Sentei em minha poltrona e peguei meu iPod colocando os fones em meu ouvindo ligando no volume máximo. Afivelei o meu cinto e me acomodei na cadeira de uma maneira confortável. Olhei para a pequena janelinha do avião, tendo uma visão embaçada, devido à fraca chuva caía lá fora. Os pingos desciam lentamente pelo vidro deixando um rastro úmido. Fechei os olhos respirando fundo e jogando a cabeça um pouco para trás. Logo senti o avião começando a andar pela pista molhada pegando impulso para tomar o céu.

[...]

Bocejei e cocei os meus olhos que já deveriam estar vermelhos de tanto sono. Olhei novamente para a janelinha do avião. O céu estava completamente escuro, a única coisa que se conseguia ver lá fora eram as luzes da asa do avião que piscavam freneticamente. Já não chovia mais, mas dava para perceber que o vidro ainda estava um pouco úmido e embaçado.

Resolvi me render ao sono e fechei os olhos para tentar dormir, mas logo aquelas imagens vieram em minha cabeça me atormentando. Imagens que vieram como um flashback me levando de volta a um passado distante. Um passado doloroso e sofrido. Um passado que eu preferia esquecer e nunca mais lembrar. Afinal, são apenas lembranças ruins que deveriam ser apagadas, mas infelizmente elas continuam lá, guardadas, apenas esperando o momento certo de retornarem a minha mente.

Bufei, faz um ano desde que tudo isso aconteceu e eu ainda não consigo dormir direito a noite sem me lembrar dos meus pais, da minha avó, ou das dolorosas lembranças das torturas pelas quais eu passei.

Apesar de hoje em dia eu ser muito diferente do que eu fui antigamente, eu ainda sofro por tudo aquilo. Todas aquelas coisas pelas quais eu passei ainda doem. Porém eu cumpri aquela minha promessa. Desde aquele dia eu nunca mais chorei, mesmo que doa e que eu sinta vontade de chorar, eu finjo que não. Afinal, fingir é o que eu sei fazer de melhor. Na verdade, minha vida é uma grande farsa. Eu sou alguém que eu sei que não sou, mas mesmo assim eu continuo me iludindo fingindo que eu gosto de viver assim. Sozinha. Apenas eu e as mágoas que levo no coração.

Enfim, desde que minha avó morreu, eu fiquei sem ninguém. É, quando eu disse que vivia sozinha eu estava falando sério. Bom, o meu único parente vivo é o meu tio, porém ele é um grande empresário muito ocupado, e quando eu pedi pra morar sozinha ele me deu um apartamento. O ruim é que o apartamento é no mesmo prédio que o da filha dele, e esse prédio é em uma cidade no interior do Canadá, que é pra onde estou indo agora. Acho que o nome é Stratford ou alguma coisa parecida. O bom é que ele pagará todas as despesas e mandará certa quantia no final do mês para mim.

Peguei a garrafa de água que eu tinha pego mais cedo com a aeromoça e tomei um longo gole. Olhei em volta e tudo o que eu via era pessoas dormindo traquilamente, enquanto eu estava aqui acordada morrendo de sono. Como eu estava sentada sozinha levantei e fui calmamente para o banheiro que se encontrava no fim do corredor.

Abri a porta e entrei a trancando. Virei-me para o espelho e como eu pensava meus olhos estavam um pouco vermelhos. Bocejei e levei minhas mãos a boca a tampando. Liguei a torneira e molhei o meu rosto para ver se passava o sono, já que não conseguiria dormir e meus remédios estão na mala. Sim... Eu tomo remédios para dormir. Sem eles eu não consigo fechar os olhos e simplesmente dormir. Eu infelizmente preciso deles.

Apoiei minhas mãos na pia e respirei fundo me olhando no espelho. Como eu posso ter mudado tanto em apenas dois anos? Não estou falando só fisicamente, mas em tudo. Antes eu era uma garota que sorria para tudo e todos, ria de qualquer coisa, tinha amigos, família... Eu posso dizer que eu era completamente feliz e não me dava conta disso. Por que nós só damos valor as coisas quando não as temos mais? Apesar de ser meio clichê foi exatamente isso que aconteceu comigo. Eu tinha tudo o que queria e agora, de uma hora pra outra, perdi tudo... Eu não tenho mais nada. Sei nem quanto tempo faz desde que soltei um sorriso verdadeiro ou que ri de algo realmente engraçado.

É... Se alguém olhasse para aquela garota que eu fui nunca imaginariam que um dia eu poderia me tornar quem eu sou hoje. Apesar de ainda ter os mesmos cabelos castanhos ondulados e os mesmos olhos castanhos esverdeados, eu estou completamente diferente. Não sou mais uma menininha ingênua e feliz. Eu cresci, e mudei. Não mudei somente por culpa de todos os meus problemas. Eu também amadureci, e muito. Eu até poderia dizer que sou forte, mas isso é algo que eu não sou. Sim, todas as coisas pelas quais eu passei me tornaram mais forte. Mas eu ainda sou fraca. Vocês não tem idéia do quanto eu sou fraca. Uma prova disso são os meus pulsos que ainda tem marcas de cortes. Marcas que provam que já sofri, e escolhi o pior meio de descontar toda a dor.

Mas eu já parei. Já percebi que ninguém merece que eu sofra. Quem realmente merecia as minhas lágrimas já se foi para um lugar melhor, e eu já sofri. Agora a única coisa que eu posso fazer por elas é me manter firme e seguir em frente com as lembranças que elas deixaram para mim. Como que, por mais que eu nunca tivesse me dado muito bem com meu pai, ele sempre esteve lá para me apoiar, mesmo quando eu fazia idiotices, ele e minha mãe nunca me abandonavam. Principalmente a minha mãe, que conseguia fazer com que eu me sentisse bem nos piores momentos. Sem contar a minha avó... O meu porto seguro. A única que nunca me julgou ou me criticou. A única que realmente me entendia...