Commentarius Angeli - Um Testemunho escrita por Francisco Lima


Capítulo 19
Capítulo 19 - Harmonia.




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Capítulo XIX – Harmonia.


            Acessibilidade é uma palavra que esta diretamente relacionada com independência. Acessibilidade não é ter uma calçada com pisos táteis, ou uma rampa rebaixada ao nível da rua para permitir a subida de uma cadeira de rodas. Estes pisos podem estar gastos, estas rampas podem ter uma inclinação que a torne impossível para um cadeirante usá-la sem ajuda. A acessibilidade exige primeiramente uma reeducação de nossa sociedade, para que as pessoas consigam aprender a encarar as diferenças e a respeitá-las, pois só assim será possível criar ambientes que possibilitem total adaptação e locomoção a todos, acabando com as restrições e as barreiras que passam despercebidas por aqueles a quem elas não são impostas. Isso porque mesmo parecendo totalmente absurdo, ainda existem pessoas que se sentem prejudicados por ter que ceder a vez ao atendimento preferencial, assim como também existem pessoas com boa vontade, mas que por terem tanto desejo de ajudar podem acabar atrapalhando alguns deficientes. É importante que as pessoas aprendam que garantir a independência de todos é a melhor ajuda que podemos oferecer.

            Sair de ônibus com Allan é sempre uma experiência singular. Particularmente, eu nunca fui muito bom para me localizar, não conheço quase nada dos caminhos dos ônibus que utilizo além dos locais em que estou habituado a frequentar, e me situo por alguns poucos pontos de referência. Não sei se isso é comum entre os cegos, mas Allan conhece todo o percurso do ônibus e sabe exatamente onde está a cada curva que ele faz. Se bem me lembro, seu pai saia bastante com ele tanto de ônibus quanto a pé quando ele era criança, para que ele conhece o máximo possível de ruas e lugares, isso o ajudaria a ser mais independente e contribuiria para sua segurança.

            - E ai, como está indo o treino com Thomas e Pascal? – Allan perguntou.

            - Melhor do que eu esperava, Pascal não é tão psicótico como eu achava, bom ele ainda é bem psicótico, mas nem tanto. – Eu falei rindo um pouco.

            - Com a Thais as coisas estão indo bem, você quer ver? – Ele me perguntou enquanto enfiava as mãos nos bolsos da calça procurando alguma coisa.

            - Tem certeza que vai fazer uma demonstração aqui? – Perguntei querendo ter certeza do que ele pretendia fazer, eu estava de pé no corredor do ônibus enquanto Allan estava sentado no assento preferencial com Lex a seu lado.

            -Não e nada tão absurdo! – Allan explicou puxando um pequeno dado branco com pontos pretos do bolso. – Olha isso! – Ele falou com o dado na palma da mão direita, então ele dobrou os dedos por sobre o dado e abri o então punho fechado da mão esquerda revelando o dado, depois ele abriu a mão direita para mostrar que o dado que estava naquela mão havia desaparecido, assim como o que estava em sua mão esquerda surgira como em um passe de mágica.

            - Legal, parece ilusionismo! – Eu falei.

            - Sim parece, mas eu tenho certeza que é muito mais complicado! – Allan falou.

            - Mas foi legal essa amostra do que aprendeu! – Eu comentei.

            - Na verdade esse foi o show principal! – Ele falou. – E não foi fácil aprender.

            - Sério, em todo esse tempo? – Eu perguntei um pouco surpreso, por mais que eu não soubesse como Allan fazia aquilo, não parecia ser tanta coisa para levar tanto tempo para se aprender.

            - Mas na verdade segundo a Thais eu estou indo muito bem. – Allan falou. – Disse que estou aprendendo mais rápido do que a maioria.

            - Sério que esta adiantado? – Eu perguntei.

            - Sim, pode até parecer que não, mas eu estou adiantado sim. – Allan explicou. – Afinal não é fácil pensar em quatro dimensões.

            - Quatro dimensões? – Aquilo me deixou curioso.

            - Sim, isso te lembra de alguma coisa? – Allan quis saber.

            - Uma trilogia que eu gostava muito na minha infância eu falava sobre viagens no tempo, na verdade ainda faz parte dos meus filmes favoritos, mas faz tempo que não assisto. – Eu expliquei. – Mas tem outra coisa, e acredito que seja mais importante!

            - Bom com certeza deve ter algo haver com esse filme que você falou, porque é algo com o tempo e o espaço! – Disse Allan.

            - É... Quatro dimensões é um conceito da “Teoria da Relatividade”. – Eu concordei.

            Uma senhora andou até a catraca e pediu ao motorista que lhe avisasse quando chegasse ao hospital Santa Marcelina, ela explicou que não conhecia o ponto por não ser da cidade e nunca ter ido pra lá.

            - Faltam quatro pontos senhora! – Disse Allan querendo ajudá-la.

            A senhora acenou com a cabeça e agradeceu, então ela voltou a seu lugar. Depois de passarmos por três pontos Allan me pediu para chama-la, a mulher se voltou para ele e ele falou:

            - Senhora, o seu ponto é o próximo! – Ele disse com uma explicita boa vontade.

            - Obrigada filho! – Ela respondeu, mas não parecia dar credito a ele, provavelmente não acreditava que um rapaz cego pudesse se localizar sozinho, e acredito que eu estar com ele deve ter dado um pouco mais de força a essa dedução. Como o motorista do ônibus também não se manifestou de nenhuma forma isso acabou por fortalecer ainda mais o descredito na informação feita por Allan e por isso ela não se levantou para dar o sinal e não desceu no ponto.

- Ela desistiu de descer aqui? – Ele perguntou.

- Acho que ela não acreditou muito que você sabia o que estava falando! – Eu expliquei. Allan respirou fundo, suspirou e balançou a cabeça.

- Bom, aí é com ela! – Ele falou.

Três pontos depois o motorista perguntou:

- Aquela senhora que ia descer no hospital ainda esta aí?

- Estou motorista! – Ela respondeu.

- Desculpe senhora, eu tinha me esquecido de você, a senhora vai ter que voltar uns três pontos para trás? – O motorista respondeu.

- A motorista, eu não acredito! – A senhora respondeu contrariada.

- Desculpe senhora, eu me esqueci! – Ele falou.

A senhora pôs a alça de sua bolsa no ombro direito, olhou para mim e para Allan com uma expressão não muito feliz e desceu no ponto em que estávamos e atravessou a rua para a outra mão, não sei se voltou para o ponto do hospital andando, ou se esperou outro ônibus para fazer isso, mas eu tenho certeza de que ela se arrependeu de não ter confiado em Allan.

Chegamos ao ponto da estação e descemos para pegar o trem até a estação do Brás, de lá fizemos a transferência para as linhas de metro com sentido a estação Palmeiras Barra Funda, descemos na Sé e de lá fomos para a estação Paraíso pela linha azul, de onde fizemos outra transferência com destino até a estação Brigadeiro, a que acredito ser a mais próxima do Parque do Ibirapuera, entramos pelo portão dez na Avenida Pedro Álvares Cabral, um dos portões que dão acesso à entrada de pedestres.

Foi à primeira vez em que fui ao Parque, sempre tinha ouvido falar dele, mas fica muito longe de onde eu moro, o que na verdade é comum para este tipo de lugares, os pontos turísticos nunca estão próximos das regiões onde e concentram as casas das famílias mais carentes. Eu já conheci pessoas na faculdade ou tive aula com alguns professores, que não eram capazes de justificar a imagem que usavam de educadores, que diziam que as pessoas mais pobres são desinteressadas, incapazes de compreender a arte, ou apreciar a beleza, de aproveitar a cultura que se oferecia de graça na capital paulista, e que por isso mesmo tendo acesso as pessoas mais carentes não procuram estes ambientes. Acho que a falta de oportunidades e de acesso a cultura, é o que causa essa falta de procura. As questões são muito mais complicadas do que querer ou não querer, mas isto é uma discussão muito longa e eu gastaria todo esse diário se parasse para escrever só sobre isso.

O Parque do Ibirapuera é realmente um lugar fascinante, é enorme e cheio de coisas para se fazer, inclusive se você for o tipo de pessoa que esta procurando um lugar para não fazer nada. Pode não ser uma coisa que chame atenção de muitas pessoas, mas eu sempre gosto de observar e tocar as arvores, principalmente as que tem os troncos mais inclinados ou tortos como as figueiras, que criam uma espécie de colar de arvores secundarias em volta do tronco principal, ou os grandes e vistosos jatobás, sem falar no assoalho de raízes do ceboleiro, uma árvore nativa da Mata Atlântica do interior do Estado de São Paulo, aquela com certeza era uma arvore bem velha.

Enquanto andávamos por lá encontramos Vinicius, Helena e suas filhas, as gêmeas Patrícia e Priscila que caminhavam de mãos dadas com seus pais, vez ou outra elas trocavam de acompanhante em intervalos estipulados por elas para quem ajudaria o pai a andar com a bengala. O casal via graça na atitude e no rodízio das duas pequenas.

A orquestra sinfônica da qual Thais fazia parte estava se aprontando quando chegamos, e para minha surpresa vi chegando pouco a nossa frente para também assistir o espetáculo, Dorothy, chamando atenção dos que ali estavam por seu longo cabelo, liso caído abaixo da altura dos joelhos. Ela estava usando uma camiseta preta folgada com uma foto em preto e branco da cantora Pitty no que parecia ser um estúdio de gravação, e a letra da musica “Fracasso” nas costas.

- E ai beleza? Bom ver vocês! – Dorothy cumprimentou primeiro Allan e eu e depois acenou para o casal que estava conosco e elogiou as garotinhas.

- Também é bom encontrar você de novo, e eu nem preciso te ver para aproveitar o momento! – Allan comentou soltando um sorriso típico.

- É claro! – Ela respondeu e o abraçou. – E há quanto tempo não nos vemos também não é garoto? – Ela disse se abaixando para acariciar Lex.

- Não esperava encontrá-la aqui! – Eu comentei. – Você também foi convidada pela Thais? Como ela te achou?

- Sim foi a Thais, ela estava com outra mulher, uma com tranças afro, acho que era aquela que quase acertou aquela flecha em você na noite em que eu a conheci. – Ela me respondeu. – Eu estava em uma pizzaria com uns amigos do trabalho no Tatuapé e elas apareceram, daí conversamos um pouco e ela me disse para vir aqui hoje.

- Nossa como ela te achou? – Eu perguntei – E na verdade não era uma flecha, era um dardo.

- Hum, um dardo, realmente, é muito diferente de uma flecha, e por falar nisso a sua mira já melhorou? – Ela perguntou sarcástica.

- Já esta bem melhor! – Respondeu Vinicius, com um sorriso simpático. – ficaria impressionada com a melhora dele de lá pra cá, concordo que no inicio ele não tinha muita intimidade com o arco. – O comentário de Vinicius arrancou umas risadas sutis entre os presentes.

- O também não é assim! – Eu protestei. – Já não me basta o Pascal, agora até tu Brutus! – Exclamei apontando para Vinicius, o que também foi encarado como uma boa piada.

Pouco depois que a apresentação começou nós avistamos Marília, mas ela estava muito longe na plateia e não fomos até ela. A apresentação aconteceu no lado externo do Auditório Ibirapuera, que foi projetado pelo grande arquiteto Oscar Niemeyer. O concerto se iniciou com alguns avisos e informações do evento, algumas apresentações e com a orquestra regida pelo maestro Antônio, aquele que havia participado deste grupo a que Thais pertence hoje e ido estudar musica na Espanha, tocando o hino nacional brasileiro. Em um folheto distribuído para algumas pessoas na plateia, havia listado a sequencia de musicas que seriam tocadas, como Ave Maria de Mozart em função da data da apresentação, Agnus Dei, Ave Verum Corpus, Lacrimosa, Floret Silva Nobilis, Sull’aria, além de composições de Beethoven, Tchaikovsky, Chopin, oferecendo assim um grande repertório musical.

- Nossa é muito legal, é bem mais fascinante do que eu imaginava! – Eu comentei, Allan parecia muito mais familiarizado com as musicas do que eu esperava, deve ter sido por causa da convivência com Thais. Ela estava lá tocando maravilhosamente bem entre os membros dos instrumentos de madeira, o que é curioso sobre a classificação da flauta transversal, que é da família das madeiras mesmo sendo feita de metal.

- É a primeira vez que você assiste? É muito lindo não é?! – Perguntou Helena retoricamente. – Já é a quarta vez que nós assistimos, na primeira vez ainda estávamos na faculdade, nós assistimos uma apresentação da OSESP.

- Não é algo que fazemos com muita frequência, mas sem duvida sempre que assistimos é algo que vale a pena! – Comentou Vinicius.

O maestro Antônio regeu então três obras de Villa-Lobos, um importante compositor e tradutor da beleza do Brasil e então agradeceu e disse ser muito grato a todos e que gostaria de pedir mais um pouco de nossa atenção para finalizar sua apresentação com uma homenagem a nossa pátria que ele costumava realizar em cada uma de suas apresentações.

Confesso que eu esperava o hino nacional mais uma vez, mas em vez disso o maestro guiou a orquestra com sua batuta na composição de Eduardo Souto Neto, a música “O Tema da Vitória” que foi gravada pelo grupo Roupa Nova em 1981 e tocada a partir de 1983 com a vitória de Nelson Piquet no Grande Premio do Brasil. Mas foi apenas em 1986 que a musica deixou de ser tocada para qualquer vencedor do GP do Brasil e passou a ser tocada a cada vitória de um brasileiro. A música embalou a conquista do tricampeonato de Nelson Piquet em 1987 e os títulos conquistados por Ayrton Senna em 1988, 1990 e 1991. Embora eu fosse muito pequeno, ainda me lembro  vagamente dos meus pais torcendo nos domingos de manha, e também me lembro que naquela época, eu reconhecia “O Tema da Vitória” como “A Música do Ayrton Senna”.

Depois da música de Eduardo Souto Neto, tivemos outra curiosa e prazerosa surpresa, a ultima musica apresentada foi de inicio um solo de cavaquinho da musica Brasileirinho de Waldir Azevedo. O “choro” que foi considerado o maior sucesso do gênero, foi iniciada como um solo de um sambista conhecido convidado para o evento e posteriormente recebeu o acompanhamento gradativo de vários instrumentos da orquestra, que sem perder o tom no fim da música, começou a tocar Aquarela do Brasil escrita pelo compositor Ary Barroso. O espetáculo arrancou aplausos vigorosos da plateia e com certeza foi digno de um momento daqueles que ficam marcados e ganham destaque nos quadros pendurados nas paredes da memória.

- Você estava fantástica! – Falei para Thais quando nos encontramos.

- Obrigada! – Ela me agradeceu me abraçando. – Mas o grupo inteiro foi muito bem.

- Sempre modesta! Você estava muito bem Thais! – Disse Vinicius.

- É Thais você arrebentou! – Elogiou Helena dando um “soquinho” no ar e depois a abraçou também.

- É... Você foi muito f... – Dai Dorothy se interrompeu levando a mão a boca. – Foi mau, quase esqueci que tem criança conosco, você foi muito bem! – Ela falou e então ergueu o polegar em sinal de positivo para nossa flautista.

- Você foi excepcional, sabe enquanto estavam tocando eu me concentrei bem nas musicas e podia até reconhecer o som da sua flauta em meio aos outros instrumentos! – Disse Allan enquanto vinha abraçar Thais.

- Serio que conseguiu fazer isso? – Thais perguntou.

- Não! – Ele respondeu e aquela foi à coisa mais engraçada que ouvimos durante o dia.

- Então o que vamos fazer agora? – Helena perguntou. – Nós íamos ao shopping não é?

- Sim vamos ao cinema! – Disse Thais.

- Amiga você foi muito bem! – Disse Marília se aproximando para abraçar Thais.

- Alguém quer carona? Tem mais três lugares no carro! – Disse Vinicius.

- Quantos lugares têm no seu carro? – Eu perguntei.

- Sete, as meninas vão nas cadeirinhas, então ainda sobram alguns lugares. – Disse Vinicius. – Se alguém quiser ir conosco.

- O shopping não é muito longe daqui, eu vou andando, não vai ter lugar pra todo mundo mesmo! – Disse Dorothy.

- Lex e eu vamos com você! – Falou Allan.

- Acho que eu vou com vocês então! – Eu falei.

- Não, você vai de carro com Thais! – Disse Marília. – Eu vou andando com vocês! – Ela falou se voltando ara Allan e Dorothy.

- Si nós vamos de carro! – Disse Thais me dando o braço direito e me puxando m direção a Vinicius e Helena. – Até porque eles nos convidaram com muita boa vontade e seria muita falta de educação se ninguém aceitasse a carona!

Vinicius e Helena riram da declaração de Thais. Nós começamos a caminhar em direção a um dos estacionamentos do parque enquanto os outros iam em direção a um dos portões de pedestres.

- Não acha melhor a Marília ir de carro? – Eu perguntei.

- Não, ela aguenta andar muito mais do que você pode acreditar! – Thais me respondeu. Vinicius riu e se virou para nós para fazer um comentário.

- Depois que Marília foi a nossa casa pela primeira vez ficou muito impressionada com as minhas medalhas de competições de natação. Pelo que sei desde aquela época ela tem acordado mais cedo por mais da metade dos dias da semana para correr antes da hora de se aprontar para ir ao trabalho. – Disse Vinicius.

Tivemos um fim de tarde e uma noite de bons amigos, passeamos pelo shopping e percebi que Thais e Dorothy já pareciam estar formando laços de amizade, embora ainda fosse visível uma pequena hesitação. Na verdade Dorothy parecia se dar muito bem com Allan, e durante o passeio, Lex era quem mais chamava atenção no nosso grupo. As pessoas paravam para acariciá-lo, faziam perguntas sobre como ele era tratado, as crianças ficavam fascinadas com ele, seus olhos brilhavam e as que estavam no colo de seus pais quase se jogavam para o chão para passar a mão nele.

Depois que encontramos lugares na praça de alimentação, Vinicius, Dorothy e eu fomos até a fila do cinema para comprar os ingressos de todos. Quando Vinicius foi até o caixa de atendimento preferencial um homem que estava na fila veio até nós.

- Olha eu era o próximo da fila! – O homem falou.

- Eu sei senhor, mas este caixa é para atendimento preferencial! – Vinicius falou apontando para sua bengala com quatro pontos de apoio.

- Mas a moça chamou o próximo da fila, e agente estava na fila! – Ele falou apontando para uma mulher que estava com ele.

- Eu sei senhor! – Vinicius insistiu. – Mas este caixa é para atendimento preferencial, e eu sou deficiente físico, o senhor pode usar o caixa desde que não haja nenhum cliente preferencial para fazê-lo, mas eu vou usa-lo.

- Mas a moça do caixa chamou o próximo da fila! – O homem continuou a insistir. – Se ela chamou o próximo da fila é porque ela ia atender quem estava na fila!

Enquanto o homem gesticulava Dorothy o segurou pelo pulso com a mão direita, neste momento o homem pareceu se assustar e pareceu perder o folego por um momento, seu olhar transmitia medo e ele começou a tremer.

- Otavio você esta bem? – Perguntou a mulher que estava com ele. – Vem aqui amor, deixa eles, o tempo em que você esta discutindo já dava pra termos usados outros três caixas, vem aqui.

 Vinicius olhou para Dorothy e disfarçou um sorriso.

- O que você fez? – Eu perguntei.

- Nada! – Ela respondeu. – Bom, digamos que foi um toque especial. Sabe... Um “toque do chefe”. – Ela falou fazendo as aspas com os dedos das mãos.

Nós voltamos para a praça de alimentação com os ingressos de todos e nos sentamos para comer os nossos lanches antes do filme. É claro que a sessão de pessoas desagradáveis nos importunando ainda não tinha acabado. Enquanto comíamos outro senhor se aproximou de nossa mesa para questionar a presença de Lex.

- Com licença! Eu estou vendo que vocês estão em um grupo de amigos aproveitando a noite como todos aqui não é? – O homem começou a falar chamando a nossa atenção em nossa mesa. – Eu também estou aqui com a minha família, hoje nós decidimos passear para aproveitar o feriado como vocês e não estamos incomodando ninguém!

- Legal senhor! – Dorothy falou fazendo o sinal de positivo para o homem. – O senhor está fazendo isso muito bem.

- Eu sei, mas por isso eu vim falar com vocês! – Ele falou.

- Ai, agora você começou a perder pontos com essa tarefa de não incomodar ninguém! – Dorothy falou apontando para o homem.

- Menina eu não estou brincando! – Ele respondeu. – Eu sei que tem outras pessoas que tem esse costume de trazer animais pro shopping, mas vocês não podem trazer o animal para a praça de alimentação, o animal solta pelos, pode cair na mesa das outras pessoas, é uma questão de higiene sabe!

- O Lex não vai soltar nenhum pelo senhor, eu o escovei antes de sairmos de casa, eu garanto! – Allan falou com tom tranquilo.

- Mas não tem como garantir que ele não vai soltar mais pelos! – O homem insistiu com sua implicância contra o animal. – Sem falar que ele pode sair de perto de vocês e querer roubar a comida das pessoas e, além disso, o lugar esta cheio de crianças, alguma pode pisar no rabo dele sem querer, ou por qualquer motivo ele pode acabar atacando alguém, vocês também precisam se tocar!

- Olha senhor, o Lex passou por um treinamento muito bom, e eu tenho total confiança na educação dele, ele não vai fazer nada disso! – Allan defendeu seu cão.

- Senhor desculpe, mas se você esta incomodado com o cão guia do nosso amigo, o senhor pode procurar uma mesa um pouco mais longe da nossa. – Vinicius sugeriu.

- Não sou eu que tenho que sair de onde estou por causa de um cachorro, vocês é que não podem estar aqui! – O homem respondeu.

- Será que ele nuca ouviu que “os incomodados que se mudem”? – Eu perguntei em voz baixa para Thais que riu com o comentário.

- O que você disse rapaz? – O homem perguntou parecendo ter ouvido o que eu falei, ele estava ficando nervoso.

- Senhor, nós estamos apenas passando um tempo com os amigos e eu lamento muito se o senhor esta se sentindo incomodado com isso. – Disse Allan, já com um tom mais serio. – Por acaso o senhor já ouviu falar da “moça do cão guia”?

- Que moça do cão guia? – O homem perguntou mas sem parecer querer ouvi o que Allan tinha para dizer. – Eu acho que... – Allan o interrompeu.

- Seu nome é Thays Martinez, ela ficou conhecida como “a moça do cão guia” quando ela e seu cão guia Boris foram impedidos de entrar na estação de metro Marechal Deodoro em 2000. – Agora Allan realmente parecia autoritário. – Ela moveu uma ação jurídica contra o Metro e São Paulo e deste processo, foram criadas duas leis, uma Estadual em 2001 e outra Federal em 2005 que garantem o acesso de cães guia a todos os ambientes sem qualquer restrição em nosso país. Então se o senhor se sente mesmo tão incomodado com o Lex, eu sugiro que siga a sugestão do nosso amigo e procure uma mesa mais longe da nossa, ou então seremos obrigado a chamar a segurança e a menos que a sua opinião particular tenha um peso maior do que a constituição Federal, será sim o senhor e não o Lex que será tirado daqui!

Alguns resmungos e criticas a nosso grupo e principalmente a educação de Allan foram as ultimas palavras que ouvimos este homem comentar sobre nós. Depois desse episódio nós fomos assistir ao filme e saímos do cinema cantando musicas de amizade e encenando cenas  e repetindo falas do filme que tínhamos acabado de assistir, é claro com contrastante tons de humor, logo então voltamos para casa. Thais trouxe Allan e eu, nos deixando em nossos respectivos lares.

Ela disse ter conversado com Dorothy sobre ela se juntar ao nosso grupo, e que depois de um tempo de papo e argumentos a garota concordou em considerar a proposta, mas que achava que as coisas deveriam seguir as tradições típicas. Dorothy disse saber que no caso de conversar como essa, este “convite” de Thais sempre acontecia nas proximidades de uma igreja, então sugeriu que nos encontrássemos no sábado em frente à igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, no Largo do Paissandu. Thais me disse que a Irmandade Nossa Senhora dos Homens Pretos existe desde 1711, e que a igreja foi construída pelos negros proibidos de ir às igrejas dos brancos para que pudessem frequentar os atos religiosos.

Allan e eu concordamos em acompanha-la neste próximo encontro com Dorothy, não sei exatamente por que, mas acho que não foi por acaso que a garota de longos cabelos escolheu esta igreja para ser o próximo ponto de encontro.


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Notas finais do capítulo

Eu sei que há neste capítulo situações que podem parecer muito forçadas, mas de fato elas existem. No caso do que ocorre com o personagem Vinicius na fila do cinema, eu tentei descrever mais o menos o que aconteceu comigo e minha namorada quando fomos comprar os ingressos de um filme que assistiríamos no cinema com a família da minha irmã, a ocasião me pareceu tão absurda, mas acho que ´importante mostrar que pessoas com o espirito e a mente tão pequenas ainda existem por ai.



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