Não sei se mais alguém viu meu pesadelo fazendo sua pequena visita, nem sei se tentei gritar ou fugir, apenas lembro da mão gélida do anjo tampando firmemente minha boca, e no mesmo momento eu apaguei. Quando acordei tudo estava escuro a minha volta, eu não fazia a mínima ideia de quanto tempo havia passado ou de onde eu estava.

Tentei me mover, porém uma força puxou meus pés para baixo, e eu percebi que estava amarrada, minhas mãos estavam presas dos dois lados do meu corpo também, e percebi que estava sentada no chão, sem conseguir mexer parte nenhuma do corpo. 

Tentei gritar, porém o som foi abafado por um pano sujo que tampava minha boca, eu não tinha nenhuma saída. Contorci-me para tentar escapar das amarras, mas elas não pareciam querer se soltar. 

- Se eu fosse você não gastaria sua energia tentando fazer isso - uma voz ao meu lado disse, assustando-me. A pessoa deve ter percebido minha reação, pois deu uma risada seca. 

- Não precisa se assustar comigo, existem coisas bem piores aqui para você se preocupar - a voz continuou, pelo tom forte, deduzi ser um garoto. 

Olhei para os lados tentando encontrar o prisioneiro, mas a escuridão me cercava de tal modo que eu não enxergaria um palmo diante de meu nariz. 

- Não fique tão desesperada, daqui a pouco você se acostuma com o breu que é aqui. - ele continuou, me perguntava como ele não estava amordaçado como eu - Ah, para tirar esse delicioso pano da boca é só fazer os movimentos certos, os nightwalkers podem ser bem espertos, mas ainda não sabem fazer nós muito bons. - disse ele, parecendo ler meus pensamentos. 

Fiz os movimentos que ele foi me indicando, e em poucos instantes a tira deslizou e me vi livre para falar finalmente. 

- Quem é você? - perguntei, sentindo o gosto amargo do pano que estava ali instantes atás. 

- Bom dia pra você também. - ele disse irônico - Eu sou Ciel, mais uma das peças do joguinho daquele nightwalker maldito. 

- Está falando do anjo? - perguntei. 

- Para mim ele é mais como um cachorro gigante de olhos vermelhos que fica espumando por aí, mas sua versão parece ser bem mais criativa. 

Eu havia esquecido que os nightwalkers têm diferentes formas para cada pessoa. Monstros fudidos, nem mesmo reconhecê-los para outras pessoas nós conseguíamos. 

- Mas se está falando de um nightwalker que adora caçar suas vítmas, torturá-las e depois pendurá-las como troféus em casas espalhadas pela cidade... Provavelmente estaremos falando do mesmo sujeito. - ele continuou. 

- Então ele aprisiona seus escolhidos para depois escolher o mais apetitoso para sua próxima refeição? - perguntei, me referindo á prisão que parecíamos estar. 

- Sim, acredite, quando cheguei aqui havia umas dez pessoas amedrontadas espalhadas nessa sala. Ele foi pegando uma por uma. Já estava me perguntando quando ele recolheira mais alimento de novo. - disse ele, comecei a distinguí-lo enquanto minha visão se acostumava com a escuridão, ele estava ao meu lado, acorrentado como eu.

Parece que os nightwalkers não quiseram mostrar sua negação em nós para as mãos e para os pés dos prisioneiros, os feixos que nos prendia a parede e ao chão eram de ferro.  

- E quando você chegou aqui?

- Ontem - Ciel respondeu, percebi um sorriso sem humor em seu rosto, que ainda estava escondido pelas sombras para mim. 

- Então daqui a pouco estaremos mortos? - perguntei.

- Sim, me pergunto por que ele está demorando tanto para me escolher - ele disse, sua cabeça apoiada no peito, parecendo a ponto de dormir. 

- Por que não tem mais ninguém aqui? - perguntei. Ele deu de ombros. 

- Vai entender as peculiaridades desses monstros. 

Essa foi a conversa mais longa que eu já tive com alguém, talvez porque esse era o último diálogo que eu teria na vida. Ótimo, minha última conversa havia sido sobre minha morte iminente, muito encorajador. 

Comecei a ouvir passos do lado de fora da sala, se é que aquele som arrastado e morto poderia ser chamado de passos, e em poucos instantes, um ser desformado entrou em nossa prisão, não era meu anjo, nem mesmo na forma do cachorro babento de Ciel. Pelo visto nosso Nightwalker tinha mais contatos que eu.

O monstro tirou as correntes de Ciel. Pensei que o garoto ia tentar fugir ou algo do tipo, porém ele ficou parado, esperando o sinal do Nightwalker para que ele pudesse andar, talvez Ciel tivesse visto as consequências de fugas fracassadas, não devia valer a pena. 

Por um instante desejei que houvesse luz em algum lugar dali, para que eu pudesse ver o rosto do último humano que vi em vida, porém em um covil de Nightwalkers, era meio dificil ter um espaço para o banho de sol. 

O monstro deformado virou a cabeça para um lado, e essa pareceu ser a indicação para que Ciel levantasse.

- Bem, seja lá quem você for, escute o que você sofrerá daqui pouco tempo - Ciel disse, ainda com a cabeça baixa. 

Logo a porta do nosso esconderijo, percebi a figura de um cachorro muito maior do que qualquer outro que eu já houvesse visto, percebi que de sua boca pingava algo que parecia ser sangue, pelo visto, indepentente da fora que tomava, meu anjo gostava de mostrar seu apreço pelo líquido vermelho. 

Ciel saiu da sala, seguido pelo monstro que foi se arrastando para fora dali. 

Ouvi o primeiro grito agoniado assim que os passos ruídosos cessaram.