Três dias depois, meu pai foi trabalhar porque não dava pra parar a vida por minha única e exclusiva causa. E minha mãe, depois de eu muito insistir, foi em casa tomar um banho e comer algo decente.

- Oi Sofia. - Uma das enfermeiras entrou em meu quarto. - Tem visita para você.

- Não quero ver ninguém.

- Mas ela disse que é uma amiga sua, se chama Kim. - Ela sorriu.

- Eu não quero ver ninguém. - Disse séria.

- Tudo bem, não tem problema. Eu peço para ela voltar depois. - Ela disse educadamente e saiu.

A verdade é que me incomodava a forma que todo mundo me olhava agora, com pena. Sempre falavam coisas como "Tadinha dela", "Ah, mas ela tinha um futuro brilhante pela frente"... E isso me fazia sentir pior do que eu já estava. Queria que as pessoas se esquecessem de mim pelo menos por um momento. Ou que ao menos fizessem o favor de na minha frente não me tratar como a pobre aleijadinha.

- Não vai poder ficar se escondendo do mundo. - Giorgio entrou pela janela e sentou na minha frente.

- Vou me escondendo enquanto dá.

- Você não acha que a Kim vai ficar chateada por você não ter recebido ela?

- Giorgio a essa altura eu estou pouco me lixando para quem vai ficar com raiva de mim ou não. Até prefiro que sintam raiva, por que qualquer coisa é melhor do que esses olhares de compaixão e dó de mim. Eu não preciso disso.

- Eu até te entendo, mas...

- Não, você não entende. - O interrompi. - Eu tinha tudo, e agora olha pra mim. Vou depender da ajuda das pessoas pelo resto da minha vida, não posso mais dançar e ainda tem... - Parei por alguns segundos e continuei. - Ainda tem esse problema com o Jake.

- Ele ainda não veio te visitar depois que você acordou?

- Não veio. - Lembrei-me da carta que minha mãe havia me dito que ele escreveu. Esses primeiros dias tinham sido tão complicados que eu me esqueci de completamente da tal carta. Olhei para o criado mudo ao meu lado e o envelope continuava ali, do mesmo jeito que da primeira vez que minha mãe me mostrou. - Pode me dar esse envelope ali em cima, por favor? - Giorgio se levantou e me deu.

- Quer ficar sozinha? - Ele perguntou. Apenas assenti com a cabeça.

Respirei fundo com o envelope ainda nas mãos, não sabia o que esperar o que ele tinha pra me dizer... Mas eu tinha que ser forte.

Abri e comecei a ler.

“Eu nem sei por onde começar... Não porque eu não saiba o que dizer, é que eu tenho muitas coisas pra te dizer.

Antes de te conhecer eu era vazio, era como se eu nem existisse e você me trouxe de volta a vida, me salvou, e eu sou muito grato por você ter me dado a honra de ter o seu amor. Eu preciso que você saiba é que tudo, exatamente tudo, o que eu fiz foi pensando só em você, por que me veio essa ideia imbecil na cabeça de que você estaria melhor sem mim, e quase joguei tudo para o alto, juro, faltou pouco, mas eu resisti e fui mais forte. Eu nunca entendi muito bem esses romances complexos, mas agora tudo faz sentido para mim, quando se ama de verdade a única coisa que você deseja é que a outra pessoa esteja bem, a salvo e feliz. Eu abri mão de você por causa disso, porque uma hora ou outra nossa situação ficaria complicada, você sabe. Eu estou indo embora, não para sempre, para sempre é muito tempo, mas eu preciso me afastar de você porque não tenho coragem o suficiente de te olhar nos olhos depois de tudo o que eu te fiz passar. Mas, por favor, não pense que foi fácil porque não foi, não é e nunca vai ser fácil te dizer adeus. Não sei quando vou voltar. Pode ser em uma semana ou em um mês. O importante é que eu não quero que você espere por mim, você precisa viver, realizar seus sonhos, ir para a faculdade e se formar em dança... Enfim, todos esses planos que nós vemos e revemos tantas vezes juntos. Enquanto isso, eu vou tentar viver, mesmo estando longe de você. Para minha sorte, Rebecca aceitou receber o irmão problemático dela por um tempo no Havaí. Vai ser bom me afastar dessa loucura e não ter os pensamentos invadidos pelos outros por um tempo. Não posso te pedir nada, eu sei, mas eu realmente ficaria aliviado em saber que você está bem, só estou indo embora agora porque sei que você está melhor, que por algum milagre saiu viva e inteira desse acidente.

Então, por favor, não se esqueça do quanto eu te amo. Isso não tem nada a ver com imprinting, tem a ver com amar verdadeiramente alguém, e você é o que mais me importa, foi a melhor coisa que me aconteceu na vida e eu sempre, de alguma forma, estarei com você, mesmo não estando por perto.

Se cuida.”

Obviamente eu estava chorando. Como ele podia ter ido embora? Logo agora que eu mais precisava dele aqui...

Eu ainda estava com raiva sobre o que tinha acontecido na festa, mas eu o queria por perto, porque só ele me fazia sentir segura, porque ele era meu melhor amigo e agora eu me sentia como se não tivesse mais pra onde ir. Ninguém me conhecia como ele.

O resto do meu dia foi completamente deprimente. Eu já não estava em um bom humor, mas depois de ler essa carta eu fiquei insuportavelmente calada e cética, parecia que o mundo podia cair ali do meu lado que eu não ia me mover um centímetro.

Minha mãe ficou me perguntando se algo havia acontecido, só fiz um gesto de “não” com a cabeça. Não tinha vontade de falar, de conversar ou de fazer qualquer coisa.

No fim da tarde, Dr. Mark passou em meu quarto para dar algumas recomendações para minha mãe. Coloquei os fones de ouvido, mas não estava escutando nenhuma música, só queria que achassem que eu estava ouvindo música para não me perturbarem com nada. Pelo o que consegui entender da conversa, eu ia ter alta em dois dias.

- Esse remédio aqui é para evitar infecções na perna. – Ele entregou uma caixinha para minha mãe. – E esses aqui são para dores, ela provavelmente irá sentir muito desconforto com a perna então é importante que a senhora não se esqueça de dar para ela nos horários certos.

Então eu ainda ia sentir dor? Deixaram-me quase aleijada pra nada então? Nossa quanta eficiência hein...

Minha vida parecia uma completa piada agora, com aqueles tipos de humor negro. Mas era uma piada sem graça, muito sem graça, pelo menos para mim.