Bleed For Me escrita por Joker Joji


Capítulo 11
XI - One-eyed Army.


Notas iniciais do capítulo

Obrigada aos que acompanham e deixam lindas reviews! Espero que gostem. ♥



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Mármore carrara. Claro como os cabelos de Robert, só havia isso na minha frente. Agora entendia um pouco mais o porquê de o loiro possuir uma aparência tão majestosa – porque, de certo modo, ele tinha a nobreza estampada em suas atitudes, poses e pertences. Perguntei-me por que razão ele morava num fim de mundo como aquele, no meio de tantos e tantos vampiros, e principalmente: morar com um tão perigoso vivendo sob seu teto.

Robert mandou-me subir as escadas – adivinhe!, de mármore carrara, e um corrimão de madeira polidíssima – e deixar Frank em algum dos quartos. Disse que não fazia diferença, que eu escolhesse um. Sinceramente, começava a sentir raiva do homem, não porque fosse metido (muito pelo contrário, ao que nos mostrara até o momento), mas exatamente pelo oposto: agia como se aquilo não fosse nada demais.

Raiva, raiva, raiva.

Suspirei e, com Frank enoivado em meus braços, abri a porta mais próxima da escada, satisfeito ao encontrar um cômodo vago. Havia uma cama de casal em pinho com um belo cobertor vermelho – vermelho-sangue, devo complementar –, na qual deixei um Frank desmaiado. Invadia o quarto um vento frio, invernal, fui até a janela e a encostei com cuidado. Meu corpo doía, tanto por culpa da temperatura como por culpa de Ville Valo. Imaginava como Frank estaria se sentindo. Pelo menos desmaiara. Não sabia o que diria quando acordasse, porém qualquer desculpa seria melhor do que a verdade. Caminhei até ele e cobri-o, deixando um beijo na ponta de seu nariz gelado.

Fui descendo as escadas devagar, até uma ideia abocanhar-me na metade do caminho. Nunca fui rico ou coisa do gênero, aquele universo careiro não me era comum. Bem, digo isso para que não me culpem, ou chamem de criança. Embora a infantilidade fizesse cócegas em meu estômago. O fato foi que subi as escadas mais uma vez, empinei o nariz para cima, depois de procurar Robert ou Michael. O hall vazio me tentava, e eu me sentia um verdadeiro rei, descendo os degraus devagar, sem qualquer toque-toque ecoando pelas paredes límpidas.

Vassalo abusado, talvez eu quisesse mesmo desbancar o rei.

- Charmoso, sem dúvida. – Robert apareceu no portal, rindo de meu “momento dez anos de idade”, com uma aura mais relaxada e mais confortável. Olhos mais macios, um toque mais quente, sentia-se em casa finalmente. E eu, protegido, percebi que também irradiara toda minha tensão; talvez houvesse sido aquele vento gélido no quarto, ou simplesmente Frank com seus olhos herméticos. – Quem sabe ele não é de alguma linhagem de sangues-puros, hein, Michael?

Michael veio sorrateiro atrás de Robert. Uma cabeça mais baixo, magricela, vestia uma espécie de sobretudo de gola alta, até sua boca. Os cabelos eram loiro-escuro. Vê-los na mesma cena me levava a pensar que Michael era como seus cabelos: um Robert um tanto quanto mais degenerado, sujo, negro. Não que Bryar fosse alguma espécie de anjo. Corrijo-me: um era negro; o outro... marrom. Foscos, os dois. Se haveria ou não algum brilho recluso, creio que jamais descobriria, porque jamais procuraria fazê-lo.

- Existe isso de sangue-puro? – Pelo visto, eu não tinha entendido nada dos vampiros.

- Nah, apenas brincadeira. Não somos bem uma raça, apenas uma... segunda forma humana, posso dizer assim? Mas não comece já com as perguntas, vamos nos sentar primeiro.

Estendeu-me um vinho e um sorriso na mão direita, convidando-me a segui-lo até poltronas próximas. Entramos numa grande sala, tão chique quanto o resto da mansão. Paredes vinho, com alguns toques em cinza claríssimo, o carpete bege a amortecer nossos pés. Reparei que os dois andavam descalços pelo chão. Fizeram-me sentar no sofá, Robert ficou com a poltrona à minha frente e Michael optou por ficar em pé, ao lado do loiro. Perguntava-me qual era a relação entre aqueles dois. Seriam parentes? Pai e filho? Acho que isso já seria intrometido demais de minha parte.

- Então... Mikey, pegue a garrafa de vinho, por favor? – O garoto não respondeu, mas saiu do cômodo por um instante. – Pergunte o que quiser, não adianta prolongarmos mais as formalidades.

- Agradeço. – Não me sentia bem em conversar sobre banalidades com um completo estranho, as palavras saíam forçadas demais. Pensei. Tantas perguntas vinham com o vento, a cada ideia cresciam os questionamentos exponencialmente. – O que é a maldição da qual Valo tanto fala?

Depois dessas palavras pensei em tantas outras perguntas, especialmente qual seria a relação entre Bryar e Valo. Mas precisava ser paciente, afinal, Robert já me prestava um favor e tanto. Alguém para me dar uma luz – amém.

Ele me encarou de maneira séria, seus olhos congelando pouco a pouco. Cruzou as pernas, respirou um pouco com o dedo indicador sobre a boca.

- Começamos com uma bem difícil. – Suspirou. – Suponho que você já saiba qual é o seu objetivo por aqui. A história da “segunda chance” e tudo o mais. – Concordei com um grunhido. – Bem. No seu caso, Frank tem que se entregar para você. Sabe disso?

- Ou seja, preciso de seu “aval” para transformá-lo em vampiro. – Conclui.

- Exato. Mas já pensou no caso de ele, simplesmente, não o querer? Nunca?

A força com que pronunciara a última palavra atingiu-me como um desfibrilador em meu peito: respiração, batimentos, tudo estancara por um momento. Ouch. Michael adentrara a sala com a garrafa de vinho e um pano branco no braço, imitando um garçom. Não prestara muita atenção a isso. Frank entupira meu fluxo de idéias. Via-o dizendo adeus, via seus passos indo além. Senti o álcool corroendo meu estômago e preferi deixar a taça sobre a mesa.

- Pelo visto, peguei-o desprevenido. Ai, ai, Gerard... Desse jeito, você não vai durar dois dias nas mãos de Ville. – Sua voz era afiada. Encarei-o surpreso, aquele não era seu tom de voz. Cheguei a cogitar que talvez ele possuísse dupla personalidade. Quem saberia? -  A maldição é o que acontece quando você perde o prumo, quando você encontra esse “nunca”. Uma morte mental. E aí, você vira um “desacreditado”.

Olhávamo-nos nos olhos em silêncio. Eu assimilava.

- O sangue de qualquer um passa a ser enlouquecedor e, ao mesmo tempo... insatisfatório. Você vira um monstro. Um morto-vivo. Um vampiro tal qual você conhece de livros, histórias e filmes. Um vampiro tal qual Ville Valo, sem objetivo, sem lucidez, sem um pingo de humanidade em sangue corrente. – Palavras fúnebres. Michael remexeu-se ao lado de Robert, contendo-se.

Desacreditados. Uma lista de vampiros passou rapidamente pela minha cabeça. Valo. White. Aqueles do parque. Michael. Voltei meu olhar assustado para ele, que me encarava com uma fresta de olhar, assassinamente. Robert voltara-se para mim também. Minhas pernas começaram a formigar. Um calafrio. Merda.

- Já lhe disse que você não está em perigo, Gerard. Ao menos se esforce para acreditar em nós. Mikey é um desacreditado. Mas não pense que sabe tudo sobre nós.

- E o que falta para eu saber? Você poderia me contar, aí então eu poderia decidir se confio ou não em vocês. – Engoli em seco, eu e minha coragem imprudente, imbecil e infantil.

Quem são vocês, meu deus?

Paramos os três. Via Robert com um semi-sorriso no rosto, empedrado, e Mikey a olhar-me com aquele brilho vermelho. Tentava assimilá-los, mas a cada momento mais os via como mar e Lua. Sem dúvida, havia os momentos de encontro, porém superficiais e passageiros. Imiscíveis. Entretanto, desconhecia seus interesses – talvez nisso fossem iguais.

- Minha história é longa demais para contar em detalhes. Longa, desinteressante e, até certo ponto, secreta. Mas vou lhe contar um mínimo, para pelo menos sossegá-lo.

Suspirou, bebeu um pouco mais de vinho, e mandou que Michael se sentasse. O garoto usou o encosto da poltrona como assento, e pela primeira vez pude vê-lo interessado em mais alguma coisa que não sangue. Parecia um pouco mais humano. Mesmo com os estranhíssimos olhos amarelos.

 - Sou humano, como talvez já tenha percebido. Mas graças a um infeliz acidente resolvi voltar minha vida para o lado obscuro. Há anos me dedico a pesquisas e tratamentos vampíricos, em especial aos desacreditados, tentando fazê-los retomar sua razão e, quem sabe, um dia, seus sentimentos. Outros, que não ódio, tristeza e prazer assassino.

Sua mão escorregou pelo pulso de Michael, o qual parecia apertar com força. O olhar do garoto pareceu de algum modo triste, afundado em lama pegajosa de descrença. Mais um experimento.

Que aparentemente não dava muito certo, mas a dedicação pulsava dos olhos nevados de Bryar como a força de uma ordem superior. Como instinto.

- E você já obteve sucesso alguma vez?

Robert levantou a cabeça, ergueu-a no mesmo nível que meus olhos. Sorriu. Uma janela abriu-se atrás de si, espanando o vento gélido que rangia fora da mansão.

Óbvio que não. O sucesso estava distante, distante de sua capacidade intelectual ou financeira. Ele percebia. E não se abatia.

- Está vendo esse meu olho esquerdo?

Concordei. Analisei-o, seu tom era um pouco mais claro que o direito. Eram como o mar, mas o esquerdo possuía uma fina camada de gelo por cima.

- Ele não enxerga. – Soube na hora que não pude ser discreto o suficiente, realmente fora pego de surpresa. – E esse presente me foi dado pelo meu mais bem sucedido paciente. O único que respondeu ao tratamento de alguma forma, tanto para o bem, quanto para o mal.

Óbvio que eu já sabia qual nome saltariam daqueles lábios rachados.

- Valo.

Ele riu abafado, confirmando a obviedade.

- E agora? – Perguntei. Então essa a relação deles? E por isso Valo o temia? Ou respeitava?

- Agora... Bem, agora restou algo entre nós. Ele ainda me obedece um pouco. E de vez em quando, muito de vez em quando, ele encontra a razão dentro de si. E se não estou enganado... um pouco de solidariedade, pelo menos por outros vampiros. – Encarou-me novamente, com força, tentando sugar de mim alguma verdade. – Já presenciou algo assim?

Retribuí o olhar impetuoso.

- Ele foi um dos primeiros a me dizer algo sobre vampiros, e no fim parecia meio... descontrolado. Como se fosse me atacar a qualquer instante. É, acho que sei do que você está falando. Mas... E você?

- Eu?

Bob abaixou os olhos risonhos. Havia algo turvo naquele bege claro de sua casa. Havia muitas manchas de sangue e desespero em seu passado tortuoso. Eu temia a resposta que me aguardava, e passei a temê-la ainda mais quando vi Michael tomar fôlego para proferi-la.

Sua voz finalmente ecoou pelo mármore, tão profunda como uma navalha, tão partida como o vidro de sua alma.

- Nós vamos matá-lo.


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Notas finais do capítulo

Acho que não comentei, mas já está meio óbvio: o Mikey não é irmão do Gerard. (Jura?)

Reviews, reviews! ♥



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