Death Note: Ressurreição escrita por Goldfield


Capítulo 18
Capítulo XVIII: Sabatina




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Crise no sistema democrático

Onde está a justiça?

Crise no sistema democrático

Onde está a justiça?

 

Assassinos à solta depois de julgados

Quem punirá seus crimes?

Assassinos à solta depois de julgados

Quem punirá seus crimes?

 

Hey, hey, francesinha

Seja o juiz, seja o Kira!

Hey, hey, francesinha

Seja o juiz, seja o Kira!

 

Porque em terra de justiça cega

Quem tem um caderno é rei!

Porque em terra de justiça cega

Quem tem um caderno é rei!

 

Hey, hey, francesinha

Seja o juiz, seja o Kira!

 

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Capítulo XVIII

 

“Sabatina”

 

Justine pareceu não se surpreender ou intimidar diante do sorriso do Shinigami. Pelo contrário: sentou-se pacientemente na cama e, sem perder seu olhar inquisidor, preparou-se para ouvir as explicações de Masuku. Este girou mais uma vez sobre a cadeira, resvalou de leve as asas no PC e na escrivaninha, e em seguida respondeu:

         Sim, eu fui Kira.

Clare recebeu a afirmação com naturalidade. Sua expressão facial permaneceu a mesma, seu corpo nem se mexeu. E, aparentemente alheia por completo ao impacto que aquela revelação poderia causar, ouviu o deus da morte dizer:

         Assim como você, eu já fui um ser humano sedento por justiça, inconformado com as falhas no sistema que perpetuam os mais hediondos crimes pelo planeta. Lutei para que os maus tivessem sua punição, para que a maldade fosse contida em suas raízes. É por isso que, transformado num Shinigami, retornei ao mundo dos humanos e escolhi você para dar continuidade à minha missão. E por um bom tempo, você mostrou-se a escolha perfeita, Justine Clare...

         Então os humanos que usam o caderno estão mesmo fadados a se tornarem deuses da morte ao morrerem...

         Vejo que você já havia concluído isso há certo tempo!

         Sim... A sentença “O humano que usar este caderno não poderá ir nem para o Céu e nem para o Inferno” nunca me deixou duvidar disso.

Seguiu-se um momento de desconcertante silêncio, para ambos. Súbito, Masuku ergueu-se da cadeira de modo um tanto desajeitado e, de pé diante de Justine, pousou uma de suas mãos no ombro direito da jovem. Num tom eloqüente e superior, como um pai falando a sua filha, pronunciou-se:

         Estamos inseridos num ciclo irrompível. No início dos tempos, o Rei Shinigami concedeu um Death Note a um humano e desde então, qualquer homem ou mulher a utilizar o caderno deve, depois de morto, abandonar o ócio do outro mundo e voltar à Terra para, agora como um deus da morte, fazer com que outro representante de sua antiga espécie também adquira tal poder. Em nosso caso específico, Justine, o anseio por justiça é o que nos impele. Da mesma forma que lhe concedi um Death Note tendo no passado sido Kira, você, após deixar este mundo, será igual a nós, e então repassará um caderno a outro humano que ache digno, para que nossa cruzada nunca termine e a humanidade possa ser limpa!

O semblante da francesa alterou-se drasticamente. De sério e inabalável, transformou-se numa careta de rejeição, uma face emburrada e discordante. Com um movimento rápido de sua mão esquerda, empurrou o braço do Shinigami de cima de seu ombro e, ríspida, inquiriu-o:

         Quem você era em vida, Masuku? Qual era a identidade de Kira? Seu antigo nome?

         A senhorita ainda acha estar em posição de fazer tantas perguntas?

A indagação veio por parte de Nise, que surgira sem mais nem menos pela janela, mais sutil e aterrador do que um espectro. Justine fez menção de rebater a fala do recém-chegado Shinigami de cabelos cinzentos, porém este, numa ação inesperada, esticou os dois braços e empurrou a estudante deitada sobre a cama, num claro gesto de repreensão. Clare cerrou os punhos, mordeu os lábios e, fazendo o possível para controlar sua fúria, ouviu-o dizer:

         Ao invés de nos crivar de tantas questões inúteis, deveria estar elaborando uma maneira de eliminar as suspeitas que a ligam à morte de Paule Delacroix!

         E quem lhe disse que não estou me empenhando nisso? – a órfã gritou raivosa, sem se importar se o avô no andar de baixo ouviria ou não. – Estou conseguindo remover todas as ligações entre a morte dela e minha pessoa!

         Mais do que sua petulância, impressiona-me sua ingenuidade. Pois saiba que uma equipe internacional de detetives acabou de chegar a Paris para investigar a possível presença de Kira na cidade.

Frente a essa assertiva, Justine estremeceu.

         Enquanto crê estar segura e no comando da situação, caminha na verdade para cair numa armadilha planejada pelos inimigos da justiça – continuou Nise. – Se não redobrar sua atenção e criar um estratagema de imediato, acabará incapacitada de agir como Kira mais cedo do que pensa, e teremos de procurar outra pessoa capaz de usar o Death Note de forma tão eficaz quanto você vinha usando.

Os músculos de Clare se retorceram de leve, punhos ainda fechados, seu corpo abalado por ligeiro tremor. Um observador mais atento diria que a moça estava prestes a ter um ataque histérico, porém se controlava com o máximo de sua vontade. Mesmo tendo ideais em comum, de repente a loira sentiu-se como um mero joguete dos dois Shinigamis, uma ferramenta que poderiam descartar a qualquer momento. Respirou fundo e, contendo seu ímpeto de destruí-los, apesar de ainda manter certo tom raivoso na voz, rebateu:

         Se já têm conhecimento da chegada dos investigadores e do perigo que corro, por que não me auxiliam matando cada um deles? Vocês possuem poder para isso, não?

         Nós Shinigamis possuímos regras e normas de conduta que garantem nossa própria sobrevivência – esclareceu Masuku. – Uma delas é que não devemos utilizar nossos cadernos para proteger um humano. Isso acarretaria nossa morte.

         Então para que vocês servem? – a jovem explodiu.

Os deuses da morte se calaram, observando uma Justine ofegante levar alguns instantes até conseguir voltar a falar, ainda se contendo:

         Vocês pensam que me controlam, que têm autoridade sobre mim por terem me escolhido e instruído acerca do caderno, mas estão muito enganados. Eu conseguirei sozinha dar a volta por cima e sair dessa situação. E não poderão fazer nada a não ser testemunhar meu triunfo!

         Então que assim seja, Justine Clare – replicou Nise. – De agora em diante, deixamos tudo em suas mãos! Que elas sejam as únicas responsáveis por seu triunfo ou seu fracasso!

E, após dizer isso, o Shinigami de cabelos cinzentos voou através da janela, sua silhueta desaparecendo na escuridão da noite. Masuku, por sua vez, tornou a se voltar para o PC ligado e a universitária, inabalável, apanhou o Death Note de capa falsa, acomodou-se na cama e passou a executar alguns julgamentos atrasados, tendo memorizado alguns nomes e rostos em sua mente. Ela conseguiria contornar tudo aquilo. Ela mostraria ser realmente digna de ser Kira.

 

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O ambiente no quarto de hotel com as luzes apagadas era um tanto sombrio. A única iluminação provinha das telas dos notebooks ligados pelo recinto, em diferentes posições, todos exibindo o conteúdo gravado pelas câmeras de segurança do mercadinho em Montparnasse, obtido por intermédio de Junot. Parcialmente imersos na penumbra, dois ou três investigadores assistiam ao vídeo sentados ou de pé diante de cada computador, e Adams os informara que uma cópia também fora enviada a “R”, estando sob sua análise pessoal.

         Bem, pessoal, temos três câmeras, e assim três ângulos diferentes! – expôs Ackerman, revendo o conjunto de gravações pela quinta vez. – Pouco antes do assalto, apenas o gerente do estabelecimento, o senhor Adam Chambert, e o único outro funcionário, Henri Aiton, encontravam-se presentes, até que uma dupla de estudantes adentrou a loja. Pelas imagens e pelo áudio, pudemos identificá-las como a falecida Paule Delacroix e sua amiga, Justine Clare. Isso só aumenta ainda mais as suspeitas sobre ela.

         Após entrarem, as duas foram falar com Henri, e logo depois Justine dirigiu-se a uma prateleira de revistas – prosseguiu Boruanda, apontando para a tela do laptop para o qual estava de frente com uma caneta. – Paule, por sua vez, passou a distrair-se na seção de doces e salgados. Segundos depois, Jean Moreau adentrou o mercado, armado.

         Temos a confirmação de que o nome completo do criminoso foi sim pronunciado durante o diálogo que se seguiu, em meio ao qual Chambert inclusive acabou baleado – afirmou Rivera. – E, através da terceira câmera, podemos observar Clare abrindo a mochila, retirando um volume de dentro dela e ocultando-o numa revista. Em seguida ela aparenta escrever algo em suas páginas...

         O Death Note, certamente! – exclamou Matsuda. – Ela assassinou o assaltante! Acredito estarmos diante de uma evidência praticamente irrefutável de que essa Justine Clare é o atual Kira!

         Capitão, você consegue ver aquele tal Shinigami chamado Ryukuu no vídeo? – indagou Hoshi.

         Não, não o vejo. Então de certo não é ele o deus da morte que concedeu o caderno a essa moça. É provável que seja... Yagami!

Um breve silêncio dominou o recinto antes que Souza falasse:

         Temos de verificar o que “R” fará a respeito disso!

         Vocês tomarão conhecimento disso neste exato momento – uma voz robótica distorcida ressoou pelo quarto.

Todos voltaram suas cabeças para um dos cantos do lugar, onde, sobre uma pequena cômoda, Adams, engolido pelas sombras como um arauto macabro, acabara de abrir seu notebook, o qual exibia a costumeira tela branca com o “R” estilizado em preto no centro. Através dos alto-falantes, o líder da investigação explicou aos detetives:

         Sim, eu também vi os vídeos, e digo que temos agora provas bastante concretas contra Justine Clare. Mesmo assim, quero interrogar os senhores Chambert e Aiton assim que possível.

         Mas por quê? – sobressaltou-se Dennegan. – Nós só precisamos prender Justine e fazê-la confessar!

         Não, não meu caro. É vital sabermos com quem estamos lidando. A julgar pela conversa captada pelo áudio das câmeras, Henri conhece Justine há algum tempo. Vamos ver o que ele tem a nos dizer sobre ela. Talvez até possamos usar o ingênuo Henri como parte de nosso plano.

         Como assim? – inquiriu Krammer, braços cruzados.

         A esta altura, Clare deve saber que cometeu uma série de equívocos que comprometem seu segredo. Deve estar se sentindo encurralada, acuada como um animal cercado pelos predadores. Nem mesmo os Shinigamis poderão ajudá-la. Antes do momento ideal, por esse motivo, não podemos cometer nenhum deslize, ou ela escapará de nossas mãos. Cautela máxima é necessária daqui em diante. Porém, quando chegar a hora... creio que o próprio Henri Aiton trará Justine até nós.

A equipe não conseguia compreender qual seria o esquema de “R”, ainda mais por envolver o funcionário do mercadinho, no entanto foi convencida pela segurança presente em suas palavras. A transmissão encerrou-se de súbito, Ernest fechando o laptop enquanto os policiais voltavam ao exame das gravações. Não podiam deixar escapar nenhum detalhe. Errar àquele ponto era algo inadmissível.

 

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Era dia no local de onde “R” se comunicava, a figura estando sentada de cócoras sobre o assoalho no chão, trajes negros e pés descalços, de frente para um notebook. A luz do dia penetrava pouco no recinto, através das frestas entre as cortinas do quarto. Pressionando um pequeno botão perto do teclado, o misterioso personagem desligou o computador, repousou uma das mãos sobre o joelho direito, sacudiu de leve os longos cabelos pretos e se voltou para a cama, junto à qual, oculta pelas sombras, encontrava-se a sinistra forma alada semelhante a uma gárgula. Ela ouviu o outro dizer:

         Prepare-se para viajar... Nós estamos indo para a França.

E, alongando os braços, complementou:

         O fim se aproxima.

 

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A pequena garotinha loira de olhos verdes encontrava-se sentada no colo do idoso, o qual, por sua vez, achava-se acomodado numa velha poltrona da modesta sala. A criança, trajando vestido azulado e pequenas sandálias, não devia ter mais que seis anos de idade. Já o senhor aparentava estar no início da caminhada até a velhice, possuindo traços físicos ainda um tanto conservados, porém dono de um rosto triste. Tentando manter uma expressão serena no mesmo, ele ouviu a menina perguntar:

         Vovô, para onde meus pais foram?

O olhar do idoso se perdeu por um instante através do cômodo vazio, e ele respondeu, depois de um suspiro:

         Eles fizeram uma viagem para o Céu, querida Justine, e, se você for uma boa menina e se comportar, ganhará uma passagem para viajar até lá e poder morar com eles.

         Até quando eu terei que me comportar? – questionou a pequena, fazendo uma careta que ainda assim era cheia de ingenuidade.

         Não sei, e ninguém sabe. Por isso deve se comportar sempre, porque não somos capazes de descobrir quando a passagem nos será oferecida.

         Certo... Então é só eu não desobedecer você, não é, vovô? Aí poderei ver papai e mamãe de novo!

         Sim, Justine – o senhor sorriu.

         Nossa, então todas as pessoas deveriam se comportar... Já pensou, se alguma delas não ganha a passagem para ver as pessoas que se mudaram para o Céu?

François riu. Sua neta era realmente muito esperta. Puxara à mãe. Pena um destino tão trágico ter se abatido sobre sua família, comprometendo tanto a felicidade da jovem Justine. Mas ele moveria céus e terra para dar a ela uma vida repleta de alegrias e realizações. Não descansaria enquanto não visse um sorriso sempre presente na face da órfã.

 

O humano que usar este caderno não poderá ir nem para o Céu e nem para o Inferno...

 

O humano que usar este caderno não poderá ir nem para o Céu e nem para o Inferno.

 

O HUMANO QUE USAR ESTE CADERNO NÃO PODERÁ IR NEM PARA O CÉU E NEM PARA O INFERNO!

 

Justine acordou aflita, corpo coberto de suor, lençol da cama atirado longe. Ofegante, olhou ao redor, tateou o colchão e o travesseiro... Num dos cantos do quarto escuro, a silhueta de Masuku encontrava-se sentada junto ao encontro das paredes, apenas o intenso brilho vermelho de seus olhos estando distinguível... Fora um pesadelo. Somente um pesadelo...

 

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Death Note – Histórico:

 

Mello consegue obter o Death Note em poder da polícia japonesa e liberta Sayu, que acaba em estado catatônico. Nisso, o Shinigami Sidoh vem ao mundo dos humanos em busca de seu caderno, que fora roubado por Ryukuu, deus da morte que concedeu o mesmo a Raito. A visita de Sidoh contribui com informações valiosas para a investigação do detetive rival de Near...

 

A situação se torna ainda mais tensa. Kira descobre a localização do esconderijo de Mello, e uma batalha entre a máfia e a polícia, em cuja força toma parte Soichiro Yagami, pai de Raito, ocorre. Em meio à explosão de bombas plantadas pelo local, Mello é ferido, mas sobrevive... enquanto Soichiro acaba perecendo.

 

Encenando desespero por fora e mantendo sua frieza por dentro, Raito Yagami assiste à morte do pai sem arrependimentos. O caráter de Kira já fora totalmente corrompido pelo poder do Death Note. O humano utilizando-o agora se tornaria apenas uma criatura cada vez mais desprezível, até sua derrocada...

 

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Sexta-feira. Manhã em Montparnasse.

Tudo estava tranqüilo no mercadinho cujo gerente era Adam Chambert. Este, desde o início de seu expediente, encontrava-se fechado na sala dos fundos, ocupado com tarefas envolvendo listas e contabilidade. Coisa que Henri, o outro funcionário, odiava. Ciências exatas não faziam seu estilo. Quando pudesse, desejava cursar Psicologia. A área simplesmente o fascinava e, caso fosse competente em seu trabalho, certamente teria também bom retorno financeiro. Àquela hora, varria o estabelecimento, aproveitando a ausência momentânea de fregueses, quando a porta de entrada se abriu. Por reflexo, o rapaz ergueu a cabeça e já ia indagar o que a pessoa, ou pessoas, recém-chegadas desejavam, porém viu-se de frente para um sisudo homem de óculos escuros, sobretudo e gravata, que o examinava de alto a baixo de pé junto a uma prateleira contendo artigos para o lar.

         S-sim? – inquiriu Henri, um pouco temeroso.

         O senhor é Henri Aiton? – quis saber o misterioso indivíduo.

         Sou eu mesmo... Por quê?

         Queira me acompanhar, senhor Aiton.

Só nesse instante o jovem lançou os olhos sobre o carro preto estacionado junto à calçada diante da loja, certamente propriedade daquele que viera buscá-lo. Um arrepio percorreu seu corpo. Teria se metido em alguma encrenca? Para quem trabalharia aquele sinistro sujeito? Polícia? Governo? Antes de tirar conclusões precipitadas, preferiu perguntar:

         Por que razão?

         Assuntos da maior importância, pode acreditar – replicou o homem, na verdade o agente Ernest Adams, exibindo suas credenciais, que possuíam, no entanto, um nome falso. – Venha comigo imediatamente.

         Mas preciso avisar meu chefe, e...

         Depois nos entenderemos com seu chefe, garoto. Agora vamos.

Largando a vassoura e caminhando a passos incertos, Henri acompanhou o personagem até seu carro, sentando-se de modo desconfortável num dos bancos da frente. A um sinal incomodado do motorista, o francês lembrou-se de abotoar o cinto de segurança, enquanto indagava:

         Como o senhor se chama?

         Smith – Adams respondeu asperamente. – John Smith. E chega de perguntas.

Ernest pisou no acelerador, e o veículo deixou as ruas de Montparnasse rapidamente.

 

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Justine simplesmente não conseguia se concentrar na aula. As palavras da professora eram para si como uma língua desconhecida e incômoda. Entre os breves e isolados burburinhos dos alunos, o som de páginas sendo viradas, lápis sendo apontados, alguns risos... Ela se sentia vigiada, observada, sondada por tudo e todos ali. Temia que seu segredo já fosse conhecido por um grande número de pessoas, e que a qualquer momento alguém agiria contra si baseado nisso. O pior era a recordação do sonho que tivera na noite anterior... A lembrança da infância, a temível frase a respeito do destino dos usuários do caderno ecoando em sua mente, tomando forma como se inscrita em letras de fogo, deixando uma cicatriz em sua consciência para sempre...

Mas ela tinha de resistir ao medo e seguir em frente. Não se deixaria vencer tão fácil pela paranóia. Por mais que tramassem contra si, que a cercassem, que planejassem uma derradeira investida contra sua pessoa, ela não desistiria. Tinha algo a provar para si mesma, para os Shinigamis... para o mundo todo.

 

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Quando o carro conduzido pelo intrigante Smith ganhou as cercanias do Arco do Triunfo, Henri não poderia imaginar que estacionaria bem diante do luxuoso Hôtel Splendid Etoile, e que, descendo do veículo, o motorista o convidaria a entrar no local. Ainda temeroso e um tanto encabulado, o rapaz adentrou a recepção, sendo saudado por sorrisos cordiais dos funcionários que nela se encontravam enquanto seguia o agente do FBI até as escadas. Percorreu com ele os degraus rumo ao último andar, cansando-se um pouco, até que o guia indicou a porta semi-aberta de uma suíte. Aiton avançou lentamente, como não querendo chamar atenção. Mas todos no quarto já pareciam aguardar sua chegada. E não eram poucas pessoas...

O jovem viu-se de frente para homens e mulheres de diferentes nacionalidades, todos com expressões sérias em seus semblantes, braços cruzados ou mãos na cintura. Usavam ternos, gravatas e pareciam bem formais em seu ofício, fosse qual fosse. Atrás de si, Henri notou Smith entrando, trancando a porta – ato que o deixou um pouco mais assustado – e oferecendo uma confortável cadeira para que se sentasse, dizendo:

         Fique à vontade, senhor Aiton.

O garoto sentou-se um pouco intimidado, seu olhar se alternando entre os rostos dos ali presentes. Ackerman tomou a frente do grupo, exibindo seu distintivo falso:

         Bom dia. Sou o sargento Herman, da polícia alemã.

         O que vocês querem de mim? – Henri indagou, atônito.

         Saber mais sobre uma amiga sua – Krammer aproximou-se, fria. – Justine Clare.

O francês visivelmente estremeceu, arregalando os olhos. Endireitou-se no assento, nervoso, suando. Em seguida perguntou:

         Por que vocês estão atrás de Justine? O que ela fez?

         Neste momento, ela é a principal suspeita de ser Kira – afirmou Matsuda.

         Como assim? – sobressaltou-se o rapaz. – Isso só pode ser um engano!

         Não é – Souza respondeu em tom firme. – Nós rastreamos as atividades de Kira e tudo aponta para a pessoa de Justine Clare. Temos provas concretas, amigo. Inclusive de que ela assassinou sua melhor amiga, Paule Delacroix.

         Parem, é mentira!

Dizendo isso, Henri se ergueu da cadeira de repente e tentou correr até a porta da suíte, porém foi barrado pela sinistra figura de Adams, ou Smith. Choroso, o jovem, no ápice do desespero, retornou até o móvel e nele se sentou com a face coberta pelas mãos. Passaram-se alguns instantes de completo silêncio, nenhum investigador tomando a palavra, até que Aiton ergueu de novo a cabeça e falou, numa voz baixa e amedrontada:

         Não compreendo a razão de suspeitarem de Justine... Ela é reta em todas as suas atitudes, uma mulher de fibra e caráter... Simplesmente não entendo!

         Essa suposta intransigência de caráter que ela possui é a responsável pelos atos que realizou – esclareceu Boruanda. – Justine, como Kira, acredita ser o juiz máximo do mundo e possuir o direito de escolher quem vive e quem morre. E o pior é que ela tem o poder para isso...

         Não consigo acreditar, não consigo acreditar! – Henri, com as mãos na nuca, mergulhava num estado semi-histérico. – Justine não! Não ela!

         Temos consciência de seus sentimentos por ela, porém infelizmente é a verdade – disse Hoshi. – E precisaremos de sua ajuda para tê-la sob nossa custódia e podermos esclarecer tudo.

         Mas, mas... Justine pode ser sim uma garota meio fechada e mal-educada, até mesquinha, mas... Kira? E ainda mais tendo matado Paule? Desculpem, ainda não estou convencido...

         Infelizmente não podemos mostrar-lhe as provas que obtivemos – ponderou Adams. – Mas mesmo assim, desejamos saber algumas coisas por intermédio de você.

         Que coisas? E quem são vocês, para quem trabalham?

         Compomos uma equipe internacional de detetives destinada a caçar Kira – explicou Yahudain. – Pertencemos a forças policiais de diversos países.

         E precisamos de sua ajuda! – Rivera pronunciou-se de forma grave. – Necessitamos urgentemente de informações sobre Clare, para saber com quem estamos lidando e podermos comprovar se ela é culpada ou não.

         Somente falando para nós o que sabe a respeito dela, você contribuirá para que ela talvez venha a ser inocentada – revelou Dennegan. – Precisamos de você, garoto!

Aiton baixou a cabeça por cerca de dois minutos, olhando para os próprios pés calçados de tênis, os quais movia freneticamente, deixando claro seu nervosismo. Aos poucos, todavia, cessou de tremer, e seu corpo foi demonstrando maior tranqüilidade. Logo tomou sua decisão, tornando a levantar o rosto levemente corado. Encarando o grupo de policiais, começou a falar:

         Não conheço Justine há muito tempo, e a maior parte do que sei a respeito dela descobri por meio da amiga dela, Paule, que conhecia meus sentimentos e torcia para que ficássemos juntos, mesmo Justine sempre me ignorando. Ela é órfã, perdeu os pais aos três anos de idade quando um assaltante invadiu a casa em que moravam e assassinou os dois. Desde então vive na casa do avô materno. Possui um senso de justiça e um ímpeto em aplicá-lo muito fortes, mas... creio que jamais faria isso da mesma forma que Kira!

         A defesa que faz dessa moça é admirável, deve mesmo gostar dela... – Krammer era mordaz nas palavras.

         E-eu... gosto sim!

         Torço para que ela não seja culpada – Matsuda afirmou. – Esteja certo que, se ela for inocentada, você será um dos primeiros a saber.

         Obrigado, senhor. Porém creio firmemente que estão mesmo na pista errada. Mon Dieu... Justine não pode ser Kira! Até agora isto tudo soa tão surreal para mim, tão absurdo...

         Porém, meu jovem, tenha certeza também de que, caso ela seja mesmo Kira, o peso da lei cairá sobre ela sem qualquer atenuante! – disse Ackerman, com sua característica rigidez germânica. – Não haverá rua ou beco de Paris que Justine possa percorrer em que esteja fora de nosso alcance. É melhor que torça mesmo para que ela seja inocente, rapaz.

         Estou certo de que ela é... – respondeu Henri, novamente trêmulo. – Desejam algo mais de mim?

         Nada, apenas que aguarde o desenrolar dos acontecimentos – explicou Adams. – Eu o levarei de volta até o mercado em que trabalha. Talvez seu chefe nem tenha notado sua ausência.

O jovem assentiu com a cabeça enquanto se erguia da cadeira. Ernest destrancou a porta e, atravessando-a com ele, ganharam o corredor. Aqueles que permaneceram no interior da suíte aguardaram alguns instantes, até que a dupla se distanciasse, para em seguida Boruanda se aproximar de um notebook mantido até então fechado sobre uma cômoda, abrindo-o diante dos demais. O aparelho foi ligado automaticamente e o logotipo de “R” surgiu de imediato na tela, sua voz sendo reproduzida de modo distorcido pela máquina:

         Vocês fizeram um ótimo trabalho. Este teatro não poderia ter sido melhor.

         Então era apenas isto? – inquiriu Dennegan. – Falar sobre a suspeita de Justine ser o Kira ao garoto e assim amedrontá-lo?

         Exato. Agora devemos apenas esperar. Se eu consegui captar bem a personalidade de Aiton, ele agirá exatamente como previ. Trará Justine para nossas mãos, e elas estarão com os reflexos preparados. Inclusive, devo congratulá-lo, senhor Ackerman, pelas palavras que utilizou: “Não haverá rua ou beco de Paris que Justine possa percorrer em que esteja fora de nosso alcance”. Se tivermos a sorte de Henri reproduzi-las desse mesmo modo a Clare, ela provavelmente cairá na ratoeira que armei, uma ratoeira que qualquer fugitivo nesta cidade consideraria usar...

         Então você realmente espera que Henri avise Justine sobre o que aconteceu aqui? – Rivera demonstrou leve assombro.

         Certamente, minha cara. O amor, apesar de ser considerado de maneira quase universal um sentimento nobre e gratificante, capaz de mudar as pessoas para melhor, também quase sempre as deixa patéticas e previsíveis. É o caso desse Henri e sua paixão cega pela senhorita Clare. Acredito haver 87% de chances de ele alertá-la de algum modo, seja pessoalmente, ou, se ele for mais prudente, por algum meio indireto. Levando em conta nossa análise da pessoa de Justine até aqui, existe uma grande probabilidade que ela fuja. E é então que iremos agarrá-la.

         Só não compreendo ainda essa necessidade de fazer Clare fugir antes de prendê-la, sendo que, com o auxílio da polícia francesa, poderíamos assim agir a qualquer momento! – queixou-se Yahudain.

         Devo lembrá-los de que não temos 100% de certeza de que Justine é Kira. Apesar de ser ínfima, não nego a possibilidade de alguém estar manipulando a garota ou até a nós mesmos, levando-nos a crer ser ela a culpada, quando na verdade não é. E, não sei quanto aos senhores, mas prefiro agir de forma implacável somente quando estou totalmente convencido de algo. É por isso que nosso objetivo é levar Justine Clare ao ápice do desespero, fazê-la pensar estar totalmente sem saída. É fato que, os seres humanos, sob pressão, cometem muitos deslizes, agem com imprudência e se privam de qualquer cautela. Assim, se Justine for mesmo culpada, ela nos deixará mais uma série de pistas durante esse período de pressão que acabarão por tornar o fato inegável. E, correndo tudo conforme o planejado, nós a capturaremos sem dificuldade e já com todas essas evidências à disposição. Uma solução bem mais sólida para este caso, eu diria.

         Concordo, “R” – anuiu Matsuda, com um olhar confiante.

         Até que chegue a hora certa, como recomendei antes, tenham extrema cautela e discrição. Após essa conversa com Henri Aiton, acredito que não será mais necessário interrogar Adam Chambert. Sei que estão ansiosos em acabarem de vez com isto tudo, porém é melhor agirmos devagar com maiores chances de sucesso do que de modo abrupto e colocando a perder tudo que conseguimos até este momento. E, acima de tudo... aprendam que as aparências podem enganar, e muito.

A transmissão foi encerrada, toda a equipe ciente de sua grande responsabilidade.

Haviam chegado à reta final da caçada a Kira.

 

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O inconformismo me domina

A indignação me impele

Este mundo está caótico

O mal domina livremente

 

Liguei hoje a TV

Mais um maníaco solto

Pena das vítimas que fará

Raiva do sistema que o favoreceu

 

Madame Guilhotina, faça justiça!

Reestruture este mundo de ponta-cabeça

Puna quem mereça, Madame Guilhotina

Sua justa lâmina está sedenta!

 

Madame Guilhotina, você me ouve?

Meu clamor impele seu mecanismo

Puna a todos, Madame Guilhotina!

O mundo lhe está pedindo socorro

 

- - - - - - - -

 

Prévia:

 

Eu realmente não previ que as coisas chegariam a este ponto... Não previ, errei, e admito!

 

Agora só tenho uma coisa a fazer...

 

Minha sobrevivência e a continuidade de minha cruzada dependem disso!

 

Próximo capítulo: Fuga


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