Beastman escrita por Cicero Amaral


Capítulo 24
Capítulo 24




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/19747/chapter/24

Teen Titans não é... Ah, e quem é que se importa? Já repeti isto mais de vinte vezes!

 

 

- Vocês dois O QUÊ?!? – Robin e Ciborgue gritaram a uma só voz, incapazes de acreditar no que tinham acabado de ouvir. Seria mesmo possível que...?

- É isso aí, caras! – o sorriso de Mutano mais parecia um holofote, iluminando a sala com a luz refletida em seus dentes. – Podem falar, é ou não é o máximo?

            O líder da equipe e o jovem metálico estavam praticamente paralisados com o choque. Namorando? Aqueles dois estavam NAMORANDO?!? Não, não podia ser verdade. Era uma ilusão de ótica, uma alucinação. Era impossível que Ravena e Mutano, que não conseguiam ficar cinco minutos do lado do outro sem acabar brigando, estivessem juntos agora... juntos desse jeito.

            O silêncio na sala comum era como o de uma cripta. Robin e Ciborgue ainda estavam pasmos demais para respirar, ao passo que Ravena, mortificada com toda esta exposição, tentava ficar o mais fora de vistas que pudesse. Apenas o metamorfo sorria, tendo confundido a expressão de choque (e horror, jamais se esqueça do horror) de seus amigos com felicidade.

            Nenhuma deles notou que Estelar tinha saído da sala comum, quase que no mesmo instante em que o Titã verde contara sua novidade.

- E então, galera? – perguntou Mutano mais uma vez, balançando as sobrancelhas. – Não têm nada a dizer não?

            Mais silêncio. O metamorfo viu seus dois colegas abrirem as bocas, fechá-las, abri-las de novo, olhar para a cara um do outro e depois engolir em seco. Somente após um longo intervalo, longo o bastante para que até ele se sentisse incomodado, é que o garoto-prodígio pareceu recuperar sua voz.

- Não tem graça. – Foram as palavras que saíram da boca dele.

- Hein? – O Titã mais jovem não tinha entendido o que seu líder queria dizer.

- Escute aqui, Mutano, por acaso a gente tá usando nariz de palhaço? – Ciborgue parecia tenso. Muito tenso.

- Hã? – Um ponto de interrogação tinha surgido sobre a cabeça do metamorfo. – Cara, do que é que você está falando?

- Será que você não tinha alguma coisa melhor para fazer com seu tempo? – Acusou Robin.

- Ou então arrumar uma lorota menos óbvia, quem sabe? – Perguntou o adolescente metálico.

            O ponto de interrogação, que estivera flutuando acima da cabeça de Mutano até aquele momento, esticou-se de repente, abandonando a forma de anzol para parecer uma vara, um instante antes de ele decidir responder:

- Peraí. Por acaso vocês acham que eu tô inventando tudo isto? – Indagou o rapaz verde, com o ponto de exclamação brilhando sobre sua cabeça.

- Claaaaro que não! Imagina! – As vozes de Robin e Ciborgue estavam até inchadas, devido à quantidade maciça de sarcasmo que tinha sido injetada nelas.

            Foi nesse instante que Ravena decidiu intervir; era inacreditável como seu namorado podia ser obtuso, de vez em quando.

- Ele fala a verdade. – Declarou a empata, mostrando a mão esquerda, cujos dedos ainda estavam entrelaçados com os de Mutano. Estava morrendo de vergonha, mas tinha conseguido manter a voz firme: agora não era hora para hesitação.

            O menino-prodígio e o jovem cibernético, surpresos, não conseguiram fazer nada, exceto olhar aquelas mãos entrelaçadas, como se os segredos do universo estivessem escondidos ali. Não é que não tivessem visto isso antes, já que foi de mãos dadas que o casal entrara na sala e fizera seu anúncio. Mas esse era um detalhe que tinha sido percebido apenas de forma periférica, e, ainda assim, varrido para um canto escuro da mente quase que no mesmo instante. E quem poderia culpá-los? Ravena e Mutano com as mãos dadas? Isso era algo que simplesmente... não computava. Como Calígula nomeando seu cavalo senador. Era algo que simplesmente... não. Apenas não.

            Mas como reagir, agora que eles não podiam mais fingir que não estavam vendo?

            Simples: Eles NÃO reagiram. Afinal, é meio difícil fazer qualquer coisa, enquanto seu cérebro está sofrendo um curto. Os pobres coitados nem perceberam quando Estelar voltou da cozinha com uma Delícia Suprema Tamaraneana, e enfiou um bocado generoso em suas bocas. Eles acordaram bem a tempo de sentir as entranhas como se estivessem em chamas.

            O lado bom, pelo menos, é que eles não precisaram pedir para Ravena remendar suas costelas, depois de esperá-la terminar seu próprio transe de cura. Já Mutano...

 

----------------------------------\\------------------------------------------

 

- Ciborgue, o que é que você está fazendo? – Perguntou Robin, intrigado com o que estava vendo.

            A pergunta foi feita em um dos corredores da Torre, aonde o Titã cibernético, que usava macacão e touca preta, estava não-tão-discretamente montando um aparelho esquisito.

- Shh!! Quieto! Quer que o verdinho escute?

- Ciborgue, o que é que você está fazendo? – Perguntou o garoto-prodígio mais uma vez, revelando um pouco de aço por trás da voz. Já tinha detectado a presença de travessura no ar, e pretendia, ao menos, saber o que era. Antes prevenir do que remediar, diz aquele velho ditado.

- Argh...! – Ciborgue cogitou a possibilidade de não contar, mas a discussão resultante certamente iria alertar sua presa. – Tá bom, tá bom! Eu conto! Mas será que dá para falar baixo, pelo menos?

            E então, após um rápido acena de cabeça por parte de Robin, começou a explicação.

- Seguinte, mano. Lembra-se do café-da-manhã de cinco, talvez seis dias atrás? Lembra do que a gente tava conversando naquele dia?

            Outro aceno de cabeça.

- Pois então. Acho que essa é a explicação para aquela... aquela... – o jovem metálico tremeu, ante a lembrança do que tinha testemunhado na manhã deste mesmo dia. – Aquela cena de hoje cedo. Com esta belezinha aqui, eu vou poder pegar o verdinho e tirar um monte de amostras para exames e...

- Ciborgue, você ficou MALUCO!?! – o líder dos Titãs tinha esquecido completamente de que não deveria fazer barulho. E com razão: aquilo que seu colega parecia estar insinuando era um crime gravíssimo. – Por acaso está dizendo que Mutano está usando feromônios para mexer com a cabeça da Ravena?

- Shhh! Fala baixo! E sim, claro que eu acho! Que outra explicação pode haver para esses dois, do nada, chegar perto da gente e dizer que estão “namorando”? – Retrucou o Titã cibernético, fazendo aspas com os dedos.

- Não te ocorreu que talvez eles gostem um do outro? – Robin hesitou enquanto proferia essa frase, que soava como uma grande mentira. Mas, durante a tarde, enquanto a guloseima de Estelar corria em fúria através de seu sistema digestivo, ele tivera tempo para pensar (de fato, algumas das maiores reflexões deste mundo foram realizadas nesses momentos de... privacidade) nos muitos momentos que tinha testemunhado, como a batalha contra a H.I.V.E., a ida ao shopping, a noite de filmes, entre outros. A conclusão a que tinha chegado era estarrecedora, mas, como bom detetive, ele sabia que dificilmente a verdade é aquilo que você quer ver ou ouvir.

- Cuméquié? – Ciborgue estava olhando para seu líder como se nele tivessem nascido orelhas de burro. – Ravena gostando do Mutano? Desde quando isso tem lógica?

            Verdade seja dita: Robin até que TENTOU contra-argumentar. Infelizmente, porém, ele abria a boca e a voz não saía. Como combater esta pergunta, sendo que ele mesmo, até poucas horas atrás, considerava-a quase uma lei do universo? Certamente não com uma conclusão que sua mente ainda estava lutando para assimilar.

- Olha, mano, não é que eu ache que ele esteja fazendo isso por maldade... mas, droga, Robin, sabe-se lá o que é que a puberdade está fazendo com aquele organismo e seus genes instáveis! Pelo que a gente sabe, o Mutano pode muito bem estar passando por um ciclo de acasalamento ou coisa assim!

            Era o bastante. Se o menino-prodígio ainda tinha quaisquer dúvidas, a insinuação de que seu colega mais novo estivesse no cio, convenceu-o a tomar uma atitude.

- Desmonte esse dispositivo, Ciborgue. – ordenou ele, virando as costas e se afastando. – Agora.

- Ah, qualé, mano? – protestou o adolescente metálico. – Como é que a gente vai saber se...

- Não é da sua conta. Nem da minha. – Robin respondeu sem se virar. – Desmonte isso, agora. É uma ordem.

            Ciborgue sabia que não devia desobedecer a uma ordem direta.

- Tá bom, tá bom. – concedeu ele, resignado. – Quanto tempo ainda será que deve levar, até que Estelar também seja afetada?

- ...

- ...

- Qual é o botão que liga essa droga?

 

------------------------------------\\----------------------------------------

 

Porão da Torre Titã.

            Em um canto escuro da ala de armazenamento, um armário se movia de forma estranha. Suas laterais estavam estranhamente rombudas, como se estivesse guardando algo maior do que ele. Mas o que realmente chamaria a atenção de um observador, no entanto, eram os sons abafados que vinham lá de dentro.

- Isso é tudo culpa sua!

- Minha culpa?!? Foi você quem ficou falando alto e acabou denunciando a gente! Se você ao menos tivesse ficado quieto, não estaríamos nos espremendo neste armário de vassouras agora!

- Mas se você não tivesse aparecido com aquela idéia de jerico, eu nem teria precisado falar nada, para começo de conversa!

- Idéia de jerico? Mas foi você quem brigou para ligar meu invento!

- Balde de parafusos.

- Cabeça de espeto.

            Sim, era esse o tipo de som que estava vindo de dentro do armário. Nada que justificasse a atenção desse observador hipotético, que certamente estaria mais interessado em saber o porquê de aquele armário estar sendo usado dessa forma... peculiar.

            A resposta era realmente simples. O que aconteceu foi que, exatamente oito minutos e dezenove segundos atrás, ambos os Titãs ouviram uma voz soar atrás deles:

- Devo compreender que vocês ainda não abandonaram esse... comportamento?

            Era Estelar, a doce Estelar, que os estava observando. E sua expressão fez com que se lembrassem perfeitamente de como ela tinha reagido à conversa dos dois, naquele café-da-manhã de cinco ou seis dias atrás. De repente, Robin e Ciborgue sabiam exatamente o que deveriam fazer.

            Eles correram. E, se o nosso observador fosse o Kid Flash, sentiria até inveja da velocidade dos dois.

- E agora, o que é que a gente faz? – Perguntou o jovem metálico, tentando inutilmente arrumar uma posição menos desconfortável, dentro do armário apertado.

- Procuramos refúgio. Algum lugar que seja seguro, aonde possamos ficar até Estelar se acalmar.

- E que lugar seria esse? Os Titãs do Leste não servem. Vão nos denunciar se formos para lá.

- Existe outro lugar. – e o menino-prodígio hesitou antes de revelar essa informação. – Ficaremos a salvo na Batcaverna, desde que Estelar não conte nada para...

- Aqueles dois estavam fazendo O QUÊ?!? – A voz de Ravena trovejou pelos corredores, vários andares acima de ambos.

- Mano, esquece a Batcaverna. – balbuciou Ciborgue, com o pânico claramente perceptível em sua voz. – Melhor ir para o satélite da Liga...

            Enquanto isso, na sala comum...

- Estelar, me explique mais uma vez. – perguntou a empata, sentando-se no sofá com um livro nas mãos. – Esse grito que você me pediu para dar... exatamente como é que ele vai ensinar uma lição a alguém, mesmo?

 

---------------------------------------\\-------------------------------------

 

- Aaaai... – Gemeu Mutano, que estava caído no chão de cabeça para baixo, meio que recostado contra a parede. Havia um galo do tamanho de uma laranja em sua cabeça, e esse galo tinha outro galo, que por sua vez também tinha um galo... o que dava ao conjunto uma aparência bastante grotesca.

- Você não acha que pegou meio pesado? – Perguntou ele para Ravena, que o observava da porta de seu quarto, seu rosto uma máscara ilegível.

- Você entrou no meu quarto. Ninguém deve entrar no meu quarto. – respondeu ela, na voz um tom forçadamente neutro. – Você sabe muito bem disso.

- Ah, qualé? Até parece que eu nunca fiz isso antes! – Protestou o metamorfo, sem sair da posição desconfortável em que se encontrava.

- E nunca deixou de receber o merecido castigo, também. Por que a surpresa, então?

- Você nunca tinha me batido DE VERDADE antes. – explicou Mutano. - Aliás, agora a gente não tá namorando? Então por que me bater mais forte do que antes?

- É precisamente por estarmos namorando que você não deve entrar no meu quarto. – explicou Ravena. – Sob hipótese alguma.

- Por quê? – Perguntou o rapaz verde, confuso.

- O que é que o Ciborgue vai pensar, se vir você sair de dentro do meu quarto, agora que, como você disse, a gente tá namorando? – Toda a ênfase estava nas últimas palavras.

- Ah... ah, tá. – finalmente o Titã mais novo tinha entendido. – Mas... ei! Você nem tava dentro do seu quarto agora!

- Acha que isso faria alguma diferença para o Ciborgue?

- Ora, é claro que... ah... não. Claro que não. – Bem que o metamorfo sentiu vontade de dizer o contrário, mas ele não era TÃO mentiroso assim.

            Um curto silêncio se seguiu, enquanto Mutano se endireitava. Ambos sabiam perfeitamente que, da mesma forma que esta não era a primeira vez em que ele entrava naquele quarto sem permissão, tampouco seria a última.

- Mas não dava para ter dado um aviso antes? – reclamou o Titã verde, esfregando a cabeça dolorida. – Precisava já chegar baixando o sarrafo?

- Mutano... esse foi seu aviso. – Respondeu Ravena, enquanto fechava a porta de seu quarto.

            E então o metamorfo ficou sozinho no corredor, e somente então é que ele pôde examinar o objeto que tinha recuperado. Uma câmera fotográfica em estado lastimável, com as lentes rachadas, a armação arranhada e torta, mas com o chip de memória ainda intacto.

- Cara... – pensou Mutano enquanto contemplava o diminuto dispositivo, já com as engrenagens da mente rodando a pleno vapor. – Valeu cada sopapo.

 

-----------------------------------\\-----------------------------------------

 

- Não.

- Mas...

- Não, Estelar. – repetiu Ravena, cansada. – Eu não quero ir fazer compras no shopping.

- Mas, amiga... por que não? – A princesa alienígena parecia surpresa com a recusa.

- Pelas mesmas razões de sempre – suspirou a empata – Aquele é um lugar barulhento, cheio de pessoas que só tem seus interesses fúteis em mente. Não tem nada a ver comigo.

- Oh? Mas eu pensei que você... depois de... bem...

- Pensou que...?

- Achei que, agora que você está namorando nosso amigo Mutano, talvez quisesse...

- Estelar, eu não sofri nenhum tipo de lavagem cerebral, e nem me transformei em uma pessoa diferente. – Explicou Ravena, com o máximo de cortesia que pôde reunir. Por mais que a insistência de sua amiga alienígena a incomodasse, sua confusão era perfeitamente compreensível.

- Mas, amiga Ravena, você não gosta dele? Mais agora do que antes?

- Sim, eu gosto. – Respondeu a empata. Ela não tinha o costume de responder a respeito do óbvio, mas a princesa tamaraneana era sua melhor amiga.

- E você não aprecia os momentos em que ele fica com os olhos perdidos em você? Em você e ninguém mais?

            A esta altura, Ravena estava sentindo bastante vontade de dizer que não, e encerrar a conversa ali mesmo. Mas a verdade é que, bem, Estelar estava correta. A empata, nestes últimos dias, tinha descoberto que era, digamos... agradável... sentir que o metamorfo estava com o olhar fixo nela. Muito agradável. Além disso, por mais que detestasse admitir essa pequena fraqueza, de nada adiantaria contar uma mentira, pelo menos não uma que não tivesse chance alguma de passar despercebida.

- Sim, Estelar, aprecio.

- E vocês não hão de se encontrar novamente em breve? Sair um junto ao outro?

- Eventualmente, sim.

- Então não vai querer estar linda para ele quando chegar esse momento?

- Eu... bem... Estelar, isso é golpe baixo! – Protestou a empata, que só agora percebia que tinha sido conduzida a um beco sem saída.

            Mas a princesa alienígena apenas sorriu. Já tinha conseguido a companhia que queria para seu passeio.

 

----------------------------------\\----------------------------------------\\

 

- Mutano... você por acaso tá falando sério? – Ciborgue simplesmente não conseguia acreditar no que tinha acabado de ouvir. Tinha se comprometido a fazer todas as tarefas do metamorfo durante duas semanas... para ouvir isso? Só isso?

- Tô falando, cara, foi isso o que aconteceu. – respondeu o Titã verde, sem tirar os olhos do programa que assistia na TV da sala comum. – E não sei daonde é que você tirou essa idéia de feromônios: nenhum animal da terra pode influenciar seres humanos com isso, então não sei por que justamente eu poderia.

- Eu disse que essa idéia era loucura. – Declarou Robin, que ainda se ressentia da fria em que seu colega metálico tinha colocado ambos, pouco menos de uma semana atrás.

- Mano. – Ciborgue ignorou seu líder. – Você tá me dizendo... que foi ter aulas de poesia com um velho?!?

            Mutano não gostou do tom meio pejorativo que seu melhor amigo estava usando. Aquele “velho” tinha feito por merecer seu respeito e gratidão, bem mais de uma vez.

- Não foram “aulas de poesia”. – declarou o metamorfo. – Tive que ler metade daquela biblioteca, e mais um monte de outras coisas que...

- Blah, blah, blah. – interrompeu o jovem cibernético. – Fala sério, Mutano, você acha que isso é atitude de macho?

- Como assim? – O Titã verde e seu líder perguntaram ao mesmo tempo, sem entender direito o que tinham acabado de ouvir.

- Ora. – disse Ciborgue, estufando o peito. – Todo mundo sabe que um homem DE VERDADE não pede ajuda quando sai à caça. Onde já se viu esse negócio de pedir à vovozinha para ler um poeminha? O que é que vem de próximo? Biscoitos com leite?

- Ainda bem que as meninas não estão aqui para ouvir isso. – pensou Robin, aliviado. – Senão eu ia ter que remontar ele peça por peça.

            Já Mutano, por outro lado, estava pensando em algo diferente. Se seu amigo estava falando aquilo por despeito (já que iria ter que fazer suas tarefas por duas semanas e sim, aquilo incluía limpar seu quarto) ou se realmente acreditava no que estava dizendo, ele não sabia. O que o Sr. Smith faria em seu lugar?

            Ele não precisou pensar muito. O lado oposto da sala, completamente concentrada em um livro novo que tinha comprado, estava Ravena. Foi então que o rapaz verde soube exatamente o que deveria fazer.

            Aproximou-se então dela, e, delicadamente, abaixou o livro que ela estava lendo. E depois, lentamente, inclinou o rosto para mais perto da empata. O que se seguiu pode ter sido um simples beijo na bochecha, mas, ainda assim, foi longo o bastante para que os outros percebessem a paixão pairando no ar. E, durante todo esse tempo, havia um pequeno, porém genuíno, sorriso no rosto de Ravena.

            Então, com um selinho de despedida, Mutano retornou para junto de seus colegas. Apenas para encontrar Ciborgue desligado, e Robin retirando um pequeno dispositivo queimado de dentro da cabeça dele.

- Mutano, da próxima vez, vê se não faz isso na frente dele. – reclamou o menino-prodígio, dando uns petelecos em seu amigo inerte. – Trocar o processador do Ciborgue é um trabalho delicado.

----------------------------------\\------------------------------------------

 

            Dez dias após o anúncio que abalou as estruturas da Torre Titã, as coisas tinham mais ou menos voltado ao normal. Livres das dúvidas, medo e angústia com que tinham convivido nos últimos dias, seus habitantes tinham retornado à rotina e atividades de costume.

            Apenas Ravena ainda... temia... algo que estava para acontecer. Jamais permitiria que outra pessoa soubesse, mas... estava aterrorizada pelo momento em que... Mutano decidisse deixá-la.

            Não, ela não duvidava dos sentimentos de seu namorado (mais do que sabia, sentia muito bem o quanto ele se importava com ela). Sabia que os sentimentos dele iam além daquilo que seus poderes eram capazes de detectar. O problema, no entanto, é que Mutano a amava HOJE.

            Mas e quanto ao amanhã? Daqui a uma semana? Um mês? Um ano?

            A empata estava dolorosamente ciente do quanto ambos eram diferentes, da disparidade entre seus interesses. Por quanto tempo o metamorfo iria aceitar uma namorada que, em pouco menos de duas semanas, tinha recusado nada menos que quatro convites para o parque de diversões, e dois para ir a um outro lugar que ela nem se lembrava? Mesmo que, um dia, conseguisse obter completa liberdade emocional, ainda assim continuaria a ser uma pessoa silenciosa e retraída. Isto é o que ela é, afinal de contas. Mesmo que quisesse, jamais conseguiria ser outra... Terra... ou coisa parecida.

            Ela se lembrou de Nevermore, de como tinha amarrado, amordaçado e arrastado o metamorfo pela paisagem, depois de encontrá-lo junto a seu lado violeta, Afeição. Lembrou-se do medo que sentira ao ver os dois sentados juntos, calmamente assistindo ao pôr-do-sol; medo de que ele viesse a esperar mais do que ela realmente era, e se decepcionasse com a realidade.

            Esse risco estava afastado, esperava Ravena, já que não deixara seu namorado ter um contato mais prolongado com a ... afetividade... de seu alter-ego púrpura. Mas o destino, ela sabia, é inexorável. A maioria dos relacionamentos já nasce condenada a falhar, então por que ficar se enganando?

            Sorte que todos os dias, com um beijo e três palavras, Mutano a fazia esquecer esses pensamentos... pelo menos, até a manhã seguinte...

 

-------------------------------------------\\--------------------------------\

 

- Aí. – Robin decidiu perguntar, aparentemente sem motivo algum para isso. – Você reparou no mesmo que eu?

- Reparei o quê? – Perguntou Ciborgue, a única pessoa que dividia a quadra de basquete com o menino-prodígio.

- Diz aí... é impressão minha... ou a Ravena anda mais... legal... ultimamente...?

- Mano, ela sempre foi legal. Ela é nossa amiga, esqueceu?

- Não diga! Tem certeza? E eu que nem sabia disso! – retrucou o garoto-prodígio, sarcástico. – Ah, qualé, Ciborgue! Você entendeu o que eu estava tentando dizer.

- Calma rapaz, relaxa... BOOYAH! Ciborgue marca outra de três! – o adolescente cibernético comemorou a cesta que fizera. – Mas, voltando ao assunto, eu diria que o cabeça-de-alface tem algo a ver com isso.

- Exato. Eu me pergunto qual será o segredo?

            E foi com essas palavras, que um debate científico do mais alto nível se iniciou. Um conjunto de teoremas, equações e hipóteses, coletivamente conhecidas como “Papo de Macho”. Se você, caro leitor, é homem, então não preciso te contar sobre o que eles falaram. Se for mulher, então não vai querer mesmo saber.

            O que eles não sabiam, entretanto, é que a verdadeira resposta estava em um plano muito mais distante do que jamais poderiam imaginar. Nevermore...

- Aaaaai... - uma das emoções de Ravena encontrava-se esparramada no chão, gemendo, com a barriga estranhamente inchada. Por algum motivo desconhecido, não estava usando capa. – Eu tô morrendo...

- Ah, dá para parar com a frescura? – Coragem estava ali perto, sentada em um banquinho dobrável. – Você é uma emoção. Não pode morrer!

- Você só fala isso porque não está aqui no meu lugar. – reclamou a emoção sem capa. -  Ai, que dor de barriga...

- Bem feito. – respondeu a emoção verde. – Quem mandou fazer aquela aposta ridícula?

- De fato, eu me pergunto o que é que leva alguém a fazer uma aposta como essa. – questionou Conhecimento, que pousou a pena na estante onde estivera fazendo suas anotações. – Nenhum ganho em caso de vitória, e prejuízos na derrota? Isso não faz nenhum sentido para mim.

- A certeza absoluta da vitória é um motivo. – comentou Sabedoria, sentada no chão ali perto. – E sempre há ganho ao vencer, nem que seja o direito de se vangloriar.

- Você! Ah, larga a mão de ser hipócrita! Ugh... – a emoção caída tentou se levantar, mas uma ânsia de vômito lhe permitiu apenas sentar-se. – Você foi a primeira a duvidar que ele pudesse dizer alguma coisa inteligente! Aliás, a Amélia de lilás ali foi a única que acreditou, então por que é que vocês não estão comendo junto comigo? Aii...

- Admito que duvidei, da mesma forma que admito que errei e estou até feliz por isso. – respondeu a emoção marrom, sem hesitar. – No entanto, nenhuma de nós sentiu a necessidade de apostar, diferentemente de você.

- Você realmente não devia ser ingrata... elas deixaram você comer só uma por dia... em vez de tudo de uma vez. – Timidez, que estava sentada logo atrás de Coragem, censurou a emoção que reclamava.

- Bah. – reclamou ela. – Por que é que vocês estão todas aqui?

- Para me divertir com a desgraça alheia, é claro. – declarou Raiva, que estava sentada em uma cadeira acolchoada, segurando um balde de pipoca nas mãos. – Rá! Uma para cada coisa inteligente que ele disse! Pena que não pudemos prendê-lo aqui por mais algumas horas. Eu aceitaria até ceder uma de minhas capas, se precisasse!

- Onde está Felicidade? Já passou da hora... – Perguntou Afeição, que estava de pé no lado oposto ao de Raiva.

- Até tu, Afeição? Será que nem com você eu posso contar para me tirar dessa? – Desesperou-se a emoção sem capa, cercada pelas demais, que tinham o olhar fixo nela.

- Quem mandou subestimar meu Garfield? Bem feito para você.

            Então, subitamente, um portal negro surgiu no chão. De dentro dele, emergiu Felicidade, que tinha um frasco cheio de líquido vermelho na mão esquerda, e uma capa laranja novinha na direita.

- Oiê! Cheguei! Já tá na hora? Tá todo mundo aqui? Um,dois, três... – Contou a emoção rosa, antes de correr para entregar a capa e frasco para sua irmã que estava no meio das demais.

- Olha a capa aí. Ah, e tem uma garrafa de molho agridoce para ajudar a descer. Bon apetit! – Disse ela, antes de correr de volta para o seu lugar.

            Suspirando, Rude derramou o molho na capa que recebera. Esta ia ser uma longa refeição.

 

------------------------------\\----------------------------------------------

 

- Não. – Falou Ravena, sem tirar os olhos do bule de chá que esquentava.

- Gatinha? – Perguntou Mutano de novo, sem se abalar nem perder tempo.

- Não.

- Docinho?

- Horrível.

- Florzinha?

- Não.

- Lindinha?

- Mutano, você não acha que está um pouquinho velho demais para continuar assistindo às Meninas Superpoderosas?

- Nunca! Mas não mude de assunto. Deixa eu ver... que tal... meu anjo?

- Não combina comigo.

- Minha musa?

- Muito melodramático.

- Pequena?

- Muito antiquado.

- Princesa?

- Vão achar que você está falando da Estelar.

- Gos...

- NÃO precisa terminar essa, muito obrigado!

- Pô, Ravena, você também não me ajuda! Eu tô aqui quebrando a cabeça e você só responde “não, não, não”! Assim complica!

- Mas de onde é que saiu essa idéia? Por que você, de repente, decidiu que precisa de um apelidinho para falar comigo?

- Coisa de casal, né, Ravena! Cê sabe, intimidade, cumplicidade, etcetera e tal? Pois então. Se você não gosta de nenhuma das coisas que eu passei os últimos dez minutos falando, então do que é que eu te chamo?

- ... Rae.

 

---------------------------------\\---------------------------------------\\--

 

- Ah, cara... será que não dava para ser outra hora?!? – Mutano reclamou para ninguém em particular, quando o alarme da Torre começou a tocar. – Só falta retocar mais uma...!

            Ele olhou para a tela do computador, indeciso. Seu trabalho ali estava quase completado; apenas mais alguns minutos, e estaria cem por cento pronto.

            Infelizmente, o metamorfo não podia deixar de atender o alarme, e, por essa razão, salvou as modificações, deu o comando para enviar, e então foi correndo para a sala comum.

            Lá chegando, a primeira coisa que ele percebeu foi a aura de... desânimo que estava permeando o lugar. Se os seus colegas não estavam animados ou ansiosos com a perspectiva de conseguir alguma ação, então isso só podia significar uma coisa:

- ... perda de tempo. Será que esse Dr. Luz nunca aprende? – Ciborgue estava com uma estranha expressão de tédio no rosto.

- Que intrigante. – questionou Estelar, que olhava para a tela, confusa. – As forças de segurança não deveriam ser capazes de apreendê-lo novamente?

- Elas são, Estelar... mas o problema é que o Luz provavelmente vai resistir à prisão, e pode acabar sendo morto no confronto. – Robin balançava a cabeça enquanto falava, como se não acreditasse no que estava dizendo: que precisava proteger um vilão. – É melhor que a gente vá até lá, nem que seja para impedir uma tragédia. Ah, bem, Titãs...

- Deixe comigo. – interrompeu Ravena. – Posso dar conta dele sozinha.

- Peraí que eu vou com você, Rae. – Adiantou-se Mutano, ainda que ele, olhando de um lado para o outro incessantemente, não parecesse nem um pouco pronto para isso.

- Não é necessário. Só preciso de alguns minutos para resolver isso.

- Mas eu QUERO ir com você, Rae. Além disso, eu tenho uma idéia. – retrucou o metamorfo, que dera duas voltas em torno da sala, procurando algo. – Só preciso achar uma... ali!

            Ele foi direto até seu amigo Ciborgue, e começou a puxar o braço esquerdo dele com força, como se quisesse arrancá-lo.

- Posso te ajudar com alguma coisa, Mutano? – inquiriu o adolescente metálico, tentando entender a súbita mudança de comportamento dele.

- É essa a mão que tem uma câmera embutida? – O Titã verde respondeu com outra pergunta, e, assim que recebeu uma confirmação de cabeça: - Então solta. Preciso dela para uma parada.

            A mão-câmera de Ciborgue foi então passada para Ravena, um instante antes de o metamorfo tornar-se um papagaio e se empoleirar no ombro dela.

- Cráá, simbora, Rae. Te explico tudo no caminho. – disse ele, com uma empolgação digna de si. – E Ciborgue, cráá, quando eu der o sinal, começa a gravar!

            Não muito depois, no centro da cidade...

            Um sem-número de viaturas policiais faziam cerco a uma joalheria. Haviam dúzias de guardas posicionados atrás de seus veículos, bem como nas janelas e telhados das construções próximas, prontos para atirar. E, assim que a porta da loja começou a se abrir, todos destravaram suas armas.

            Inesperadamente, porém, o que saiu de pela dita porta não foi um homem, e sim uma esfera brilhante. E, um momento antes que pudessem se proteger, uma explosão luminosa ofuscou a todos, abrindo o caminho para que o ladrão escapasse. Ou talvez fosse mais correto dizer, “abrindo o caminho para que o ladrão pudesse cantar de galo”, pois era exatamente isso o que o Dr. Luz estava fazendo agora.

- Hah! – gritou o vilão, que segurava um saco de jóias em cada mão. De tão deliciado que estava com seu aparente triunfo, não percebia que alguns policiais já estavam se recuperando. – E ele disse: faça-se a luz!

- Interessante citação. – disse Ravena, materializando-se poucos metros à frente dele. – Já que você está prestes a descobrir o que está do outro lado.

            O Dr. Luz nem precisaria ver, para saber quem é que o estava confrontando. Aquela voz... ele podia reconhecê-la em qualquer lugar, a qualquer hora.

- Você! – Gritou o vilão, enquanto um terror abjeto se insinuava em suas veias. Ambas as sacolas de jóias caíram no chão, enquanto ele levantava as mãos em uma tentativa de se proteger contra a feiticeira de olhos brancos e luminosos, cujos tentáculos de sombra chicoteavam loucamente para fora da capa. – Fique longe de mim! FIQUE LONGE DE MIM!!!

- Então deveria ter permanecido trancado na penitenciária. Infelizmente para você, agora é tarde. – Ele ouviu a feiticeira dizer, enquanto uma das bordas de sua capa era afastada, revelando um par de olhos que brilhavam no meio daquela escuridão.

            Foi então que a coisa saiu dali de dentro.

            Feito da mesma escuridão que os poderes dela, nos olhos a mesma luz branca que a dos olhos de sua mestra, era o gigantesco lobo que avançava para o Dr. Luz. Todo garras e dentes, fúria e pêlos negros, uma fera do caos do fim do mundo, era isso o que acabava de saltar sobre o homem aterrorizado. Era o fim. Nada poderia impedir que aquelas presas se cravassem em sua garganta. Nada...

            Clack! – foi o som que as mandíbulas da criatura fizeram ao se fechar com estrépito, errando seu alvo por meros centímetros.

            Fazendo uso de toda a sua coragem, Dr. Luz abriu novamente os olhos, e viu que um tentáculo de energia negra tinha se enrolado no pescoço da besta, como uma coleira.

            Clack! – outra tentativa de separar o rosto dele de seu crânio. O lobo monstruoso estava conseguindo arrastar sua dona, aparentemente sem se importar com a “coleira” que o asfixiava. Vários outros tentáculos saíram de dentro da capa dela, enrolando-se no animal que lutava para chegar mais perto de sua vítima.

            Clack! – a última dentada errou o nariz do vilão por milímetros, e ele pôde sentir o hálito da criatura invadindo suas narinas, ao mesmo tempo em que ela era arrastada para longe, suas garras fazendo um som horrível ao raspar o chão.

- Paciência, minha mascote, paciência. – para seu horror, o Dr. Luz viu a bruxa dos Titãs falar perto da orelha de seu lobo, que até agora ainda rosnava, babava e uivava, tentando libertar-se. – Logo, logo você poderá se banquetear com a carne dele. Logo. – e então, ela virou o rosto, perfurando-o com um olhar daqueles olhos branco-dentro-do-preto, que, de certa forma, eram ainda mais ameaçadores do que as presas daquele animal. – Assim que eu terminar de consumir sua alma.

            Foi a gota d’água. Um forte cheiro de amônia espalhou-se pelo ar, ao mesmo tempo em que uma poça dourada se espalhava aos pés do vilão. Seus algozes, surpresas, dirigiram seu olhar para baixo por um momento, o bastante para lhe dar a abertura necessária para ele dar o fora dali.

- Eu me rendo! Por favor, eu me rendo! – Choramingou Dr. Luz, jogando-se no chão ao lado de uma viatura. – Só não deixem ela chegar perto!

            Ravena (assim como seu “animal”, que agora estava sentado quieto, em absoluto contraste com o comportamento de poucos segundos antes.) observaram a polícia apreender o criminoso, depois, é claro, de amaciá-lo com a ajuda de uns seis ou sete cassetetes bem usados. Assim que as viaturas alcançaram uma distância razoável, ela dissipou sua magia, fazendo com que os tentáculos por baixo da capa, assim como o brilho negro de seu lobo, desaparecessem.

- Aí, você acha que conseguimos pegar tudo? – perguntou Mutano, assim que retomou sua forma original. Estava olhando para uma janela, local onde tinha deixado a mão-câmera de Ciborgue. Encontrou-a fechada, e com o polegar apontando para cima. – Beleza!

- Você não acha que isso é um pouco cruel demais? – Perguntou Ravena, ainda olhando na direção que as viaturas tinham tomado.

- Hmm? Não, claro que não. Digo, se fosse eu, eu preferiria mil vezes apanhar de seis policiais do que ter que agüentar um soco da Estelar... – O metamorfo respondeu sem dar maior atenção, concentrado em recuperar a mão de seu colega.

- Não é disso que estou falando, e sim sobre aquilo que Ciborgue deve estar fazendo neste mesmo instante. – Explicou a empata, voltando-se para seu namorado.

- Ah, isso? – um sorriso sádico se formou no rosto do Titã verde. – Talvez...

            E então eles retornaram à Torre Titã, onde seus três amigos estavam esperando. A mão de Ciborgue foi prontamente devolvida e reatachada, e então um silêncio estranho baixou na sala comum. Estariam os Titãs avaliando um ao outro? Ou será que simplesmente não sabiam o que dizer?

- HAHAHAHAHAHAHAHHAHAHAHAHAHAHAHAHHA!!!!!!!! – Quatro deles caíram na risada, assim que a brincadeira de “sério” terminou. Enquanto isso, Ravena estava perto de uma das muitas janelas, observando o exterior, impassível (mas que sua mão estava convenientemente tapando sua boca, ah, isso estava.).

- Mano, por um instante, achei que você fosse MESMO comer ele! – falou o Titã de metal, entre uma risada e outra.

- Qualé, cara?! Desde quando eu como porcaria? – Mutano fingiu estar ofendido. – Mas e aí? Conseguiu enviar a parada?

- Se eu consegui? – o adolescente metálico não estava nem tentando esconder sua agitação. – Dá só uma olhada! Aliás, também mandei cópias para todos os locais que você pediu.

            E então começou a rodar a gravação de todo o incidente (- Ei, Rae, a aura que você botou em mim deixou meus olhos brilhando que nem os seus! Maneiro!), que foi interrompida apenas para que a equipe pudesse assistir a uma reportagem especial, onde um repórter, confuso, tentava descobrir a causa da epidemia de risos que vinha se alastrando pelas prisões do país.

            No instante que a matéria acabou, no entanto, a TV começou a piscar em vermelho. Isso era sinal de que alguém estava tentando entrar em contato, seja lá quem fosse. Robin não perdeu tempo em atender à chamada: eram raras as vezes em que esse modo de comunicação era usado sem um bom motivo.

            Apenas Ravena percebeu Mutano sair de fininho, enquanto o sinal era atendido.

- Ah, camarrada Robin. – Estrela Vermelha, com seu sotaque carregado, saudou o garoto-prodígio. Estava diferente hoje, pois, em vez da estóica seriedade com que sempre se apresentava, havia um sorrisinho de canto de boca em seu rosto. – Erra com você mesmo que eu querria falar.

- Estamos ouvindo, Estrela Vermelha. Qual é o problema? – O líder dos Titãs já estava pronto para agir.

- Nada de grave, esperro. – Era possível ver que o russo estava se segurando por algum motivo. O que poderia ser? Soluços? – Escute, acabo de receber esta foto e... bem, veja por si mesmo.

            E então ele apresentou o scan da foto que tinha recebido. Uma foto que fez o queixo de Robin ir até o chão, assim como fez Ciborgue cair na risada. Ravena, após examinar bem a figura, simplesmente balançou a cabeça, suspirando.

            A foto em questão mostrava um Robin de boca aberta, com cara de espanto, olhando fixamente para aquilo que um vulto negro escondido nas sombras lhe dizia ser seu novo uniforme: uma coisa carnavalesca cheia de pompons e frufrus, com um “R” no babado do peito. Seria uma fotomontagem? Sim, com certeza que sim. Mas era uma fotomontagem ruim? Definitivamente não. E, de qualquer forma, a parte mais engraçada da foto era justamente aquela que NÃO tinha sido manipulada, ou seja, a expressão surpresa e torta que o retrato mostrava na cara do garoto-prodígio.

- Que... como... ONDE FOI QUE VOCÊ CONSEGUIU ISSO?!? – Robin estava, literalmente, pegando fogo de tanta raiva.

- É! – Ciborgue empurrou seu líder, para que pudesse ocupar um lugar em frente à tela. – Mano, essa foi hilária! Tem certeza que não tem mais algumas e...

- Acalmem-se, camarradas. – interrompeu Estrela Vermelha - Foi uma mensagem anônima que...

            Mas ele não teve tempo de terminar a frase, pois outra chamada começou a piscar na tela. Robin, que estava voltando pra cima de seu colega na voadora, ficou mais do que contente em receber esta nova mensagem, que se abriu em uma janela, que passou a dividir espaço com a de Estrela Vermelha.

- Robin? – chamou Abelha, do outro lado da linha. – Dá pra colocar o Latão na escuta? Ah, deixa pra lá, olha ele ali. Ei, Latão, tem como você me explicar o significado disto?

            E então o scan de uma segunda foto ocupou seu lugar na tela, fazendo com que chegasse a vez do menino-prodígio cair no chão rolando de rir.

            A foto apresentada por Abelha (além de deixar Ciborgue vermelho de raiva e vergonha), retratava-o como uma espécie de manequim, no qual estavam colocadas uma das roupas da última moda... moda feminina, é claro. Outra fotomontagem, ainda que esta adicionasse uma boa dose de ridículo, por mostrar um homem grande como o titã cibernético, usando vestidos desenhados para modelos esquálidas de 25 quilos.

            No entanto, antes que ele pudesse esmagar a tela da TV, chegou mais uma mensagem. E depois outra, e mais outra e outra. Em menos de cinco minutos, TODOS os demais Titãs honorários espalhados pelo globo estavam dividindo aquele canal, cada um deles com uma foto de Robin ou Ciborgue, cada um numa situação mais humilhante que a outra. E se eles achavam que ter mais de vinte Titãs mostrando e comparando sua desgraça uns para os outros era ruim, então tente imaginar quando Ricardito atribuiu valor e cotação para as fotos... os dois rapazes estavam se perguntando se não seria uma boa idéia se exilar no Pólo Sul por alguns anos. Ou nas montanhas do Himalaia. Ou numa selva subsaariana.

            Mas o que os dois REALMENTE queriam saber, é quem, dentre todos os vilões que já tinham enfrentado, poderia ser tão impiedoso? De quem seria a mente pervertida e sádica, que tipo de ser maligno poderia estar por trás de um ataque destes? Quem poderia ser suficientemente tolo para se arriscar assim à vingança de ambos? Apenas uma criatura se encaixava nessa descrição.

- MUUTAAANOOO!!! – O grito de fúria chegou mesmo a abalar os alicerces da Torre Titã.

 

----------------------------------------\\------------------------------------

 

            Dia de filme na Torre.

            E hoje, por acaso, era dia de Estelar escolher. Isso significava que, após uma tarde em frente à TV, quatro de cinco Titãs estavam agradecendo aos céus por não serem diabéticos. “Água com açúcar” não era uma descrição adequada à preferência cinematográfica da princesa tamaraneana... um copo de açúcar com uma gota de água serviria muito melhor enquanto analogia.

            Mas o que Mutano e Ciborgue REALMENTE estavam agradecendo, nessa hora, era não estar na pele de Robin ou Ravena. Porque era com esses dois que Estelar iria conversar a respeito do filme que tinha visto. Com toda a sinceridade, era preciso dar crédito ao garoto-prodígio por conseguir manter-se concentrado, pelo menos o bastante para se lembrar de algumas daquelas cenas carregadas de doce... já a empata, bem, ela e Estelar são meninas. Elas se entendem.

            Hoje, no entanto, aconteceu algo... diferente. Mutano percebeu que não conseguia deixar de ouvir a conversa entre sua namorada e a princesa alienígena. Talvez isso estivesse acontecendo por ela estar BEM DO LADO DELE, é claro, mas o que isso importa?

- ... obra gloriosa... sabia... esperar... Ravena? – Não, o metamorfo não estava prestando a menor atenção no que Estelar estava falando.

- Que tradição mais besta, Estelar, essa de homens e deuses carregarem suas noivas no colo... – Respondeu Ravena, para o que quer que a tamaraneana tenha dito.

            ISSO o garoto verde escutou. De fato, isso ele ouviu tão bem, que, antes mesmo de se dar conta do que estava fazendo, já tinha agido.

-Aah! – Ravena gritou de susto, ao sentir seus pés perderem o contato com o solo. Isso aconteceu tão rápido, que ela nem teve tempo para reagir.

- O que é que você estava dizendo mesmo, hein, Rae? – Perguntou o metamorfo, que agora estava com a empata no colo.

            Ravena demorou um pouco para responder. Não gostava muito de ter sido pega assim de surpresa, e estava vermelha de vergonha, por ser posta nesta situação na frente de todo mundo. No entanto, por mais que quisesse, não conseguia olhar para os olhos verdes de seu namorado e dizer que não se sentia... confortável... na posição em que estava. Tampouco podia negar que aquilo era uma demonstração de atenção e carinho, duas coisas que dia a dia ela vinha valorizando mais.

- Bom, Mutano... certos costumes, Azar nunca mencionou...

            E depois num tom de voz muito mais baixo, para que apenas ele pudesse ouvir:

- ... mas estou adorando aprender com você.

 

-----------------------------------\\------------------------------------\\---

 

            Humilhação.

            Era precisamente esse o pensamento que vinha passando tanto pela cabeça de Mutano quanto de Ravena neste instante: humilhação.

            E tudo tinha acontecido por puro e simples... acaso. Até a poucos minutos atrás, este era um café-da-manhã que tinha tudo para ser normal... Robin lendo jornal, Ravena tomando chá, Mutano e Ciborgue discutindo por alguma besteira qualquer... e Estelar alimentando Silkie. Conforme dito, normal. Poder-se-ia até mesmo dizer que este seria um café-da-manhã padrão.

            Ou pelo menos, até Silkie decidir que não tinha gostado de uma das muitas coisas que sua dona estava lhe enfiando goela abaixo. O cuspe do bicho-da-seda mutante pareceu voar em câmera lenta através da cozinha, até pousar na camisa de Mutano.

            O metamorfo demorou alguns instantes para perceber o que estava acontecendo. Somente quando Estelar saiu da cozinha, para cuidar da língua queimada de seu bichinho, é que o cuspe quente terminou de atravessar o tecido do uniforme do garoto verde.

            Que decidiu que tirar a camisa molhada era a melhor coisa a fazer... depois de dar duas ou três voltas pela cozinha gritando de dor, é claro. Foi só então que tudo começou.

- MINHANOSSAMUTANOQUECOISAHORRÍVELÉESSAAÍNOSEUPEITO?? – Ciborgue, como podem ver, ficou assustadíssimo com a marca em forma de garras no peito dele.

- Mutano, quem foi que fez isso com você? – Robin tinha conseguido manter a compostura, mas a preocupação em sua voz era evidente.

            Com dois colegas praticamente exigindo respostas, o Titã mais novo não teve outra escolha, a não ser responder. Ele se sentiu encolhendo até o tamanho de um gnomo de jardim, enquanto falava. E foi nesse instante que Ravena decidiu deixar a cozinha. Infelizmente para a empata, porém, ela se viu incapaz de ir para além do outro lado da porta. Se era por não querer deixar seu namorado completamente sozinho, ou se era por querer saber EXATAMENTE porque iria matar Robin e Ciborgue depois... não interessa.

- Marca de propriedade? Marca de propriedade? Que nem aquelas que a gente coloca em gado? – Mutano estava falando baixo demais para a empata ouvir, mas os outros dois não estavam fazendo nenhuma questão de ser discretos. Ela podia ouvir suas risadas com bastante clareza.

- Mas o que diabos você fez desta vez, para deixar ela tão zangada? A ponto de te fazer ISSO? – Perguntou Robin, soluçando de tanto rir.

- Zangada? Rapaz, eu acho que ela devia estar é contente, isso sim! Muito, mais MUUUITO contente, se é que você entende o que eu digo... – insinuou Ciborgue, e então as risadas se transformaram em rugidos.

            Mutano estava ouvindo tudo de forma relativamente estóica, apesar de emburrado. Tinha sido pego completamente de surpresa, e estava sem nenhuma resposta pronta para dar. Sentia-se bastante tentado a entrar na onda e colocar alguma lenha na insinuação de seu amigo cibernético, mas essa atitude lhe parecia muito pouco cavalheiresca (além de potencialmente suicida...), de forma que acabou ficando quieto.

            Mas Ravena, do outro lado da porta, não estava se sentindo nem um pouco compreensiva. Se Estelar não tivesse acabado de aparecer no outro lado do corredor, com sua larva no colo, ela já teria voltado à cozinha, para dar uma lição naqueles dois.

- Se bem que... – Pensou a empata, assim que a princesa alienígena passou a seu lado.

- Estelar, me desculpe. – Ravena falou de cabeça baixa, parecendo arrependida.

- Desculpas? Desculpas por quê, amiga? – Perguntou ela, genuinamente confusa.

- Eu deveria ter te avisado há muito tempo, mas esqueci. – respondeu a empata. – Ouça, aqui na Terra existe esta tradição e...

            Na cozinha, quase vinte minutos depois, o Titã cibernético e seu líder ainda não tinham terminado de se divertir:

- E então, Mutano? – Quando vai ser a próxima vez que... – Ciborgue gostaria de ter dito muito mais coisas, mas acabou se calando, quando viu a porta que dava para o corredor se abrir.

            Era Estelar quem tinha acabado de entrar, e ela parecia ainda mais feliz do que habitualmente. No entanto, era o objeto que ela tinha em mãos que prendia a atenção dos Titãs homens. Ao invés de “seu pequeno bumgorf”, a princesa tamaraneana segurava uma barra de ferro, com uma das extremidades retorcida na forma de um símbolo estranho. Extremidade essa que, com auxílio de suas rajadas óticas, estava sendo mantida em brasa.

            E assim que ela voltou os olhos novamente para a sala, pôde ver Ciborgue e Mutano imóveis, cada um em uma extremidade oposta da sala, apontando para um buraco na parede externa.

            Um buraco que, curiosamente, tinha o formato perfeito de uma silhueta humana...

            Longe dali, não muito tempo depois...

- Patrão Richard... – indagou o mordomo da Mansão Wayne, Alfred Pennyworth. – Por acaso tem alguma coisa acontecendo naquela Torre... que eu deva saber?

 

-------------------------\\---------------------------------------------\\----

 

- Encontrei!

            Ciborgue, munido do anel holográfico que lhe dava a aparência de Victor Stone, encontrava-se na praça central da cidade, local onde, após árdua pesquisa, ele finalmente estava prestes a obter aquilo que mais desejava.

- O Poder Absoluto... – Pensou o Titã disfarçado, reverente.

            Ah, ele já tinha ouvido histórias a respeito de sua existência, a maioria delas contadas por gordos bêbados ou garotos que ainda estavam sozinhos ao final de uma festa. No entanto, sempre preferira se manter cético: as maravilhas atribuídas ao Poder Absoluto pareciam... perfeitas demais... irreais demais. Sim, até exatamente vinte e um dias atrás, Ciborgue tinha a certeza de que o Poder Absoluto era apenas uma das muitas fábulas criadas pela humanidade.

            Mas apenas até vinte e um dias atrás, pois aquele... aquele foi o dia em que a Revelação chegou para ele.

            Chegou na forma de seu amigo de pele verde, que acabara de realizar um feito que ele (e provavelmente todos os demais Titãs espalhados pelo globo) considerava impossível. Mais do que impossível. Um feito que poderia muito bem significar o fim do mundo que o Titã cibernético conhecia.

            Não, ele não fora capaz de acreditar no que seu olho e seu fotorreceptor lhe disseram naquele dia fatídico. Havia outra explicação, pensara ele. TINHA que haver outra explicação para aquilo. Não, Ciborgue estava decidido a não se deixar enganar.

            Mas então, seis dias depois, chegou a Segunda Revelação: um pequeno e singelo gesto, que lhe mostrou a extensão ilimitada do Poder Absoluto. A verdade por pouco não o deixou louco (apesar de ter lhe custado um superprocessador ZAX 9000, ainda em perfeitas condições de uso), mas abriu-lhe os olhos. Seu amigo mais novo agora comandava um poder que lhe permitiria ter quem quisesse. Quando, como e onde quisesse.

            E o Titã cibernético decidiu que também encontraria o Poder Absoluto. Precisara de quase quinze dias, para recordar e meditar sobre cada um dos fiapos de conhecimento que tinham lhe sido revelados, bem como fazer a varredura de todas as identidades possíveis, mas conseguira: a menos de trinta metros de distância dele, se encontrava a Fonte. Sentada a uma mesa de damas e calma, como se nada neste mundo pudesse afetá-la. A cabeça grisalha, a barriga um pouco maior do que deveria, idade relativamente avançada. De fato, pouca coisa é aquilo que parece ser.

            Menos de trinta metros, para que Ciborgue pudesse aprender os segredos do Poder Absoluto. E tudo o que precisava fazer era se mostrar digno dele.

            Então, sem perder nem mais um segundo, o jovem disfarçado avançou, resoluto, e ninguém tentou impedir seu caminho. A determinação era praticamente irradiada por ele, enquanto se aproximava mais e mais de seu objetivo. O qual o encarava com uma expressão de leve curiosidade no rosto.

            Mas qual não foi a surpresa do Sr. Smith, ao ver aquele sujeito enorme cair de joelhos e dizer:

- Mestre!

 

---------------------------------------\\-------------------------------------

 

            O sol se punha lentamente, inundando o mundo na cor laranja do crepúsculo. Especialmente uma colina verdejante, aonde um jovem casal assistia aquele espetáculo da natureza.

- Rae? – Chamou Mutano, que estava deitado no chão, usando a perna de sua namorada como travesseiro.

- Sim? – Respondeu ela, sentada no chão de pernas cruzadas, sem tirar os olhos do sol poente.

- Estou feliz... – Declarou o metamorfo, seus olhos fixos na empata.

            Que não pôde se impedir de sorrir. Ela voltou o rosto para seu namorado (namorado... uma palavra que, até exatos 32 dias atrás, lhe pareceria ainda mais alienígena do que sua melhor amiga), olhando fundo nos olhos verdes dele.

            Sim, talvez não fosse durar para sempre. Talvez, apesar de tudo, eles não tivessem mesmo um futuro juntos. Talvez existam apenas lágrimas esperando por ambos, no final.

            Mas hoje, Ravena conhecia apenas contentamento. Alegria. Felicidade. O homem deitado a seu lado tinha lutado para lhe dar o maior desejo de sua alma, mesmo quando ela acreditava piamente no contrário. Tinha lhe dado... ele mesmo. E a empata pretendia... não, aproveitar não é a palavra que estava procurando. Ravena queria não apenas aproveitar, mas VIVER cada momento que ainda tivesse com ele.

- Eu também... – confessou ela, acariciando o cabelo do metamorfo, que ronronava contente.

 

----------------------------------------\\----------------------------\\------

 

- Finalmente... – Uma voz sinistra soou, dentro do que parecia ser um corredor escuro.

- Após meses de espera... meses de preparação... – Agora podia-se ver que a voz vinha de uma silhueta humanóide, debruçada sobre uma mesa, em cujo topo estavam dezenas de fotos e artigos de jornal, com informações sobre os Jovens Titãs.

- Finalmente chegou a hora de tomar aquilo que é meu por direito. – Declarou o dono da voz, depositando uma única foto sobre a mesa. Uma foto em que Mutano aparecia de mãos dadas com Ravena.

- E desta vez, nada poderá me impedir. - Disse ele, com seu olho dardejando a foto que colocara na mesa.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!