos num momento crítico da investigação e bravatas irracionais, além de preconceitos enrustidos, são completamente dispensáveis. Concentrem-se em Kira e evitem que cenas lamentáveis como esta se repitam!

Ele logo depois retirou-se para um cômodo anexo, deixando para trás um grupo de investigadores confusos e boquiabertos. As armas foram recuperadas por seus donos. Dennegan, com o nariz sangrando, lançou um último olhar inquisidor para a dupla de japoneses e então dirigiu-se até seu notebook. Os demais, por sua vez, retornaram a suas respectivas tarefas, inclusive Rivera, que já se sentia melhor. Ackerman e Boruanda trocaram um olhar de dúvida, coçaram a cabeça, e então também voltaram ao trabalho.

 

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Death Note – Histórico:

 

Numa posição de risco, Raito recruta dois aliados para seu lado: Kiyomi Takada, jornalista e antiga namorada da universidade, e Teru Mikami, ardoroso apoiador de Kira. Misa Amane é colocada fora do jogo, enquanto a nova dupla de cúmplices de Yagami passa a realizar as execuções via Death Note em seu lugar.

 

Mello, certo de que Raito é Kira, arma um plano para seqüestrar Takada e assim estar um passo à frente de Near. A jornalista, porém, assassina Mello através de um pedaço do caderno que escondera consigo, sendo em seguida eliminada pelo próprio Raito, destruindo possíveis evidências. No entanto, o fato de Mikami ter utilizado o Death Note em sua posse com o intuito de também liquidar Takada – sem saber que Yagami já o havia feito – acaba alertando a equipe de Near.

 

A última etapa do esquema para deter Kira poderia então começar...

 

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A noite avança em Paris.

Justine, após já algumas horas de escrita, continuava registrando nomes de criminosos no Death Note, numa quantidade bem maior do que a diária de costume. Alguns dos óbitos estavam programados para acontecer dentro de dias, semanas... até meses. A estudante queria se certificar que as mortes daqueles que acreditava as merecerem continuariam ocorrendo bastante tempo depois de ser detida, caso isso acabasse acontecendo. Lutaria com todas as forças para continuar livre, mas também tinha de estar preparada para o pior.

Num dos cantos escuros do quarto, Masuku, apesar de não o demonstrar, estava muito impressionado com o esforço da humana. Poderia valer a pena voltar atrás em sua decisão, tomada junto a Nise, e tornar a ajudá-la naquela situação difícil? Em silêncio, o deus da morte passou a refletir sobre isso...

Foi quando o PC ainda ligado emitiu um som, semelhante a uma campainha. Junto ao arquivo de texto aberto na tela, surgiu uma pequena janela informando que um novo e-mail havia chegado à caixa de entrada de Justine. Esta raramente utilizava o correio eletrônico, que servia quase somente para que ela recebesse mensagens referentes aos assuntos da universidade. Intrigada, porém, interrompeu momentaneamente sua tarefa e, com alguns cliques do mouse, dirigiu-se até a página de sua conta de e-mail. De imediato verificou o remetente da única mensagem não-lida que nela havia:

 

Henri Aiton

 

Clare parou por um momento para tentar compreender como o incômodo Henri possuía seu endereço de e-mail, quando se lembrou de que Paule o havia fornecido a ele – sem sua autorização, logicamente – algumas semanas antes, na tentativa dos dois se entrosarem melhor. Até então o funcionário do mercadinho não havia enviado mensagem alguma a Justine, talvez, na opinião dela, por ter uma boa noção do ridículo, o que serviu para tornar ainda mais estranho o fato do rapaz tê-la contatado naquele momento, ainda mais em meio a uma situação tão complicada para ela. Curiosa, a loira acessou a mensagem, lendo atentamente seu breve conteúdo:

 

Querida Justine,

 

Uma situação terrível está se desenrolando, e você parece ser o pivô da mesma. Preciso falar com você imediatamente. O número de meu celular é 7867-3261. Não coloco neste e-mail o que preciso lhe contar por motivo de segurança. Ligue para mim assim que puder, de um telefone público, preferencialmente.

 

Sei que nunca simpatizou muito comigo, porém te adoro e não quero que caia numa armadilha.

 

Aguardo sua resposta,

 

Henri.

 

Era algo deveras interessante e ao mesmo tempo aterrador. Saberia Henri algo a respeito de Justine ser Kira? Suspeitaria de algo? Ou alguém que suspeitava comunicara suas teorias ao garoto, deixando-o apavorado e temeroso quanto à segurança da moça pela qual era apaixonado? Apesar de Clare considerá-lo uma pessoa imatura e precipitada, e de jamais pensar em atender a um pedido como aquele em circunstâncias normais, ela tinha consigo que deveria checar. Aiton não era o tipo de pessoa que a denunciaria ou colaboraria com seus inimigos, então a possibilidade de ele levá-la para uma emboscada era mínima.

Talvez ele até se mostrasse o bom aliado que ela buscara em Paule...

Fechando o e-mail, levantando-se da cadeira e apanhando uma blusa, devido à brisa gelada que predominava aquela noite, Justine preparou-se para sair. Notando isso, Masuku indagou:

–         Aonde vai?

–         Não interessa! – a jovem replicou, ríspida. – Espere-me aqui.

–         Como quiser...

Clare verificou uma última vez suas coisas, destrancou a porta e saiu, tornando a passar a chave na fechadura do lado de fora. Era certo que o avô já dormia, portanto não precisaria se preocupar muito com a discrição, pois o sono deste era geralmente pesado. Com o tronco já coberto pela blusa, desceu as escadas e saiu pela porta da frente.

Estava na hora de averiguar o que Henri queria.

 

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Arredores de Paris.

Um outro jato acabava de pousar na mesma pista em que anteriormente chegara o avião trazendo os membros da equipe de investigação do Caso Kira. Um carro preto com os faróis ligados, guiado por Ernest Adams, já esperava por seus ocupantes, o agente aguardando a saída destes da aeronave ao lado do automóvel, braços cruzados. A porta dela se abriu, uma figura solitária deixando seu interior e caminhando até o novo transporte.

Sua silhueta só poderia ser decifrada a uma curta distância, devido à baixa luminosidade da noite de poucas estrelas, e assim seus contornos só se tornaram nítidos quando se aproximou o suficiente de Adams: a pessoa, incapaz de ser definida como homem ou mulher, trajava preto da cabeça aos pés; uma veste elástica semitransparente, cuja consistência lembrava um pouco as roupas usadas por ginastas, com a diferença de que esta em questão não possuía qualquer abertura, cobria-lhe o corpo por completo, os cabelos estando ocultos sob uma espécie de touca e não havendo brecha nem mesmo para os olhos. Nas mãos usava luvas espessas e nos pés trazia botas militares, tudo na cor negra. Era possível apenas ter um leve vislumbre do rosto do indivíduo através do tecido sobre ele, no entanto nada era nítido além de um tom levemente pálido que parecia dominar a coloração de sua pele.

O misterioso personagem caminhou até Ernest e parou diante dele, sem pronunciar qualquer palavra ou fazer sinal algum com as mãos. O agente do FBI gastou alguns instantes examinando o recém-chegado, inclusive lançando alguns olhares para o vazio atrás dele, antes de informá-lo:

–         Tudo já está devidamente preparado, “R”. A equipe extra que solicitou está pronta e o time de detetives não tomará conhecimento dela antes do momento previsto.

–         Muito bem – a voz abafada por trás da máscara era de uma mulher. – Quando tivermos sinal verde, lançaremos nossa avassaladora ofensiva contra Kira. Justine Clare não terá escapatória e, em meio ao desespero, apenas se incriminará ainda mais. Além disso, quem sabe durante o alvoroço que se seguirá, algumas lacunas do caso não sejam finalmente preenchidas...

–         Você havia me dito que pesquisaria de novo a respeito dos policiais envolvidos no caso durante seu vôo até aqui. Descobriu alguma coisa?

–         Sim. Na verdade, eu já sei quem é o traidor. Não foi difícil deduzir.

–         E o que pretende fazer?

–         Nada, por enquanto. Deixaremos que aja. É certo que os cultos fanáticos a Kira não ficarão de braços cruzados diante da possibilidade de perderem seu Messias e acabarão intervindo. O traidor e seus companheiros de crença facilitarão tudo para nós. Quanto mais confusão, pior para Clare. Ela não está preparada para a balbúrdia, ao contrário de nós.

–         Mas deixar o traidor livre acabaria ameaçando a vida dos demais integrantes da equipe...

–         Eles sabem desde o início que estão arriscando suas vidas tomando parte nesta investigação, não é mesmo? Estamos perto do final, não é grande coisa eles colocarem mais algumas fichas em jogo logo agora... E acredite, esse traidor dificilmente ferirá mais alguém.

–         Confio em seu julgamento, “R”. Agora vamos?

–         Vamos... irmão.

Os dois adentraram o veículo, “R” ocupando os assentos de trás, enquanto Adams dava partida e pisava no acelerador. Era até curioso pensar que, depois de tanto tempo e tanto sofrimento, as coisas estavam caminhando de modo tão formidável.

 

- - - - - - - -

 

Madrugada de sábado.

Justine caminhava sozinha pelas vias vazias de Montparnasse, protegida do cortante vento frio pela blusa que usava e por seus dois braços, que abraçavam o próprio tronco. A ausência de pessoas nas ruas gerava-lhe a quase todo momento a incômoda sensação de estar sendo seguida. Ignorando tais temores e confiando na esperança do triunfo, continuou andando até encontrar uma cabine telefônica do outro lado de uma rua, não muito distante do mercadinho em que Henri trabalhava. Olhou mais uma vez para trás, certificando-se de que não era espreitada, recobrou o fôlego durante poucos segundos, e então a adentrou.

Seus dedos pressionaram com pressa os botões do aparelho, o número de Henri surgindo num pequeno visor na parte superior deste conforme era inserido. Logo a ligação foi iniciada, o rapaz demorando dois toques para atendê-la, e esse breve período pareceu durar uma eternidade à aflita Justine. Ela nunca pensaria em admitir isso, mas sentiu-se aliviada quando ouviu a voz dele do outro lado da linha:

–         Alô, Justine?

–         Sou eu – a jovem respondeu seca. – O que você quer?

–         Escute, tenho a lhe contar algo muito importante... Talvez venha a não acreditar em mim, porém preciso ao menos alertá-la. Há um grupo de investigadores na cidade, provenientes de vários países. Um deles me procurou na loja ontem de manhã, chamando-me para conversar. Fui levado à presença dos outros e... bem...

–         Fale!

–         Eu desconheço a razão, e para falar a verdade não vejo qualquer sentido nisso, mas eles suspeitam que você seja Kira, Justine! E que inclusive foi responsável pela morte de Paule! Tentei argumentar contra eles, apresentando os óbvios motivos para eu crer em sua inocência, entretanto foi inútil. Eles estão vigiando você, por certo aguardando o momento certo para te prenderem! Um deles até disse que não há rua ou beco da cidade em que não possam te pegar! Você está correndo grande risco!

–         M-meu Deus! – gaguejou Clare, fingindo um tom de choro. – O que poderei fazer? Eu não cometi crime algum! Minha nossa, o que será de mim? Mesmo eu sendo inocente, caso essa suspeita dos detetives chegue a vovô antes de ser desmentida, ele pode não sobreviver ao choque!

–         Fuja, Justine! Fuja, saia de Paris antes que seja tarde! Esses homens parecem dispostos a tudo para encontrarem um culpado, e você não pode correr o risco de cair nas mãos deles! Fuja, por favor!

–         Por certo é o que farei. Ficarei fora de casa uns dias até a situação se acalmar. Obrigada por me avisar, Henri! Devo-lhe minha vida, apesar de ainda estar muito confusa em relação ao que está acontecendo!

–         Eu te amo, Justine. É o mínimo que posso fazer. Jamais me perdoaria se algo lhe acontecesse e eu pudesse ter evitado. Meu coração é seu... por mais que não dê valor.

–         Saiba que, depois que tudo isto acabar... eu o recompensarei com meu amor incondicional, Henri Aiton. Bastará aguardar.

Um breve silêncio tomou a ligação antes de o rapaz replicar:

–         Eu aguardarei esperançoso e fiel, minha linda.

–         Logo esta tempestade passará, tenho certeza... Agora preciso ir. Adeus.

A órfã desligou o telefone antes que o garoto pudesse se despedir. Endireitou o busto, encheu os pulmões de ar. Tomara sua decisão. O melhor mesmo seria fugir.

Saindo da cabine, Clare repassou em sua mente todas as variáveis daquele problema. Henri dificilmente mentiria, então fora mesmo procurado pela equipe de investigação, por ser alguém próximo a Justine. Isso deixava claro ao menos uma das provas que os policiais possuíam contra ela: a execução de Jean Moreau no mercado semanas antes, quando Aiton estivera presente. A jovem deveria ter desconfiado que, cedo ou tarde, o fato de ter utilizado o Death Note em público seria usado contra si. De qualquer forma, agora era tarde demais para lamentar isso...

Surgia outro ponto a considerar: quais seriam as intenções dos investigadores revelando isso a Henri. Talvez eles não fossem tão brilhantes e houvessem falado tudo ao rapaz com o intuito de contarem com seu auxílio – ou para verificarem se também não seria suspeito – porém também existia a possibilidade de terem feito isso sabendo que Aiton alertaria Justine, e assim a levariam a uma armadilha. De um modo ou de outro, ela julgava-se preparada para reagir. Àquela altura, via como inútil agir com naturalidade para bancar a inocente, pois se não se mexesse estando sob a lupa de seus inimigos, logo teria ainda mais evidências contra si. Precisaria elaborar um bom plano de fuga, esconder-se pelo tempo necessário e, no momento certo, eliminar os investigadores por meio do caderno. Mesmo sem poder mais contar com a ajuda dos Shinigamis, estava certa de que conseguiria dar a volta por cima.

 

Masuku viu uma obstinada e quieta Justine Clare retornar ao quarto cerca de quarenta minutos após tê-lo deixado. Sem dirigir palavra alguma ao deus da morte, ela colocou algumas roupas dobradas dentro de sua mochila, uma lanterna com pilhas, alguns poucos objetos de uso pessoal e, é claro, o Death Note. Antes, todavia, inseriu nele uma nova inscrição:

 

Henri Aiton. Desesperado frente à possibilidade de perder o grande amor de sua vida, enforca-se em seu quarto. Deixa carta de despedida culpando a equipe de investigação do Caso Kira por sua desgraça.

 

Isso os deixaria ao menos com um pouco de sentimento de culpa...

Clare guardou o relógio de bolso que ganhara do avô em sua calça e, com a mochila às costas, partiu, trancando a porta do quarto e sem dar qualquer satisfação a Masuku.

Este, sentado na cadeira diante da escrivaninha, teve como única reação girar sobre ela... e gargalhar.

 

- - - - - - - -

 

O inconformismo me domina

A indignação me impele

Este mundo está caótico

O mal domina livremente

 

Liguei hoje a TV

Mais um maníaco solto

Pena das vítimas que fará

Raiva do sistema que o favoreceu

 

Madame Guilhotina, faça justiça!

Reestruture este mundo de ponta-cabeça

Puna quem mereça, Madame Guilhotina

Sua justa lâmina está sedenta!

 

Madame Guilhotina, você me ouve?

Meu clamor impele seu mecanismo

Puna a todos, Madame Guilhotina!

O mundo lhe está pedindo socorro

 

- - - - - - - -

 

Prévia:

 

Creio no Nosso Senhor Kira, Todo-Poderoso,

 

Nascido da sede de justiça do mundo...

 

Desceu à mansão dos mortos.

 

Próximo capítulo: Subsolo


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