Entre Pontas De Faca E Velhas Histórias escrita por Ana Barbieri


Capítulo 7
Capítulo 7




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Capítulo 7

            Acordar naquela manhã realmente não havia sido uma opção minha. A cabeça estava pesada, incapaz de racionar o mais insignificante dos enigmas. Todavia, é claro, não poderia permanecer o dia todo na cama... sem um motivo plausível. Quando abri os olhos, percebi que Sherlock não estava deitado ao meu lado e também que não havia praticamente nenhum ruído no andar de baixo. Curiosa, me vesti rapidamente e, descendo cautelosamente as escadas, fui checar o motivo de tamanho silêncio.

            _ Bom dia Anne. – cumprimentou meu marido quando cheguei a sala de jantar, onde a mesa estava posta para o café da manhã. Holmes estava sentado à ponta, com as pontas dos dedos entrelaçadas, lançava para mim um olhar enigmático.

            _ Bom dia Sherlock... onde estão...? – cumprimentei, logo me adiantando a saber onde estavam meu cunhado e a senhora Hudson.

            _ Pedi ao meu irmão e a nossa amável senhoria que nos deixasse tomar o café da manhã sozinhos hoje. – respondeu ele sem rodeios. – A manhã já chegou e devo dizer que estou bastante curioso para saber o que exatamente aconteceu ontem no Royal.

            Suspirei. Lembrar do que acontecera na noite anterior não me faria feliz. Falar sobre isso com Sherlock, muito menos. Entretanto, alguma coisa me dizia que não havia saída e eu teria que falar nisso mais cedo ou mais tarde. Por que não agora? Meu marido diria. A contragosto me sentei, e me servindo de uma calorosa xícara de chá comecei a relatar, em pormenores, o que acontecera na noite passada.

            _ Bem, você viu não foi? Ela foi atrás de mim quando corri para o pátio, e com aquele falso tom compadecido, começou a falar asneiras... você não precisa saber. – disse, brincando com uma torrada, sem a menor vontade de comê-la.

            _ Para uma asneira chateá-la querida, não pode ter sido tão simples. Fale. – pediu ele, gentilmente.

            Após alguns minutos de reflexão, falei.

            _ Ela disse que embora eu o tenha levado para o altar, seu único e verdadeiro amor nunca fui eu e sim os casos que você resolve. – falei, praticamente cuspindo as palavras. – Contudo, o que mais me intrigou não foi isso e sim o que foi dito depois. – tornei a dizer, pois ele já alcançara minha mão e se preparava para dizer algo que eu não precisava ouvir.

            _ O que ela disse? – indagou ele com visível interesse.

            _ Que deveríamos desistir do caso pois ninguém sente falta de Longborn. – respondi. – Claro, ela usou um tom muito mais sarcástico.

            _ Assim como usou com você quando disse...

            _ Holmes... querido, o que ela disse me abalou é claro, mas estamos no meio de um caso e a política dessa casa diz que...

            _ Bergerac...

            _ Não. Vá chamar a senhora Hudson e o seu irmão, onde quer que estejam e vamos a casa de Norton esclarecer o assunto. – ponderei, colocando um ponto na conversa, me levantando bruscamente.

            Holmes me fitou por alguns instantes. Estava aborrecido e parecia disposto a esperar o que fosse para conversar sobre Irene Adler e suas implicâncias para comigo. Todavia, não me sentia mais disposta a ouvir nada sobre tal mulher. Sinto ciúmes quando ela está por perto, mas, não sou tão boba a ponto de me deixar levar pelo que ela diz quanto ao meu casamento. Ora, eu sei que Sherlock me ama, não preciso que ele diga isso de cinco em cinco minutos, sei que ele possui vários hobbies diferentes dos da maioria dos maridos londrinos. E foi exatamente por isso que me apaixonei por ele.

            _ O que Adler disse simplesmente não é importante. Deixe-a pensar ou dizer o que quiser, nosso casamento não é assunto dela. – disse, me aproximando dele. – E não precisa gastar toda sua massa encefálica em discursos amorosos e reconfortadores para mim. Prefiro que o faça para resolver seus casos da maneira mais brilhante possível e para deixar Lestrade soltando faíscas pelos olhos. – completei, dando uma leve piscada com os olhos.

            Sherlock riu e se levantou, depositando um suave beijo em meu rosto, saindo logo em seguida para buscar o irmão e a senhora Hudson. Após retirar a mesa, subi as escadas, parando para observar algumas fotografias que estavam dispostas na parede. Uma em especial me chamou atenção. Nela, estávamos eu, John e Holmes, na sala de estar. Sherlock sentado em sua poltrona, não sorria, enquanto Watson e eu, cada um apoiado em um braço da poltrona sorríamos abertamente como um par de tolos. Lembro-me de que ele insistira para a tirarmos a foto celebrando minha chegada. Desde aquela ocasião nossa cumplicidade contra Holmes só aumentou.

            _ Voltamos. – ouvi Mycroft dizer quando entrou. – E atrapalhamos suas reminiscências. – acrescentou ao reparar em mim.

            _ Na verdade só estava admirando uma velha fotografia. – comentei nostálgica.

            _ Aquela que tiramos quando fizeram dois dias desde a sua chegada? – perguntou uma voz conhecida.

            John Watson estava parado bem ao lado da senhora Hudson e abria o maior sorriso do mundo ao me ver. Corri até ele, enlaçando seu pescoço e dando-lhe um apertado abraço de urso, espremendo-o com todas as forças que tinha.

            _ Sua ausência mal é notada pelos habitantes dessa casa senhor. – brincou a senhora Hudson.

            _ A força dela com os abraços aumentou de uns tempos pra cá. – observou John. – O que você fez com ela?! – exclamou de maneira falsamente culposa para meu marido.

            _ Desculpe. – pedi, corando. – Mas o que está fazendo aqui? Visita de rotina?

            _ Não exatamente. – cortou Sherlock. – Watson vai se juntar a nós nesse caso já que... estamos prestes a perder um dos nossos. – explicou em um misto de tristeza e alegria.

            _ O que quer dizer...? Mycroft. – inquiri, me voltando para meu cunhado.

            _ Discutíamos enquanto você ainda dormia. Fui convocado essa manhã e terei que deixar de tomar partido no caso e é irrefutável a minha presença. Sendo assim... não me restou escolha. – explicou ele, visivelmente abalado. – Contudo, creio que o senhor Watson vai conseguir assumir bem o posto.

            _ Vou fazer o possível. – brincou John.

            _ Mary não fez objeção? – perguntei.

            _ Depois de Holmes ter insistido tanto... – disse reprimindo o riso.

            _ De qualquer forma, - interrompeu Sherlock, alterando o tom. – A senhora Watson se mostrou bastante compreensiva. Enfim, a que horas terá que partir Mycroft?

            _ Em cinquenta minutos para ser exato. – respondeu simplesmente.

            _ Vou ajudá-lo com a arrumar suas coisas senhor Holmes. – falou a senhora Hudson, prestativa.

            _ Eu ajudo também. – disse seguindo-os escadaria acima.

            Dez minutos e já estávamos prontos. Mycroft se despediu do irmão, de Watson e da senhora Hudson, agradecendo por tudo. Eu, no entanto, fui deixada por último. Estava chamando o cabriolé do lado de fora da casa e não pude ouvir o que ele falava com Holmes, e mesmo assim, tinha a nítida impressão de que era sobre como ele tinha sorte por eu não tê-lo machucado. Esperamos sozinhos do lado de fora, enquanto o cocheiro arrumava as malas no bagageiro. Por fim, chegou a minha hora de me despedir dele.

            _ Eu realmente fiquei surpresa... desde aquela vez que nos vimos e você pediu para que eu não o machucasse, eu realmente tinha minhas duvidas quanto a essa amizade fraternal. – disse, risonha.

            _ E no final nos demos tão bem que até conseguimos dançar uma valsa juntos sem que pisássemos no pé um do outro. – retrucou ele, brincando também.

            _ Faça uma boa viagem... irmãozinho. – disse, esticando minha mão para que ele apertasse. No entanto, ele me abraçou amavelmente.

            _ Podemos deixar de ser tão britânicos pela família. – observou ele. – Nunca dê ouvidos aquela mulher, está entendendo? – advertiu ele, me libertando do abraço, segurando minhas mãos contra as dele.

            _ E desde quando dou ouvidos? Só gosto de manter uma discussão saudável com as pessoas... principalmente com seu irmão. – falei.

            _ Você é tudo o que se esperaria de uma mulher que enlaçou meu irmão. – brincou ele, reassumindo uma posição mais formal, beijando minha mão antes de entrar no cabriolé. – Até logo Anne. – despediu-se uma última vez.

            Esperei até que virassem a rua e entrei em casa. John estava parado perto da janela, mas não havia sinal de Holmes. Sem dizer nada, me joguei em uma poltrona e alcançando um livro de Poe, comecei a ler. Minutos depois, Sherlock adentrou a sala, parando para observar a cena.

            _ E de repente é como se nada nunca tivesse mudado. – comentou ele, suavemente.

            _ Então agora é o momento em que você me critica por estar lendo Poe. – disse, erguendo meus olhos do livro para fitá-lo.

            _ Seria, mas, por hora, vamos ignorar a presença do nobre autor nessa casa. Watson vamos lhe por a par do que está acontecendo...

            _ Ah, elementar meu caro Holmes, eu sei bem o que está acontecendo. – cortou John em uma imitação perfeita do pomposo detetive.

            _ Sabe? – perguntamos eu e Sherlock ao mesmo tempo.

            _ Ora, vocês não invadiram minha casa por causa disso? – disse ele exasperado. – Estão trabalhando para os Norton para resolver o caso Longborn. Conversei com a irmã de Godfrey dias atrás quando ela foi até o meu consultório. Ela disse que vocês estavam entrevistando algumas pessoas, mas, a julgar pela falta de noticias de detenção por parte da Scotland Yard eu suponho que ainda não tenham formulado nada. – explicou ele de maneira rápida.

            _ Espere... Letícia Norton foi até o seu consultório? – perguntei surpresa.

            _ Sim... ao que parece estava sofrendo de alguns espasmos no peito, mas, suspeito que seja algo menos físico e mais psicológico. – ponderou ele.

            _ E o que o faz pensar isso? – Holmes quis saber.

            _ A maneira como ela falava da dor, como se ela estivesse se forçando para senti-la, chorava muito...

            _ Ela também estava assim aquele dia em que os vi em Oxford Street. – lembrei de repente. – Será que ela sabe de alguma coisa?

            _ No que está pensando? – perguntou Holmes.

            _ Estou pensando que... quero conversar com Letícia Norton sobre Richard Longborn. 


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Notas finais do capítulo

Então gente... desculpe a demora, espero que vcs não tenham desistido de mim. Esse capítulo ficou médio... na verdade, era pra ser um capítulo de transição. Tudo vai andar mais rápido agora, porque... acho que ninguém gosta de história que fica enchendo linguiça, logo... já já terminarei... espero que gostem!
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