Commentarius Angeli - Um Testemunho escrita por Francisco Lima


Capítulo 20
Capítulo 20 - De Frente Para a Igreja.




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Capítulo XX – De Frente Para a Igreja.

Às vezes as coisas saem dos planos, e quando isso acontece, nos deparamos com situações com as quais podemos não saber como agir. Desencontros, congestionamentos, relógios atrasados, distrações, acidentes, chuvas fortes, contas surgidas de ultima hora. Existem diversas situações que podem mudar os nossos planos e que fogem ao nosso controle. Tudo que podemos verdadeiramente fazer é nos programar, e torcer para que as coisas saiam bem, porque na verdade, não temos controle nenhum sobre o que vai acontecer no próximo momento. Quando seu dia começar, talvez nada saia como programado.

15 de Outubro de 2011. As coisas não saíram bem como eu esperava.

            Normalmente eu não me lembro dos meus sonhos, às vezes quando acordo até tenho alguma imagem ou coisa assim na mente, mas logo ela se esvai enquanto recobro a consciência. Porem uma imagem com que sonhei esta ultima noite ainda ficou em minha cabeça por um tempo depois que acordei. Era como a silhueta de uma mulher com asas de anjo, mas não era como se fosse uma pessoa com asas, estava mais para uma estatua. Atrás dela havia uma janela por onde entrava luz e a luz passava através da estatua como se ela fosse feita de vidro. Acho que é o meio com o qual tenho convivido.

            Allan, Lex e eu fomos juntos até a estação do Anhangabaú do metro, Lex é claro era o mais bem ambientado de nós três. Nós também podíamos ter ido até a estação São Bento, mas não faria tanta diferença e teríamos que ter feito outra baldeação, então achamos melhor continuar na linha em que estávamos. Nós tínhamos combinado com a Thais de que a encontraríamos em frente à igreja Nossa Senhora do Rosário, no Largo do Paissandu. No caminho passamos pelo Teatro Municipal de São Paulo, dentre as muitas estatuas que enfeitam sua arquitetura notei a de um anjo, com traços femininos que tocava uma flauta transversal.

            - Por que está rindo? – Allan perguntou.

            - Nada de engraçado na verdade, só a imagem de um anjo tocando flauta, me lembrou da Thais. – Eu respondi. – Como sabe que estou rindo?

            - Eu já disse, é fácil perceber o timbre do sorriso nas pessoas! – Allan respondeu.

            - A é, eu me esqueci! – Eu respondi, de fato aquela não era a primeira vez que ele tinha me explicado aquilo. Acho curioso, parece que quando falamos enquanto sorrimos, este sorriso fica ainda mais evidente.

            - Oi, que bom encontrar vocês no caminho! – Disse Thais vindo por trás de nós, com as mão nas alças da mochila. Ela afastou os cabelos que caiam sobre os olhos com uma das mães e empurrou os óculos sobre o nariz.

            - Oi Thais, tudo bom? – Allan perguntou enquanto ela se aproximava para nos cumprimentar. Lex voltou-se para ela e soltou um latido amigável enquanto balançava animado o rabo.

            - Tudo sim e vocês? – Ela nos cumprimentou com um beijo no rosto e então se abaixou para abraçar e acariciar o cachorro. – E você meu “lindão” como está? Cachorro maravilhoso! – Ela falava com aquela voz boba com que as pessoas normalmente falam com crianças.

            - Você também veio de metro? – Eu perguntei.

            - Sim, estou vindo da estação das Clinicas, eu estava na zona Oeste. – Ela respondeu. Por mais que Thais diga que prefere manter a descrição e agir como uma pessoa normal, sempre me parece tão estranho imaginar ela usando metrô.

            Nós chegamos à igreja da Nossa Senhora do Rosário, mas Dorothy não estava lá, está igreja não é exatamente como as outras de seu estilo, ela tem grades internas em suas janelas, e esta cheia de pichações pelo seu lado de fora. Entre as muitas pichações estavam símbolos que eu acredito que jamais saberei o significado, algumas palavras que também não consegui ler e outras já mais claras, como a palavra “Punk”.

            - É, nem sinal dela! – Eu falei.

            - Não pensei que ela fosse deixar de vir! – Disse Allan.

            - Não acredito! – Falou Thais olhando para trás depois de ter se voltado para todas as direções. – Essa garota... Tem mesmo um senso de humor bem divertido!

            - É, acho que entendi porque ela pedia para que fosse esta igreja! – Eu falei olhando para a mesma direção que Thais, e confesso que achei aquilo engraçado.

            - Gente eu estou perdendo a piada, do que vocês estão achando graça? Ela chegou? – Allan perguntou.

            - Dorothy ainda não apareceu! – Thais respondeu. – Mas ela tinha pedido para o nosso encontro de hoje acontecer em frente à igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, e aqui estamos.

            - De frente para a “Galeria do Rock”! – Eu completei.

            - Ela é mesmo uma figura! – Allan comentou dando uma gargalhada. – Não foi mesmo por acaso que ela escolheu esse lugar.

            Nós fomos até a galeria, se nós fossemos encontra-la, seria lá. Como em qualquer galeria, o lugar estava cheio, e tínhamos alguns andares para procurar. Uma coisa que tínhamos ao nosso favor era o estilo peculiar de Dorothy, afinal não existem tantas garotas com um cabelo tão longo quando o dela, os olhos de cores diferentes também ajudam, mas esse já é um detalhe menos visível quando se esta passando pelas pessoas sem prestar muita atenção nelas.

            Subimos três andares procurando por ela, perguntamos para algumas pessoas se alguém a havia visto até que encontramos uma resposta positiva. Um vendedor de uma das lojas disse conhece-la e se referiu a ela como “a mina da arvore” quanto chamou um colega para perguntar se o outro a tinha visto. Não intendemos o que isso queria dizer, então ele explicou que a Dorothy que ele conhecia tinha uma arvore tatuada nas costas, ele não só confirmou o comprimento do cabelo como uma referência como também falou sobre ela ter os olhos de cores diferentes. Ele indicou um estúdio de tatuagens lá mesmo na galeria onde estávamos onde ela parece ter feito suas tatuagens, ou algumas delas. Infelizmente ele ainda não a tinha visto.

            - Essa foi uma surpresa, não sabia que ela tinha uma tatuagem nas costas! – Eu comentei.

            - E como ia ver alguma coisa nas costas dela com todo aquele cabelo cobrindo? – Falou Thais.

            - Verdade, eu não vi! – Disse Allan, ele não podia perder a oportunidade para soltar outra das suas.

            - Eu não pensei que Dorothy fosse como nós! – Eu falei.

            - E não é! – Respondeu Thais. – Mas estão atrás dela e se ela estiver em um grupo vai ser mais fácil protege-la, e o seu ainda está em inicio de formação então eu posso encaixa-la.

            - E também para mantê-la sob controle certo? –Falou Allan.

            - Não posso dizer que esteja errado! – Ela confessou. Lex deu um espiro como se nos disse: Claro, eu sabia.

            - Eu não acho que ela vá se voltar contra nós! – Eu falei.

            - Minha preocupação não é com ela, mas o que podem estar planejando fazer com aquele ceifeiro que ela tem no olho esquerdo! – Thais explicou. – isso se é mesmo o ceifeiro o que desperta o interesse que eles têm na garota.

            - E o que mais poderia ser? – Perguntou Allan.

            - Eu não sei, talvez nem ela mesma saiba, por isso é importante que ela esteja em segurança, foi o que eu disse a Pascal! – Thais revelou.

            - Disse isso pro Pascal? – Allan perguntou. - Quando?

            - Têm uns dois dias, estávamos tendo uma conversa como essa de agora. – Ela disse. – Eu estava tentando explicar para ele o porquê acho que seria bom ela entrar neste grupo, mesmo ela não sendo um anjo.

            - Ele não a quer no grupo? – Allan perguntou.

            - Bem... Ele esta um pouco relutante, e com suas razões, afinal ela é uma bruxa, mas eu disse a ele que por hora nós temos preocupações mais serias e que eu pensaria no que fazer a esse respeito depois. – Thais tentou esclarecer.

            Continuamos a conversa enquanto andávamos até ouvirmos um latido, aquilo chamou a atenção de Lex primeiro que se virou para Allan e latiu para ele, então ele se voltou para as escadas para que descêssemos do primeiro andar para o térreo, Allan propôs que a reação de Lex tinha algo haver com aquele latido, que na verdade até parecia começar a suar de forma familiar.

            Quando chegamos ao térreo vimos Aiga na rua, do lado oposto ao que ficava em frente à igreja, ela estava visivelmente cansada, mas ao nos ver latiu para nós, então indicou uma direção como fazem os cães de caça, e então começou a correr.

            - Ela quer que nós a sigamos! – Disse Thais.

            - Vamos Lex, Atrás dela! – Allan ordenou e começou a correr junto com Lex que o guiava atrás enquanto seguia Aiga.

            Eu e Thais também começamos a correr mas não os alcançávamos, ela se cansou muito rápido, eu tentei puxa-la pela mão mas ela me soltou.

            - Não dá, eu não posso! – Ela falou ofegante.

            - Vem Thais! – Eu a chamei e lhe estendi a mão para ajuda-la a voltar a correr.

            - Não, vá ajudar o Allan, eu já alcanço vocês! Vai logo! – Ela falou ofegante encostando as costas em uma parede.

            Eu a deixei e voltei a correr, quase os perdi de vista, mas ainda consegui encontra-los. Não sei como Allan conseguia acompanhar aqueles Cães, se bem que mesmo de longe era nítido que mesmo correndo Lex não permitia que Allan fosse exposto a nenhum risco nenhum obstáculo, deixando Aiga se distanciar deles ou não, sua missão de guiar Allan estava acima de tudo. Eu admito, eu sou fã desse cachorro.

            Nós chegamos até uma casa, Aiga estava exausta, e eu também, mau podia respirar, embora depois dessas ultimas semanas em que tenho treinado com Thomas e Pascal meu folego se tornou muito maior, mesmo assim naquele momento eu esta muito próximo do meu limite. Allan também estava ofegante, mas ele parecia bem.

            A casa tinha uma placa de imobiliária indicando que estava a venda, Ela parecia estar em bom estado, Allan e eu pulamos o muro e entramos, Aiga passou por um buraco bem escondido e foi seguida por Lex. A cachorra passou por nós e se erguem nas patas traseiras para tentar abrir a maçaneta da porta, mas ela estava trancada. Ela se virou para nós e se ergueu novamente, arranhando a madeira da porta com suas unhas.

            - O que ela esta fazendo? – Perguntou Allan.

            - Ela quer que entremos na casa! Ela tentou abrir a porta, mas não conseguiu, parece ter ficado nervosa e a esta arranhando! – Expliquei. Eu também tentei abri-la, mas ela estava realmente trancada.

            - Me deixe tentar uma coisa! – Allan falou erguendo a mão direita, tentado procurar a maçaneta, Lex que percebeu a intenção de seu dono guiou a mão de Allan a empurrando com seu focinho.

            Allan uniu as duas mãos em torno da maçaneta como em um gesto de oração e começou a sussurrar, embora ele pronuncia-se as palavras em voz muito baixa, eu até pude ouvir alguma coisa, mas as palavras que ele sussurrava pareciam ser de uma língua antiga e não faço ideia do que significavam. Em um instante ouvi um pequeno estralo metálico, Allan moveu a maçaneta da porta e a empurrou para dentro abrindo passagem, Aiga correu desesperada para dentro e nós a seguimos.

            - Como você fez aquilo Allan? – Perguntei.

            - Você pega o jeito com o tempo, estou há mais tempo nisso de anjo do que você! – Ele respondeu ainda com aquele tom brincalhão.

            Avia um tapete sujo e empoeirado em um dos cômodos da casa mais afastados da rua, o cômodo contava também com um banheiro próprio, era uma suíte. Aiga mordeu uma das pontas do tapete e começou a puxa-lo. Lex latia para ela e para seu dono, ele queria ajudar.

            - Vamos lá garoto! – Allan falou liberando o cachorro. Eu e ele também puxamos o tapete que era mais pesado do que parecia, revelando uma porta quadrada de madeira, nós a abrimos e encontramos uma escada de madeira que dava em um túnel escuro.

            Era obvio que Aiga queria que seguíssemos por ali e foi o que fizemos, o túnel fazia três curvas no sentido de volta rua por baixo da terra, e em sua ultima curva, eu pude ver uma luz fraca, a luz de uma vela. Aiga estava nervosa, e então eu pude ouvir vozes vindas do cômodo secreto a nossa frente.

            - Ei Wagner, o que esta acontecendo? – Allan perguntou. – Tem algo estranho.

            - Seja quem for que estiver metido nisso esta a nossa frente Allan, é melhor estarmos prontos para lutar.

            - Mas Wagner, acho que conheço essas vozes! – Allan falou apertando meu ombro com sua mão direita enquanto segurava a guia de Lex com a outra. Aiga ainda estava muito aflita e correu em direção à luz.

            Eu corri atrás da Aiga e cheguei a um estranho quarto, Allan e Lex entraram quase ao mesmo tempo em que eu. O quarto tinha o teto pintando de preto com um pentagrama vermelho pintado por toda sua extensão e duas lâmpadas incandescentes no centro, as paredes estavam amareladas e demonstravam sinais de infiltração, tinham símbolos e inscrições pichadas, algumas pareciam ser recentes e terem sido escritas com sangue, que eu espero ter sido de animal, embora não acreditasse totalmente nisso. O lugar estava tomado pelo odor de mofo misturado com cheiro de incenso e de cera de vela derretida, haviam algumas acessas, e outras apagadas caídas no chão, assim como os corpos de nove pessoas.

            - Que ambiente mais carregado! – Allan comentou. – Wagner, quem está diante de nós?

            - Tha... Tha... – Eu engoli em seco e então consegui falar. – Thais, Lucia, e Pascal!

            Pascal estava pegando no colo uma garota inconsciente, não teria como não reconhece-la mesmo não olhando diretamente para seu rosto. Ele pegou no colo o corpo nu de Dorothy, que era coberto apenas por seus longos cabelos pretos. Notei até algumas folhas secas, como a de arvores no outono tatuadas em seu ombro esquerdo.

            - O que vocês estão fazendo aqui? – Eu perguntei perplexo. – Você disse que teria que ficar para trás Thais, como pode ter chegado aqui na nossa frente? O que vocês estão fazendo com ela? Por que...

            - Recomponha-se homem! – Ela falou para mim depois de me dar um tapa no rosto com a mão direita. – O que foi? Está assustado com tudo isso? Venha, não temos tempo para explicações, temos que leva-la logo até a casa de Raphael. – Ela me fez recobrar o controle, nos reuniu e nos teleportou.


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