Persona escrita por Bidinha


Capítulo 12
Capítulo 6 - Rompimento


Notas iniciais do capítulo

Lembram-se do que eu disse sobre atualizações periódiacas? Então, esqueçam, isso só me faz ficar me torturando para escrever coisas que acabam não ficando tão legais quanto ou gostaria.
Ou seja, vou voltar a atualizar aleatoriamente o__O
Minhas desculpas e boa leitura



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Rompimento

Já era noite. Leonardo jantava um simples peixe com salada de batatas que não estava mal considerando que fora seu irmão que prepara, mesmo assim Leonardo focava mais atenção ao ato de esmagar impiedosamente as batatas com seu garfo do que em comer. Estava absolutamente frustrado. Ao final da tarde daquele mesmo dia ele seguira Alex e Abel que saíram suspeitamente juntos pelo portão dos fundos, sendo que ambos costumavam sempre sair pelo portão principal. Não tinha como Leonardo ignorar aquilo, ele até avisou a si mesmo várias e várias vezes de que isso não era certo, ele não podia ficar seguindo pessoas pelas ruas como um maníaco sexual, mas a cada passo que eles davam a coisa ia ficando mais suspeita. Os dois foram conversando de maneira suspeitamente amigável por uma rua suspeitamente deserta a um ponto em que o nível de suspeita da situação ficou tão alto que todo o corpo de Leonardo se tencionou já preparado para intervir no momento em que aquele pervertido do Abel atacaria o seu pobre e indefeso Alex. E foi exatamente isso o que aconteceu.

Os dois pararam. Abel disse alguma coisa, Alex de repente ficar tenso, Abel se aproximou, ultrapassando o limite de uma distância corporal adequada entre dos amigos e então o beijou. A parte racional de Leonardo parou de funcionar naquele momento. Tudo o que ele antes sabia sobre lógica básica, bom senso e socialmente aceitável fora prontamente jogando pela janela de seu cérebro e uma fúria passional tomou o controle. Correu para cima de Abel, separou-o de Alex como um bárbaro e o segurou pelos ombros, sacudindo-o de uma forma bruta enquanto uma torrente de palavras furiosas saia de sua boca. Estava tão cego pelo ódio que demorou a perceber que o barulho estranho que Abel fazia era um riso e, levando em conta as palavras desconexas que ele conseguia dizer, aquilo fora tudo uma brincadeira de extremo mau gosto para tirar Leonardo de seu esconderijo. Quando a intensidade de sua fúria diminuiu e seus sentidos voltaram a seu controle, Alex já tinha sumido.          

Esse evento fora frustrante em tantos níveis. Não só ele tinha sido motivo de riso daquele nojento do Abel como também havia a possibilidade de Alex ter descoberto seus sentimentos da pior maneira possível. Bem, ele teria que ser muito obtuso para não perceber depois do papelão que Leonardo fizera. Agora o que o preocupara era o nível da impressão negativa que ele tinha deixado. Será que ele ficou enojado pela atração homossexual que Leonardo sentia? Ou talvez ele não tenha ficado apenas enojado, como também assustado pela sua atuação maníaco stalker? A única certeza é que ele duvidava que Alex tivesse engolido bem aquela situação, afinal, ele já era todo complexado com sua aparência feminina.

_ Wow, se você não gostou de minha comida era só me falar. _ Disse Igor observando enquanto Leonardo passava das batatas já completamente esmagadas para os tomates.

Leonardo resmungou algo incompreensível e largou o garfo, voltando sua atenção para o copo de refrigerante ao lado do prato. Ele já sabia que seu irmão iria perceber seu evidente mau humor uma hora ou outra, já que estava frustrado demais para fazer o esforço de disfarçá-lo, mas a sua vontade de conversar sobre o assunto com ele era quase tão nula quanto a vontade que ele tinha de fingir normalidade. Até sentia certa necessidade de pedir conselhos para alguém, mas não se sentia seguro de falar com Igor sobre o fato de ele estar gostando de um garoto com quem estuda.

Ergueu a cabeça e olhou meio torto para o irmão. Igor não era exatamente uma má pessoa, meio perdido na vida e com um gosto por irritá-lo, como é esperado de qualquer bom irmão mais velho, mas não era mau. Tá que ele já havia trocado de curso na faculdade duas vezes e estava começando o terceiro já com 24 anos, tinha cara de mendigo (ou aquilo que as pessoas chamam eufemisticamente de “hipster”) e saia à noite para tirar fotos suspeitas com sua Nikon excessivamente cara que ele comprou com dinheiro obtido de maneiras igualmente suspeitas, mas não se deve julgar o caráter de uma pessoa por esse tipo de coisa, não é? Detalhe importante, ele não fazia o tipo homofóbico, mas Leonardo não estava psicologicamente preparado para esse tipo de conversa. Talvez se ele tentasse relevar este detalhe...

_ Ei Igor... Já aconteceu de uma garota saber que você gosta dela da pior maneira possível?

_ Ah, então era isso que estava te perturbando? Você é rápido heim? Mal chegou na nova escola e já está de olho nas menininhas?

Leonardo apenas o olhou com uma raiva que dizia com todas as letras “isso não é hora para piadinhas sem graça”.

_ Okay, já parei. Então... Da pior maneira possível? Bem, teve uma festa em que eu fiquei tão bêbado que me declarei escancaradamente para a garota por quem eu era apaixonado a mais de um ano, mas ela também gostava de mim e já tinha tomado umas doses de tequila então no final a gente acabou começando o namoro, então não acho que essa era a pior maneira possível. O que foi que aconteceu no seu caso? Pelo amor de Deus que isso não envolva álcool se não a mamãe me castra.

_ Não é nada disso. É que... bem... Eu vi essa pessoa de quem eu gosto saindo do colégio com um canalha nojento da minha sala e indo para um lugar perigosamente deserto. Eu não podia simplesmente deixar el... ela... à mercê daquele predador inescrupuloso. Então eu segui os dois pela rua e quando ele a agarrou sem nenhum aviso prévio de consenso vindo por parte dela eu não consegui me segurar e fui para cima deles separar os dois. Tive que dizer umas palavrinhas para aquele canalha do Abel e quando me dei por mim... a... pessoa de quem eu gosto já tinha desaparecido.

_ Bem, quem quer que seja essa pessoa, ela deve achar que você é um estuprador em potencial.

Leonardo bateu com testa na mesa. Ele ainda não tinha pensado nessa possibilidade real e desastrosa.

_ Ahhh mas não fique assim maninho! Hoje em dia o termo stalker só vale para gente feia e velha. Tenho certeza que qualquer garota dessa cidade adoraria ter alguém como você seguindo cada um de seus passos e deixando mais de quarenta mensagens de texto em seu celular apenas perguntando onde ela está e no que ela esta pensando neste exato momento. Do jeito que as adolescentes da sua geração são não estranharia se elas até achassem isso romântico!

As palavras de Igor podiam até ter uma mórbida parcela de razão, mas Alex tinha um “detalhe a mais” que adicionado na equação fazia toda a diferença. Pensando nisso Leonardo murmurou algo sobre estar cansado e foi para seu quarto sem mal tocar na comida. Foi para a cama cedo, mas não dormiu. As expectativas para o dia seguinte lhe deixavam ansioso demais. Essa era a segunda vez que Alex o fazia ter um sono inquieto. Já estava começando a se arrepender da idéia de morar naquela cidade.

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Pronto, é agora. Você tem que fazer isso Leonardo, não é como se você pudesse evitar esse momento pelo resto da sua vida, então vamos acabar logo com isso para que pelo menos essa ansiedade torturante acabe de vez.

Com esse pensamento em mente, Leonardo encarava a porta da sala de aula. Uma hora ele teria que entrar naquele lugar e encarar Alex, ele sabia disso, sabia que a melhor coisa a fazer era acabar logo com aquele drama, mas falar é uma coisa, fazer os seus pés se moverem era algo completamente diferente. A porta estava aberta, era só entrar, mas meu Deus o que Alex faria quando o visse? Isso só entrando para saber. Pronto. Era agora. Ele apertou os punhos, prendeu a respiração levantou o pé direito e...

_ Bom dia!! _ Disse a voz detestavelmente energética de Abel enquanto o saudava com um amigável soco nas costas que e o fez cair para frente e por pouco não dar com a cara no chão.

Leonardo repeliu a mão de Abel com um tapa e o fitou com o mais puro e declarado ódio.

_ Não. Fale. Comigo. _ Cuspiu estas palavras como se fosse veneno.

_ Eita, o que foi isso. _ Abel deu um passo para traz, surpreso com a reação, mas sem deixa de sorrir. _ Você ainda está bravo com a brincadeira de ontem.

Dessa vez Leonardo teve que se segurar muito para não enfiar a mão na cara daquele babaca. Chegou a levantar o braço e serras o punho, mas pensou no problema que seria ir pra diretoria na primeira semana de aula e conseguiu se convencer de que aquilo não valia a pena, era melhor esperar pelo final das aulas, quando os dois estivessem fora dos muros da escola.   

_ Okay, okay, eu entendo que você esteja bravo, confesso que eu peguei pesado ontem, mas é justamente por isso que eu estou aqui, pra pedir desculpas. _ Aparentemente, Abel estava mais defensivo que o normal, abanava as mãos na frente de Leonardo fazendo menção de acamá-lo e seu sorriso até parecia mais nervoso, mas apenas o fato de ele ainda estar com aquele sorriso retardado mesmo em uma situação daquelas irritava Leonardo profundamente.

_ Cara... Você tem ideia do que você me fez passar? Do que você ainda vai me fazer passar por causa da sua estupidez?! O Alex... Puta que pariu o que você tinha na cabeça?!

_ Agora você está simplesmente sendo desagradável.

Dessa vez Leonardo iria socá-lo. De verdade, bem no meio da cara, com a intenção de quebrar o nariz, mas Abel foi mais rápido e segurou sua mão no meio do caminho.

_ TÁ BOM! Tá bom! Eu sou um idiota e eu arruinei sua vida, eu entendi! Agora, você não acha que seria melhor a gente discutir isso em outro lugar?

Olhando sua volta, Leonardo percebeu que um considerável número de curiosos já tinha se acumulado em volta dos dois. Quando aquele monte de gente tinha ido parar ali? Aparentemente estava tão irado que nem percebeu a movimentação no ambiente à sua volta. Leonardo se enrubesceu ao se dar conta do escândalo que tinha feito na frente de metade da sala. Pelo menos não tinha se descontrolado ao ponto de soltar alguma informação comprometedora bem no meio do corredor. De fato, tinha que concordar com Abel quanto ao fato daquele não ser exatamente o melhor lugar para se discutir os eventos da noite passada.    

_ Está bem, vou ouvir o que você tem a dizer, mas tem que ser rápido, a aula já vai começar.

_ Não se preocupe com isso. Por que a gente não mata logo essa aula? Afinal é aula de química, eu pessoalmente não ia prestar atenção mesmo. E não era você que não queria entrar naquela sala de jeito nenhum? Então, melhor ainda. Depois a gente copia as anotações do caderno de alguém.

Agora além de estragar suas expectativas amorosas, Abel pretendia levá-lo ao caminho da delinqüência juvenil. Bem, Leonardo não podia negar a parte sobre ele não querer entrar na sala de jeito nenhum, então decidiu deixar essa passar só dessa vez.    

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Escapar da aula de química foi mais fácil do que Leonardo pensara a princípio. Aparentemente aquela não era a primeira vez que Abel fugia de sala, então ele o guiou pelos corredores de modo que os dois não cruzassem o caminho de um inspetor se quer. De fato, o veterano estava tão confiante que até deu uma passada na máquina de refrigerantes e comprou duas latinhas, oferecendo uma a Leonardo como um “presente de reconciliação”. Se ele esperava que aquela bebida gasificada de dois reais fosse capaz de comprar sua confiança era melhor ele reavaliar seus métodos diplomáticos. Mesmo assim Leonardo aceitou, pois refrigerante de graça não é algo que se recuse.

No final da empreitada os dois se encontravam nos fundos do bloco 1, uma faixa de terra desocupada que ficava entre a parte de trás do colégio e um lote de prédios comerciais, sendo os dois separados por um alto muro de concreto. Não era um lugar muito agradável, a iluminação era ruim e o espaço restrito dava uma ligeira sensação de claustrofobia, mas aparentemente aquilo não impedia o local de ser freqüentado pelos estudantes matando aula. Outros alunos também estavam espalhados pela extensão do muro, o maior grupo tinha cinco garotos que conversavam enquanto dividiam salgadinhos, lá também se encontrava uns dois casais se beijando e alguns alunos deitados sobre a grama, aparentemente colocando o sono em dia. Abel e Leonardo ficaram perto do final do muro do colégio, onde a lateral do bloco 1 dava para a piscina olímpica. Ali era mais iluminado e distante dos outros alunos. Abel calmamente se recostou no muro de concreto, tomando mais um gole de seu refrigerante e só depois de completamente confortável, ele se dirigiu a Leonardo.

_ Então... _ Começou Abel dando uma longa pausa em sua fala. _ Eu já pedi minha desculpas. Bem que eu também podia... sei lá, implorar pelo seu perdão e me humilhar até que você sinta que eu já paguei o bastante pelo que eu te fiz passas ontem, mas acho que isso não seria muito útil de um ponto de vista mais... prático... da vida. Então, eu estava pensando, talvez eu pudesse te ajudar a resolver o seu problema com o Alex.

_ Não, acho melhor não. Eu gostei mais da idéia em que você se humilhava implorando por perdão. Você pode começar quando achar melhor.

Abel riu. Ta que Leonardo não estava falando 100% sério sobre querer que Abel pagasse pelo que ele passou com dor e humilhação, talvez apenas cinquenta ou sessenta por cento, mesmo assim vê-lo rir daquela maneira despreocupada diante de sua desgraça fazia o índice de sua seriedade aumentar consideravelmente.  

_ Mas então. _ Abel retomou a palavra. _ Você quer que eu tente explicar para ele?

_ E como você tem tanta certeza de que vai conseguir desfazer o estrago que fez?! _ Disse Leonardo um tanto quanto exaltado.

_ Não se preocupe tanto, o Alex pode ter aquele jeito meio nervosinho, mas é só da boca pra fora. É só ter paciência com ele e não se intimidar quando ele começa a gritar que no final todo mundo se entende.

_ Se é tão fácil assim eu mesmo poderia ir falar com ele e resolver tudo sizinho.

_ Hummm... Sim, você poderia. _ Respondeu Abel deslocando sua atenção para a lata de refrigerante vazia em suas mãos. _ Bem que se eu me lembro direito, você costumava a ser meio... Sensível... Quando o assunto envolve seus mal entendidos com os amigos, especialmente se por amigos, estamos falando do Alex.    

Leonardo hesitou por um momento. Abel estava completamente certo nesse ponto, ele sempre odiara discutir com os amigos e quando o problema era com Alex, as coisas eram sempre piores. 

_ Então? _ Perguntou Abel voltando a mirar Leonardo. _ Temos um acordo?

_ Urrrgg... Isso seria tão mais fácil se você não estivesse sorrindo como se toda essa situação fosse algo extremamente divertido para você. _ Confessou Leonardo.

_ Ah! Desculpa, desculpa... É só que... _ Abel voltou a desviar o olhar, agora sorrindo ainda mais, como se tivesse acabado de se lembrar de algo extremamente engraçado.

_ O que foi?!

_ Nada não...

_ Diz logo!

_ É só que... _ Abel pausou, tentando conter o sorriso. _ É que isso é tão fofo! Que você ainda goste do Alex mesmo depois de tanto tempo. Você é um fofo sabia?   

Leonardo imediatamente avançou para socar Abel, mas este foi mais rápido e aparou o golpe com o braço, agora sem conseguir conter o riso.

_ Como você consegue ser tão irritante?!

_ Me desculpa! Eu não queria falar, você que perguntou!

Leonardo abaixou a cabeça, seu estoque de tolerância contra assuntos constrangedores estava acabando e seu rosto já estava ficando enrubescido com aquela situação. Virou-se e andou até a parede oposta do estreito baldio, não queria que Abel percebesse.

_ Huummm... Sabe, se você estiver com dificuldade de lidar com toda essa situação pode conversar comigo. Ainda temos um tempinho antes de começar a próxima aula.

_ E por que diabos eu falaria sobre isso justamente com você?!

_ Tem alguma outra pessoa que saiba que você está apaixonado pelo Alex?

Isso é tão insuportável!!! Conversar com Abel tinha se mostrado ser uma atividade emocionalmente exaustiva e incrivelmente frustrante! Isso porque ele o conhecia e por mais que dez anos tivessem passado, ele ainda era basicamente o mesmo. Por outro lado, por mais que aquele Abel se parecesse com o Abel que ele conhecera, interagir com ele era como conversar com um completo estranho. Isso gerava em Leonardo a sensação de que ele estava debatendo com um desconhecido que contava com a vantagem de saber tudo sobre ele. Seus temperamentos, seus hábitos, até mesmo seus amigos. E ele falava de tudo isso com uma naturalidade desconcertante. Não tinha como Leonardo ganhar um argumento contra aquela pessoa. Mesmo assim...

_ Não, muito obrigada. _ Respondeu Leonardo colocando certo escárnio nas últimas palavras. _ Isso ainda não é motivo o bastante para me fazer falar sobre isso com você.

_ Então ta. _ Disse Abel dando de ombros. _ Se mudar de ideia sabe que estou aqui.

X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X

 Enquanto isso, na sala de aula, Alex estava irritado. Muito irritado.

Para evitar que uma crise pessoal o impedisse de realizar seus afazeres diários, seu inconsciente o havia poupado de toda a confusão emocional gerada pelos acontecimentos do dia anterior transformando todos esses sentimentos em raiva. Ou talvez, esse nem tenha sido um ato tão inconsciente assim, Alex só não queria pensar naquilo. Que se foda o Abel, que se foda o Leonardo, que se fodam todos os personagens dessa maldita história, ele não queria pensar em nada porque estava com raiva demais, ou estava com raiva demais porque não queria pensar em nada, ou quer saber? Que se foda isso também. Alex não sentia nenhuma obrigação de explicar nada para ninguém, então ele vai apenas copiar raivosamente os complexos orgânicos que o professor colocar no quadro e ficar fazendo rabiscos aleatórios pelas paginas do caderno enquanto ele estiver falando.          

_ Ei Alex. _ Chamou Diogo.

_ Humm? _ Foi tudo o que Alex disse, sem parar de desenhar círculos sobrepostos em seu caderno.

_ Você está com algum problema?

Alex não respondeu, continuando a fazer seus círculos raivosos. E isso foi tudo o que ele teve de conversação durante toda a primeira metade da aula. Se dependesse dele, sua cólera silenciosa se estenderia até o fim do dia e quem sabe ainda mais, porém, as deidades do destino pareciam ter outros planos.

_ Bom dia Alex! _ Disse a voz animada de Abel ao seu lado.

Alex quase pulou de sua carteira com o susto. Estava relativamente calmo enquanto arrumava os materiais para sair de sala no intervalo quando subitamente Abel surgira ao seu lado, levando no rosto aquele mesmo sorriso preguiçoso de sempre. Por um momento, Alex se sentiu como um rato encurralado, preso entre a parede e o jovem sorridente, sem ter por onde escapar. De repente, o espaço entre a sua mesa e cadeira em que estava sentado pareceu ficar minúsculo, comprimindo o corpo de Alex e o deixando ainda mais preso naquele local. Sentiu o sangue subir para sua cabeça e enrubescer todo o seu rosto, só não sabia dizer se aquilo era por causa de raiva, nervosismo, vergonha ou sabe-se mais o que. Não tinha como ele olhar para Abel sem se lembrar dos acontecimentos do dia anterior. Estava quase entrando em pânico quando o outro finalmente voltou a falar.

_ Eu estava realmente precisando conversar com você, então tinha como você me acompanhar por um instantinho?      

Mal terminara de falar, Abel já estava segurando firmemente o pulso de Alex em sua mão. Puxou o braço do menor, o forçando a se erguer da cadeira, e o guiou para fora de sala. Desconfiado, Alex tentou diminuir o paço do outro puxando o braço que Abel segurava, mas ainda assim não conseguia conter seu avanço.

_ E-ei! _ Chamou Alex com uma mistura de medo e irritação na voz. _ O que você pensa que ta fazendo? Quer arrancar o meu braço?!

_ Hum? Ah! Desculpa! _ Respondeu Abel diminuindo a velocidade do andar. _ Não percebi que estava te puxando, eu devo estar meio nervoso. _ Terminou a frase com uma risada.

Alex ficou ainda mais vermelho do que antes.

_ D-de qualquer maneira, sobre o que você quer falara comigo que é tão urgente?

_ Oras, sobre ontem, o que mais seria?

Logo que aquelas palavras chegaram aos ouvidos de Alex seus pés se colaram no chão. Não conseguia mais esconder o pânico que sentia e agora ele podia ser claramente visto estampado em seu rosto. Não, não, não, ele não iria ter aquela conversa!

Abel virou a cabeça para olhar o que estava havendo com Alex e depois de examinar seu estado, soltou um pequeno suspiro.

_ Olha Alex, eu odeio ter que ser desagradável, de verdade, mas eu realmente tenho que falar com você e você vai ter que vir comigo de um jeito ou de outro.

Novamente Abel o puxou pelo pulso, arrastando-o pelos corredores da escola. Alex queria gritar, mandando Abel parar imediatamente, queria xingá-lo com as piores palavras de seu vocabulário, queria pedir socorro, queria falar qualquer coisa, mas um nó se fizera em sua garganta, impedindo as palavras de chegarem em sua boca. Acabou seguindo Abel silenciosamente até os fundos do pátio aberto, onde se encontrava a piscina olímpica.

_ Bem... Acho que a primeira coisa que eu deveria dizer seria “desculpa” não? _ Disse Abel. _ Foi extremamente impróprio de minha parte ter de beijado do nada e só porque eu queria irritar o Leo. Acho até que aquilo foi mais do que impróprio, você poderia dizer também que eu fui grosso, invasivo, estúpido etc. Por isso estou pedindo desculpas e prometendo que aquilo nunca mais vai acontecer de novo.

Sua expressão menos sorridente que o normal e o timbre levemente melancólico de sua voz mostravam que Abel realmente estava arrependido de seus atos, porém, as palavras que saiam de sua boca eram calmas e até mesmo um pouco divagares, mas fluidas. O jeito com que ele lidava de maneira tão segura um acontecimento que o chocara tanto perturbava Alex.  

_ Como... você consegue lidar com isso de um jeito tão simples?

_ Lidar com o que? Com o beijo?

Alex se retraiu como se tivesse sofrido um dano físico ao ouvir aquela palavra. Abel apenas riu da situação.

_ Ahhhh, mas foi tão rápido! O que é que tem de mais em um beijinho só? _ Disse Abel retomando seu jeito descontraído.

_ Mas foi um beijo com um cara!

_ Já beijei coisas muito piores, acredite em mim.

Um silêncio constrangedor tomou conta do ambiente.

_ Alem do mais... _ Continuou Abel ignorando o olhar assustado de Alex. _ Nem teve língua nem nada, praticamente não conta.

_ Eu não acredito que você acabou de dizer o que você acabou de dizer com uma expressão séria no rosto. Não tem como você acreditar de verdade no que disse, isso soou muito com o que alguém diria para sua heterossexualidade moribunda enquanto a segura nos braços, tentando impedir que ela morra e o deixe para sempre, mas não há saída, você beijou um cara e ela nunca mais irá voltar.

_ Okay, pense o que você quiser, não estou aqui para definir minha sexualidade, estou aqui para pedir desculpas. Então, desculpado?

Alex soltou um suspiro irritado, enquanto passava os dedos pelos cabelos e mirava Abel com indecisão.

_ Eu ainda estou com muito ódio de você por ter feito aquilo, mas... Acho que você não fez por mal, amanhã eu devo ter esfriado a cabeça e quem sabe eu possa perdoar mais tarde.

Abel sorriu. _ Acho que isso já é bom o bastante para mim. Muito obrigado. Agora... _ Parou de falar por um instante, olhando para algum ponto vazio a sua esquerda, como que tentando achar suas próximas palavras largadas em algum canto do chão. _ Acho que agora eu deveria pedir desculpas pelo Leo também.

Novamente Alex se retraiu, deixando o olhar cair para os próprios pés.

_ Como eu estava dizendo, o Leo me pediu para...

_ Não! _ Interrompeu Alex. _ Nós não vamos conversar sobre isso.

Abel moveu os braços em frustração. _ Por que é que ninguém quer falar comigo sobre isso? Eu sou um confidente assim tão ruim?

_ Eu não vou falar com você, nem com ninguém, eu não vou falar sobre isso, não tem porque falar sobre isso! _ Disse Alex com uma raiva crescente em sua voz.

_ Calma Alex, agora você está exagerando.  

_ Eu não estou exagerando! Ta, com você até dá para relevar porque você é sem noção a esse ponto, mas o Leo estava falando sério. E isso é... isso... _ Alex parou de falar, virando-se furiosamente para a piscina e segurando as grades que a separavam do resto do pátio.

_ E isso é o que? _ Disse Abel se aproximando, seu sorriso desaparecendo por completo de sua boca. _ Vamos, você não terminou o que ia dizer.

Alex nunca chegou a terminar a frase.

_ Aquilo que você falou ontem... _ Começou Alex com a voz só um pouco mais alta que um sussurro. _ Você quis dizer que o Leo gostava de mim dês de os tempos do orfanato?

 _ Isso mesmo. Não era algo que ele espalhasse para todo mundo, mas comigo ele era bem aberto sobre isso.

Alex permaneceu calado, olhando para o chão. Certo tom de tristeza agora se mesclava com a sua raiva. 

_ Ai ai... Esse assunto realmente é difícil para você, não? Está bem, vou te deixar em paz por um instante, só tenta entender que você pode odiar o Leo por ter te seguido, pode odiá-lo por ter exagerando na situação, pode odiá-lo por... por... Sei lá! O que você quiser odiar nele, só não pode culpar o cara por gostar de você. Isso não é o tipo de coisa que você pode simplesmente controlar ao seu bel prazer.

Acabando do que tinha de dizer, Abel deu as costas e caminhou em direção do pátio central. Alex apenas continuou ali, encostado na grade da piscina. Novamente fora assolado por aquela impressão de que ele não conseguiria comparecer à aula de jeito nenhum. Dessa vez, ele se deixou levar. Ladeou a piscina até chegar à ruela atrás da escola. Lá se direcionou a uma parte mais central e escura, onde deitou na grama mal cuidada e fechou os olhos.

Sentiu aquela queimação que se espalhava por seu peito retrair, se recolhendo para o fundo se seu estômago e se enrolando como um gato, fazendo Alex ficar com certa náusea. Sim, ele ainda estava com raiva de Leonardo, raiva por ele ter achado que Alex era uma menina, raiva por ele tê-lo seguido naquele dia e raiva por ele ter feito algo tão ridículo como pular encima do Abel e ficar gritando aquelas coisas sem sentido. Mas o que deixava Alex com mais raiva naquele momento é que nenhuma dessas coisas realmente importava. Não que elas não o fizessem ranger os dentes, mas eram preocupações passageiras que vinham vez ou outra em sua mente para complementar o verdadeiro motivo do mal estar que sentia. A coisa que mais o perturbava naquele momento era a idéia de que Leonardo poderia nunca tê-lo visto como um amigo.

Ficar se preocupando com isso fazia Alex se sentir um completo idiota, mas a coisa que insistia em rastejar por dentro dele e se revirar em seu estômago não permitia que ele negasse que aquilo o atordoava. Leonardo fora seu melhor amigo durante toda a infância, mas o posto de melhor amigo de Leonardo sempre fora abertamente ocupado por Abel. Mesmo depois que este partira e Alex acabara por ser tornar a pessoa mais próxima dele, o outro nunca o chamara de “melhor amigo”.

Agora, anos mais tarde, lá estava a resposta para a questão que mais o incomodara durante toda sua infância. Ela foi jogada em sua cara de maneira completamente desajeitada e depois de se recuperar do susto e examiná-la mais propriamente para ver do que se tratava, ele descobre algo incrivelmente irritante e idiota.

Ele nunca fora o melhor amigo de Leonardo porque para ele, Alex era alguma menina pela qual ele tinha uma quedinha.

Talvez ele até passasse tanto tempo por perto de Alex apenas por achá-lo bonitinho. Talvez este ainda fosse o único motivo para Leonardo querer voltar a ser seu amigo Sem pensar, Alex cobriu a cabeça com as mãos, como que tentando impedir que os outros pudessem ver estes pensamentos vergonhosos.   


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