Dormimos o mais confortávelmente possível no chão frio do cassino, e assim que a luz fraca do amanhecer despontou no céu todos nós saímos de nosso esconderijo para fazermos nossa ronda.

- Não acredito que alguém ainda tenha esperança de achar algum sobrevivente por aqui - disse meu novo amigo, que se indentificara como Mikael na noite anterior.

- Todos aqui sabem que não há como qualquer um viver fora de onde estamos, fora o cassino que fazemos de morada, quase nenhum lugar têm luz suficiente para afastar os nightwalkers. - eu disse, chutando uma lata de tinta spray jogada na rua, imaginando o jovem revoltado que a havia segurado para escrever suas últimas frases de justiça nas paredes já apodrecidas das ruas. - Mas mesmo assim nós partimos em busca de algo vivo.

Ficamos em silêncio por um instante, o som do vento arrastando pedaços de papel e lixo pela calçada tomando o lugar de nossas vozes. Olhei para as pessoas á minha frente, todas conversando por sussurros, como se tivessem medo de acordar os nightwalkers que os espreitavam nas sombras. Todos podiam ver seus olhos maliciosos e seus sorrisos escuros escondendo-se na escuridão que ainda dominava a parte da cidade que a luz ainda não havia alcançado.

Hoje visitaríamos uma nova parte do bairro em que morávamos, procurando vizinhos simpáticos e vivos, ou utensílios que já não eram necessários á seus cadáveres. Andamos durante alguns minutos sobre o sol que se tornava mais forte, agradecendo pela luminosidade que espantava os pesadelos á nossa volta.

Chegamos ao nosso primeiro destino: uma casa aparentemente abandonada no começo da rua. A grama do jardim que levava até a varanda precisava ser podada á muito tempo, transformando-se em uma pequena mata na frente da moradia. Através de seu manto verde pude perceber o espaço vazio onde estava a porta anteriormente, assim como umas de suas janelas quebradas, com cacos de vidro despontando de seus cantos.

O líder do nosso grupo, um cara alto de pele morena, com um ar severo que vários anos naquela posição lhe deram, virou-se para nós, afim de dar as instruções já decoradas antes de se infiltrar na casa.

- Quero que todos tomem cuidado. Evitem as sombras...

- Como se alguém aqui ainda gostasse da escuridão - Mikael sussurrou ao meu lado. Quis aplaudir por ele pensar como eu no meio daqueles idiotas.

- Assim que avistarem algum sobrevivente gritem por socorro - continuou o líder - Cada um levará uma lanterna por precaução, se estiverem no escuro por algum motivo precisam apenas apontar sua luz para o nightwalker que ele se afastará a tempo de vocês fugirem.

- Acho que a amostra de todas as noites basta para nós aprendermos isso. - Mikael continuou, porém dessa vez não disse tão baixo.

- Mikael, desculpe, mas todo cuidado é pouco aqui, e reforçarmos as medidas de segurança apenas servem para ajudar nas situações de perigo. Se acha que tudo aqui é desnecessário, por favor, pode entrar na casa sozinho. - o outro disse, seus músculos tensos em busca de uma luta.

Mikael encarou-o por alguns instantes, os olhos negros aceitando o desafio, logo depois olhou para mim, deu um longo suspiro e se aproximou da mata que cercava a casa. Uma garota loira andou até ele, oferecendo-o a lanterna, porém ele não fez menção de pegá-la.

- Não preciso disso - ele resmungou, e entrou no jardim, desaparecendo por entre as folhas em poucos segundos.

Um sentimento de apreensão e medo se impregnou por todos do grupo, aumentando enquanto os minutos se arrastavam preguiçosamente, a casa continuando silenciosa da mesma maneira. Depois de quase dez minutos daquela quietude agonizante, com algumas pessoas pessimistas dando meu amigo como morto, Mikael apareceu pela passagem sem porta, seu rosto pálido como um presságio de algo ruim que havia lá dentro.

- Então, Adrien? Há algo que necessite de nossa entrada ai? - perguntou o moreno novamente, seu sorriso escondido mostrando sua diversão por ter dado uma lição em alguém.

- Não, não há nada aqui. - Mikael respondeu, olhando para o chão enquanto voltava ao grupo.

- Ei, o que houve? - sussurrei, enquanto os outros recomeçavam sua lenta caminhada para a próxima vasculha.

- Nada - disse ele, evitando olhar para mim, seu cabelo negro contrastando ainda mais com sua pele pálida.

Tentei argumentar novamente, porém antes que uma palavra pudesse sair de minha boca Mikael finalmente virou-se para mim, e eu pude captar tudo que realmente estava acontecendo em seu olhar horrorizado.

Havia algo naquela casa, algo horrível e assustador, que estava diretamente ligado á mim.