Commentarius Angeli - Um Testemunho escrita por Francisco Lima


Capítulo 9
Capítulo 9 - Sob a Chuva


Notas iniciais do capítulo

Gente pra quem esta acompanhando a historia, me desculpa mesmo, eu estava super sem tempo e também com dificuldade para escrever este capitulo, por isso levei muito mais tempo do que o esperado para postar. Desculpa mesmo, espero que não tenham desistido de ler a minha historia.
Comentem por favor, ajuda muito, as vezes os comentarios nos dão ideias para escrever.
IMPORTANTE: Neste capitulo há um trecho da musica "Metade" Compositor: Oswaldo Montenegro



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Capitulo IX – Sob a Chuva


“(...) Que a arte nos aponte uma resposta


Mesmo que ela não saiba

E que ninguém a tente complicar

Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer

Porque metade de mim é plateia

E a outra metade é canção

E que a minha loucura seja perdoada

Porque metade de mim é amor

E a outra metade também.”

(Musica: Metade; Compositor: Oswaldo Montenegro).

- Essa letra é linda não acham? Oswaldo Montenegro é um gênio! – Disse Thais há algumas horas atrás enquanto lia um simulado de vestibular, que ela pretende prestar no fim do ano. A musica “Metade” de Oswaldo Montenegro estava contida na prova, e havia três ou quatro questões de língua portuguesa relacionadas a ela. Mas que momento para me lembrar de uma coisa como essa. A chuva lavava o meu rosto, a água escorria junto com o sangue do pequeno corte no canto esquerdo da minha testa, eu estava deitado no asfalto sob a chuva, o brilho disforme das luzes dos postes pareciam mais fortes agora que eu os via do chão com as gotas de chuva caindo sobre meus olhos. Eu sentia dor, eu sentia frio, eu sabia que isto era bom, eu estava vivo.

3 de Setembro de 2011, cada vez mais me parece que eu não terei mais sábados de folga. Nós fomos a uma pizzaria onde nos encontramos com Allan e Pascal, além de outro rapaz aquém eu ainda não havia sido apresentado. O rapaz tinha cabelos castanhos despenteados, caídos até os ombros, uma expressão alegre e ao mesmo tempo um pouco tímida. Devia ter aproximadamente a minha idade, estava vestindo uma jaqueta marrom, e acenou com animo para Thais quando nos viu chegar.

Thais fez um sinal de positivo com o polegar de uma mão e um gesto movimentando sua mão aberta para frente em um comprimento perguntando:

– Você está bem? – Com simpatia, ela sorria para ele enquanto se sentava à mesa em uma cadeira a sua frente, ao lado de Allan, que tinha Lex junto aos pés da cadeira, e Pascal que estava ao lado desde outro rapaz. Eu me sentei ao lado dela.

O rapaz juntou os dedos, apontando para dentro de sua boca e fez um gesto estendendo a palma de sua mão para frente. Ficou claro que eles estavam conversando usando linguagem de sinais. Thais confirmou para nós que o gesto que ele havia feito significava que estava bem.

Ele olhou para mim, ergueu o pulso esquerdo sobre a mesa e fez um movimento circular com a mão direita sobre ele, como se estivesse passando a mão sobre um relógio. Nesse instante eu ergui meu pulso esquerdo e puxei a manga da minha blusa para lhe mostrar-lhe o relógio que Thais me deu, mas ela pôs sua mão sobre a minha e me disse:

– Ele só esta dizendo “Boa Noite”!

– Ah, eu não sei como respon... – Thais fez um gesto me interrompendo, enquanto o jovem a minha frente fez alguns gesto ágeis que eu não pude distinguir e então fechou os dedos, como se segurasse alguma coisa junto à orelha e a moveu para o lado, como se estivesse puxando algo.

– O que isso quer dizer? – Eu perguntei.

– Que não tem problema, ele é ouvinte. – Thais me respondeu – E também consegue ler lábios.

– Eu nunca tinha conhecido alguém que usasse Libras, você se comunica bem assim? – Perguntei para Thais, que sorriu e me respondeu:

– Sim, comunicação é uma das minhas aptidões, ser um mensageiro celestial nos exige a capacidade de compreender e nos expressar em todas as línguas humanas.

– Você fala todas as línguas? – Eu perguntei surpreso, era difícil imaginar que uma pessoa pudesse conhecer tantos idiomas diferentes, se bem que se tratando de Thais, acho que essa era uma coisa normal.

– Incrível como você ainda se surpreende! – Falou Pascal, mas não soou com nenhum tom de hostilidade, ou desdém – Mesmo que Libras seja a língua brasileira de sinais, ela é uma linguagem praticamente universal.

– Verdade! – Completou Thais – A linguagem de sinais sofre pequenas variações em outros lugares do mundo. Esta entre as linguagens dominadas pelo homem que mais se aproximam da língua dos anjos.

– Língua dos anjos? – Perguntei intrigado.

– Uma língua que todos compreendem – Responderam Pascal, e acredito que o rapaz ao seu lado, em gestos que quase que em sua totalidade me escaparam a atenção.

– Esse movimento circular com o dedo indicador apontando para cima, quer dizer “todos”? – Uns acenos com a cabeça e olhares de aprovação de Thais e Pascal me serviram como resposta – Estou começando a pegar o jeito – Conclui com uma risada.

– Esta entre uma das línguas dominadas pelo homem que mais se aproxima da língua dos homens? – Perguntou Allan intrigado – E qual a língua dominada pelos homens mais próxima da língua dos anjos?

– Se desconsiderarmos sua oralidade e levarmos em conta sua forma de traduzir o mundo e o universo a nossa volta, a matemática é a que melhor ocupa esta posição! – Explicou Thais, o que de verás faz sentido, já que a matemática é universal.

Allan deu um sorriso torto e declarou:

– Matemática? Bom, acho que o inglês, o espanhol e o alemão continuam como minhas melhores opções como línguas estrangeiras – Ele concluiu nos provocando algumas risadas. Verdade que ele nunca foi muito interessado em ciências exatas, e sim, ele realmente pretendia estudar aquelas três línguas. Atualmente, o inglês, sua primeira opção, já estava em andamento.

– Vocês todos já se conheciam? – Perguntei.

– Thais me apresentou Thomas a pouco mais de um ano, é a primeira vez que você e Allan se encontram com ele. – Pascal respondeu.

– Estou tentando pensar em como vou conversar com ele, talvez você consiga pensar em alguma coisa Wagner, é tão criativo. – Acrescentou Allan, Thomas concordou com ele em um aceno com a cabeça. Libras é uma forma de linguagem principalmente visual, por esta razão, é muito importante se manter o contato visual para se poder compreender o que cada sinal significa, dessa forma a cegueira de Allan o impediria de se comunicar com Thomas por estes meios.

– Eu ajudo vocês com isso! – Thais disse sorrindo – Mas com o tempo Lucas, você e Baltazar vão conseguir se comunicar bem sozinhos!

Baltazar, esse era o outro nome de Thomas então. Thais, ou melhor, Gabriel sempre prefere nos chamar por nossos nomes angelicais.

Os garçons nos serviram duas pizzas que os três que chegaram antes já haviam pedido, uma de frango com catupiry e uma portuguesa, depois pedimos uma pizza toscana e outra de champignon. Bebemos sucos, refrigerantes, falamos sobre situações normais, Allan contou algumas piadas, Pascal comentou algumas coisas sobre seu treinamento como policial militar em seus primeiros dias na corporação, Thais nos mostrou um simulado do vestibular mais concorrido do país, que ela trazia em sua bolsa por causa de uma letra de musica que ela adorava contida na prova. Tivemos uma boa reunião de amigos, para falar em poucas palavras.

Thais e Thomas começaram a conversar com ar mais serio, Pascal parecia ser capaz de compreender os dois, mas não se pronunciou em nenhum momento.

– Sobre o que vocês estão falando? – Eu perguntei, percebendo a mesma curiosidade na expressão de Allan.

Thais bebeu dois ou três goles de suco de manga e então me respondeu:

– Estamos falando sobre o grupo de Thomas estar dividido no momento, e sobre eles estarem seguindo os rastros de um grupo de demônios que acreditamos terem sido os responsáveis pela invocação das três aves dos condenados que você enfrentou. – Ela então tomou mais alguns goles de suco e continuou – E também há outro ponto importante, naquela noite Pascal matou a garota que encontramos e que foi a primeira a invocar uma das feras, mas outras duas foram invocadas, e um rapaz e uma moça foram encontrados mortos próximos de onde as outras duas aves surgiram, mas não sabemos quem os matou.

– Mas foram eles que invocaram as outras duas? – Perguntou Allan.

– Provavelmente sim – Respondeu Pascal puxando dois pedaços de papel do bolso – Isto estava com eles! – Ele mostrou os dois papeis com aqueles mesmos símbolos estranhos que ele havia encontrado com a garota que me atacou quando nos conhecemos – Eles eram Ícaros.

– Como você pode estar com isso? – Allan perguntou.

– Tenho amigos na criminalista! – Pascal respondeu.

– Nos diga uma coisa Wagner, o que você sabe sobre o que foi divulgado sobre aquela noite? – Pascal me perguntou.

– Divulgado? Como assim divulgado? – Por toda esta semana, com o trabalho e a faculdade, eu acabei ignorando o que havia sido noticiado pelos jornais, não sei se as outras pessoas seriam capazes de me compreender, mas eu me sentia mau por isso, eu não fazia ideia sobre o que estava acontecendo no mundo.

– Bom Wagner, um avião cheio de passageiros fez um pouso forçado, aquelas pessoas quase morreram. – Allan comentou enquanto pegava mais um pedaço de pizza – Uma noticia como essa deve ajudar a vender alguns exemplares. – Ele concluiu e voltou a comer.

Thais puxou um jornal daquela manha que trazia na capa uma grande fotografia do quadrimotor pousado em uma estrada, com as pessoas sendo retiradas da aeronave pelas escadas de um caminhão de bombeiros. A Manchete dizia: “Piloto Herói faz pouso forçado e salva centenas de vidas”.

– Aqui veja- Apontou Thais, me mostrando um dos paragrafo da notícia – o filho de um pastor de uma igreja protestante disse ter visto dois anjos do senhor junto a um dos motores do avião, e disse ter visto sua luz bilhar e desaparecer – Ela parou de ler e então concluiu – O repórter usou a declaração do garoto para comover as pessoas e também para lhe servir como ponto de partida para um desfeche poético em sua matéria, mas eu pude perceber a presença de mais um anjo dentro daquele avião.

– Olhe esta outra noticia! – disse Pascal passando algumas paginas, o titulo da notícia era: “Vandalismo em São Paulo – Vândalos quebram portas de lojas e banca de jornal em Jabaquara”. A fotografia não deixava duvidas, quem realmente havia feito aquilo foi à primeira ave dos condenados que enfrentamos quando Allan e eu conseguimos derruba-la.

– Aqui dizem que foram vândalos! – Falei enquanto lia a matéria.

– É uma das formas como se traduzem ou se manifestam lutas entre anjos e demônios! – Explicou Allan.

– Manifestam? – Perguntei – Como assim?

– Vai entender com o tempo – Disse Thais – Agora o mais importante é tomar consciência de que estará mais seguro conosco, vamos te ajudar a desenvolver suas habilidades e...

– Espera isto esta... Sei lá, muito fora de controle! – Eu falei interrompendo o que Thais estava dizendo – Desculpa, mas eu não quero continuar com isso!

Thomas pareceu me dar um olhar preocupado, então Pascal falou:

– Veja bem, se nós deixarmos você ir embora, você pode levar uma vida normal, ou se aliar ao inimigo, se isso acontecer nós vamos ter que te caçar. Mas ainda podemos apostar que você vai levar uma vida comum, ou morrer por não se deixar corromper pelo mal. Mas o problema é que para eles você nunca ficara em uma posição neutra neste jogo, ou você esta do lado deles, ou você esta morto.

– Procure entender! – Começou Allan com um tom de seriedade atípico em sua voz – Por nós tudo bem se você for levar uma vida normal, mas seus poderes já começaram a despertar, eles vão te achar, e as suas opções reais são bem claras. Ou você se aliara aos demônios ou será morto por eles.

– Claro que no caso de se aliar a eles, você será morto por nos! – Complementou Pascal.

– Então, é assim que as coisas são? – Perguntei encarando todos a mesa, não acreditando do que eles estavam dizendo – Você me mataria Allan?

– Preferiria não ter que fazer isso! – Ele respondeu.

– Pare com isso! – Thais ordenou – Você sabe que eles têm razão, nós não faríamos nenhum mal a você, mas caso se torne nosso inimigo, teremos que derrotá-lo, e se não estivermos por perto para protegê-lo, serão estas as suas opções reais, se aliar aos demônios, ou ser morto por eles.

– Não sei se devo continuar com vocês! – declarei com insegurança.

– A questão mais critica no momento não é se deve continuar conosco, mas sim, se consegue sobreviver sozinho, ou se consegue não se aliar ao inimigo. – Esclareceu Pascal usando um ar de quem aplica um sermão.

– Pode se arriscar sozinho! – Disse Thais – Ou nós podemos te ajudar. Pascal pode te ensinar a usar suas habilidades.

– Eu? Tem certeza que eu sou o mais indicado para fazer isso? – Pascal questionou.

– E por que não? – Perguntou Thais.

– Porque metade de mim é um homem ocupado, e a outra metade não esta disponível! – Pascal respondeu, e admito que com um humor inteligente.

– Pensando bem, eu também acho que não seria uma boa ideia! – Declarei.

– Por que diz isso? – Ela perguntou.

– Porque metade de mim é preguiça, e a outra metade também! – Respondi conseguindo arrancar risadas de todos mais uma vez, mas ainda havia muito em que se pensar.

– Vocês são muito engraçados, eu ri horrores! – Ela falou com uma expressão de tedio, mas não demorou muito para que não fosse mais capaz de segurar o riso.

Conversamos um pouco mais sobre o assunto. Em resumo, eles me explicaram que anjos e demônios estão espalhados por ai em formas humanas, por vezes levam suas vidas sem se dar conta de suas habilidades. Quando o contrario acontece, costumam se reunir em grupos. Os demônios se reúnem em grupos de treze membros, enquanto os anjos se reúnem em grupos com sete integrantes. Fiquei curioso pela desvantagem numérica assumida na formação dos grupos de anjos em relação aos grupos dos demônios. Segundo Thais, sete é o numero da perfeição, e daí ela passou a citar vários exemplos dizendo:

– A Menorá, é o candeeiro Judeu com sete braços que representa os sete dias da criação do mundo. São sete, as virtudes universais: Caridade, Esperança, Fé, Fortaleza, Justiça, Prudência e Temperança. Assim como são sete os pecados capitais, aqueles que se deve resistir: Avareza, Gula, Inveja, Ira, Luxúria, Preguiça e Soberba. Sete são os sacramentos da igreja Católica: O Batismo, a Confirmação, Eucaristia, Penitência, Ordem, Matrimônio e Extrema União. – Incrível como ela tinha exemplos com o numero sete – São sete obras de misericórdia: Dar de comer a quem tem fome, Dar de beber a quem tem sede, Vestir os nus, Dar Pousada aos Peregrinos, Visitar os enfermos e encarcerados, Remir os cativos e Enterrar os mortos. Existem sete notas musicais, com sete escalas, sete pausas e sete valores...

– Bem, parece que o numero sete tem mesmo muito significado! – Eu falei sem perceber ter interrompido Thais, mas ela não pareceu se incomodar, acho que percebeu minha reflexão e que estava pensando alto. Foi Allan que prosseguiu.

– No Evangelho de Mateus, Pedro perguntou a Jesus se devemos perdoar aqueles que pecam contra nós até sete vezes, e está escrito em Mateus (18:22) como resposta a pergunta de Pedro: “ Respondeu-lhe Jesus: Não te digo que até sete; mas até setenta vezes sete.” – Allan fez uma pausa tomando um gole de refrigerante – O que na verdade tem um sentido figurativo, e quer dizer que devemos perdoar a tudo.

– Não sei bem se é isso que eu esperaria ouvir de um futuro advogado! – Comentei, mas Allan e eu fomos os únicos a achar graça da piada.

– Em Gênesis – Continuou Thais – Esta escrito que José, filho de Jacó, Fundador da Tribo de José, interpretou o sonho profético do faraó, que sonhou com sete vacas gordas, sete vacas magras, sete espigas cheias e sete espigas definhadas. José interpretou o sonho como sendo sete anos de fartura, seguidos de sete anos de seca, se tornando homem de confiança do faraó.

– Acho que não precisava de tantos detalhes assim. Já deu pra perceber que o sete é um numero bem popular! – Eu comentei – Então, se Thomas pertence a outro grupo, por enquanto caso eu continue com vocês, somos em quatro neste grupo?

– Três! – Respondeu Pascal – Gabriel estará conosco até reunirmos sete integrantes no grupo e depois começara a formar outro grupo, assim como esta fazendo conosco.

Thomas puxou um celular do bolso, destes com teclado parecido com o de um computador, são ótimos para escrever mensagens. Ele a mostrou para Thais.

- É da Lúcia! – Disse Thais – parece que ela encontrou algo sobre tipo especial de receptáculo! – Ela falou com ar de preocupação. Thais, Thomas e Pascal se entreolharam e Thais então falou:

- Vou deixa-los em suas casas, nós três temos que ir falar com a Lucia!

- Nós podemos ajudar! – Falou Allan.

-Não desta vez, por enquanto vocês vão voltar para suas casas! – Ela Respondeu.

- Mas, não precisam se atrasar para nos deixar em casa! – Eu falei – Nós podemos voltar pra casa sozinhos se vocês estiverem com muita pressa!

- Eu vou leva-los! – Ela me respondeu.

- Wagner tem razão, nós podemos voltar sozinhos se vocês estão com pressa! – Allan disse com ar despreocupado – Pode ir ajuda-la!

- Se querem mesmo voltar sozinhos tudo bem, mas me chamem se precisarem! – Ela falou, se levantando junto com os outros dois e eles saíram pela porta da frente da pizzaria. Provavelmente fugiram da visão de todos para ir ao encontro de sua amiga, ao estilo Thais.

Allan, Lex e eu fomos embora logo após os outros. Por sorte Pascal deixou o dinheiro da conta, seu valor final teria causado um grande impacto no conteúdo da minha carteira. Depois de pouco menos de dez minutos de caminhada, nos percebemos um rapaz vestido com uma blusa de moletom cinza com capuz que nos seguia. Nós apertamos o passo e pouco depois o rapaz sumiu.

Estávamos falando sobre os assuntos que tínhamos conversado a pouco tempo na pizzaria. Repetíamos e brincávamos com o que havia sido dito até que Lex pareceu incomodado e mesmo pensando ter me enganado, logo percebi que ele tinha motivos para isso.

- O que foi garoto? – Perguntou Allan – Tem algo errado?

- Parece que sim Allan, nós já passamos por aqui! – Eu respondi – Não sei como isso pode ser possível, mas é como se essas ruas levassem só a lugares por onde acabamos de passar.

- Não podemos estar perdidos, o Lex não se perde. – Disse Allan.

- Não deveríamos ter nos perdido, não tinha como nós termos voltado pra cá! – Eu estava olhando confuso para os lados, quando vi novamente aquele rapaz, carregando uma garrafa na mão direita. Ele andava em nossa direção, um pouco cambaleante, deixando transparecer que estava alcoolizado.

- Cuidado! – Disse Allan fazendo um movimento de pulso que montou sua bengala articulada.

- Olha só, o garoto cego parece enxergar melhor do que você! – O rapaz falou olhando para mim – Ele nem consegue me ver e já sabe que deve ter medo! – Ele concluiu com uma risada sarcástica.

- Eu disse para ele ter cuidado, nem de longe um tipo como você poderia nos causar medo. – Allan rebateu.

- Aí, um a zero pro Allan! – Eu falei olhando para ele e apontando para o Allan com o polegar, e então não resisti e comecei a rir.

Ele tomou alguns goles de sua bebida e limpou os lábios com a manga da blusa. Era evidente que ele estava bêbado. O cheiro de álcool ficava mais forte enquanto ele se aproximava. Allan estava com sua lança já em guarda.

O bêbado sorriu com uma expressão sarcástica e ameaçadora. Ele puxou um canivete que estava escondido na cintura de sua calça e correu de encontro a Allan. Cambaleante, seu ataque sequer poderia ser levado a serio, Allan golpeou suas pernas com o cabo de sua lança o fazendo cair no chão. A garrafa em sua mão caiu e se partiu em pedaços espalhando sua bebida pelo chão.

- Não dá pra acreditar que você seja um demônio! – Declarou Allan, e eu me surpreendi e me voltei – Não quer que eu acredite que é só isso que pode fazer não é?

- Desgraçado – Falou o rapaz se levantando e batendo com as mãos nos joelhos limpando a calça – Por sua causa deixei cair o meu conhaque.

Vi seu canivete caído no chão e decidi aproveitar a oportunidade, eu corri em direção a ele e chutei para longe sua arma, o deixando desarmado e em desvantagem. Um sorriso de indiferença mostrava que ele não se importava por ter perdido sua arma.

- O que eu ia querer com aquele brinquedo? – Ele falou e então se sentou no chão esfregando um dos olhos. Uma garoa fina começou, mas isso pareceu não incomoda-lo, e ele permaneceu sentado.

- Cara, você tem problemas! – Eu falei para ele.

- Mesmo gênio? Não sei se você sabe, mas todos têm problemas, e você tem um a suas costas agora! – Ele falou esfregando um lado do rosto com a mão.

Senti um golpe em minhas pernas, que me fizeram cair no chão, Allan me derrubou e agora apontava a lamina de sua lança entre meus olhos. Eu sei que as vezes um amigo te apunhala pelas costas, mas isto era algo que eu definitivamente não esperava.

- Você tá louco? – Eu perguntei exasperado, caído no chão.

Ele chutou o meu estomago duas vezes e então ergueu a sua lança e desferiu um golpe do alto contra mim. Eu rolei no chão evitando o golpe, tentei me levantar e correr, mas Allan me deu uma rasteira e cai novamente no chão.

- O que você tem Allan? – Gritei enquanto desta vez conseguia me levantar.

Ele girou o pulso que carregava sua arma e um gesto que o colocou em posição de guarda. Em um instante ele já estava diante de mim pronto para me atacar. Eu tentei desviar e agarra-lo para tentar um tipo de imobilização, sei lá, derruba-lo e tentar segurar os seus braços, algo assim, qualquer coisa que o fizesse parar. Mas mesmo desviando da lança de Allan, eu não fui capaz de agarra-lo. Depois que desviei de seu golpe, ele me agarrou com uma das mãos, arqueou o corpo e me puxou sobre suas costas me atirando no chão.

- Você esta ficando nervoso? – Allan me perguntou. Aquela altura a garoa já tinha ganhado um pouco mais de força – o ritmo da sua respiração mudou! – Diário é serio, cegos terem uma audição mais apurada é algo esperado mesmo, mas às vezes o Allan parecia passar dos limites. Não sei se todos os cegos podem perceber coisas assim, ou se Allan pode fazê-lo por causa de seus poderes, ele é o único cego que eu conheço.

- Sabe o que é mais engraçado? – Perguntou aquele cretino sentado no chão – Curiosamente o seu amigo vai te matar achando que esta te protegendo!

- O que? – Perguntei.

- Bom, é simples de entender, seu amigo pensa que você sou eu, e pensa que esta protegendo um amigo. – Ele falou e então começou a rir. – Você pode mata-lo se quiser, mas eu acho isso tão desleal matar alguém que esta arriscando a vida pensando estar te protegendo! – Nossa como eu queria torcer o pescoço dele naquela hora.

Allan correu em minha direção, eu esperava por mais uma investida com sua lança, mas ele saltou contra mim e me atingiu com um chute no peito. Sem equilíbrio dei alguns passos cambaleantes para traz, e antes de cair, vi a lamina da lança de Allan vir em minha direção. Ela tocou na minha testa, mas o golpe mortal foi desviado por algo que eu definitivamente não esperava salvar a minha vida. Um cão negro surgiu, como uma sombra, vindo da direita e saltou mordendo a manga da blusa de Allan, o peso do cão e seu surgimento inesperado foram a minha salvação desviando o ataque.

Desta vez eu reconheci o cão, era Aiga, a cachorra daquela garota com o cabelo muito comprido, Dorothy. A chuva já estava um pouco mais forte. Depois daquele ataque, eu estava caído no chão com um pequeno corte do lado esquerdo da minha testa. Eu piscava com as gotas de chuva caindo sobre meus olhos, eu pensei que não sobreviveria naquele instante, e lá estava eu, contemplando o momento seguinte sob a chuva.


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