O domingo foi monótono sem Ville, assim como o sábado. Mais perguntas sem resposta fervilhavam em minha cabeça. Fiquei entediada rapidamente. Será que ele voltaria mesmo?

         “Pense em mim.” – Foi o que ele disse. Eu já estava pensando e isso não mudava nada, só me deixava ainda mais nervosa. E falando em nervosismo, lembrei-me de Ville antes de sair. Ele sim estava nervoso. E o culpado era meu cheiro. O que havia de errado com meu cheiro? Eu tomei banho, passei perfume... E isso o atrai de um jeito “estranho”.

         Ta legal, admito que não entendi nada.

         E o telefone começou a tocar freneticamente. Pelo identificador de chamadas, o número era o de Ben.

         -Eu nem vou atender...

         E foi exatamente o que fiz: nada. Não movi um músculo. Não atendi e ele deixou recado na secretária eletrônica.

         -Alô, Jess? Você está aí? Atenda pelo amor de Deus! Você ta bem? Aconteceu alguma coisa com você ontem? Aquele maldito machucou você? Estou correndo até aí agora mesmo!

         Droga. Agora ele iria vir até aqui me falar besteiras. Eu não queria nada disso... Eu queria o Ville... Bebi um copo d’água e me deitei no sofá da sala para assistir televisão. Passei de canal em canal, mas nada foi capaz de prender minha atenção. Apenas Ville tinha o poder de prender minha atenção.

         Pense em mim. – Sua voz sussurrava em minha mente.

         -Eu já estou pensando! – Gritei para o nada.

         Então qual é o problema? – A voz respondeu.

         -Só consigo pensar em você, esse é o problema.

         Eu não vejo problema algum nisso.

         -Eu vejo! É ridículo você me fazer sentir assim! Isso não existe!

         Me chamando de ridículo porque eu te faço bem? Valeu, hein!

         -Não é isso! Eu só estou dizendo que o que eu sinto é ridículo.

         Por quê? Eu gosto. Me senti até importante quando disse que fica pensando em mim o tempo todo. – E deu uma daquelas risadinhas perfeitas.

         -Ville... Não é que eu não goste de ficar pensando em você o tempo todo... Mas é que isso é um pouco obsessivo, não acha? E às vezes me incomoda não prestar atenção em nada! Sem falar que eu aposto que você não pensa em mim o tempo todo.

         Ué, eu não estou pensando agora?

         -Agora até pode ser, mas aposto que não é assim o dia todo.

         É claro que penso em você o dia todo, amor! Não pode vir me dizer que eu não penso, porque penso sim!

         -É! E me abandona no dia seguinte!

         Eu não vou porque quero, mas sim porque é necessário.

         -Engana outra, vai!

         HAHA! Não estou te enganando! Acredite em mim!

         -E se eu não acreditar, hein? O que você vai fazer?

         Não me faça ir até aí fazê-la acreditar!

         -Você viria até aqui por mim?

         Viria, mas posso demorar um tempinho... Estou morrendo de sede. E a culpa é sua e do seu cheiro maravilhoso.

         -Sede? Vá beber água!

         Foi aí que me dei conta de que eu estava falando sozinha. Meu Deus... Minha obsessão era tão grande que eu estava até imaginando conversas com ele. Isso era além de deprimente, muito triste. A voz mental de Ville voltou a dar risadinhas e respondeu-me:

         Não tenho sede de água.

         -Então sua sede é de quê?

         Essência da vida.

         -Do que está falando, Ville? Se é que está mesmo falando...

         Você ouve minha voz, eu estou falando. Se não pensar mais em mim, não falo mais.

         -Então se eu pensar em você, escuto sua voz?

         Exato. Não sente a minha presença?

         A verdade é que eu sentia. Era como se ele estivesse ali. Mas eu sabia que não estava e isso era horrível.

         -Sinto. – Respondi.

         Então acredite em mim e deixa de ser boba!

         -Eu não sou boba!

         Sei...

         -Ville!

         Escuta... Tem alguém vindo!

         Ele estava certo. Ben estava batendo em minha porta e gritando também.

         -O que devo fazer? – Perguntei ao Ville imaginário.

         Não é obvio? Atenda!

         Ele disse isso um pouco tarde, pois Ben conseguiu arrombar a porta e adentrar a casa. Ele parecia ter visto um fantasma de tão desesperado.

         -JESS! – Ele gritou.

         -Estou bem!

         -Graças a Deus!

         Ele correu para mim e me abraçou com tamanha força que eu quase caí.

         -Eu pensei... Juro que pensei que algo de terrível tinha acontecido com você, Jess... Ainda bem que você ta legal... Ainda bem! Fiquei preocupado a noite inteira! E quando você não atendeu ao telefone eu... Oh my God...

         -Me larga, Ben! Ta me esmagando!

         Ele me soltou e se desculpou.

         -Aquele tal de Ville Valo não é confiável, Jess... Eu entendo que não quer mais ficar comigo, mas ele é perigoso!

         -Como assim... Perigoso? Me explica!

         -Não posso dizer exatamente... Mas acredite em mim, Jess...

         -NÃO!

         Mais um que não queria me contar as coisas. O que era completamente injusto e cruel. Só eu que não conseguia compreender as coisas.

         -Se não me der um bom motivo, eu vou continuar com ele! E se não me explicar nada, eu vou me matar!

         NÃO! – Gritou Ville em minha mente.

         -Não, Jess! NÃO!

         -Sim! SIM para os dois!

         Para de drama, Jessy! Isso é desnecessário!

         -Não é desnecessário! – Eu respondi.

         -Mas eu não falei nada sobre isso! – Replicou Ben.

         Estava tudo muito confuso. Tentei correr até a cozinha, mas Ben me impediu.

         -Quer continuar com ele, tudo bem! Eu não falo mais nada!

         -E não vai me explicar nada também?

         Ele não tem nada a explicar.

         Eu estava irritada demais e lhe respondi:

         -E você não tem nada a vez com isso!

         Eu fui horrível e mal educada com ele. Mas para minha surpresa, sua voz deu uma risadinha animada e Ben ficou sem compreender nada.

         Não precisava ser grossa comigo, amor. Se não quer me ouvir mais, é só parar de pensar em mim, já disse. Ah é! Você não consegue. HAHAHAHA!

         Eu estava a ponto de dizer que não tinha graça, quando Ben me interrompeu mais uma vez.

         -Só quero dizer uma coisa antes de ir, Jess. Tome muito cuidado com ele.

         -Ta legal então. – Respondi ainda irritada.

         Antes de sair, Ben consertou minha porta e repetiu sua última frase:

         -Tome muito cuidado com ele.

         Ele está certo. Tenha cuidado comigo!

         Sua voz gargalhava de maneira divertida. Senti-me melhor por alguns segundos, quando percebi que o ex-namorado psicótico havia ido embora. A paz irradiava novamente em minha casa. Senti a presença do Ville imaginário em minha cabeça e comecei a conversar com ele como se não houvéssemos sido interrompidos antes.

         E assim as horas foram passando...

         -Quando você vai voltar?

         Logo. Só tenho que terminar algumas coisinhas.

         -Que coisinhas?

         Coisinhas que não posso dizer o que são.

         -O que você pode me dizer?

         Depende do que você perguntar!

         -E se eu perguntar de onde você é... Você responderia?

         Como assim de onde eu sou?

         -Você não é dos EUA, Ville!

         Como chegou a essa conclusão?

         -Três motivos: você é educado, seu nome é diferente e você tem sotaque.

         Um sotaque maravilhoso por sinal...

         Ta bem... Eu vim da Finlândia.

         -Sério?

         Sério.

         -E por que saiu de lá?

         Estive te procurando, mas não encontrei.

         -Me procurando? – Perguntei-lhe incrédula.

         Precisamente. Mas não existe ninguém como você por lá.

         Fiquei emocionada... Ninguém nunca dissera algo tão bom assim para mim antes. Olhei para o relógio e já eram seis horas. Eu queria vê-lo mais do que nunca. E dessa vez eu não iria dormir!

         -Você ainda vai demorar muito?

         Não. Seja mais paciente, amor!

         -Eu sou paciente! Fico aqui o dia inteiro te esperando!

         Poderia ter saído para se divertir um pouco. Estava fazendo sol hoje à tarde.

         -Mas não teria graça sem você...

         Repentinamente, caí no sofá ao sentir que ele estava sorrindo. Aquilo me afetava até quando estávamos distantes um do outro.

         Eu já estou chegando, ta bem?

         -Ta...

         Ficamos quinze frios minutos sem dizer nada. Durante esse tempo, fiquei me perguntando como ele era capaz de fazer isso... Conversar comigo à distancia. Será que ele era algum tipo de mágico ou coisa do tipo? Ou... Talvez ele fosse médium. Ou talvez eu estivesse apenas imaginando coisas, como sempre. E finalmente escutei o barulho do carro lá na frente. Não perguntei nada ao Ville imaginário com medo de me decepcionar e descobrir que ele era só uma ilusão... Nossas poucas horas de conversa foram muito preciosas para mim.

         Depois de mais alguns segundos de tensão, escutei-o bater em minha porta. Corri até lá como nunca havia corrido em minha vida e abri. Lá estava ele... Com uma camiseta preta coladinha ao corpo e uma calça jeans preta. A camiseta o deixava muito sexy. Mas MUITO sexy mesmo. Ele sorriu pra mim.

         -Eu disse que já estava chegando.

         Então não era só uma ilusão... Não era tudo mentira! Fiquei tão emocionada que me joguei em cima dele mais uma vez. Ele me segurou e me girou no ar.

         -Você vai acabar se machucando um dia... Eu estou avisando...

         -Eu não ligo!

         -Então me dá um beijo.

         Imediatamente atendi a seu pedido e o beijei. O reencontro nunca fora tão bom. Sem interromper o beijo, ele tomou-me em seus braços e levou-me para dentro.