Nem Todo Mundo Odeia O Chris - 2ª Temporada escrita por LivyBennet


Capítulo 18
Todo Mundo Odeia Beisebol


Notas iniciais do capítulo

Demorei, mas não demorei um século...
Enjoy... ^^



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POV. CHRIS (Brooklyn – 1985)

Desde que eu me entendia por gente meu pai tinha mais empregos que cabelos na cabeça. Eu já tinha me acostumado com a situação e até achava estranho quando ouvia alguém dizer que só tinha um emprego. Minha mãe achava ótimo porque folgava a responsabilidade dela. E convenhamos que todo mundo sabia que ela vivia se gabando a Deus e ao mundo por isso. Acho que depois do meu nome, a coisa que mais saia da boca da minha mãe era: 'Eu não preciso disso, sabia? Meu marido tem dois empregos!' Ela assumir que se gabava já era uma história totalmente diferente.

A parte ruim disso tudo era qu ele estava sempre tão ocupado que quase nunca tinha tempo para a gente. Eu, com meus 16 anos, entendia que era um sacrifício necessário e ajudava a mãe sempre que ela precisava. Como meu velho costumava dizer: eu era o 'homem da casa' quando ele não estava. Mas o Drew e a Tonya ainda não tinham essa maturidade e, às vezes, faziam birra. Quando isso acontecia, eu interferia antes que a mãe os matasse e tentava enfiar juízo na cabeça deles do meu jeito. Eles acabavam entendendo e a gente encontrava uma alternativa para o problema.

É claro que eu também sentia falta do meu velho; eu só era mais compreensivo que os meus irmãos. Eu já tinha deixado de fazer muita coisa com o meu pai porque ele não tinha tempo. De vez em quando eu arriscava tentar fazer alguma coisa com ele, mas nunca dava certo. Um imprevisto, um chamado de última hora no trabalho... Sempre algo não encaixava.

Àquela altura o sr. Jackson já era amigo do meu pai há quase dois anos. Ele sempre andava lá em casa e às vezes até ficava para o janntar nos fins de semana. Eu adorava esses dias porque ele levava a Lizzy. Como o pai dela ocupava os meus pais e o Drew e a Tonya iam fazer o que queriam, a gente aproveitava pra conversar nas escadas, com um pouco de privacidade. Ou quase isso. Já tinha pego os dois sacanas (Drew e Tonya) nos espionando várias vezes. Antes que eu os exterminasse, a Lizzy me convenceu do contrário argumentando que aquilo ia me deixar em cana por um bom tempo. Concoredei e me acalmei, mas confesso que depois até eu comecei a ficar curioso com o motivo. Sério, a gente tava só conversando. O que mais eles achavam que ia acontecer? Eu, hein...

Em um desses jantares de final de semana, o sr. Jackson trouxe uma ótima notícia. O que eu não sabia era que ia me dar uma bela dor de cabeça...

“Vai assistir o Mets vs. Dodgers no sábado, Jullius?”

“Vou, mas pela TV. Queria ir ao estádio, já que é a final do campeonato, mas os ingressos esgotaram há semanas.”

O sr. Jackson ficou com aquela cara que a Lizzy normalmente ficava quando tinha uma coisa muito boa para contar.

“Ah, que pena. Mas o interessante disso tudo é que eu ganhei cinco ingressos nos melhores lugares para o jogo e não tenho ninguém para levar.” A cara do meu pai foi hilária.

“Tá brincando, né?” O sr. Jackson negou com a cabeça.

Olhei pra Lizzy buscando a confirmação e ela sorriu, assentindo. O Drew olhava de um lado pro outro, esperando para ver o final daquilo.

“Não se preocupe porque esses ingressos não passaram nem perto do Perigo.”

Meu pai riu e olhou pra mim e pro Drew.

“Querem ir?”

Minha mãe rolou os olhos, só observando.

“Tá perguntando se macaco quer banana, Jullius?”

“Na hora!” Respondemos juntos.

Bati minha mão na do Drew em comemoração e apertei de leve a da Lizzy por debaixo da mesa.

Depois disso o jantar propriamente dito acabou e, como o Drew e a Tonya se sentaram para assistir TV enquanto os nossos pais conversavam sobre beisebol, eu vi a oportunidade perfeita de ficar sozinho com a Lizzy me voluntariando para lavar a louça. Drew e Tonya não iriam espionar com medo de eu mandar eles ajudarem.

“Ansioso pelo jogo?” Sorri enquanto passava um prato para ela enxugar.

“Claro que eu to. É o jogo do século! Mets e Dodgers estão no seu auge, ou seja, vai ser muito irado!” Ela me encarou, pasma com meu excesso de empolgação.

“Pensei que seu vício era só basquete, mas to vendo que se estende pra beisebol também.”

“Coisas de homem. Aposto que sei pai tá igual a mim.” Ela rolou os olhos e abriu o armário para guardar uma panela.

“Pior. Não fala em mais nada que não seja isso tem dias.” Ri levemente.

“Vou me juntar com ele e criar a AOB: Associação dos Obsecados por Beisebol.” Senti o pano de prato atingir a parte de trás da minha cabeça, seguido por uma risada e um múrmurio de 'idiota'.

Ficou acertado entre todos que quem iria ao jogo seriam o sr. Jackson, meu pai, Drew, eu e a Lizzy. Por mais que fosse um programa masculino ela quis ir e ninguém questionou. Minha mãe até tentou convencer ela a aceitar o 'irresistível' convite pra participar de uma reunião com as amigas dela, mas a Lizzy não mudou de ideia. Então, aparentemente, tava tudo na paz e eu ia ter o melhor final de semana em anos... Aparentemente...

Minha dor de cabeça começou dois dias depois, lá no Doc's. Estávamos no final do mês e isso era sinônimo de 'Doc tem contas pra pagar'. Como o Malvo continuava preso e ninguém tinha perturbado mais a gente, agora o Doc ficava seguro em me deixar sozinho na loja quando precisava sair. E era sozinho que eu estava quando aconteceu. O perfume floral me alcançou antes mesmo que ela passasse pela porta.

“Oi, Chris.”

Como sempre acontecia quando ela estava perto, minha boca ficava seca e eu começava a gaguejar.

“O-oi, Tasha.” Cumprimentei e ela passou, indo a uma das prateleiras.

Um minuto depois ela voltou com algumas latas e duas caixas de leite. Vendo ela de perto percebi que seus olhos estavam um pouco vermelhos, como se ela tivesse chorado. Fiquei preocupado e, embora não fosse da minha conta, eu resolvi pergutar.

“Você tá bem, Tasha?” Ela me encarou sem expressão, mas de repente sorriu.

“Claro. Tô ótima.”

A mudança repentina de expressão me assustou um pouco, mas eu não comentei. Ela pagou, mas ficou me encarando ao invés de sair. Meu corpo se retraiu um pouco pela surpresa de sentir a mão dela sobre a minha.

“Pode me ajudar com as sacolas, Chris?” Ah, esse sorriso...

Eu sabia que não devia – eu tava sozinho na loja – e se o Doc descobrisse ele ia me matar. Acho que demorei demais pra responder porque ela apertou levemente a minha mão.

“Por favor, Chris?” Droga! O Doc vai me matar...

Num piscar de olhos eu tinha trancado a loja e começava a subir a rua com as sacolas na mão e uma Tasha sorridente do meu lado. Olhei pra ela pelo canto do olho, achando aquilo tudo muito estranho. Eu tenho certeza que ela tava chorando e agora tá sorrindo só porque eu concordei em trazer as sacolas pra ela? Esquisito...

“Chris,” olhei direto pra ela, guardando meus pensamentos no fundo da mente, “você vai fazer alguma coisa sábado à tarde?”

Sacudi levemente minha cabeça na tentativa de pensar claramente, o que era bem difícil com ela me olhando daquele jeito.

“Não tenho nada. Por quê?” O sorriso dela aumentou.

“Quer ir ao cinema ver 'De volta pro futuro' comigo?”

Primeiro minha mente ficou branca e eu não consegui processar o que tinha escutado. Eu... cinema... Tasha... O quê?... Espera! Ela tá me convidando pra sair com ela? Pisquei duas vezes e voltei à realidade.

“Ir... ao cinema... com você?” Ela deu uma risadinha.

“Claro, bobo. A Ivette e a Honda também vão.” Mordi a parte de dentro da bochecha, um pouco contrariado.

Não tinha gostado do tom que ela usou pra me chamar de bobo; só a Lizzy me chamava assim. E as amigas dela indo indicava que a gente não ia sozinho, mas ainda assim era uma chance de sair com a Tasha! Talvez não tivesse uma segunda vez...

“Ok, eu vou.” Ela sorriu, subindo a calçada de casa.

“Perfeito. Passa aqui em casa às 15h e a gente vai junto encontrar as meninas no cinema.” Assenti e ela pegou as sacolas da minha mão sem esforço nenhum. “Obrigada pela ajuda, Chris.” Me deu um beijo no rosto e entrou. Tive a impressão de que o agradecimento não era pelas sacolas, mas deixei pra lá.

Fiquei parado na escada por algunas instantes, sem conseguir acreditar no que tinha acontecido. A parte do meu cérebro que ainda funcionava me cutucou, avisando que eu teria tempo o suficiente pra pensar naquilo depois que voltasse pro Doc's. Corri até lá no piloto automático. Santa sorte fez o Doc chegar dez minutos depois de mim. Se bem que nem é minha primeira sorte do dia...

Não tive coragem de contar o acontecido pra Lizzy pelo buraco da parede. Por quê? Porque ela não ia mais conseguir dormir em paz, e no dia seguinte a gente tinha aula. Sempre que eu arrajava um encontro ela ficava assim, e eu sabia porque era: preocupação. Como na vez do meu primeiro encontro, ela ficava com medo de eu levar um pé e ficar triste. E eu já tinha descoberto há muito tempo que ela odiava me ver triste, assim como eu odiava vê-la chorar.

Então eu engoli minha felicidade por algumas horas e esperei até a manhã seguinte.

De cara ela notou meu humor e perguntou o porquê da felicidade. Obviamente eu contei tudo e, como eu já sabia, lá estava o cenho franzido e a expressão de preocupação que eu conhecia tão bem.

POV. LIZZY

Ele só pode estar brincando comigo... Mas eu sabia que não estava. O sorriso de felicidade sincera me dizia que aquilo era sério. Eu não acredito que ele... No entanto, eu precisava ter certeza.

“No sábado?” Ele assentiu. “Nesse sábado?” A confirmação veio e eu não me aguentei mais.

“Você ficou maluco? Esqueceu do jogo?” Não acredito que ele seja capaz de decepcionar o próprio pai só pra sair com a Tasha..

Eu o conhecia muito bem e soube na hora que ele tinha esquecido quando ele conseguiu até mesmo ficar pálido. Dois ou três xingamentos sairam de sua boca e ele passou as mãos pelo rosto. Me mantive calada, esperando sua reação. O ônibus passou por mais doze quadras antes que ele falasse.

“Desculpa, eu esqueci. Eu fiquei tão... feliz... que não lembrei de mais nada.”

Senti um aperto no peito. Doeu descobrir que ela tinha esse poder sobre ele; o mesmo poder que ele tinha sobre mim. Mas me forcei a ficar no presente ao invés de me perder nos pensamentos tristes do meu amor não correspondido. Afinal, ele me devia uma explicação.

“Vai fazer o quê agora?”

“Não sei. Eu... não posso desmarcar com ela... e... eu espero por isso há tanto tempo...” Mordi minha língua e olhei pro teto do ônibus pra me impedir de chorar. Calma. Não é a hora e nem o lugar...

“Então acho que sua decisão está bem clara.” Ele me encarou e eu não soube dizer o que ele estava pensando. Talvez um modo novo de me pedir desculpas; eu não me importei. “Mas vai ter que contar pro seu pai.”

Seus olhos se arregalaram e eu ouvi um 'droga' murmurado. Ele me olhou e disse com aquela voz rouca que eu adorava.

“Lizzy-” Mas eu não deixei que continuasse. Sabia muito bem o que ele ia pedir. Olhei pra frente para não encarar seus olhos.

“Não. Sua escolha, sua responsabilidade. To fora.” Ele suspirou.

“Tem razão.”

Queria ter a coragem de dizer que fiquei de cabeça erguida e consegui sorrir depois do que ele tinha me contado. Que fui capaz de ignorar o aperto no meu peito e sorrir pra ele, mesmo sabendo que ele não sentia nada por mim que não fosse amizade ou pior, amor de irmão. Mas não. Eu não consegui. Eu ainda era fraca.

Fiquei quieta e pensativa a maior parte da manhã. Escutei ele contar tudo pro Greg e ouvi ele lhe dar os parabéns. Eles falaram no assunto por metade do intervalo, minha cabeça latejava tanto que parecia que ia explodir. Não aguentando mais me levantei e fui pro banheiro, sem ao menos olhar pra eles.

Já trancada em um do boxes, me encostei na parede e deixei algumas lágrimas rolarem. Eu sabia que era inútil, que chorar não adiantava nada, mas mesmo assim chorei. Talvez lavasse minha alma como os outros diziam. A verdade? Só piora. Porque você percebe que nada vai mudar, não importa quantas lágrimas você derrame.

Ele vai continuar gostando dela e não de mim... Como eu sou estúpida! Como se uma dança pudesse mudar alguma coisa... Como se me salvar fosse um ato de amor... Ele só quis me proteger, só isso... E eu achando que finalmente tinha conseguido chamar a atenção dele... Idiota! Ele é apaixonado por ela! Mesmo que eu saiba que ela só está usando ele pra fazer ciúmes no Robert porque viu ele com outra... Ele não ia acreditar se eu contasse... Mas dói... Dói tanto...

Me deixei escorregar pela parede do box do banheiro até sentar no chão, chorando ainda mais. Não sei quantos minutos fiquei lá, mas voltei a mim quando ouvi o toque do fim do intervalo. Eu precisava me acalmar e enfrentar aquilo de cabeça erguida. Não ia me fazer de miserável por ninguém. Nem mesmo pelo Chris.

Levantei e enxuguei as lágrimas, respirando bem fundo. Eu tenho o controle das minhas emoções. Eu tenho o controle das minhas emoções. Repeti esse mantra umas quatro vezes e consegui me acalmar. Lavei o rosto e pude perceber meus olhos um pouco vermelhos. Passei uma maquiagem rápida pra disfarçar e voltei pra sala. O professor já estava lá, mas me dispensou da advertência. Agradeci e me sentei. Assim que fiz isso, o Chris me passou um papel.

'Onde você tava? Fiquei preocupado.' Lutei contra a ânsia de chorar novamente. Peguei uma caneta e respondi.

'No banheiro. Me senti um pouco mal, mas já estou bem.' O papel voltou rápido.

'Tem certeza? Não quer ir na enfermaria?'

'Não. O mal estar já passou.'

'Ok. Mas se sentir de novo me diz, tá bom?'

'Tá.' Depois disso, tentei me concentrar na aula.

POV. CHRIS

Sabe quando algo muito bom acontece com você, mas mesmo assim você sente que não tá tão feliz quanto deveria estar? Era exatamente como eu estava me sentindo. Claro que eu tava feliz por ter um encontro com a Tasha, mas minha felicidade foi drásticamente reduzida por duas coisas.

Primeira: tive que contar pro meu pai que não ia ao jogo de beisebol porque ia ao cinema com a Tasha. Ele ficou triste, muito triste. E pra piorar ainda tive que aguentar o Drew enchendo o meu ouvido, dizendo que o pai tinha ficado decepcionado, que ele jamais tinha esperado algo assim de mim... Tive que sair correndo pro Doc's antes que eu perdesse a paciência e desse uns tapas nele.

Segunda coisa: Lizzy. Ela decididamente estava me deixando preocupado. Desde que eu tinha contado pra ela sobre o encontro e decidido que não ia mais ao jogo, ela tava agindo estranha. Tão estranha quanto nos dias antes do incidente dela com aquele assaltante. Só de lembrar daquilo eu sentia um ódio tão grande... O miserável não teria saído vivo se tivesse machucado ela...

Agora ela tava agindo da mesma forma. Quieta, calada, se escondendo. A única diferença é que agora ela não parece assustada, mas triste. Eu odiava vê-la assim, mas também sabia que não conseguiria nada se fosse perguntar diretamente. Eu sabia que ela tava chateada porque eu tava trocando sair com a minha família e a dela pra ir a um encontro com uma garota, mas esse não era nem de perto o comportamento chateado normal dela. E isso me deixava muito confuso.

Percebi a diferença na quarta à tarde, lá no Doc's, como sempre. A Tasha tinha aparecido e ficamos conversando enquanto eu enchia a prateleira de enlatados. De repente a porta se abriu e a Lizzy entrou. Ela olhou diretamente pra mim e pra Tasha, depois desviou os olhos e foi até a prateleira dos fundos. Na volta ela passou por onde eu e a Tasha estávamos e a Tasha a chamou.

“Lizzy.” Ela veio até nós e cumprimentou a Tasha com um sorriso fraco, mas não olhou pra mim.

“Oi.”

“Eu e o Chris vamos ao cinema no sábado assistir 'De volta pro futuro', quer vir com a gente? A Ivette e a Honda também vão.”

“Obrigada pelo convite, mas eu já tenho um lugar pra ir no sábado. Meu pai ganhou ingressos pra final Mets vs. Dodgers.” Vi seus olhos passarem por mim, mas ela não me olhou.

“Ah, que pena. Seria ótimo se você fosse.”

O sorriso fraco voltou, mas se desfez quando ela olhou direto pra mim; os olhos, tristes.

“Quem sabe na próxima. Não quero estragar a tarde de ninguém.”

Senti as palavras dela me atingirem em cheio no estômago. A Tasha disse que ela não ia estragar nada e a Lizzy sorriu, sinalizando que era uma brincadeira, mas eu sabia que não era. Ela tinha falado direto pra mim. Tentei entender o porquê de ela achar aquilo, mas não consegui. O que ela esperava afinal? Que eu convidasse ela pro meu encontro com a Tasha? Quanto mais eu pensava menos fazia sentido.

A quinta e a sexta passaram rápido e na mesma rotina. Ela mal falava e eu não pressionava, então o que antes era uma ida e volta da aula com risos e conversas virou um silêncio de velório. Eu não conseguia tirar o assunto da minha cabeça, o que fez com que eu ganhasse dois avisos do Doc por colocar os produtos na prateleira errada. À noite ela não falava mais comigo pelo buraco da parede. Eu chamava e ela não respondia. Tentei me convencer de que ela só tava cansada ou não estava no quarto ou... sei lá...

A manhã de sábado chegou e eu acordei sem o mínimo ânimo. Pensei que no dia do meu tão esperado encontro com a Tasha eu acordaria dando pulos e batendo palmas pro sol... só que não. Fiz umas coisas pra mãe e depois me deitei na minha cama sem vontade de fazer nada. O Drew até tentou me animar, mas a camisa dos Dodgers que ele vestia arruinou a tentativa.

“Ei, quem é o zombie agora?” Nem me importei com o tom de deboche.

“Não ligo.”

“Devia. A Tasha não vai querer você com essa cara.”

“Me deixa.”

“Não. Você encheu minha paciência quando eu tava na fossa pela história de ser DJ. Minha vez de te encher o saco.” Fiquei calado. Talvez ele fosse embora se eu ignorasse, mas aparentemente não funcionou. “Porque você tá assim?” Continuei a responder sem tirar os olhos do teto. A aranha caminhando perto da lâmpada era mais interessante que a conversa do Drew.

“Não é da sua conta.”

“Você tem um encontro com a Tasha! Tem esperado isso tem meses! Por que não tá feliz?” Suspirei quando ele verbalizou a pergunta que eu vinha me fazendo nos últimos dias.

“Não sei.”

“Então trata de descobrir.” Ele ficou em silêncio por tanto tempo que eu achei que tivesse ido embora, mas... “É a Lizzy, não é?” Meus olhos procuraram os dele no mesmo instante, a raiva borbulhando nas minhas veias.

“Sai do quarto agora antes que eu-”

“Chris?”

Parei ao escutar a voz que eu mais adorava no mundo. A Lizzy passou pela porta e o Drew aproveitou pra sair de fininho. Sentei na cama, toda a raiva esquecida.

“Oi.”

“Oi. Eu vim... dizer que a gente já vai pro estádio.” Só então notei a roupa dela.

Uma blusa masculina dos Dodgers que pelo tamanho poderia ter sido minha, uma calça jeans azul escuro e as inseparáveis botas. O cabelo estava amarrado em um rabo de cavalo e ela usava um boné branco também dos Dodgers. Suspirei baixo. Mesmo simples ela era linda.

“Bom jogo.” Ela sorriu fraco.

“Bom encontro.” E virou pra ir embora.

Eu quis ir atrás dela e dizer que eu não sabia exatamente o que eu tinha feito pra deixar ela daquele jeito, mas que eu queria consertar. Que eu queria vê-la sorrir de novo, de verdade. Mas eu só fiquei parado, como um idiota.

Quando já ia sair do meu campo de visão, ela voltou, tirando algo do bolso de trás de calça.

“Caso mude de ideia.” E pôs o que me pareceu ser um ingresso do jogo em cima da minha cômoda. “Ainda é seu.” Depois virou as costas e saiu com pressa.

Levantei da cama e fui até a cômoda. O ingresso estava lá. Sem pensar, pus ele no bolso e saí do quarto.

Às três horas eu estava na calçada esperando a Tasha sair de casa. Ansioso eu estava, mas não era a ansiedade normal pré-encontro; era a sensação de algo errado. Tentei não pensar naquilo e me concentrar no que eu tinha que fazer.

Vivendo debaixo do mesmo teto que duas mulheres e sendo melhor amigo de outra, eu já estava acostumado com a demora para se vestir. Mas os dez minutos que a Tasha demorou para descer pareceram uma eternidade.

“Oi, Chris.”

Virei para olhá-la. Ela vestia uma blusa rosa claro, um legging preto com uma saia jeans curta por cima e um tênis preto com 'love' escrito em rosa nas laterais. Claro que ela estava bonita, mas... Ah, esquece...

“Oi, Tasha. Você tá muito bonita.” Ela sorriu e eu pensei ter visto uma leve alteração na cor de suas bochechas.

“Obrigada. Vamos?” Assenti, pondo as mãos nos bolsos da calça.

Descemos as escadas e começamos a subir a rua. Antes que eu me desse conta, ela encaixou a mão na dobra do meu cotovelo, se apoiando em mim. À princípio fiquei tenso, mas logo relaxei. Agradeci mentalmente o fato de ela se manter em silêncio. Minha cabeça estava ocupada em outro lugar.

Eu conhecia bem demais aquele caminho. O cinema ficava a dez quadras da minha casa; uma rota que eu já tinha percorrido inúmeras vezes com a Lizzy. Lembrei dos olhares tristes dela e do meu pai; não queria deixá-los decepcionados comigo. Olhei discretamente para a Tasha ao meu lado; também não queria deixá-la chateada comigo. De repente me senti encurralado.

Tinha sido bem difícil escolher entre ir ao cinema com a Tasha ou ao jogo com o meu pai, mas eu tinha feito a escolha que achava certa. No entanto, naquele momento, eu percebi que eu não tinha escolhido. Eu tinha seguido a onda, o que era exatamente o que eu costumava fazer... antes da Lizzy. Então, acabei chegando à única conclusão possível e a razão do meu mal estar: eu devia estar em outro lugar...

Quando eu e a Tasha chegamos em frente ao cinema eu já tinha tomado a minha decisão. Respirei fundo e falei logo, sem querer pensar que isso provavelmente estava matando qualquer chance futura que eu tinha de sair ou namorar com ela.

“Tasha,” ela parou e olhou para mim, “desculpa.” Ela franziu as sobrancelhas.

“Pelo quê?”

“Eu... eu não posso ficar. Tem outro lugar que eu preciso ir.”

“O quê? Mas você disse que viria comigo!”

“Eu sei. É por isso que estou pedindo desculpas. Queria muito poder ficar aqui com você, mas... não dá. Eu prometi pra outra pessoa primeiro.” Vi um rastro de raiva passar por seu rosto.

“Que outra pessoa?” Pensei em dizer que era a Lizzy, mas senti que por alguma razão aquilo ia deixar ela ainda mais irritada. Optei pelo neutro.

“Meu pai.” A expressão de raiva se desfez e ela pareceu pensar melhor.

“Então porque concordou em vir comigo?” Arregalei os olhos.

O que eu vou responder? Não posso simplesmente olhar na cara dela e dizer “Porque eu sou apaixonado por você há pelo menos um ano”. Resolvi ir com uma meia verdade.

“Porque eu realmente quero sair com você. Quero muito.” Ela pareceu entender o que eu quis dizer nas entrelinhas e sorriu.

“Tudo bem então.” Me senti levemente aliviado. Pelo menos ela não me odeia.. Já é um bônus...

“Obrigado.” Ela ficou na ponta dos pés, me dando um beijo no rosto e eu jurei que naquela hora eu conseguia voar.

De alguma forma a boa vontade divina estava do meu lado pois quando eu cheguei na parada o ônibus vinha chegando. Entrei e sentei. Olhei o relógio: 15:20h. Xinguei baixo. O estádio ficava a 20 minutos de onde eu estava – isso se não tivesse trânsito – o que eu tinha certeza que teria porque era final de campeonato. O jogo começa daqui a dez minutos. Nem voando eu chego lá a tempo, mas talvez consiga chegar antes da quarta entrada...

De nada adiantou eu cruzar os dedos, o ônibus não foi mais rápido. Peguei um engarrafamento enorme e eu tive certeza que até eu chegar no estádio eu saberia decoradas todas as buzinas de Nova York. Quando passei pelo Museu do Queens, pude respirar de alívio. O estádio era praticamente vizinho.

Acho que nunca corri tão rápido na minha vida, exceto pelas vezes que conseguia fugir do Caruzo. O cara da segurança passou um século examinando o meu ingresso para ver se era verdadeiro. Depois que eu já tinha começado a criar barba ele me deixou entrar.

Não foi difícil achar eles. Era uma combinação e tanto. Meu pai era um gigante negro, o sr. Jackson era igualmente alto mas menos largo e branco, o Drew estava escondido atrás de um saco de pipoca enorme e a Lizzy... bem não dá pra se disfarçar com aquele cabelo ruivo. Consegui chegar perto deles com certa dificuldade; culpa do estádio lotado. Não resisti e cutuquei ela. Sua cara de susto era uma das minhas favoritas.

“Chris? O que tá fazendo aqui?” Dei de ombros com meu sorriso mais sacana.

“Sei lá. Passei pra dar um oi.”

Pela reação dela os outros me viram.

“Chris?”

“Oi, pai. Desculpe o atraso.”

A gente se encarou e eu soube que não precisava falar mais nada. O meu velho nunca foi de falar muito, sempre entendia com pouco e aquela não era uma exceção. Para ele o que importava era eu estar lá, só isso.

Cumprimentei o sr. Jackson e chutei o pé do Drew à guisa de 'oi'. Ele gruniu com a boca cheia de pipoca e eu ri. Me sentei entre o meu pai e a Lizzy e percebi ela me olhando. Me fiz de desentendido.

“O que foi?” Ela me encarou séria.

“O que aconteceu lá?”

“Nada. Só percebi que queria estar em outro lugar.” Vi suas bochechas ficarem levemente vermelhas quando ela sorriu.

“Mas... você pode não conseguir outra chance.”

“Sempre tem outra chance e eu sou muito paciente.” Ela assentiu, concordando comigo. “Além disso, decepcionar você e o meu pai de uma só vez é muito mais culpa do que eu posso aguentar sem me suicidar com a tampa da caneta.” Ela me deu um leve soco no braço.

“Engraçadinho.” Ri da cara dela.

“Também gosto de você.” Dessa vez ela ficou muito vermelha e abaixou a aba do boné pra esconder o rosto.

“Cala a boca e assiste o jogo, idiota.”

Cheguei mais perto, dando um beijo no seu rosto e aproveitando para tirar o boné de sua cabeça e colocar na minha. Fui recompensado quando ela chegou mais perto e encostou a cabeça no meu ombro. Sorri, sentindo seu cheiro.

Quarenta minutos e seis entradas depois eu estava literalmente pulando na arquibancada, abraçado com a Lizzy, enquanto o meu pai pirava junto com o sr. Jackson e o Drew. O motivo? Claro né. Os Dodgers tinham acabado de ganhar o título de campeões da Liga Nacional de 1985.

***


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Notas finais do capítulo

~Durante o jogo~
Chris: Porque você fica vermelha quando eu chego muito perto?
~Lizzy olha pra ele indignada, mas vermelha~
~Ela pega o saco de pipoca e derruba na cabeça dele~
Chris: Ei! Isso não é justo!



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