Nem Todo Mundo Odeia O Chris - 2ª Temporada escrita por LivyBennet


Capítulo 17
Todo Mundo Odeia DJs


Notas iniciais do capítulo

Demorou pq eu fui viajar...
Aproveitem o cap pois é o maior que já escrevi....



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POV. CHRIS (Brooklyn – 1985)

A música sempre fez parte da minha vida, tanto que nem consigo me lembrar desde quando. Minha ambição de moleque era ter um walkman e quando a Lizzy me deu um no nosso primeiro Natal juntos, meu vício aumentou numa proporção astronômica. Eu não costumava sair com ele para a escola porque eu ia com a Lizzy e a gente sempre ia conversando. O hábito era tão grande que ela perdeu o costume de levar o dela para a escola e praticamente abandonou os headphones. Pelo menos nos ônibus. O meu já tinha me salvado de muito perrengue, principalmente em casa com as idiotices da Tonya e os gritos da minha mãe.

A Lizzy e eu compartilhávamos um gosto musical parecido e, tenho que admitir que ela me viciou em mais bandas do que eu viciei ela. Fui obrigado pelo meu bom senso a admitir que Bon Jovi, uma banda nova que tinha aparecido e ela logo tinha virado fã, era muito legal. Ela tinha bom gosto. Nunca fui muito fã de rock, mas ela acabou me ganhando com uma música aqui e outra acolá.

Embora fôssemos adolescentes, não íamos a muitas festas. Não por falta de convite – vez por outra eu recebia alguns e a Lizzy era tão popular no bairro quanto na escola – mas porque, às vezes, a vontade faltava. A Lizzy detestava lugares lotados e barulhentos e como eu raramente saía sem ela, acabava recusando quando ela não queria ir. E eu sabia muito bem que isso fazia de nós dois uns adolescentes de 16 anos muito esquisitos, mas... quem disse que a gente se importa?

Não que eu não gostasse de festas nem que não pudesse sair sem a Lizzy, mas a ideia de um lugar cheio de pessoas que eu não conhecia e com cheiro de fumo fazia a imagem da minha cama parecer muito mais convidativa. Tenho consciência de que deixei de pegar muita menina por causa disso, mas ainda não consegui me arrepender.

Mas teve um convite que eu praticamente implorei para a Lizzy aceitar. Embora a origem do convite não me agradasse nem um pouco – Jerome –, a oportunidade que ele me ofereceu era tentadora demais para eu recusar: ser DJ por uma noite numa festa dele. Equipamento incluso; eu só precisava chegar lá e fazer o serviço. E o melhor: ele ia me pagar. E eu vou garantir que ele pague mesmo...

Até aí eu adorei a ideia, mas então veio a condição. Porque, claro, nada é perfeito... Eu teria que levar a Lizzy. É claro que marmanjo nenhum precisava me pedir para eu levar minha melhor amiga para uma festa, mas o fato dele pedir me deixou com um pé atrás. Não era novidade para ninguém no bairro que o Jerome arrastava um bonde pela Lizzy, desde que ela se mudou para lá. A gente era criança e a Lizzy nunca deu confiança para as cantadas dele; ele não era o tipo de cara com quem ela sairia, disso eu tinha certeza. E era óbvio para quem tivesse olhos que a Lizzy era linda, mesmo assim eu não gostava nenhum pouco dele ficar rondando ela como um urubu.

Por causa disso, a primeira resposta que me veio à cabeça quando eu soube da condição foi “NÃO” e “FICA LONGE DELA, BABACA!”, mas a tentação continuava lá, falando no meu ouvido para eu aceitar. Escondi o convite por uns dias, mas a Lizzy acabou percebendo que tinha alguma coisa errada. Principalmente porque o idiota mencionava o assunto com palavras de duplo sentido toda vez que me via.

“Me avisa quando o nosso negócio der certo, irmãozinho. Não vai me deixar na mão, né? To louco pra ganhar meu presente.” Nessas horas meu cérebro invocava todo o controle do meu ser para eu não ir lá e quebrar a cara dele.

Dois dias depois do convite e cansada das indiretas do Jerome para mim, a Lizzy me pressionou a dizer o que era o “negócio” que eu tinha com ele e eu acabei contando tudo para ela. Eu queria muito aceitar a porcaria do convite, mas não tinha respondido ainda por causa dela. Aquela condição do Jerome era como um alfinete no meu sapato.

Apesar da cara meio azeda que ela fez, ela concordou em ir. Eu fiquei tão feliz que rodopiei ela no meio da rua.

“Para, seu desesperado!” Coloquei ela no chão e beijei seu rosto, observando ela corar levemente. “Eu vou, mas eu também tenho uma condição.” Fiz uma cara fingida de choro.

“Ah, não!” Ela riu.

“Vai fazer ou não?” Desfiz o drama e respondi, zoando com ela.

“Qualquer coisa, madame.” Ela sorriu, erguendo uma sobrancelha e cutucando meu peito com o indicador.

“Mantenha ele bem longe de mim. Vai ser DJ e meu guardacostas por uma noite.” Embora eu já soubesse, fiquei feliz em ouvir que ela o queria bem longe.

“Nada mais justo. Faço isso com todo o prazer.”

“Tá certo, mas...” sua expressão divertida ficou preocupada, “... será que sua mãe não vai dar pití?”

“Dá nada. Quando ela souber que vou receber por isso, vai ficar na boa. E seus pais?” Ela fez uma leve careta.

“Minha mãe pode dizer alguma coisa, mas o meu pai virou seu fã de carteirinha depois do...” A voz dela foi morrendo e seus olhos foram para o chão.

Cheguei mais perto e ergui seu rosto para poder olhar aqueles olhos verdes que eu adorava. Dei um leve sorriso, que ela retribuiu e acariciei seu rosto com o polegar.

“Já tem duas semanas. Acabou. Tenta esquecer.” Ela assentiu e entrelaçou nossos dedos logo em seguida.

“Tudo bem. Você tá aqui.”

Senti algo se agitar dentro de mim pela felicidade que aquela simples frase provocou em mim. Queria dizer a ela que podia confiar em mim e que eu nunca a deixaria sozinha, mas tudo o que saiu foi...

“Sempre.” E aparentemente foi o bastante, pois ela me deu aquele sorriso que tirava meu fôlego.

Entrei em casa praticamente pulando de felicidade; minha mãe desconfiou, mas não falou nada. O limite da curiosidade dela chegou quando eu me ofereci para pôr a mesa do jantar. Quase solto uma gargalhada com a cara que ela fez, mas como eu ainda tinha medo de morrer de uma forma bem cruel e medonha, me segurei.

“O que você tem, garoto? Andou fumando? Tá drogado?” Parei a meio caminho da mesa, com os pratos ainda nas mãos e encolhi os ombros.

“Não, só tô feliz.”

Ela estreitou os olhos e pôs as mãos na cintura: sinal de que o interrogatório ia começar. Mantive a calma. Eu não fiz nada de errado mesmo...

“E eu posso saber o motivo de tanta felicidade, senhor-Eu-sou-independente-e-não-falo-mais-nada-pra-minha-mãe?” É sério que ela diz que o debochado dessa casa sou eu?

“Calma... Eu só recebi um convite pra ser DJ na festa do Jerome no sábado à noite.” Como eu sabia que seria, a expressão dela imediatamente se transformou de irritação em satisfação.

“Humm... DJ, é?” Mas, de repente, a expressão de preocupação apareceu. Ih, ferrou... “Onde é a festa? Que horas começa? Que horas termina? E com quem você vai? Eu preciso saber!”

Ainda bem que minha paciência tá grande hoje... Respirei fundo.

“Respondendo tudo: a festa é a duas quadras daqui, começa às 23h, deve terminar duas/três da manhã e eu vou com a Lizzy.” Ela me olhou, cética.

“Três da manhã?” Assenti. “E você acha que vai?” Fiz minha melhor cara de pau.

“Claro. Ele vai me pagar.”

Esse era o meu trunfo. Sempre que tinha dinheiro envolvido, minha mãe pensava duas vezes antes de dizer 'não' para a gente. Eu pude ver que ela ficou dividida entre o dinheiro e não me deixar ir à festa. Mas, no final, o capitalismo venceu.

“Tá bem, você pode ir. Mas toma cuidado! O Arthur deixou a Lizzy ir?” Aproveitei a calma dela e pus os pratos na mesa.

“Vai deixar. Já provei que posso proteger ela.” Levantei a mão esquerda, ainda enfaixada, mostrando para ela.

“É, e voltou com um rasgo na mão.” Sorri, descarado.

“Cicatriz de guerra.” Ela estreitou os olhos, me ameaçando.

“Volta para casa com outra dessa e eu te dou uma cicatriz. Na bunda, da surra que você vai levar.” Violência... Nunca ouviu falar em solução diplomática, não?... Pensando melhor, acho que diplomacia é uma palavra que não existe no vocabulário da minha mãe.

Depois disso meu pai chegou, Drew e Tonya desceram e nós pudemos jantar sem mais ameaças de espancamento. A mãe acabou contando a novidade para o pai e eu ganhei parabéns e tal. Fui até dispensado da louça. Só quando cheguei no quarto foi que percebi que nem todo mundo estava tão feliz quanto eu.

O Drew tava deitado, lendo HQ e eu tinha acabado de sair do banho e estava procurando minha camisa de dormir preferida. Aparentemente ela tinha evaporado no ar.

“Drew, você viu minha camisa cinza que eu sempre durmo com ela?” Ele não respondeu e eu virei para observá-lo. “Drew?” O silêncio continuou. Andei até o pé da cama dele para ver se estava dormindo, mas ele estava com cara de pouquíssimos amigos. “Drew? Você me ouviu?”

“A mãe colocou pra lavar.” O tom de voz veio inconfundivelmente irritado e eu ergui uma sobrancelha.

“Tá com raiva de mim?” Ele fingiu que não ouviu. “Drew?” Me ignorou de novo.

Comecei a ficar irritado com aquilo, afinal, eu não tinha feito nada com ele. Ah, mas ele vai me responder e vai ser agora...

“Andrew Jullius Rock, se você continuar me ignorando eu vou contar pra mãe que você pegou gripe porque saiu com aquela garota da rua de trás na semana retrasada.”

Finalmente ele me olhou, com os olhos arregalados de surpresa pela chantagem. Depois revirou os olhos, se rendendo.

“Argh. O que você quer?”

“Porque tá emburrado comigo?” Ele demorou a falar, mas eu sabia que teria uma resposta daquela vez.

“Você roubou meu sonho.” WHAATT??

“O quê? Eu roubei seu sonho? Que história é essa?” Ele suspirou alto, fechando o HQ e se sentando.

“Sempre quis ser DJ por uma noite e agora é você quem vai ser...” Sentei ao seu lado na cama.

“Mas você ainda pode ser. É dois anos mais novo que eu e-” Ele me interrompeu, impaciente.

“Qual é a graça de ter um sonho que seu irmão mais velho já realizou?” Fixei o chão, entendendo onde ele queria chegar. Realmente não tinha graça nenhuma.

Embora não fosse minha culpa eu me senti um pouco mal por ele, como irmão mais velho. Queria poder fazer alguma coisa... Mas logo ele cortou minha linha de pensamento.

“Lembra quando eu disse que sempre quis fazer o que você faz?” Assenti. “Não era mentira. Eu sei que não é culpa sua; você só aceitou o convite, então... só... deixa pra lá...”

Eu nunca fui muito bom em consolar pessoas, então só pude fica parado, observando ele deitar de costas para mim e dormir. Ainda me sentindo mal, mas sem ter o que fazer sobre, fui para minha cama dormir.

Amanheci com uma pequena ideia no fundo da mente. A chance era pouca, mas decidi arriscar. Encontrei meu alvo bem cedo, cantarolando na cozinha enquanto preparava café com torradas e geléia.

“Bom dia, mãe.” Ela me olhou e sorriu.

“Bom dia, meu DJ.” É agora...

“Mãe, posso pedir um favor?”

“Claro.” O sorriso continuava lá. Respirei fundo e segurei na mão de Deus.

“O Drew pode ir na festa comigo e com a Lizzy?” E o sorriso desapareceu.

“Tá louco, garoto? O Drew é uma criança!”

“Mãe, o Drew tem 14 anos, e além do mais ele não ia sozinho, ia comigo e a Lizzy.”

“Não! Ele é novo demais pra chegar em casa de madrugada. Eu deixei você ir porque... porque...” Porque eu vou ganhar dinheiro... “... porque eu deixei, mas ele não vai!” Respirei e tentei ser diplomático.

“Eu cuido do Drew e da Tonya muito bem e há muito tempo. É o sonho dele ser DJ por uma noite. Eu posso tomar conta dele.” Ela me deu aquele olhar mortal de alguém sem argumentos convincentes, mas que não ia dar o braço a torcer. Minha insistência tinha acabado com a paciência dela.

“Chega, Chris! Já disse que não! E se continuar insistindo, quem não vai mais é você!” Suspirei, reconhecendo minha derrota.

Minha mãe era a pessoa mais teimosa que eu já tinha conhecido na vida. A Tonya e a Lizzy eram fichinha perto dela. Quando metia uma coisa na cabeça, estando certa ou errada ela ia até o fim.

Meio chateado, tomei café e subi para pegar minha mochila e ir para a aula. Para minha surpresa, encontrei o Drew me esperando com minha mochila na mão. Entrei no quarto com minha melhor cara de interrogação e peguei a mochila quando ele me ofereceu.

“Valeu por tentar, cara. Valeu mesmo.”

“Como...?”

“A voz da mamãe atravessa paredes...” Dei um sorriso fraco de concordância.

“De nada, mas... você sabe como ela é...”

“Sei. Valeu a tentativa...” Ele me deu um sorriso triste e eu retribuí.

POV. LIZZY

Eu não fazia a mínima ideia do que tinha acontecido depois que a gente se despediu no dia anterior, mas o Chris não tava com a melhor cara do mundo quando a gente se viu pela manhã. Seu silêncio me revelou que era algo sério, mas não horrível. Algum problema que mantinha a cabeça dele muito ocupada; algo que não podia ser deixado de lado ou ignorado. Conhecendo-o bem, mantive o silêncio. Ele precisava pensar e eu não ia atrapalhar. Sem meus headphones e sem poder falar com ele, fiquei reduzida a olhar pela janela e tentar adivinhar o que o incomodava durante todo o percurso.

Não pode ser que a mãe dele não tenha deixado ele ir na festa ou ele estaria reclamando e não calado desse jeito. Também não pode ser um problema excessivamente sério ou ele também teria me contado logo. Ele não é do tipo que esconde coisas sérias como eu, pensei, rindo amargamente por dentro. O episódio de duas semanas atrás invadiu minha mente e o medo voltou a me atormentar. Rapidamente sacudi a cabeça, tentando me livrar das lembranças. O rosto daquele homem ainda assombrava meus sonhos e havia noites que eu não dormia. Chris era a única pessoa para quem eu contava meus reais medos. Ele me ajudava da forma que ninguém mais conseguia. Seu apoio e palavras de consolo me ajudaram a não pirar de medo. Eu havia me apoiado no sentimento que tinha por ele; deixando que ele crescesse imprudentemente, sem me importar se ele sentia o mesmo. Eu sabia que podia me machucar muito com isso, mas no momento eu não me importava.

Divagando, não percebi que ele tinha começado a me observar e me viu suspirar tristemente. Logo tomou minha mão na sua e eu o olhei, sem entender.

“Lizzy, você tá bem? Não tá pensando naquilo, não é?”

“Sim e não. Tava pensando em como você me ajudou.” Ele pôs uma das mãos no meu rosto, guiou minha cabeça até seu ombro e recostou a cabeça na minha. Me deixei ficar lá, naquele calor.

“Você vai ficar bem de novo.” Assenti sem falar nada.

“E você? Tá tão calado... Aconteceu alguma coisa?” Ele fez uma leve careta.

“É só uma coisa que tá me incomodando. Vou precisar da opinião do Greg e da sua.” Voltei a assentir e ficamos em silêncio até a escola.

Lá, nos reunimos na cantina e ele contou a mim e ao Greg o drama Drew.

“E foi isso. Eu não sei o que fazer... Ele não tá legal.” Resolvi perguntar logo o que eu queria.

“Você não tá se sentindo culpado, né? Ele mesmo admitiu que não é culpa sua.”

“Culpa não, mas eu me sinto um pouco mal. Eu devia fazer alguma coisa como irmão mais velho, não devia?”

“Não exatamente, cara. Você fez o que podia. Ele ouviu e sabe que você tentou. Você não pode se sentir mal toda vez que sua mãe não deixar ele fazer alguma coisa.”

“O Greg tem razão, Chris.” Ele soltou um suspiro frustrado e levantou da mesa.

“Eu sei que vocês tem os argumentos mais válidos do mundo, mas eu não consigo não sentir nada com isso. Na minha cabeça eu tenho que fazer alguma coisa.”

Eu e o Greg nos olhamos, sem saber mais o que falar.

“Se é assim que você se sente, cara, vai em frente. Tem que fazer o que acha que é certo.”

“Eu sei... e já tenho uma ideia do que posso fazer. Mas me falta a coragem.” De repente tive uma ideia.

“Ok, faz assim. Hoje é terça e a festa só é no sábado. Usa esses dias pra observar ele e ver como ele age. Se for realmente um sonho, ele vai ficar triste e cabisbaixo o tempo todo, já que um sonho é uma coisa que não se consegue parar de pensar quando se perde. Se ele ficar normal e acabar deixando realmente pra lá, a gente vai saber que era só uma vontade.” Pelo olhar dele percebi que tinha gostado da ideia.

“Ok. Se for só vontade eu dou um jeito de esquecer e deixar pra lá, mas se for sonho mesmo, eu vou fazer o que eu quiser.” Assentimos, dando nossa aprovação.

POV. CHRIS

Seguindo os conselhos dos dois, usei os dias seguintes para observar o Drew. Diferente do seu comportamento normal, ele ficou muito quieto e calado. Até aí eu não dei muito crédito porque eu o conhecia e ele podia estar jogando charme para a mãe, tentando fazer ela mudar de ideia. Mas então notei que até a Tonya estava deixando ele em paz. Então o assunto é sério...

Ele começou a passar a maior parte do tempo no quarto, sozinho, lendo HQ. Só falava quando falavam com ele e apenas o estritamente necessário. As zoações que normalmente saiam da boca dele não existiam mais e eu percebi o quanto aquilo fazia falta. Quando ligava a TV era só para passar o tempo pois ele não assistia de verdade. Não saiu um dia sequer para falar com os garotos da rua ou para qualquer outra coisa que não fosse ir para a escola.

Percebi que a mãe se sentiu um pouco culpada e tentou recompensar ele com mimos e bobagens, mas não funcionou nem por um segundo. Ele não ligava, não se interessava e mais parecia um robô do que o meu irmão. Logo todo mundo percebeu que tudo o que ele queria era ficar sozinho, sem ninguém falando nem perguntando nada; então todos deram a privacidade que ele queria.

O problema era que o silêncio dele afetava a casa toda. Não era a mesma coisa. O silêncio incomodava porque todos estavam acostumados a ouvir o barulho e as brigas dele com a Tonya ou a música que sempre havia quando ele estava em casa. Acredito que cada um sentiu a falta que ele ser ele fazia no ambiente da casa, mas a principal responsável pelo humor triste do Drew não demonstrava a mínima intenção de mudar de ideia.

E aquilo me irritou. Me irritou infinitamente. Sabe aquele defeito insuportável que todo mundo tem? O da minha mãe era aquela maldita teimosia. Eu sabia que esse era o maior problema dela, mas nunca imaginei que isso fosse cegar ela ao ponto de ela não ver que o filho preferido dela tava realmente triste. Sempre pensei que ela fazia tudo pelo Drew, e essa ideia me deixou ficar quieto e observar os dias seguintes com a certeza de que ela ia acabar mudando de ideia para fazer os gostos dele... Só que não...

Quando a sexta-feira chegou eu não aguentava mais ver ele daquele jeito; estava quase me deixando doente. Antes de sair para trabalhar, passei pela sala e ele estava lá, deitado no sofá olhando para o teto. Parei no portal da sala e fiquei observando a cena.

Eu sabia que ele não era acostumado a perder praticamente nada e quase tudo para ele vinha fácil, ao contrário de mim. Eu já tinha perdido muitos sonhos e coisas que eu queria fazer na vida apesar da pouca idade, mas isso não significava que eu queria que ele passasse pelo mesmo, se eu pudesse evitar. Aquela sensação de que você não é bom o suficiente pra realizar seu sonho eu não desejo pra ninguém...

Sendo assim, criei coragem e tomei minha decisão.

“Drew?” Fiquei surpreso quando ele se sentou para me olhar; ultimamente ele só respondia com resmungos a todo mundo.

“Fala, cara. Já vai trabalhar?” A pergunta foi feita sem o menor interesse – apenas para ocupar espaço – e eu quase ri, mas falei sério.

“Quero você me esperando na calçada às 23:30h no sábado. Não aceito não como resposta.” À princípio acho que ele não entendeu, mas quando a compreensão chegou ele levantou do sofá, me olhando espantado.

“A mãe mudou de ideia?” Neguei com um gesto e ele franziu o cenho. “Então porque?...” Revirei os olhos e cruzei os braços, sorrindo de leve.

“Porque não quero ser irmão de um zombie.” Ele deu o primeiro sorriso verdadeiro que eu via em dias e se jogou em cima de mim, me abraçando.

Primeiro, fiquei paralisado: não conseguia me lembrar a última vez que ele tinha me abraçado. Meses? Anos? Realmente não conseguia me lembrar. Acabei retribuindo o abraço. Quando ele me soltou, fiz uma cara fingida de bravo e apontei o dedo na cara dele.

“Agora vê se consegue esconder esse sorriso idiota até amanhã à noite porque se a mãe descobrir, nós dois estamos mortos. E eu vou voltar como zombie pra invadir tua cova e te atormentar porque a culpa vai ser sua.” Ele assentiu e voltou a fazer uma cara de triste, se deitando no sofá, no exato momento que a Tonya entrava na sala pela porta lateral.

“Chris, pode me fazer um favor?” Estreitei os olhos, desconfiado. Aí vem bomba...

“Tá. Fala.” Ela fez a maior cara de pau... Melhor que a minha até...

“Pode me levar a um show de mágica que vai ter na loja de brinquedos amanhã à tarde?” O QUÊ???

“Peraí. Como essa conversa chegou em mim?” Embora nem se mexesse eu sabia que o Drew tava prestando atenção em tudo e se segurando para não rir.

“Eu pedi pro papai, mas ele disse que ia trabalhar e a mamãe não pode ir.” Trabalhar no sábado? Mas ele disse que...

“Ele ainda tá em casa?”

“Tá lá em cima.” Eu descubro já que história é essa...

Subi com a Tonya nos meus calcanhares e encontrei o pai calçando as botas no quarto.

“Pai?” Ele ergueu a cabeça para me olhar. “Porque eu tenho que levar a Tonya no show de mágica?” Ele deu de ombros.

“Porque você não vai fazer nada no sábado à tarde.” Ah vá!

“Vou sim. Eu vou--”

“Que confusão é essa?” Virei para ver a mãe entrar no quarto. Ótimo! Minha salvação, quer ver...?

“A Tonya tá me pedindo pra levar ela num show de mágica no sábado à tarde porque o papai disse que não pode ir porque vai trabalhar.”

“E porque você não pode ir?”

“Porque eu vou passar a tarde com a Lizzy e o Jerome ajeitando os equipamentos pra festa à noite. Eu não posso levar ela, não.” Meu argumento era válido, então ela se virou pro meu pai.

“Você não disse que ia ficar de folga, Jullius? Surgiu outro emprego, de repente?” A ironia e o olhar desconfiado não deixavam espaço pro meu pai mentir.

Sabendo onde aquela conversa ia dar, fui saindo de fininho porque já estava atrasado para o trabalho.

No sábado à tarde saí para me encontrar com a Lizzy na calçada pouco depois do pai sair com a Tonya para a loja de brinquedos. Não sabia se tinha sido coisa da minha cabeça mas ele tava com uma cara... Parecia que ia pra morte e não para um show de mágica.

Indo com a Lizzy pro local da festa, acabei contando da minha decisão sobre o Drew e ela ficou meio apreensiva sobre a mãe descobrir, mas eu falei que estava disposto a arriscar. Sem arrependimentos... Ela findou concordando e paramos a conversa quando chegamos no local da festa.

Depois que terminei de ajeitar os equipamentos da festa com a Lizzy e o Jerome, a gente voltou para casa e combinamos de nos encontrar na calçada às 22:30h. Eu iria para a casa dela esperar até 23:30h quando o Drew ia aparecer. Se ele não aparecesse até 23:40h a gente ia sem ele. Esse era o acordo.

Embora eu relutasse, a Lizzy me convenceu – leia-se: me forçou – a deixar ela escolher minha roupa da festa. Meus argumentos eram: “Lizzy, eu tenho 16 anos. Eu posso muito bem me vestir sozinho.” Os dela eram: “Você vai praticamente ser a estrela da festa e eu não vou deixar você ir com qualquer roupa.” Conclusão: ela ganhou. Até agora eu estou tentando entender como. Ela passou horas fuçando meu guardaroupas até que encontrou alguma coisa que a deixou satisfeita e “Ai de você se pegar outra.”. Sim senhora, madame...

Umas 22h fui tomar banho e vestir a “roupa perfeita”. Dei um olhar de advertência no Drew e escutei o típico discurso “toma-cuidado” da mãe. Sorte minha que esse foi mais rápido que os anteriores ou eu teria chegado atrasado na festa. Pouco depois eu estava batendo na porta da Lizzy, mas para minha surpresa quem veio atender foi o sr. Jackson.

“Entra, Chris. Tudo bem?” Entrei e acompanhei ele, subindo as escadas.

“Tudo, sr. Jackson. A Lizzy já tá pronta?” Ele balançou a cabeça com uma cara preocupada.

“Não faço a mínima ideia. Ela se trancou no quarto às sete da noite e até agora... nada.” Estranhei. Ela nunca demora pra se arrumar. Chegamos no pé do segundo lance de escadas.

“Posso subir?”

“Claro.” Mas antes que eu pusesse um pé na escada, ele segurou meu ombro e eu me virei para encará-lo. “Ah... Chris, será que eu posso pedir um favor?”

“Claro, sr. Jackson.”

“Toma conta dela hoje à noite. Ela não costuma demorar tanto assim pra se arrumar e somando isso a outros indícios... Tenho a impressão de que ela está se arrumando pra alguém... se é que você me entende...” Ergui uma sobrancelha ao entender o que ele queria dizer e o que ele estava me pedindo.

“Ah... entendi. Ela não me falou nada se tinha um encontro com alguém na festa, mas... eu vou cuidar dela.” Ele sorriu, apertando meu ombro de leve.

“Obrigado, filho.” E, dando as costas, foi para a sala.

Subi o lance de escadas restante sem saber o que fazer daquilo. O pai da Lizzy tinha me pedido para praticamente espionar se ela tinha um namorado escondido. Que era estranho, era. Mas o que mais me incomodou não foi a parte do espionar, mas sim a do namorado. Eu sabia que ela nem olhava pro Jerome, mas será que tinha outro cara? Será que ela gostava de alguém e não tinha me contado?

Me senti um pouco traído e deduzi que fosse porque ela sempre me contava tudo e talvez estivesse me escondendo isso. Desde o episódio das ameaças eu tinha colocado na cabeça que ia proteger ela de qualquer jeito e de qualquer um. Senti raiva seja de quem for que ela gostasse. Eu sabia que era meio irracional, mas mandei a razão pra China. Ela é minha. Marmanjo nenhum vai chegar perto dela...

Sacudi a cabeça, tentando tirar esses pensamentos de lá quando alcancei o quarto dela. Bati na porta e esperei que ela abrisse. Eu não sabia o que me aguardava...

A porta se abriu e eu senti meu queixo chegar no chão. Como ela podia chamar a minha roupa de perfeita vestindo aquilo? Eu raramente via a Lizzy de vestido e sempre me surpreendia quando ela vestia um. Aquele era azul escuro, justo até a cintura e solto até os joelhos. Um decote em V destacava a parte de cima e as mangas iam até os cotovelos. O cabelo estava preso em uma trança que ia até a metade das costas com a franja caída pro lado direito. Um par de botas de cano médio completava a perfeição. E o sorriso que eu adorava se abriu quando ela me viu.

“Chris? Oi? Tá me ouvindo?” Sacudi a cabeça, me libertando do transe e percebi que ela tinha falado comigo.

“Ah... Desculpa, eu... tava pensando em... Ah... Não importa.” Ela revirou os olhos, rindo.

“Perguntei se a gente pode ir esperar o Drew na calçada.”

“Tudo bem.” Ela fechou a porta do quarto e descemos.

Não demorou muito e o Drew chegou. Segundo ele, a mãe tinha ido dormir mais cedo e ele pôde descer logo. Não discuti e logo fomos.

Chegamos lá e a Lizzy logo ocupou o lugar que eu sabia que ela ficaria: quase escondida atrás de mim. O Drew ficou do meu lado, olhando o que eu fazia. Era estranho, mas... legal.

Durante a festa eu notei que a Lizzy, apesar de escondida, atraía mais olhares do que eu gostaria. E aquilo já estava me irritando. O Jerome chegou várias vezes tentando tirar ela pra dançar, mas ela sempre recusava sem a menor cerimônia. Afastei vários outros caras que tentavam chegar nela. Acho que minha cara amarrada deixou bem claro minhas intenções assassinas. O Drew ainda dançou umas três músicas com uma das garotas da festa e tive a impressão de que ele saiu de lá com mais telefones que uma lista telefônica.

Lá pro final da festa, eu só tinha mais duas músicas na manga: uma agitada e outra lenta. Meu olhar vagou até a Lizzy, que na hora tava conversando com o Drew a uns quatro passos de mim. Eu quero dançar uma com ela, mas como eu... E a ideia fluiu...

“Drew!” Eles me olharam e eu acenei, chamando os dois.

“Que foi, cara?”

“As últimas duas são suas.” Ele me olhou com uma cara cômica, mas eu só sorri.

Em um minuto ele tava na minha frente, no outro eu já estava sem os fones e ele estava na mesa. Rápido... Deixei ele se divertir e fui me encostar na parede junto com a Lizzy.

“Fez a escolha certa.” Olhei pra ela.

“Acha mesmo?” Ela assentiu.

“Não me lembro de ter visto ele tão feliz como hoje.” Sorri.

“Nem eu.”

Nos olhamos pelo que pareceu uma eternidade pra mim e eu acabei dizendo o que estava na minha cabeça desde que a tinha visto naquela noite.

“Você tá linda. Desculpe não ter dito mais cedo.” Ela sorriu, desviando os olhos dos meus, e eu vi suas bochechas ficarem vermelhas. Eu adorava fazer isso com ela.

Naquele momento a música lenta que eu tinha guardado pro final começou. Não resisti a tentação.

“Dança comigo?” Ela me olhou, surpresa, mas aceitou a mão que eu tinha oferecido.

Eu me lembrava exatamente como tinha sido minha primeira dança com ela. No Halloween a três anos atrás. Muita coisa tinha mudado, mas a felicidade era a mesma. Parecia uma coisa idiota: ficar feliz por uma dança, mas eu gostava que tudo fosse diferente com ela. A gente era assim: diferente. Eu sabia que podia ter levado a Tasha para aquela festa, mas a felicidade de dançar com ela não seria a mesma que eu estava sentindo.

Logo a Lizzy recostou a cabeça no meu ombro e eu sorri contra o cabelo dela. Baixinha... Prefiro assim... E respirei fundo, sentindo seu cheiro.

Na volta pra casa eu tinha certeza que o Drew ia acordar o bairro inteiro se ele falasse um pouquinho mais alto.

“Fala baixo ou a mãe vai escutar a gente daqui.” Ele se acalmou um pouco, mas a cara de feliz idiota continuava lá.

Pelo canto do olho vi a minha mão segurando a da Lizzy e deduzi que a minha cara devia estar tão idiota quanto a do Drew. Ignorei por enquanto. Isso é assunto pra outra hora...

Deixamos a Lizzy na porta de casa - eu ganhei um beijo no rosto – e entramos na nossa. O silêncio dizia que tava todo mundo dormindo, mas ainda assim fomos devagar. No segundo lance de escadas escutamos um barulho na cozinha e passos. Olhei pro Drew e ele entendeu: É a mãe. Corre! Ele subiu correndo e eu fui devagar para parecer natural.

Quando cheguei no quarto o Drew já tava deitado e eu fui trocar de roupa. A mãe apareceu na porta, mostrando que nossa dedução estava certa.

“Como foi a festa?”

“Legal.” Ela olhou pro Drew e suspirou.

“Ele nem comeu nada, acredita?” Assenti, mordendo a língua pra não rir. A cara de culpa dela era algo inédito.

“Ele vai ficar legal, mãe.” Ela assentiu e “voltou ao normal”.

“Agora vai dormir que amanhã vou te acordar cedo.” Arregalei os olhos.

“Pra quê?”

“Vai na lavanderia pra mim.” O QUÊ???? E virou as costas, indo dormir.

Resmunguei algo como no final eu sempre me ferro” e me deitei. Escutei o Drew rir baixo na outra cama e amarrei a cara pra ele, apagando a luz do abajur.

“Fica quieto que você vai pra lavanderia amanhã também.”

“Ah, qual é, cara?”

“Nem adianta reclamar. Vai me recompensar por hoje.” Ele bufou e ficou calado por uns instantes, mas logo remedou, imitando a minha voz.

Você tá linda.” Arregalei os olhos. Ele escutou? Senti o sangue esquentar meu rosto e dei graças a Deus por ser negro e a luz estar apagada.

“Cala a boca, imbecil.” Ele riu e virou pro outro lado.

Me virei pra parede com a cara emburrada e resmungando, “babaca”. Mas uma voz dentro da minha cabeça concordou: Ela tava linda mesmo.

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Notas finais do capítulo

Espero que não tenham se cansado do capitulo enorme...
Reviews??? #ansiosa



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