Com todos os formulários e documentos na mão, me dirigi para a primeira aula do dia: Francês Avançado. Meu estômago se embolou em um nó, odiava o primeiro dia de aula. Nunca tive dificuldade para fazer amigos, mas geralmente eu já conhecia uma ou duas pessoas do grupo. Ali eu estava completamente sozinha. Havia, claro, Matt, que não contava exatamente como amigo mas pelo menos eu sabia o seu nome. Abri a porta e automaticamente todos se viraram para mim.

– Excusez-moi. Posso entrar?

– É claro que pode, cherrie. - A professora sorriu de forma excessivamente doce. - Você é a Victoria?

Andei até a sua mesa, me encolhendo a cada passo. Todos continuavam me encarando como se fosse um ser de outro mundo.

– Sou sim. Como sabe? - Conheci sua mãe ontem. Ela me avisou que estaria em minha classe.

Revirei os olhos involuntariamente. Deveria ter imaginado que minha mãe avisaria a todo o corpo docente sobre mim, para que houvesse alguém me vigiando enquanto ela nçao estava por perto. Não a culpava por se preocupar comigo, afinal eu realmente não estava agindo da forma mais sensata ultimamente, mas às vezes ela passava um pouquinho dos limites. Suspirei alto e fui em direção à única carteira vazia da sala.
– Caderno e caneta na mão pessoal, vou começar a escrever! - A professora levantou de supetão, os cabelos vermelhos vivos se mesclando com o vestido de mesma cor.

"Le verbe "vouloir" se prononce de la même façon dans la première, deuxième et troisième personne du singulier..."

– Psiiiu! - Alguém chamou atrás de mim.

Me virei para olhar a garota. Ela era muito bonita, parecia uma versão morena da Barbie. Usava uma calça jeans muito justa, seus longos cabelos sem corte contrastando com o suéter rosa-queimado.

– Eu sou Elena. - Ela sorriu simpática - Você é a aluna nova, Victoria, certo?

– Sim, mas pode me chamar de Vicky, ou Tori.

– Seja bem vinda, Vicky.

–Valeu - Me virei novamente para o caderno.

"...L'écriture est cependant différente. Au 1 ° et 2 ° est "Veux", tandis que le 3° est 'Veut'..."

– Então... quer sair depois da escola? - Ela cutucou meu ombro com a caneta.

A olhei com desconfiança. Sempre vi pessoas gratuitamente legais como um fenômeno raro, porém todos naquela cidade pareciam ser extremamente gentis e agradáveis, e isso me assustava. Talvez fosse só neura minha, mas eles eram tão educados que me pareciam um pouco forçados, robóticos. Como se tivessem sido programados para serem eternamente boas pessoas, nunca terem TPM e darem bom dia até para o canário do vizinho. No entanto era possível que eu só estivesse sendo chata e implicante como de costume, e na verdade eles pudessem ser ótimos amigos, se eu lhes permitisse.

– Claro, eu adoraria.

***

Andei calmamente até o ponto de encontro, saboreando a brisa suave que batia em meu rosto. Estava no shopping de Mystic Falls, onde marcara de me encontrar com a Elena. O prédio era aberto, e abrigava dentro de si uma pequena praça, repleta de árvores e jardins. Era incrível como num shopping mall, templo do consumismo e capitalismo, conhecido destruidor da natureza, pudéssemos encontrar borboletas batendo suas coloridas asas como se ali fosse uma floresta como outra qualquer. Sempre fui muito ligada às plantas e animais, por isso achava incrível que alguém pudesse se concentrar em liquidações enquanto bem ao lado rosas exalavam seu perfume e coloriam o chão, junto com violetas, lírios e bromélias. Ao longe avistei Elena e suas amigas, sentadas em um dos banquinhos da praça interna, tomando Starbucks.

– Cappuccino? - A loira me ofereceu assim que me aproximei.

– Não, obrigada.

– Victoria! - Elena se levantou rapidamente para me cumprimentar - Que bom que você veio. Essas são Caroline e Bonnie, também estudam no Mystic High.

Fiz um aceno com a cabeça para as duas, mas Caroline fez questão de me dar um abraço apertado de boas vindas.

– Prazer em te conhecer - Bonnie disse sorrindo, porém quieta.

Todas elas eram muito lindas. Caroline, com seus cabelos loiros e olhos muito azuis, tinha rostinho de boneca, e expressão quase infantil. Bonnie já era mais sóbria, séria. O rosto negro em forma de coração era emoldurado pelos cabelos sedosos e escuros, os olhos sempre atentos, como se estivessem analisando cada centímetro de tudo.

– Então, o quê vocês fazem no shopping em uma segunda-feira à tarde? - Perguntei.

– Compras, oras! - Caroline respondeu, viselvemente feliz por estar rodeada de bolsas e sapatos.

– Tem uma festa essa sexta-feira na casa do prefeito. O filho dele, Tyler sempre dá uma festa no início do ano letivo, todo mundo vai. Caroline acha que um evento importante desses merece roupas novas, então aqui estamos nós. - Elena explicou. Ela apressou o passo para alcançar Caroline, que praticamente saltitava pelos corredores.

– De onde você veio, Victoria? - Bonnie perguntou, ainda com a expressão ligeiramente tensa.

– Little Whinging, uma pequena cidade ao leste de Nova York.

– Sua família toda é de lá?

– Não, minha mãe se mudou quando era jovem. Minha avó era daqui, por isso nós voltamos. Algo sobre "retornar às origens" - Ri, tentando descontrair. Bonnie forçou um sorriso.

– Qual é o seu sobrenome mesmo? - Wright.- Respondi.

Já estava receosa com todo aquele inquérito. Não me importava com perguntas, mas a forma como Bonnie perguntava fazia parecer que eu estava sendo interrogada pela polícia, não por uma amiga. Talvez ela tenha percebido meu descontentamento, porque mudou de assunto imediatamente.

– Vamos lá para dentro da loja com as meninas.

Caroline se analisava no espelho, um sorriso de evidente prazer no rosto. Ela usava um vestido tomara que caia preto, com babados rosa-pastel que brotavam a partir da cintura. Uma presilha em formato de rosa branca prendia parcialmete seus cabelos, e nos pés ela calçava um salto preto de no mínimo 12 centímetros.

– Ficou perfeito! - Elena exclamou, com toda a razão. Ela também estava linda, seu vestido soltinho preto e prata curtíssimo valorizava suas pernas longas e finas.

– Obrigada, Elena, o seu também está incrível - Ela sorriu radiante para Elena e se virou para nós - Meninas, separei roupas para vocês duas. Estão nas cabines, vistam e me digam o que acharam.

Sorri e fui andando apreensiva para a cabine do fundo. Pelo o pouco que conheci da Caroline, ela me parecia ter um gosto bem feminino, duvidava seriamente que qualquer coisa que ela escolhesse fosse me agradar. Abri a cortina, me vesti, e saí novamente para me olhar no espelho. O vestido era lindo. Sua malha azul-petróleo colava no corpo e as curtas mangas e o cinto falso eram de um azul mais claro. Uma faixa preta cortava o modelo ao meio verticalmente e contornava a barra e o decote em vê.

– Você está fabulosa! - Caroline bateu palmas animadamente. -Sabia que ficaria maravilhoso em você.

Bonnie saiu de sua cabine com um vestido de tafetá prata tomara-que-caia, com decote em coração. O tecido se franzia na cintura, onde havia um pequeno lacinho, e sua barra era balonê.

– Uau! - Exclamei - Você esta linda, Bonnie!

– Você também - Ela sorriu timidamente.

Apesar de estar sendo perfeitamente simpática, os olhos astutos de Bonnie deixavam transparecer que algo sobre mim a deixava preocupada. A peguei me encarando fixamente diversas vezes durante o dia com as sobrancelhas franzidas, sem falar das inúmeras perguntas bizarras que ela me fazia, como qual era o nome da minha bisavó, ou onde o meu pai havia morrido. Até eu era melhor em socialização do que ela. Elena parecia constrangida toda vez que Bonnie agia de forma estranha, mas não fizera nenhum comentário ou observação sobre isso. Caroline, alheia a tudo e a todos, só tagarelava sem parar sobre como a festa estaria demais e como ela sentia falta do Tyler. Me perguntei algumas vezes como três meninas tão diferentes conseguiram ser melhoras amigas por tantos anos. Cheguei até a imaginar, por um pequeno instante, se ali caberia um quarta amiga, também diferente de todas elas. Por um momento eu me imaginei andando e rindo com elas, como qualquer grupo normal de adolescentes. Como costumava ser antigamente, antes de meu pai morrer, com minhas antigas amigas. Mal sabia eu que aquelas garotas guardavam segredos tão escuros e tão sombrios que me levariam para bem longe do meu passado de menina normal.