Beastman escrita por Cicero Amaral


Capítulo 25
Capítulo 25




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Teen Titans não me pertence. Nem o contrato de Glen Murakami, apesar de eu admitir que ele fez um tremendo trabalho com Ben 10.


 



 


Era uma manhã de sábado.


Uma perfeita manhã de fim de semana, cheia de sol e ar fresco. Ah, sim, era um dia perfeito para passear com a família, rever os amigos, ou simplesmente não fazer nada, apenas recarregar as baterias, depois de uma semana estafante de trabalho.


            E isso apenas tornava a presença de Mutano na biblioteca ainda mais bizarra do que o normal. O que poderia tê-lo inspirado (ou talvez traumatizado) a ponto de, em plena manhã de um sábado preguiçoso, fazê-lo gastar seu tempo vasculhando prateleiras de livros e volumes grossos, ao invés de aproveitar umas boas partidas com Ciborgue, testar alguma nova receita à base de tofu, ou, acima de tudo isso, passar algum tempo de qualidade com sua namorada.


            Mas o metamorfo tinha uma boa razão para bancar a traça de livro. Daqui a exatamente uma semana, seria o décimo sétimo aniversário de Ravena. E ele queria que esse dia fosse memorável. Mais que memorável; tinha que ser perfeito. Aliás, “perfeito” também não exprimia bem o que ele pretendia fazer daquele dia: o próximo sábado tinha que ser... tofulicioso. Nem mais, nem menos.


- Se bem que, conhecendo a Rae como eu conheço, vou ter que cortar a parte do tofu... ah, os sacrifícios que a gente faz por quem a gente gosta... – Pensou ele, enquanto separava mais e mais volumes em uma mesa.


            Mutano já tinha uma boa idéia do que pretendia, mas, se quisesse propiciar uma experiência autêntica, precisaria conhecer todo o procedimento: o que usar, que palavras dizer, que suprimentos consumir. E, para isso, seria necessária alguma pesquisa. Não era exatamente o que ele preferiria estar fazendo agora, se bem que, no final das contas, só estaria mesmo perdendo uma manhã de sábado.


            Além disso, se o esforço conseguir trazer mais um sorriso para o rosto da Rae, então terá mais do que valido a pena.


 


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            Mutano estava de volta à Torre mais ou menos na hora do almoço. No entanto, o pombo verde, antes de pousar no telhado como pretendia, viu uma coisa estranha acontecendo na porta de entrada: seus quatro amigos estavam recebendo uma pessoa desconhecida. Quem poderia ser?


            Ajustando sua rota de vôo, pousou junto a seus colegas (tendo cuidado para esconder muito bem a folha de anotações que tinha trazido). A pessoa que estava diante dos Titãs era um homenzinho magro e careca, vestido com o que parecia ser um lençol laranja e cinza (mais tarde, Ravena lhe diria que aquela roupa parecia muito com as vestes dos praticantes de Hare Krishna), e carregava uma espécie de pergaminho em ambas as mãos.


            O Titã mais novo sentiu vontade de perguntar o que significava tudo aquilo, mas conteve-se. Havia uma aura de solenidade no ar, e ele, por alguma razão à qual não sabia dar nome, decidiu que devia esperar em silêncio.


            O homenzinho estendeu o pergaminho para Robin, sem dizer uma palavra. O menino-prodígio, por sua vez, aceitou o objeto e, em silêncio, começou a lê-lo.


- O Verdadeiro Mestre está me convocando. – disse ele em tom reverente, enrolando novamente o pergaminho. – Disse que eu devo levar comigo a coisa mais importante da minha vida. – Ele então levantou a cabeça para agradecer, mas o homenzinho estranho já tinha desaparecido.


            Ao ouvir isso, Ciborgue deu duas cotoveladas de leve em Mutano e, assim que conseguiu sua atenção, fez um gesto de cabeça na direção de Estelar, que tinha começado a flutuar um pouco mais alto, dando voltas em torno de seu namorado. Ravena apenas revirou os olhos, ante à infantilidade dos dois rapazes, que agora estavam dando risadinhas. Esses códigos de comunicação não lhe interessavam.


- A coisa mais importante da minha vida... – murmurou Robin, pensativo. E então, de repente, seu rosto se iluminou. – Só pode ser alguma parte de meu treinamento. Ou talvez um de meus equipamentos. Titãs, vou aparecer no treino matinal mais tarde; tenho que descobrir o que essa coisa importante deve ser. – Declarou o líder dos Titãs, enquanto se retirava para seus aposentos.


POFF!! - Foi o som que Estelar fez, ao cair de cara no chão.


 


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            Seis dias depois, Ciborgue já tinha visto o bastante. Há seis dias estava esperando algum bom-senso se manifestar. Há seis dias estava esperando em vão.


- Mas agora chega. – pensou ele, enquanto se dirigia para a sala comum. – Já devia ter feito isso há muito tempo.


            Uma vez lá, no entanto, não pôde se impedir de parar e contemplar a cena diante de si, com um sorriso de satisfação nos lábios: era algo que estava vendo pela terceira, talvez quarta vez, mas que, até hoje, ainda era capaz de surpreendê-lo.


            O Titã cibernético estava vendo dois de seus amigos, Mutano e Ravena, tranquilamente sentados no sofá, ela recostada ao peito dele, com um livro nas mãos. E ele, com um braço envolvendo a cintura dela, assistia a um programa qualquer na TV, que não emitia qualquer som. Um breve ajuste nos sensores, no entanto, mostrava que ainda havia emissão de ondas sonoras, apenas num nível baixo demais para que ouvidos comuns as captassem.


            Podia ser a terceira ou quarta vez que Ciborgue via isso, mas ainda não conseg uia deixar de se enternecer (ou, nas palavras dele próprio, se distrair. Enternecer é coisa de frouxo), e por razões bem óbvias: Mutano era, praticamente desde o dia em que tinham se conhecido, seu melhor amigo. Ravena, por sua vez, era o que ele tinha de mais parecido com uma irmã mais nova. Talvez ver os dois juntos ainda lhe pareça estranho, mas se isso faz com que sejam felizes (e eles parecem MUITO felizes), então que se dane o resto.


- Opa! Se liga, Ciborgue! – O Titã metálico admoestou-se mentalmente, sacudindo a cabeça. – Tu tem um trabalho a fazer.


            Mutano então sentiu uma mão pesada cutucando seu ombro; olhando para cima, ele viu seu melhor amigo, que tinha em expressão férrea em seu rosto. Este fez um gesto com a mão esquerda, para que o metamorfo o seguisse.


            O Titã mais novo conhecia bem esse olhar. Seu amigo mais velho podia ser o príncipe da farra (o rei, evidentemente, era ele próprio), mas, nas horas em que precisava ser sério, ele era SÉRIO. Por essa razão, Mutano não perdeu tempo em pedir licença à namorada, e correr para ver qual era o problema.


            Os dois rapazes deslocaram-se pelos corredores da Torre Titã, em um silêncio que normalmente era reservado para situações de vida ou morte. Não demorou muito para que chegassem à porta do quarto de Estelar, que tinha um filete d’água escorrendo por sob a mesma.


- Vai lá dar uma olhada. – Ordenou o adolescente metálico.


            Assumindo a forma de um besouro d’água, Mutano nadou por baixo do vão da porta. Do outro lado, no interior de um quarto cor-de-rosa no qual tinha entrado apenas umas poucas vezes, estava sua amiga alienígena.


            Ela parecia estar absolutamente miserável. O rosto não tinha expressão, o olhar estava sem brilho, e ela parecia não se importar com uma pequena nuvem de tempestade, que chovia só na cabeça dela. Segurava Silkie nos braços, apesar de parecer indiferente ao choro do bicho-da-seda, que não estava gostando da chuva que a encharcava.


            O metamorfo já tinha visto o bastante. Chateado, ele voltou para o corredor, onde seu melhor amigo o aguardava.


- E então? – Perguntou Ciborgue, seu rosto uma máscara indecifrável.


- Cara... esse Robin... – respondeu Mutano, de volta à forma original. – De vez em quando...


- Então você sabe o que devemos fazer. – Concluiu o Titã de metal.


- Sim. – concordou o rapaz verde. – Sim, eu sei.


            E então os dois amigos partiram, em uma missão que podia muito bem se revelar impossível: enfiar um pouco de juízo na cabeça do menino-prodígio.


 


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            Quarto do Mutano.


            Ravena não podia deixar de se impressionar, ao contatar como determinadas coisas nunca mudam; cerca de dez dias atrás, este mesmo quarto fora o alvo de uma faxina feita por Ciborgue (e a empata não ousava imaginar que tipo de golpe baixo tinha sido usado para convencê-lo a fazer isso), e, no entanto, nada parecia ter saído do lugar. Ou talvez fosse mais correto dizer que nada ESTAVA no lugar que devia, pois o chão ainda estava carregado de roupa largada, uniformes usados, e brinquedos velhos.


- Pelo menos não está fedendo... – Ela disse para si mesma, enquanto observava o ambiente à sua volta.


            Essa declaração era um pouco injusta. Sim, é bem verdade que o quarto do Titã mais jovem sempre se assemelhou a uma zona de guerra, e sim, era evidente que qualquer pessoa com um mínimo de bom-senso esperaria que este quarto tivesse o cheiro da roupa velha que estava espalhada pelo chão. No entanto, as aparências enganam. O quarto de Mutano sempre fora (e provavelmente sempre será) bagunçado, porém jamais malcheiroso. Afinal, como ele seria capaz de dormir, se ali houvesse um cheiro forte sobrecarregando seu olfato sensível?


            Mas nada disso tinha lugar na cabeça de Ravena agora. A empata estava preocupada com questões mais importantes, tal como a razão pela qual estava aqui, agora.


            E ela estava aqui por um bom motivo: durante os últimos seis dias, seu namorado estivera... arredio, tentando bancar o misterioso. Acordava cedo, ia para a rua, e voltava apenas a partir do fim do horário comercial. Além disso, ao voltar, mal e mal lhe dedicava uma hora de atenção (talvez duas) antes de se recolher e dormir.


            E esse comportamento, por parte do metamorfo, só podia ter um significado: ele estava aprontando uma das suas. E, depois de ver o que ele tinha feito com Dr. Luz, Robin e Ciborgue, era melhor estar preparada. E não, sua presença aqui nada tinha a ver com a falta de atenções por parte de Mutano; ela era Ravena, afinal de contas; segura, compenetrada, e acima dessas besteiras como carência. Ou pelo menos, era isso que ela estava dizendo a si própria naquele instante...


            Mas, de qualquer forma, a inspeção pelo quarto nada revelou de anormal. Tudo conforme o esperado, com a exceção de...


- Hmmm. Que curioso. – Pensou Ravena, ao ver a mesinha encostada à parede. Era, provavelmente, o único lugar naquele quarto que parecia estar devidamente arrumado: uma foto da equipe, a cadeira encostada à mesa, lápis e canetas armazenadas, e um bloco de notas que descansava no canto direito da mesa.


            A empata não saberia dizer, se foi apenas a curiosidade, ou se foram as emoções residuais impregnadas naquele bloco, que a compeliram a abri-lo. O resultado prático, de qualquer forma, era o mesmo: a adolescente estava lendo cuidadosamente as anotações ali contidas, que registravam boa parte daquilo que seu namorado estivera fazendo nos últimos dias, e principalmente, o PORQUÊ de ele estar agindo assim.


            Terminada a leitura do bloco, Ravena tinha algumas novas sensações com que lidar. Em primeiro lugar, alívio: seus receios, no final das contas, não tinham razão de ser. Em segundo, alegria: as anotações não eram cem por cento precisas, mas lhe davam uma boa idéia do que Mutano estivera fazendo nos últimos dias. Talvez não fosse exatamente o que ela escolheria, mas também não podia negar o cuidado que ele estava tendo em preparar tudo aquilo. E terceiro...


            A terceira sensação era algo que a empata ainda tinha... dificuldade para definir. Era... mais do que uma simples reação à descoberta que tinha feito. Assemelhava-se mais a... uma vontade. Um desejo.


- E por que não? – concluiu Ravena, já de volta ao seu quarto. – Dois podem jogar esse jogo.


 


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            Robin continuava apreensivo. O dia da partida estava cada vez mais próximo, e o objeto importante que procurava permanecia tão elusivo quanto uma miragem no deserto.


            Trancado na sala de controle, ele tentava repassar as possibilidades em sua mente. As instruções que tinha recebido há seis dias eram claras como cristal, e diziam para que levasse a coisa mais importante de sua vida. Um pedido aparentemente simples, mas, ainda assim, o garoto-prodígio parecia incapaz de solucionar o mistério. Tinha separado e inspecionado todo o seu arsenal pelo menos três vezes, e nenhuma de suas armas ou equipamentos parecia ser mais importante do que qualquer dos demais. Também tinha relembrado todos os seus anos de treinamento, e nenhum de seus golpes, nenhuma de suas técnicas parecia ser mais útil do que as demais.


            Se não eram suas armas e nem seu treinamento, então o que poderia ser? Esse mistério tinha que ser solucionado, e solucionado JÁ.


            O problema é que, apesar de se concentrar na solução da pergunta, a mente de Robin não parava de... divagar. Quase que toda vez em que tentava descobrir o que era a “coisa mais importante” de sua vida, ele acabava pensando em... Estelar.


            E o adolescente mascarado sentia vontade de estapear a si próprio toda a vez em que pensava nela. A mensagem do Verdadeiro Mestre era bem clara ao dizer COISA, e, no dia em que ele, Robin, começar a considerar Estelar como uma coisa... bem, esse será o dia em que estará muito bem preso por uma camisa de força, trancado na cela mais profunda do Asilo Arkham.


            Aliás, essa era o primeiro motivo pelo qual tinha se trancado nesta sala. Estelar sempre... o distraíra. Era difícil manter a concentração, com aquele cabelo vermelho esvoaçando à sua frente. O perfume... a cintura e...


            O menino-prodígio sacudiu a cabeça várias vezes, numa tentativa de limpar a mente. Ele deveria se concentrar agora. TINHA que se concentrar. Havia uma resposta esperando para ser encontrada, e desistir NÃO era uma opção.


            O que levava ao segundo motivo pela qual tinha escolhido a sala de controle. Se a coisa mais importante não está em seu equipamento, e nem em seu treinamento, então provavelmente está na vida que leva. De repente, está até mesmo em um item do dia-a-dia da Torre. Com um pouco de sorte, as câmeras de segurança lhe dariam uma dica sobre o que realmente estava procurando.


            Então, sem mais delongas, Robin voltou sua atenção para os muitos monitores do sistema de vigilância. Um a um, os pontos da Torre Titã foram sendo inspecionados por seu líder, até que, eventualmente, ele se deteve em uma tela específica. O que raios aquela nuvem de tempestade estava fazendo, DENTRO do quarto de Estelar?


            No momento em que se inteirou do que estava acontecendo no interior daquele quarto, Robin viu-se, pela primeira vez em anos, sem saber o que fazer. Parte dele mal era capaz de suportar aquilo que estava vendo. Outra lhe dizia para que ignorasse tudo; que nada mais era além de outra distração. O quê, afinal de contas, ele deveria fazer? O quê?


- Chega dessa brincadeira. – pensou o menino-prodígio, dando as costas para o monitor. Tinha tomado uma decisão, e escolhera aquilo que lhe era mais caro. – E se ela não gostar, então que assim seja.


 


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CRASH!!!


            A porta da sala de controle fez mais ou menos esse som, ao ser posta abaixo por duas botas: uma roxa e preta, e a outra branca e azul.


            Ciborgue e Mutano entraram na sala, sem fazer a menor questão de esconder o quanto estavam pisando duro. E, se isso por acaso parecesse agressivo ou intimidante... tanto melhor.


- Ôôô, Ciborgue? – perguntou Mutano, após alguns segundos de busca infrutífera. – Cadê ele?


- Não faço a menor idéia... ah, mas que droga! Aonde foi que o cabeça-de-pássaro se meteu? – Respondeu o jovem metálico, nem um pouco feliz por não encontrar quem queria.


            E estava prestes a sair da sala para continuar sua busca, quando Mutano o chamou:


- Ei, cara, dá só uma olhada nisto.


            Era a um monitor específico que ele se referia. Nele, ambos podiam ver novamente o quarto da princesa alienígena... que parecia igual a antes, exceto pela presença de uma corda balançando do lado de fora da janela. E, por essa corda, ambos viram descer uma capa preta com fundo amarelo, e depois, um tufo de cabelo preto espetado.


            Nenhum dos dois pôde ouvir o que Robin disse para Estelar, pois não estavam dispostos a perder aquilo, ao ir até o console ao lado e ligar o controle de áudio. Mas viram a nuvem de chuva dentro daquele quarto se dissipar e sumir.


- Ora, ora, quem diria. – comentou Ciborgue, com a mão apoiando o queixo. – Será que as maravilhas nunca cessam?


- Falou e disse... – Respondeu o metamorfo.


 


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- Então, você e Robin vão fazer uma viagem? Depois de amanhã? – Perguntou Ravena, tentando parecer desinteressada.


            Estelar apenas balançou a cabeça para cima e para baixo. Aparentemente, estava agitada demais para falar em outra língua que não fosse seu idioma natal.


- Pronto. – a empata falou pela segunda vez, afastando-se da forma inerte de Robin, deitado num leito da enfermaria. – Os ossos já estão calcificados de novo. Apenas deixe-o descansar até amanhã de manhã, e pelo amor de Azar, nada de abraços.


            Ela então se dirigiu à saída. No entanto, assim que chegou à porta, Ravena parou. Tinha acabado de se lembrar de algo.


- Estelar... – a empata falava com a cabeça um pouco abaixada, e segurava o cotovelo esquerdo com a mão direita. – Você já fez os preparativos para a sua viagem?


            Como resposta, a tamaraneana voltou o olhar para sua amiga. Havia qualquer coisa de estranha, com o jeito com que ela tinha feito a pergunta. Seria apenas impressão, ou Ravena estaria realmente... hesitando?


- Vocês dois estão indo passar algum tempo em uma terra distante... com costumes bem diferentes dos nossos... – continuou a empata. – Talvez seja uma boa idéia tentar minimizar a possibilidade de um choque cultural.


            Mas Estelar deixou de responder mais uma vez, intrigada com as palavras de sua amiga. Quando, afinal de contas, é que Ravena passara a dar tanta importância a esse tipo de coisa? Durante todos os anos em que a conhecera, jamais tinha percebido qualquer sinal de reverência a costumes locais, salvo por um respeito cauteloso e distante. Na verdade, ela jamais tinha visto a empata mudar uma vírgula sequer de seu comportamento, por conta do lugar onde por acaso estivesse. Seja em Tamaran, ou Tóquio, ou Rússia, bem como em todos os demais locais visitados pelos Titãs, sua amiga se comportara exatamente da mesma forma. Com toda a certeza, havia uma razão oculta por trás destas palavras. Mas qual?


- Então... então talvez seja uma boa idéia... você sabe... – Não havia mais dúvidas: a empata ESTAVA hesitando ao falar. – Conseguir alguma coisa que ajude a se misturar com a população local. Quem sabe algumas roupas ou...


            A princesa alienígena nem precisou ouvir o resto: uma expressão lupina se formou em seu rosto, à medida que compreendeu o que sua amiga estava realmente tentando dizer. Lentamente, ela flutuou até uma cadeira próxima, onde se sentou, com os dedos das mãos entrelaçados e o queixo repousando sobre os dois polegares. Nem por um instante, seu olhar se desviou da empata, que, por apenas um momento, quase pensou estar diante de Estrela Negra.


- Amiga Ravena. – declarou a tamaraneana, com o sorriso da vitória dando forma a seus lábios. – Se você deseja a minha companhia para ir ao shopping comprar roupas, não acha que seria muito mais fácil... simplesmente pedir?


 


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            Mutano estava em seu quarto, separando e preparando os itens que pretendia usar para a surpresa no aniversário de Ravena, que seria no dia seguinte. Era-lhe bastante conveniente que Estelar tivesse conseguido arrastá-la para compras de última hora, pois isso lhe dava tempo para trabalhar, sem risco de ser descoberto.


            O problema é que a sorte não parecia estar do seu lado. Mal tinham se passado quinze minutos, e já havia alguém batendo à sua porta:


- Seguinte, verdinho. Larga tudo o que tiver fazendo. – declarou Ciborgue, assim que a porta terminou de ser aberta. – Nós dois precisamos ter uma conversa de homem para homem.


            Na verdade, o metamorfo não tinha a menor intenção de interromper a atividade que estava fazendo. Mas, por outro lado, a expressão de seu melhor amigo era grave; melhor ouvir o que quer que ele tenha a dizer.


            Os dois rapazes então subiram até o topo da Torre Titã, onde, após se certificar que não havia mais ninguém ali, o Titã metálico começou a falar.


- Seguinte, Mutano. Acabei de receber uma mensagem da Abelha; os Titãs do Leste precisam de mim para instalar um novo dispositivo de vigilância.


- E daí? – Mutano não tinha entendido o porquê de esse aviso trivial ser tão importante.


- Isso significa que eu vou ficar alguns dias fora. – Ciborgue colocara alguma ênfase na frase, especialmente na última palavra.


- E daí? – O rapaz verde estava desejando que seu amigo cortasse logo o blábláblá e fosse direto ao ponto.


- E daí que você e a Ravena vão ficar aqui quase uma semana... sozinhos.


- E qual é o problema disso? – Era relativamente comum que um ou mais Titãs precisassem se ausentar por alguns dias, e nunca fora problema, a Torre funcionar com menos membros.


            Mas Ciborgue, diante dessa resposta, concluiu que estava sendo direto demais. Talvez fosse melhor ir pelas beiradas, antes de chegar à parte principal.


- Ravena é como uma irmã mais nova para mim. – Disse ele, de forma inesperada.


- E Estelar é como uma irmã mais velha para mim. – Mutano respondeu no mesmo instante, sem um pingo de hesitação na voz.


- E isso significa. – O jovem cibernético ignorou seu amigo. – Que é meu dever protegê-la de quaisquer perigos, incluindo os malandros que estão de tocaia a cada esquina.


- Cara, por acaso esse não é MEU dever também? – o metamorfo não tinha captado a indireta. – Mais meu do que seu, aliás?


- Escuta aqui, verdinho! Será que dá para parar de bancar o sonso? – Ciborgue já estava perdendo a paciência. – Eu SEI que você está aprontando alguma. O que quer que seja, pode esquecer!


            O Titã mais novo ficou calado por um instante, sem saber o que pensar. Então, sua surpresa, que passara a última semana preparando para a Rae, tinha sido descoberta? E por que raios isso era uma coisa ruim?


- Mas, cara, eu... – Mutano tinha decidido contar o que estava fazendo. Não deveria ser um problema, já que queria fazer a surpresa só para a Rae, mesmo. Infelizmente, mal ele tinha começado a falar, e já estava sendo interrompido.


- Nada de “mas”. Se quando eu voltar, eu ficar sabendo que... aliás, sabendo não. Se eu sequer DESCONFIAR que você tentou se aproveitar da Ravena, você vai ser ver comigo! – Ameaçou o adolescente cibernético, cutucando o peito de seu amigo mais novo.


            Diante dessa acusação, restava uma, e apenas uma, atitude que Mutano pudesse tomar.


            Ele riu. Riu e riu com gosto.


- Cara... hihihi. – respondeu o metamorfo, assim que conseguiu recuperar um pouco do controle da fala. – Hahaha... daonde é que você tirou essa idéia?


- Você por acaso é homem? – Retrucou Ciborgue, no mesmo instante.


- Uh... sou?


- Então pronto. Não preciso de mais do que isso, para saber que você vai tentar passar o sinal vermelho.


- Que nem você pretende fazer com a Abelha lá nos Titãs do Leste? – Devolveu o metamorfo, ainda sorrindo.


- Evidente que s... EI!!! Não mude de assunto, espertinho! Quem faz as perguntas aqui sou eu!


- Cara... na boa... – Mutano ignorou o protesto de seu amigo. – Você não acha que a Rae já é uma moça bem crescidinha não? Eu não conseguiria “me aproveitar” dela nem que eu tentasse!


- Não precisa conseguir para fazer o estrago! – O Titã cibernético respondeu – Eu me lembro muito bem como ela ficou depois que aquele dragão mexeu com a cabeça dela, então o que quer que você esteja planejando, nem tente. Melhor ainda, nem pense!


            Ao ouvir isso, o rosto do rapaz verde, que até aquele momento estava sorridente, tornou-se uma máscara de ferro. Então. Agora estava sendo comparado a Malquior? Aquela... criatura... que tinha manipulado Ravena para seus próprios fins e depois a descartado como se fosse uma sandália velha?


            Ciborgue, por sua vez, percebeu que tinha passado dos limites. No entanto, não podia se permitir perder tempo com explicações ou desculpas. Se fizesse isso, o clima de intimidação desta conversa estaria arruinado.


- Entendeu o que eu disse, mano? – o homem metálico voltou à carga. – Se você de alguma forma magoar a Ravena, eu vou arrancar o seu fígado e comer com molho de churrasco!


- Pois se eu machucar a Rae, EU MESMO arranco meu fígado e sirvo para você! – Mutano, nervoso, nem ao menos prestara atenção ao que estava dizendo. – Com molho!


            Foi a vez de o homem metálico sorrir. Foram essas as palavras que saíram da sua boca, enquanto ele se virava e andava para longe:


- Estamos combinados, então. Vê se se comporta enquanto eu estiver fora.


            E o Titã verde, nervoso e confuso, permaneceu no telhado por mais alguns instantes. Foi esse o tempo que demorou para perceber que, no final das contas, seu melhor amigo tinha lhe passado a perna.


 


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            Dia seguinte.


            O interior da Torre Titã estava quase que completamente às escuras e silencioso. Apenas em um lugar, um único ponto daquela construção enorme, é que podia se detectar luz e som.


- E então, Rae? – A voz de Mutano se fez ouvir pelo outro lado da porta, pelo que deveria ser a quinta ou sexta vez. – Se a gente não for agora, vamos acabar perdendo a hora!


            O metamorfo mal podia acreditar que estava ali, andando de um lado para o outro, na frente da porta do quarto de Ravena, há exatamente quarenta e oito minutos e doze segundos. Com toda a honestidade, ele jamais teria imaginado que sua namorada um dia iria dar uma de Argenta, gastando horas no espelho se arrumando, deixando-o no corredor acumulando mofo.


- Paciência é uma virtude. – respondeu a empata, que estava penteando os cabelos. – E você não está sendo muito virtuoso, neste momento.


            A resposta foi uma espécie de grunhido impaciente. Não que isso a abalasse, claro. Ela iria estar pronta quando finalmente estivesse pronta, e não antes. Se bem que, lembrou Ravena, seria preciso agradecer a Estelar quando ela estivesse de volta. Nunca teria conseguido escolher este vestido (e menos ainda conseguir colocá-lo a tempo) sem a ajuda da princesa alienígena.


- Rae, a gente tá perdendo tempo! – Mutano reclamou mais uma vez, e seu tom de voz era um misto entre implorante e impaciente. – Se não formos logo de uma vez, não teremos nem uma hora de sol e... – e então o protesto dele morreu, quando a porta do quarto se abriu, revelando sua ocupante. – Caaaaaaara....


            Se ele ainda estivesse em condições de raciocinar, diria que a empata estava... atordoante. Vestida para matar. Um espetáculo. Uma parte dele (uma parte bem pequenininha) ainda sabia que não era lá muito educado ficar encarando, mas como fazer para desviar os olhos? Ravena estava usando um vestido de estilo chinês, daqueles que usam lacinhos em vez de botões, dispostos numa diagonal no lado direito do peito. Um vestido azul-marinho com tons de preto, cujas mangas curtas deixavam os braços à mostra. A saia era longa, parando cerca de um palmo acima do chão, com uma divisória no tecido, que se prestava a dois propósitos: permitir alguma liberdade de movimento, e também mostrar um pouco de pele... não muito, apenas o suficiente para ajudar a dar asas à imaginação.


- Nossa, Mutano... que nojo. – Falou Ravena, ao mesmo tempo em que se virava e seguia o corredor. A verdade, no entanto, era que a visão de seu namorado, com o queixo mole, os olhos como que a saltar das órbitas, e um fio de baba pendendo da boca, satisfazia uma parte sua que, até aquele momento, ela nem sabia que tinha.


            Pessoalmente, ela culpava Trigon.


 


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            Na ilha onde se erguia a Torre Titã, desenrolava-se m evento que, à primeira vista, parecia-se muito com um piquenique: dois jovens sentados um à frente do outro, com um lençol estendido no chão entre ambos, onde estavam dispostos pequenos comes e bebes.


            Sob uma inspeção mais próxima, no entanto, podia-se perceber que era algo diferente o que estava acontecendo. Cada um dos dois adolescentes estava sentado sobre uma almofada retangular, coberta por um lençol de piquenique (Ravena desconfiava que essas eram as almofadas do sofá da sala comum, apesar de fingir não ter percebido isso). Ao lado de ambos, uma fogueira esquentava uma tigela de barro cheia de um líquido esverdeado, e, no lençol estendido entre ambos, alguns salgadinhos e waffles se encontravam arrumados em um padrão.


            Apenas alguém com profundo conhecimento sobre o assunto teria sido capaz de perceber, mas o que estava acontecendo no solo rochoso daquela ilha era nada menos do que uma chanoyu, ou cerimônia do chá japonesa. Mais especificamente, uma chakai, uma versão relativamente mais simples da cerimônia.


- Eu deveria fazer alguns gestos rituais e dizer algumas frases formais agora. – Mutano comentou, sentado em sua almofada, de pernas cruzadas. – Mas...


- Mas você prefere ser espontâneo, certo? – Completou Ravena, que estava ajoelhada sobre sua almofada, de frente para ele.


- Bom, na verdade... – o metamorfo sorria enquanto falava, o que tornava difícil saber se estava hesitando, ou se as pausas em sua fala eram deliberadas. – Eu tinha tudo decorado na ponta da língua, mas esqueci tudo.


- Oh? – A empata não podia dizer que estava surpresa, apesar de levantar a sua tradicional sobrancelha questionadora.


- E é tudo culpa sua. – Acusou ele, com um quê de malícia na voz.


- Minha? – Ravena, que tinha uma leve idéia do que seu namorado diria a seguir, tentou fazer com que sua voz soasse o mais inocente possível. Não teve muito sucesso.


- É isso aí. Sua. Sua e dessa sua roupa. – Mutano continuou. – Caramba, Rae! Tem uma mancha de baba no meu calçado agora, que eu nem sei como foi parar ali.


            A empata desviou o olhar um pouco para o alto. Na verdade, ao sair com Estelar para comprar uma roupa, sua idéia original tinha sido a de comprar um kimono, pois, graças ao bloco de anotações que tinha espiado, tinha deduzido o que aconteceria agora, e era essa a roupa tradicional para esse tipo de cerimônia. Mas a princesa alienígena proibira terminantemente a aquisição daquele traje, dizendo que aquilo era um crime contra os seus encantos e charme natural.


            Na hora, a empata precisou conter um quê de irritação. Encantos? Charme natural? Pelo visto, Estelar tinha escolhido uma péssima hora para começar a fazer uso de sarcasmo e ironia.


            Agora, no entanto, a empata fazia uma nota mental... para agradecer a sua melhor amiga, assim que ela retornasse.


            Um som de borbulhas chamou a atenção dos dois adolescentes. Mutano, ainda que a contragosto, tirou seus olhos de cima da namorada e os focalizou no chá verde que fervia. Ravena, por sua vez, observou os instrumentos utilizados, objetos que ela não se recordava de um dia ter visto na Torre. Em primeiro lugar, ela reparou na bacia em que o chá estava sendo preparado. Era um negócio que, pelo que ela podia perceber, era funcional, mas, esteticamente, era simples ao ponto de ser tosco. Ela se perguntava a razão de o metamorfo decidir comemorar seu aniversário dessa forma, ao invés de escolher alguma coisa com direito a bolo, muita gente, e doces cheios de açúcar.


            Mutano, por sua vez, estava terminando de encher duas canecas com o chá verde. Tinha percebido sua namorada examinando a bacia de chá que ele tinha feito pessoalmente, e isso o fez comemorar por dentro: uma das primeiras descobertas que tinha feito, ao pesquisar este assunto, era que os adeptos do chá costumam valorizar as pequenas imperfeições, presentes nos utensílios feitos à mão. As horas que tinha gasto como cupim e joão-de-barro, modelando aquela bacia, pareciam-lhe bem menos exaustivas agora.


            O chá foi então servido, e o casal o tomou em silêncio, devagar, concentrando-se na bebida quente e na companhia um do outro. Um pouco mais tarde, quando as canecas de chá haviam sido esvaziadas e metade dos waffles consumida, palavras foram novamente trocadas pelos dois:


- Por quê? – Perguntou Ravena, sem qualquer sutileza.


- Você não gostou, Rae? – A pergunta brusca da empata levantou dúvidas na cabeça do Titã verde.


- Gostei da surpresa, sim. – respondeu ela, falando a verdade. – Mas por que, de todas as coisas que poderíamos fazer, você escolheu justamente esta?


            Mutano sorriu ao ouvir esta pergunta. Desde o começo do dia, tinha sentido vontade de dizer o porquê de sua escolha... mas precisara de um tremendo esforço, para ficar de bico calado e esconder sua ansiedade. Agora, finalmente, era hora de falar.


-Olha, é uma história que eu vi em algum lugar. – começou ele. – tinha um cidadão que estava passeando por uma cidade, lá no Japão feudal, e viu um rapaz regando as rosas do quintal. Bom, esse sujeito acabou reparando em duas coisas: primeiro, a forma graciosa (a empata notou um certo tom de deboche na forma como essa palavra foi pronunciada) como o jovem estava molhando as flores; e segundo, reparou na beleza das próprias rosas.


- E então? – a empata podia perceber que essa não era a historinha típica que se encontra em quadrinhos. – O que aconteceu?


- Bem, esse sujeito queria parar a admirar as rosas, mas estava atrasado para um compromisso. Foi então que o japa mais novo decidiu convidar o mais velho para voltar no dia seguinte, para um pouco de chá, e então ele poderia apreciar melhor aquelas rosas. Ele aceitou, e então seguiu seu caminho.


            Uma breve pausa, na qual o Titã mais novo terminou de esvaziar sua caneca de chá. Ravena fez um esforço para parecer indiferente.


- No dia seguinte, quando esse sujeito voltou, não havia mais uma única rosa no jardim. Desapontado, já que a única razão de sua visita tinha sido cortada sem piedade, estava prestes a ir embora, quando, mais por desencargo de consciência do que qualquer outra coisa, decidiu entrar na sala de chá de seu anfitrião. Mas mal ele tinha entrado, e parou de boca aberta: havia um vaso pendurado no teto, e no vaso havia uma única rosa, a mais bela do jardim.


- E a moral da história...?


- Bom, de acordo com a lenda, esse rapaz (que mais tarde se tornou um lendário mestre do chá), tinha percebido a intenção de seu convidado, e, com aquele gesto, demonstrou que, naquele dia, os sentimentos de ambos estariam em perfeita harmonia. Essa foi a primeira razão para escolher esta cerimônia: tomar uma caneca de chá em paz e harmonia? Tudo a ver com você.


- E o segundo motivo? – Perguntou Ravena. Ela estava positivamente impressionada com as palavras de seu namorado, tanto que nem foi capaz de conter sua curiosidade.


- Ah, o segundo motivo sou eu mesmo. Não consigo deixar de me ver no lugar do japonês mais velho, toda a vez em que ouço esta história. – Mutano fez o melhor que pôde para dar um ar de mistério a seu sorriso. Falhou miseravelmente.


- Como assim? – A empata, que não via qualquer conexão entre o metamorfo, chá ou tranqüilidade, estava convencida de estar ouvindo uma lorota barata.


- Ah, Rae... – o rapaz verde estava meio que olhando para o alto agora, em seu rosto o ar abobado de quem está sonhando em pé. – Se você considerar esta cidade como um jardim... aliás, cidade não. Se você considerar este UNIVERSO INTEIRO um jardim, então quem, eu pergunto, quem além de mim, pode dizer que tem a rosa mais bela? Ninguém.


            Se antes a adolescente estava impressionada, agora ela estava absolutamente... sem palavras. Por instinto, tentou recolocar um capuz que não estava ali, em uma inútil tentativa de esconder o vermelho que havia se insinuado em sua face. No final, tudo o que conseguiu foi voltar os olhos para o chão, incapaz de encarar o rapaz sentado à sua frente.


            Ela não saberia dizer quanto tempo permaneceu naquela posição, mas não demorou muito para que percebesse alguém se sentando às suas costas, e menos tempo ainda para sentir dois braços envolvendo sua cintura. E não era preciso ser empata para saber o que é que ele queria... dois lábios roçavam o lado esquerdo de seu pescoço, e eles eram bastante eloqüentes em seu movimento. Ravena não resistiu quando sentiu a mão de seu namorado em seu rosto, tentando fazer com que olhasse para ela. Mas, um instante depois, sentiu-se novamente encabulada, pois havia algo diferente, um brilho quase... feral, no olhar de Mutano. Uma pequena parte da empata a repreendia, por provocar os instintos dele como havia feito antes. É bem verdade que tinha gostado de fazer isso, mas seria capaz de lidar com as conseqüências?


            Não teve tempo de pensar a respeito: no que pareceu ser uma fração de segundo, Ravena foi jogada de costas no chão, com o metamorfo em cima dela.


– Abaixa!! – A empata teve a impressão de ouvi-lo gritar.


            Uma reprimenda fez menção de se formar no fundo de sua garganta, mas morreu assim que a adolescente olhou para o rosto de seu namorado, e percebeu a expressão de surpresa, raiva e receio presente em seu rosto; ele olhava diretamente para alguma coisa ali perto e, quando Ravena olhou também, quase não conseguiu acreditar em seus olhos:


            Sladebots. Dezenas, centenas deles. E agora mesmo, diversos outros marchavam para fora das águas da baía, juntando-se à horda que parecia cobrir cada canto da ilha. Alguns pareciam ter ficado embaixo d’água por dias, a julgar pelas algas que ainda estavam presas ao seu revestimento.


            Um domo de energia negra foi conjurado, protegendo o casal da primeira barragem de disparos. Nenhum dos robôs percebeu, no entanto, um pequeno buraco se abrir a seus pés. Tampouco perceberam uma cabeça verde de toupeira sair dali por um instante, para ver o que havia à sua volta.


            Erro grosseiro. No instante seguinte, havia um yeti verde entre suas fileiras, causando o caos com um sladebot que agarrava pelo pé, e brandia como se fosse uma clava. O símio batia e batia, com tanta força que despedaçava tanto sua arma quanto suas vítimas. Em poucos instantes, nada restava em sua mão, além de um pé soltando faíscas.


            A empata também tinha feito a sua parte: assim que os impactos em seu domo cessaram, ela o desfez, e se juntou ao ataque. Sua prioridade, no entanto, era criar algum espaço para manobrar. Apinhada de autômatos como estava, a ilha era um campo de batalha menos do que ideal e, por isso, Ravena começou a levitar os robôs, jogando-os de novo nas águas da baía, tantos e tão depressa quanto era capaz. Estava ciente de não estar destruindo-os, mas, para concentrar energia o bastante para esse fim, seria preciso uma fração de segundo a mais em tempo, e uma concentração um pouco mais aprumada. O primeiro ela não tinha, e o segundo, tendo que se desviar de tiros e com alguns destroços de sladebots caindo por sobre sua cabeça, estava difícil de obter.


            Além disso, havia um pequeno fator que a perturbava; a fúria que emanava de seu namorado era algo que ela jamais esperara que um dia pudesse sair dele. Sim, Ravena já tinha visto Mutano com raiva antes, mas nada parecido com... isso. Ela não sabia a razão para esse excesso e, na verdade, estava preocupada demais com a sobrevivência de ambos, para poder se importar. De qualquer forma, porém, a pergunta muda da empata teve uma resposta, assim que ambos conseguiram abrir uma clareira, com raio de uns cinco metros.


- Slade, seu pervertido desgraçado! Será que você não tem coisa melhor pra fazer do que atrapalhar meu namoro!?! – o metamorfo estava de volta à sua compleição original, e sim, estava de péssimo humor. – Já é a segunda vez que você faz isso!


- Segunda...? – Na verdade, Ravena estava mais atenta a outras coisas agora, mas esta pergunta simplesmente... escapuliu.


            Foi quase engraçado, ver toda aquela fúria e desafio, que antes pareciam permear cada poro do Titã verde, dissiparem-se, como se jamais tivessem estado ali.


- Rae? Olha, já faz muito tempo... sabe, isso foi antes de... oh, cara, eu e minha boca grande... Rae, você tem que acreditar que... CUIDADO!! – E então, usando a forma de um tigre, saltou por cima da empata, pousando em cima de um Sladebot que conseguira se esgueirar por trás dela. E, enquanto esmagava a cabeça do construto entre os dentes, o felino verde sentiu uma pequena pontada de culpa, pois ele o livrara da obrigação de dar uma explicação um tanto quanto... delicada.


            No segundo seguinte, no entanto, Mutano já não se sentia nem um pouco grato; se era verdade que agora havia um espaço limitado para se movimentar, também era verdade que os Sladebots pareciam estar tirando vantagem disso. Com o espaço extra significando uma chance menor de atingir a si próprios, eles tornaram-se mais audazes ao empenhar suas pistolas, obrigando os casal de Titãs a se esquivar ou bloquear os disparos, não importa se com escudos místicos, ou improvisando, com um robô pego ao acaso.


- Ravena! Liga aí as defesas da Torre! – o titã verde sabia que ambos estavam em dificuldades; ainda havia mais máquinas do que ele podia contar, e mais ainda estavam emergindo das águas agora. – O código tá no seu comunicador! Liga logo!


- Não posso! O meu está guardado em meu quarto! Não tem bolso neste vestido idiota! – Ravena respondeu, enquanto levitava um robô e o arremessava como um projétil contra os demais. – Liga você!


- Eu não posso! – Robin e Ciborgue não me deram as senhas! – Devido a um incidente passado, envolvendo um entregador de pizza e duas toneladas de munição de paintball, Mutano fora proibido de manusear os sistemas de defesa da Torre Titã. Permanentemente.


            E Slade, camuflado em uma rocha um pouco mais alta, a cerca de 600 metros de distância, sorriu por trás de sua máscara. Estava assistindo a luta através da mira telescópica de seu fuzil de caça, e ouvindo através de uma ligação com os audiorreceptores de seus robôs. O breve diálogo entre o casal de crianças mostrava que seu plano estava se desdobrando conforme o esperado: faltava pouco agora. Muito pouco.


            E os dois Titãs sabiam que estavam com problemas. A pilha de destroços não parava de aumentar, mas os Sladebots continuavam vindo. Até se mover estava se tornando perigoso, devido ao risco de tropeçar e cair em cima de alguma peça afiada, ou fonte de força faiscante.


            Além disso, nenhum deles podia lutar sem medo de acabar machucando o outro; Ravena não ousava disparar rajadas mortais, nem expandir demais seus campos de energia, devido ao risco de atingir seu namorado. E o mesmo valia para Mutano, pois, caso assumisse a forma de um animal grande demais, poderia acabar pisoteando-a.


            Nada disso, no entanto, mudava o fato que, se os dois Titãs não fizessem algo LOGO, acabariam mortos ou derrotados. Mutano xingava e rosnava, enquanto tentava lutar E imaginar uma forma de reverter sua desvantagem. Se pelo menos houvesse um jeito para ambos poderem lutar sem restrições... se pelo menos tivesse uma...


- ... Idéia? – o metamorfo finalizou o pensamento em voz alta, atônito com a sugestão que seu cérebro estava lhe dando; foi uma grande sorte o fato de Ravena estar vigiando, ou teria sido atingido pelo menos seis vezes.


- Rae! – ele então gritou, já sabendo o que devia fazer. – Sobe no meu lombo! Agora!


- O quê? – A empata nem queria saber de onde tinha saído aquela ordem estapafúrdia.


- Não discute, garota! Sobe logo!


            E, no lugar onde, um segundo antes, estava um homem de pele verde, agora erguia-se um tiranossauro rex, uma fera com toneladas de carne, osso e couro, dotado de presas com até 18 centímetros de comprimento. A empata, finalmente compreendendo a motivação dele, levitou até as costas do sáurio, posicionando-se ali.


            A batalha, então, tornou-se desigual. A cauda do metamorfo era uma arma em si própria, esmagando vários Sladebots a cada movimento, e até mesmo construtos eram capazes de perceber a ameaça que suas mandíbulas representavam. Ravena, por sua vez, cobria as laterais vulneráveis do dinossauro, tanto com escudos de energia que o protegiam contra disparos, como usando seus poderes para destruir robôs aos montes.


            As pilhas de destroços e robôs mutilados continuavam a crescer. Desta vez, no entanto, o Titã verde não precisava se preocupar com tropeços, já que suas passadas simplesmente achatavam o que quer que fosse infeliz o bastante para ficar debaixo dele.


            Slade, por sua vez, recebeu o novo desenrolar sem maior preocupação. Não importava o fato de que trezentos e trinta dos quinhentos robôs estivessem desativados. A estratégia da mascote dos Titãs era... interessante, admitia, ainda que, no final das contas, fatal. Fatal porque não tinha levado em conta uma variável muito, muito importante.


            Ele próprio.


            Com a serenidade de alguém nascido para esta tarefa, o criminoso de um olho só puxou o gatilho de sua arma cinco vezes, ciente de que jamais erraria um alvo com aquele tamanho.


            No calor da batalha, com a adrenalina inundando suas veias, e ouvindo o instinto daquele que foi o maior predador de seu tempo, Mutano não foi capaz de sentir a picada dos cinco dardos que se alojaram em seu corpo. Deu dois passos para trás, esmagando algo que, esperava, fosse algum Sladebot tentando atacá-lo por baixo. Acontece que, conforme ele percebeu um pouco depois, seus oponentes começaram a ficar mais rápidos: ele estava sentindo mais e mais dificuldade para cravar as mandíbulas nos robôs do Slade. Eles estavam ficando mais fortes, também. O metamorfo sentia vários deles agarrados à sua cauda, quando deveriam estar reduzidos a sucata. E, para piorar ainda mais a situação, os Sladebots estavam recebendo reforços; mal piscara os olhos uma vez, e o número de inimigos parecia ter dobrado... não, triplicado. Mas que diabos...?


            Ravena também tinha percebido algo de errado. No início, até gostou que seu namorado se movimentasse mais devagar, pois era difícil se equilibrar nas costas dele com toda aquela agitação. No entanto, logo se tornou evidente que as forças dele estavam desaparecendo gradativamente. Mais e mais Sladebots conseguiam se esquivar de suas mordidas, e a cauda não mais balançava de um lado para o outro com força. Em pouco tempo, percebeu que estava praticamente lutando sozinha; além dos flancos, precisava também se livrar dos construtos que tentavam prender o metamorfo pela cauda. Isso aconteceu cerca de meio minuto antes do apoio sob seus pés desaparecer.


            Capaz de voar, a empata não caiu no chão. Mas, assim que voltou os olhos para baixo, quase desejou ter caído também.


- Raaaaeeee... – O Titã mais novo estava caído no chão, de volta à sua forma original, e sua voz era tão débil, que atraiu a empata como se fosse um ímã.


            E ela foi, decidida a tirá-lo dali de qualquer jeito. Nessa hora, não importava mais ter que recuar da batalha, e nem mesmo ceder a Torre Titã para o inimigo da equipe: desde que conseguisse garantir a segurança do metamorfo, todo o resto era dispensável.


            Mas não conseguiu alcançar esse objetivo, pois os Sladebots restantes se voltaram contra ela com um abandono aparentemente impossível. Se antes os construtos tentavam se defender, agora eles simplesmente se jogavam em cima de Ravena, sem qualquer estratégia ou critério, como se fossem um cardume de piranhas em frenesi.


            A empata viu-se instantaneamente no centro de um tornado de ataques, um inferno de socos, chutes, tiros e até arranhões. Seus escudos de energia impediram os autômatos de despedaçá-la, mas ela não conseguia avançar nem um centímetro sequer. A luz do dia diminuiu até quase desaparecer, à medida que mais e mais Sladebots saltavam uns sobre os outros, empilhando-se em seu domo protetor. A noção do tempo desapareceu, à medida que sua concentração voltava-se mais e mais para manter e reparar tal escudo. E isso poderia ter continuado indefinidamente, se Ravena não tivesse visto... algo.


            Através de uma das poucas partes de seu domo, que não estava coberta por uma massa de membros mecânicos, a jovem viu uma estranha silhueta dirigindo-se para uma rocha na praia. Silhueta estranha, pois em estranho volume em suas costas fazia com que parecesse corcunda. Esse indivíduo aproximou-se então de outra silhueta humanóide, maior, que possuía um indiscutível ar de autoridade. A primeira silhueta se ajoelhou, e removeu o volume de suas costas, oferecendo-o a seu mestre: agora Ravena podia ver que era uma pessoa que tinha sido carregada, e estava agora sendo passada das costas da primeira silhueta para a segunda.


            Que, por um momento antes de se virar e sumir de vista, voltou o rosto para o local onde a batalha ainda se desenrolava. Mesmo através do negrume de seu escudo, a empata pôde sentir a atenção de um único olho, completamente voltado para ela.


            No meio da horda que a atacava, e dependendo apenas de sua concentração para se manter viva, demorou para que Ravena conseguisse compreender o que tinha visto. Quanto tempo se passou até que isso acontecesse? Um minuto? Dois minutos? Três? Cinco? Talvez jamais venhamos a saber. Sabemos apenas que, quando a compreensão finalmente se cristalizou em sua mente... o resultado não foi muito bonito de se ver.


            O domo de energia se expandiu com uma potência absurda, destruindo quase todos os Sladebots no processo. Os demais foram arremessados a centenas de metros de altura, e espatifaram-se na queda.


            Na verdade, o domo de energia negra não tinha tanto se expandido... quanto explodido.


            Fora uma decisão arriscada, e Ravena sabia disso. Mas não havia muita escolha: se continuasse do jeito que estava, eventualmente suas energias se exauririam, levando-a à derrota.


            Na verdade, a ação da empata fora muito menos fruto de uma decisão... do que de uma completa perda de controle.


            Queimando de preocupação, ela examinou a direção em que tinha visto Slade pela última vez. E, quando não encontrou nada ali, vasculhou todo o restante da ilha. Duas vezes. Três vezes. O tranqüilizante usado em Mutano devia gerar em sono sem sonhos, pois não havia nenhum rastro empático que pudesse ser seguido.


            Na verdade, a preocupação que comprimia o coração de Ravena não era tão grande quanto o... desespero.


            Mas, infelizmente, nada que a empata pudesse fazer, pensar ou sentir, poderia mudar o que havia acabado de acontecer.


            Mutano, seu namorado... tinha sido levado.


 


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            Demorou muito tempo para que Ravena pudesse entrar novamente na Torre. O chão que pisava cobria-se de rachaduras, e pedrinhas flutuavam no ar à sua volta, esfarelando-se aos poucos. Tudo o que a empata queria agora era perseguir Slade, mas, para isso, precisaria que os dispositivos de rastreamento da Torre lhe fornecessem coordenadas. O problema é que, se ela entrasse neste estado, acabaria destruindo tudo lá dentro, incluindo os dispositivos de que precisava. Não havia escolha, a não ser se acalmar, uma tarefa muito mais fácil de ser dita do que cumprida.


            Uma vez lá dentro, muito mais tarde do que gostaria, a primeira coisa que Ravena fez foi se livrar do vestido arruinado, e colocar seu uniforme. Foi no momento em que pegou novamente o comunicador, que ela viu, na janela aberta, um pequeno tom de:


- ... verde?!? Mutano??


            Ela correu para a janela, incapaz de conter a ansiedade... que logo deu lugar à decepção, quando viu que o verde que tinha visto nada mais era do que a folhagem de uma arvorezinha minúscula, num vaso colocado em sua janela.


            Intrigada com a presença daquele objeto estranho, a empata pegou a folha dobrada de papel que estava depositada à raiz da arvorezinha, e não se surpreendeu ao reconhecer a caligrafia de seu namorado:


            Oi, Rae!


            Achou que eu ia esquecer de seu presente de aniversário, é? Bem, pense de novo!


            Sabe, eu tava achando que cê tava precisando colocar um pouco mais de cor em seu quarto... e acabei cruzando com uma dona no centro, que me falou que cuidar de um bonsai (essa plantinha aí) ajuda a manter a calma, harmonia, concentração, previne câncer, celulite, queda de cabelo, etc. Pessoalmente, acho que as últimas partes devem ser mentiras, mas ei! ... Deve ser menos chato cuidar da plantinha do que ficar sentada de olhos fechados, repetindo a mesma coisa o tempo todo...


            P.S: Dizem que quanto menor o bonsai, mais sábio é o dono... isso significa que a planta vai encolher?


            P.P.S: Não vale entregar a planta para a Ravena de marrom dentro da sua cabeça!


            P.P.P.S: Você deve estar querendo saber como foi que coloquei seu presente aí... Pois é... peguei emprestada uma das mãos reserva do Ciborgue.


            P.P.P.P.S: Não conte para ele.


            A linguagem e irreverência da carta quase faziam parecer que Mutano ainda estava ali, falando com Ravena, o que só servia para tornar sua ausência ainda mais insuportável. A empata tentou ser forte, para conter a pressão que sentia se formando no fundo do peito, na garganta e nos olhos, mas seu sucesso foi apenas... parcial. Se fosse possível resumir seu estado de espírito a uma frase, seria esta:


- Quero ele de volta.


            E havia um pensamento consciente para complementar:


- E quero agora.


            Foi então que ela deixou o quarto, dirigindo-se para a sala de operações. O monitor mostrava claramente o sinal do comunicador de Mutano, que agora estava em um armazém antigo, na parte condenada da cidade.


            Ravena fechou os olhos, pensativa. Era uma armadilha. Tinha que ser. Se Slade não quisesse ser encontrado, certamente teria destruído ou reprogramado o comunicador, na primeira oportunidade que encontrasse. A esta altura, certamente teria uma armadilha pronta, e, o que quer que fosse, seria dotada de uma eficiência letal.


            A empata sabia que não deveria enfrentar Slade sozinha. Deveria convocar seus amigos e, só depois da chegada deles, planejar o resgate de seu namorado. Para enviar o sinal de emergência, bastava apertar um botão.


            Que permaneceu intocado.


            Porque Ravena sabia que seus colegas estavam a cerca de seis ou sete horas de distância de casa, agora. A cada minuto que passava, a cada segundo que se transcorria, menores ficavam as chances de Mutano escapar ileso.


E isto.


Não.


Era.


Aceitável.


             Mas havia outra razão, também. Uma razão que tinha a ver com a oitava parte de um acordo feito pela empata, pouco mais de um mês antes. Uma parte que, até hoje, até agora, ela jamais tivera intenção de cumprir.


            Teria Ravena escolha? Poderia ela tomar outro rumo esta noite? Não sabemos. Talvez jamais venhamos a saber. Sabemos apenas que a decisão já estava tomada, quando a empata abriu novamente os olhos.


            Todos os quatro.


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