Entre Pontas De Faca E Velhas Histórias escrita por Ana Barbieri


Capítulo 6
Capítulo 6




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Capítulo 6

            Estávamos todos cansados pelo dia que não valera a pena. Holmes chegara em casa e correra para seu “laboratório”, como sempre fazia quando queria se isolar para refletir os acontecimentos do dia. Posso bem imaginar o que ele pensaria, tentando afastar o ciúme que sentira por Lord Raincourt, diria que esse não era o culpado. E como poderia ser diferente? Conhecemos um mentiroso quando vemos. Agora, Sherlock ficará trancado por sabe-se quanto tempo...

            _ Não há mais nada a ser feito por hoje. – disse Mycroft, sentando-se em uma poltrona.

            _ Isso só faz com que seu irmão passe mais tempo lá em cima. – respondi com um sorriso cansado, fazendo meu cunhado rir.

            _ Você ainda não acostumou com as manias dele. – ponderou ele, solícito.

            _ Na verdade, durante os anos que trabalhei aqui consegui aprender bem. Contudo, no começo quando eu era indiferente as suas manias era mais fácil... é estranho quando não o ouço andando pela casa. – retruquei mantendo o ar cansado.

            Lembrei-me de quando cheguei a Baker Street e passei pela primeira crise de Holmes e ele permaneceu duas semanas trancado em seu quarto. Nada o retirara de lá, até que um dia desceu e bebeu seu chá normalmente. Hoje, apenas uma nova evidência o tiraria de lá... ou outra razão muito boa...

            Subi as escadas e bati na porta duas vezes, sem obter qualquer resposta por parte de meu marido. Me dirigi para o nosso quarto e, alcançando meu violino, comecei a tocar a música que um dia compusera para Holmes, “O Detetive Pomposo”. Ela sempre significou muito e hoje, toda vez que preciso muito falar com ele (ou quando estou chateada) toco-a. Ele sempre respondia ao chamado... de uma maneira ou de outra, mas, desta vez, absteve-se dessa obrigação. O que diabos estaria fazendo?

            Abri a janela do quarto e olhei para o lado. A luz do laboratório estava acesa, então por que ele não respondia? De repente, uma ideia louca me ocorreu, suicida, mas ainda assim parecia boa. Apoiei meu pés no parapeito da janela e comecei a caminhar, com passos pequenos, até chegar na janela dele. Lá embaixo, as pessoas que passavam praticamente uivavam para que eu descesse. Isso deve ter chamado a atenção de Holmes, porque subitamente ele abriu a janela e ao se deparar comigo naquela situação, estremeceu.

            _ Anne... o que você está fazendo? – perguntou nervoso.

            _ Tentando chamar sua atenção. – respondi simplesmente.

            _ Desça já daí Bergerac. – ordenou ele com impaciência.

            Obedeci de pronto e pulei de volta para dentro do quarto, espantando a platéia em seguida. Quando me virei para a porta, Sherlock me esperava no vão, com os braços postos atrás do corpo.

            _ Então? O que poderia ser tão importante a ponto de fazê-la... testar suas habilidades como acrobata?

            _ É a primeira noite do seu irmão aqui e eu realmente acho que deveríamos seguir o conselho de Raincourt e sair para comer. – disse da maneira mais inocente possível. Aquela foi a única boa razão que encontrei para fazê-lo sair de casa. Holmes suspirou.

            _ Anne estamos no meio de um caso, eu estava refletindo agora. Só saí para checar se minha esposa estava psicologicamente sã e não para ser persuadido para jantar fora. – retrucou ele.

            _ Podemos ir ao Royal! – sugeri de pronto. – Como sabe, nas noites de Quinta-feira é aberto um espaço suficiente para danças.

            _ Anne...

            _ Não me obrigue a convencê-lo querido. – disse enlaçando o pescoço dele.

            _ Bergerac... – advertiu ele, mas achando graça.

            _ Pelo menos para distrairmos seu irmão. Ele não está acostumado com a nossa...rotina. – insisti energicamente, ele, no entanto, estava impassível.

            _ Quer mesmo ir? – perguntou de forma neutra.

            _ Quero. – respondi decidida.

            _ Tão em cima da hora?

            _ Já saímos pela rua em pior estado. – brinquei, dando de ombros.

            Ele me fitou por alguns minutos, antes de ceder.

            _ Vou avisar ao Mycroft que vamos sair. – disse por fim, descendo as escadas.

            Ouvi-o falando com o irmão no andar de baixo e, assim como esperava, Mycroft apoiava minha ideia. Apressei-me até o armário e peguei o primeiro vestido que vi e trancei meu cabelo com uma fita de seda azul, deixando alguns fios soltos. Dei uma olhada no espelho, não seria a mulher mais bonita do restaurante, mas estava apresentável.

            Lá embaixo, Mycroft já colocava sua capa e o chapéu. Não se parecia nada com seu irmão, que possuía expressões muito mais duras do que ele. E embora seja mais fácil falar com Mycroft, a possibilidade de fazer meu carrancudo e pomposo marido sorrir, torna estar ao seu lado muito mais excitante. Holmes desceu em seguida ainda abotoando as abotoaduras e com o nó da gravata por fazer.

            _ Vou chamar o cabriolé. – disse Mycroft saindo à frente.

            _ Depois preciso escutar que não faço sacrifícios por sua causa. – resmungou Sherlock, enquanto ajeitava a gravata.

            _ Lamento por tê-lo feito sair de seu conforto. – disse com sarcasmo carregado, colocando-me ao lado dele no espelho. – Está torta. – alertei. – Ele correu para consertá-la, sem sucesso. – Eu faço. – disse tomando a gravata das mãos dele, sentindo seu olhar em mim.

            Por um momento, ele tomou minhas mãos contra as suas, fazendo com que eu o fitasse. Alguma coisa estava implícita em seus olhos e por um momento... senti um forte ímpeto de beijá-lo e por algum motivo pensei que fosse isso o que estava implícito. Contudo, somente terminei de arrumar sua gravata, me afastando dele em seguida. Goste ou não, ainda estamos no meio de um caso.

            _ O que seria de mim sem sua habilidade com nós. – ironizou ele, visivelmente chateado.

            _ Eu também te amo querido. – sussurrei alcançando meu casaco. Quando estava prestes a colocá-lo, Holmes o retirou de minhas mãos e vestiu-o em mim, saindo logo em seguida pela porta, surrando um “vamos” bem baixo.

‡‡‡‡

            O Royal é um dos restaurantes mais antigos da cidade e por isso, o mais frequentado tanto pelos poderosos quanto pela classe média. E meu marido sempre fez preferência por um certo lugar e como isso já era do conhecimento do Maître, não houve qualquer problema. Nos sentamos e começamos a conversar assuntos banais, que com o tempo se transformaram assuntos sobre o caso.

            _ Acho que vamos perder tempo falando com todos os suspeitos. – comentei, bebericando um pouco do meu vinho.

            _ O que recomenda que façamos então? – indagou Holmes. – Escolhemos um deles e resolvemos que é o culpado? Lestrade vai adorar esse novo método. – desdenhou ele.

            _ Só estou querendo dizer que poderíamos levar essa lista de suspeitos a Norton e perguntar sobre quais ele consideraria mais suspeitos. Como advogado de Longborn, deveria conhecer seus inimigos também. – disse defendendo minha teoria.

            _ Por um lado Anne está certa Sherlock. Poderia ser mais fácil... – interrompeu Mycroft vindo em meu auxílio.

            _ Não pretendo confiar muito no senhor Norton até que eu tenha algo mais formulado quanto ao caráter dele. – ponderou meu marido.

            _ Sher...

            _ Vamos dançar Anne? – convidou Mycroft, polidamente.

            Eu aceitei. Deixando meu marido sozinho com suas teorias.

            Percebi de pronto que a dança era uma qualidade de família. Mycroft dançava tão bem quanto o irmão, mas com maior leveza, era difícil acompanhá-lo. Sherlock pelo menos teria me dado uma vantagem.

            _ Estou impressionado. – disse ele de repente. – Você sabe manejar uma pistola, mas não é a melhor dançarina do salão. – brincou, me fazendo rir.

            _ Seu irmão acha a mesma coisa e ainda assim se apaixonou por mim. – brinquei.

            _ Acredito que ele considere o manejar de uma pistola algo mai excitante que uma dança. – observou ele.

            _ E ainda assim fez questão de me ensinar a dançar... não parece que tenha funcionado é claro. – disse, dando uma longa gargalhada, acompanhada dele.

            Mycroft era bastante divertido, de maneira ponderada assim como o irmão, mas ainda assim muito espirituoso. Se pudéssemos dançar em trio... sinto falta da risada de meu marido... Comecei a procurá-lo no meio da multidão. Havia vários casais na minha frente. Até que por fim, eu o vi e havia uma mulher sentada ao seu lado... Adler. Parei de dançar instantaneamente e murmurando algo que deveria ser um pedido de desculpas, deixei meu cunhado no meio da pista de dança e saí para o pátio do restaurante, que, para minha sorte, estava vazio.

            Eu ouvia a música que vinha de dentro do salão e ainda assim não conseguia tirar a imagem de Adler elegantemente vestida lá dentro, sentada ao lado do meu marido. A noite estava sendo maravilhosa, porque ela teria que vir e estragar tudo? Quando dei por mim, ouvi a porta abrir e pude jurar que era Sherlock vindo falar comigo, mas, quando me virei para olhar, foi com Irene Adler que me deparei. Estava nervosa. Com medo. Como se eu fosse matá-la e confesso que sempre desejei isso.

            _ O que você quer? – perguntei com aspereza.

            _ Me mandaram chamá-la. Acho que seu marido crê que possamos conversar aqui e tentar nos entender. Afinal, vamos trabalhar juntos nesse caso. – respondeu ela, com educação.

            _ Sinto muito senhora Norton, mas não tenho nada para falar com a senhora. Não desejo falar com a senhora. – disse, com calma.

            _ Senhora Holmes eu sei que tem motivos para não gostar de mim. Quero dizer, fui a primeira mulher que despertou o interesse de seu marido pelo nosso sexo. Mesmo assim, eu gostaria muito de colocar um fim nessa inimizade.

            Não escutei a ultima colocação. Ela poderia falar gentilmente, mas cada sílaba do que dizia pretendia me atingir de maneira certeira.

            _ Irene, por favor, você pode enganar todas as pessoas que estão aqui dentro, mas eu sei quem você é. E sei que você me despreza. O motivo certo é desconhecido, mas, o ódio é visível. – retruquei com frieza.

            _ Minha cara, não tenho razão para odiá-la. – defendeu-se ela. – Eu me casei porque amava meu marido, então não posso sentir ciúmes de você. Também já vivi minhas aventuras, então não tenho motivos para invejá-la. Qual seria o motivo de meu asco? – indagou ela, desentendida.

            Não aguentando seu teatro, caminhei de passos largos até a porta, sendo firmemente segurada pelo braço.

            _ No entanto, não posso dizer que não sinta pena por você. – disse ela com veneno na voz. – Pode tê-lo feito subir no altar, mas é claro que você nunca será seu grande amor. Esse lugar é ocupado pela profissão dele. Os casos que ele resolve, o perigo, o trabalho mental são seus grandes amores. Você não passa de um objeto usado... – ela não conseguiu terminar. De ímpeto, estapeei com toda a força que consegui arranjar, o rosto dela. Lágrimas de fúria brotando inconscientemente dos meus olhos.

            _ Ora sua protitutazinha... não aguenta ouvir a verdade não é?

            _ Nossas noções de verdade divergem muito Adler.

            _ Se eu fosse você, diria ao seu querido detetive que desistisse do caso. Ninguém sentiria falta daquele canalha mesmo...

            Não fiquei para escutar o resto. Corri até a mesa em que Holmes e Mycroft estavam sentados e lancei um olhar rápido a eles antes de me dirigir a saída. Chamei o cabriolé, e sem esperar por eles, saí em direção a Baker Street. As últimas palavras de Adler roçando minha cabeça. “Ninguém sentiria falta daquele canalha mesmo” ela dissera. Nem mesmo seu marido? Seu advogado e fiel amigo? Talvez Raincourt estivesse certo e devêssemos prender Norton. Seria esse o motivo para Holmes não querer confiar nele?...

            Holmes. O que ela disse sobre ele... sobre nós...me machucara profundamente também. Por mais que me recusasse a não dar ouvidos ao que aquela vadia dissera, no fundo, alguma coisa dentro de mim concordara de certa forma. Antes da discussão que tivemos sobre sacrifícios, Sherlock nunca pensara no assunto. Quem sabe resolver os enigmas de Londres não fosse mesmo o único amor de sua vida. Todavia, ele abriu mão essa noite... abriu mão de suas manias por minha causa... sim. É uma afirmativa de que Adler está errada... então por que ainda estou tão confusa?! Inferno!

            Desci do cabriolé e subi direto para o quarto. Tirei o vestido, os brincos e a fita do cabelo com violência e me enfiei sob a os lençóis. Deixei as lágrimas caírem e tentei dormir. Holmes chegou ao quarto minutos depois, perguntando sobre o que havia acontecido. Eu não respondi. Sob a luz da vela, ele viu que eu chorava. Não disse nada. Vestiu o pijama e ma abraçou ao deitar, dando vários beijos no meu pescoço, até que eu me virei e o beijei desesperadamente nos lábios, antes de abraçá-lo com mais força.

            _ Amanhã conversamos... – disse, enquanto acariciava meus cabelos, tentando me acalmar.

            Eu fechei os olhos e tentei dormir, me aconchegando a ele.


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Notas finais do capítulo

Desculpe se o capítulo ficou pequeno... mas fiz o meu melhor. Não desistam da história... prometo mais Anne em breve...
CULPEM O VESTIBULAR! Deixem reviews!