Piloto De Fuga escrita por Blue Butterfly


Capítulo 26
Capítulo 26


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura :)



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Uma mão tocou a parte de cima da minha cabeça, pesada e cheirando a látex. Levantei a cabeça, zonza de sono, uma coberta caiu de meu corpo, indo para o chão.

         -Desculpe, não queria te acordar – Carlisle pediu num tom baixo.

         -Carlisle – grunhi atordoada.

         -Está um dia muito frio, você não estava agasalhada e eu pensei em te trazer uma coberta. Volte a dormir – ele sugeriu sorrindo.

         -Não, eu preciso acordar, tomar um banho – citei ainda sonolenta, mal conseguindo me colocar de pé – Que horas são?

         -Você dormiu um dia e meio, Alice e Seth também – ele contou.

         Meu corpo estava enrijecido, dolorido, a posição em que ficara machucou meu corpo ainda mais.  Carlisle me estendeu a mão, me pondo de pé com facilidade, seus olhos carinhosos e ternos me encaravam com suavidade. Olhei para Edward, ele ronronava baixo, seu peito subindo e descendo; vê-lo dormir era uma das coisas mais tranqüilizantes do mundo, uma das poucas coisas que me trazia paz naqueles dias tumultuados.

         Com carinho e delicadeza, toquei sua testa, gotas de suor salpicavam sua pele, mas a febre cedera, abandonando seu corpo aos poucos.

         -Seth e Alice já acordaram? – perguntei, ainda olhando para ele.

         -Seth sim, está brincando com Laura, Alice ainda não acordou, pelo menos ainda não apareceu. Está com fome? Posso buscar algo para você comer – ofereceu.

         -Não, pode deixar que eu me viro. Você fica aqui com ele enquanto eu vou tomar um banho?

         -Fico, se ele acordar eu mando te chamar.

         -Obrigada.

         Saí e andei pela casa, meu corpo reclamando com meus movimentos e pedindo uma cama com plumas. Bocejando, eu tomei um banho e fui para o refeitório, trombando com várias pessoas no caminho.

         Sentei na grande mesa ao lado de Seth e Laura. A menina pulava sem parar no colo do tio, enchendo seu rosto de beijos babados, ele tentava tomar um copo de leite branco e engolir um pedaço de pão duro.

         -Oi – cumprimentei beijando a testa da menina e a bochecha dele.

         -Oi, dormiu bem sentada naquela cadeira dura? – ele perguntou rindo.

         -Ta brincando? Eu estou exausta, vou levar anos para me recuperar. Hei, como sabe que eu dormi na cadeira? – perguntei roubando o pão dele, Laura não ia deixar ele comer.

         -Meu pão – ele reclamou – Sua ladra, cleptomaníaca, eu sabia que tinha de deixar você sob vigilância cerrada, você e a Alice, suas meliantes – e desatou a rir.

         -Olha quem fala, se eu não me engano, você é o hacker aqui, não eu ou a Lice. Mas não respondeu minha pergunta.

         -Eu estava te procurando para saber do Edward e para me livrar desse pessoal – sussurrou olhando ao redor.

         Havia algumas pessoas ali, mas nenhuma delas estava ouvindo nossa conversa. Pelo que entendi, Esperança estava começando a dar risada e isso se tornou o novo assunto da casa.

         -Eles te encheram de perguntas né – e ri de sua expressão de mártir.

         -É, do jeito que você planejou – e me acusou com um tom de voz irritado – Me deixou sozinho enquanto dava banho no Edward.

         Fiquei séria, meu rosto esvaziando com a dor da lembrança.

         -Acredite, você ficou com a melhor parte – sussurrei.

         -Eu sei – a voz dele baixou ainda mais – Eu ouvi os urros. Ele vai ficar bem?

         -Vai – e mordisquei o pão – O que faremos agora?

         -Mas já quer arrumar confusão! – ele exclamou fingindo surpresa – Você e a Alice têm problemas com manterem-se vivas ou coisa parecida, não é?

         -Talvez – eu brinquei – Vai tomar esse leite?

         -Vou – respondeu ofendido e tirou o copo de perto – O que você quer fazer?

         -Ainda não tenho certeza. Consegue imaginar as conseqüências da nossa última viagem?

         -Mais ou menos. Acho que temos a mesma dúvida: é a hora mais do que perfeita para agir, ou a hora mais estúpida? Invadir Concluán significa que os soldados vão se concentrar mais lá e deixar a sede do Partido menos povoada, ou o contrário?

         -Exato – concordei, essa era uma dúvida crucial – Não sei se é hora de sumir por um tempo, ou dar o golpe de uma vez.

         -Bem, nós temos popularidade agora. Não Laura – ele acrescentou irritado quando a menina resolveu sujar seu rosto com margarina – Vai brincar com alguém vai.

         A menina desceu do colo dele fazendo careta e foi para outro canto da casa. Ele baixou a cabeça, cansado, arrepiou os cabelos e bufou.

         -É difícil cuidar dela – confessou.

         -É só uma criança, quer atenção, amor – comecei pensando nos meus irmãos.

         -Eu sei, mas é difícil, quer dizer, eu não tinha em mente cuidar de uma criança. Nunca convivi com meu irmão ou gostei de crianças. Eu só fui conhecer essa menina depois que… que eles sumiram. Eu não sou o mais indicado para cuidar de uma criança.

         -Vai se sair bem, sei que vai – o confortei segurando sua mão – Ninguém pode ensinar algo a ela melhor que você, é a família dela, vale mais do que qualquer coisa. É tudo o que ela tem. E ela é tudo o que você tem, não pode abrir mão disso.

         -Nem pela revolución? – e imitou direitinho um mexicano.

         -Quer saber a verdade? – perguntei rindo de sua brincadeira.

         -Quero – e me olhou com intensidade.

         -Se eu tivesse uma chance, uma única chance de proteger minha família, de ter um deles de volta, eu faria qualquer coisa, qualquer coisa mesmo.

         -Nos entregaria?

         -Não sei – respondi com sinceridade – Quero pensar que não, pelo menos não você, a Lice e o Edward, mas não tenho certeza. Mas não se preocupe, eu não vou ter que tomar essa decisão. Eles morreram.

         Olhei para o pão, meus olhos ardendo.

         -Cuide dela – aconselhei e me coloquei de pé.

         -Não vai querer o leite? – ele perguntou me estendendo seu copo.

         -Pode ficar, eu vou ver como Edward está.

         De volta a enfermaria…

         Antes que entrasse, sorri. Minha vida estava caindo na rotina: enfermaria, atos de loucura, enfermaria, vida pacata, mais um ato de loucura, enfermaria…

         Entrei sorrindo e Carlisle se surpreendeu ao me ver assim.

         -Feliz – ele percebeu sorrindo para mim.

         -Até parece que eu sou a infelicidade em pessoa – fiz cara feia tomando meu lugar ao lado de Edward e verificando sua temperatura.

         -Um pouco – e riu – A febre está baixando, parece que o banho fez efeito.

         -A carne contaminada?

         -Está se desintegrando, mas a contaminação não se espalhou, pelo menos por enquanto. O rosto dele não vai ficar nada bonito.

         -Não acho que isso seja um problema – e encarei Carlisle, sorrindo.

         Tânia machucara muito meu rosto, deixando uma cicatriz eterna no formato de um risco ou uma patada de tigre em um dos lados da minha face. Eu nunca mais teria o rosto delicado e perfeito de antes, não seria nunca mais bonita.

         -Sinto muito – Carlisle sussurrou olhando meu machucado.

         -Tudo bem. Voltando a Edward – e voltei meu rosto para o ruivo – Temos que dar um banho nele, mas um banho normal, com água e sabão, para tirar a camada de carne decomposta. Peça para Peter te ajudar com isso.

         -Está na hora de alimentá-lo, quer fazer isso? – e me estendeu um prato de sopa rala.

         -Faço, enquanto isso chama o Peter?

         -Sim senhora! – bateu continência e me deixou sozinha.

         Com alguma prática eu ergui a cabeça dele, abri sua boca e joguei a sopa de uma vez. Limpei sua boca com um pano e deixei seu tronco meio levantado esperando a sopa descer por completo. Esperando, comecei a olhar seu rosto. Carlisle estava certo.

         O rosto estava desfigurado, a pele machucada, em alguns lugares faltava carne. Eu não sabia exatamente que doença ele tivera para despedaçar tanto sua pele, era algo como hanseníase, mas bem mais fraco.

         Toquei seu rosto, acariciei cada ferida, cada corte, cada região enegrecida e frágil. Meus dedos roçaram seus lábios feridos e rachados, começando a hidratar agora que cuidávamos dele. A boca dele se abriu ao meu toque, eu ergui meu olhar e vi seus olhos abertos e sonolentos.

         -Oi – cumprimentei com ternura.

         -Oi – ele devolveu com a voz molenga.

         -Sente dor? – e toquei sua testa, jogando seus cabelos para trás.

         -Hora de cortar o cabelo, não é – e sorriu com dificuldade.

         -Talvez. Sente dor?

         -Um pouco, me sinto mais estranho do que dolorido.

         -Estranho? – e franzi a testa.

         -Sim, parece que meu corpo está estranho. Esse cheiro está me enjoando, de onde ele vem?

         E olhou ao redor, buscando a origem, sem perceber que seu corpo era a origem.

         -Daqui a pouco vai passar – garanti.

         Ele me olhou, seus olhos percorrendo minha face. Não tinha mais as gazes, tirara-as no hospital e não colocara de novo.

         -Seu rosto – ele sussurrou tocando a cicatriz.

         -Não é nada – e não era, não quando comparado ao rosto dele.

         -Você está linda.

         -Não precisa mentir – e ri.

         -Não estou. Você sempre foi linda para mim.

         -E você sempre será lindo para mim.

         Baixei a cabeça e beijei sua testa rasgada, sem me importar com o cheiro desagradável ou com a pele áspera.

         Ouvi os passos de Carlisle, eram passos inconfundíveis pela forma firme e silenciosa.

         -Hora do banho – anunciei sorrindo e dando o último beijo na ponta do seu nariz.

         Dois homens chegaram, as mangas da camisa suja já arregaçada e tomaram o meu lugar.

         Fui para o quarto, Seth estava lá conversando com Alice, a menina devorando um pedaço de pão e gesticulando com vigor. Eu corri até eles e me joguei na cama, fazendo o colchão tremer sobre nós. Alice sorriu para mim e beliscou minha bochecha boa de leve, rindo no seu tom agudo e meio nasal.

         -E aí, como vai nossa popularidade? – ela perguntou retomando a conversa com Seth.

         O rapaz voltou a contar o resultado de suas pesquisas na internet. Como o assunto não me interessava eu peguei o livro de capa preta misturado nas coisas de Laura e o abri, interessada. Era uma Bíblia. Fazia tanto tempo que não pegava um livro para ler, desde que saíra da mansão dos Black não lera mais nada, não havia livros no casarão, pelo menos eu não encontrara nenhum livre para que pudesse ler. Folheei o livro sagrado, buscando alguma história conhecida.

         Sabia algumas daquelas histórias, minha mãe contou para mim e, mais tarde, eu as repassei para meus irmãos, principalmente Erick, sempre incrementando um pouco. Por exemplo, na história de Davi, Erick amava aquela, normalmente eu fazia a história ser um evento épico, cheio de cavalos, cavaleiros e gigantes monstruosos cavalgando bestas indomáveis com hálito de enxofre e respiração em chamas. Busquei a história pelas páginas amareladas, parando no livro de Samuel.

         Buscando pelos subtítulos cheguei onde queria. Meus dedos vagaram sem rumo até parar numa passagem, eu costumava brincar de ler parágrafos soltos desde pequena. O parágrafo, ou verso, escolhido contava sobre a escolha de Davi por Samuel.

         “Então, mandou chamá-lo e fê-lo entrar. Era ele ruivo, de belos olhos e boa aparência. Disse o SENHOR: Levanta-te e unge-o, pois este é ele”.

         Reli a passagem mais quatro vezes, apesar de ler a Bíblia de vez em quando eu nunca prestara atenção naquilo, não naqueles detalhes. Quem era Davi? Para mim era só um menino pequeno que enfrentara um gigante. Mas ali estava, Davi era ruivo e de belos olhos. Ruivo de belos olhos…

         Minha definição de Edward.

         Li mais sobre a história, me retendo no encontro do ruivo de belos olhos com o gigante Golias. Mais um verso chamou minha atenção, estava em Samuel 17 verso 42 e começo do verso 50..

         “Olhando o filisteu e vendo a Davi, o desprezou, porquanto era moço ruivo e de boa aparência… Assim, prevEdwardeu Davi contra o filisteu, com uma funda e com uma pedra, e o feriu e o matou…”.

         -Bella? – Alice chamou pedindo minha atenção.

         Olhei para eles, assombrada, fechei o livro e o devolvi as coisas da menina.

         -O que vamos fazer? – ela perguntou com seriedade.

         -Está na hora de invadir o Partido! – decidi.

         -O menino enfrentando o gigante – Seth reclamou.

         -Davi venceu Golias – Alice lembrou sorrindo satisfeita.

         -É, só que ele era Davi, escolhido por Deus. Quem somos nós? – Seth devolveu com pessimismo.

         -Fiquem tranqüilos, eu conheço um Davi que vai nos ajudar – garanti.

         Eles me encararam em dúvida, mas não fizeram nenhuma pergunta. Confiavam em mim.

         -Temos que refinar o plano – Seth contou – Em Concluán tudo deu certo, mas quase morremos nessa. Não podemos ter um quase nessa invasão. A tomada de poder tem que ser uma certeza, não podemos ter dúvidas ou esperar a sorte nos ajudar.

         -Quanto tempo você acha que temos Bella?

         -Umas quatro semanas, precisaremos de ajuda, de mais gente, precisaremos de mais dinheiro…

         -Mas temos que agir rápido – Seth acrescentou – Temos a popularidade a nosso favor, será mais fácil alguém nos dar atenção agora do que se esperarmos um ano passar. Embora duvide que a invasão de Concluán vá ser esquecida com tanta facilidade.

         Sorrimos, planos borbulhando dentro de nossas mentes inquietas.


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Notas finais do capítulo

Sim, eu sei, eu sumi. Bem, antes de tudo, me desculpem pela demora, eu tive um bloqueio criativo e simplesmente não consegui fazer nada. Sorry.
Agora, um agradecimento especial a Emily Rose, que foi muito fofa fazendo uma capa para a fic. Muito obrigada mesmo.
E um agradecimento todo carinhoso a vocês, que leem e comentam, dando um grande apoio.
Queria,por fim, agradecer as recomendações de fic que recebi,muito boas por sinal! Obrigada, adoro ler e é sempre bom ver o que outras pessoas estão criando.
Bjinhus, até breve.