Durante as manhãs, vários barcos partiam e chegavam ao cais de embarque da vila. Alguns com passageiros, outros apenas com mercadorias.

Era mais frequente usar as vias marítimas do que as aéreas, o que fazia a circulação de barcos ser três vezes maior do que a de aviões.

   O cais de embarque era uma zona simples mas muito bem estruturada, junto a uma das praias existentes. Àquela hora as praias ainda estavam praticamente vazias se bem que o calor já se fazia sentir.

   Vários barcos tinham acabado de chegar e trabalhadores deslocavam-se para retirar as cargas que estes traziam. Um dos que se encontrava mais atrás trazia várias caixas e pacotes à vista… O transporte em causa ainda não estava a ser descarregado e ninguém reparara que uma das mercadorias, uma caixa, estava em constante movimento… Vibrava e tremia com alguma frequência, como se algo estivesse vivo e preso lá dentro. Entre muitas tentativas, a madeira acabou por ceder e a caixa foi completamente arrebentada, revelando o seu conteúdo… Cinco criaturas esverdeadas, com aspecto estranho e cerca de 70 centímetros cada, ficaram à solta no barco. Curiosos, observavam tudo o que estava em redor e em pouco tempo já soltavam uns estranhos sons e deslocavam-se de um lado para o outro com gestos e movimentos um pouco primitivos. Uns tentavam comer outras caixas… Outros atiravam material do barco para a água numa diversão enorme…

   Finalmente um deles chega-se à frente e avista a linda vila Cila… Aos pulos, dá um grito pra chamar os companheiros. Ao verem a vila ficaram igualmente excitados, em fila, saltaram para o outro lado e foram escondidos pelo cais em direcção às ruas de Cila…

*

   Nos últimos dias, Érica Rodrigues andava mais descansada e tentava aproveitar um pouco o tempo pra si mesma… Não podia ser só trabalho, a Night Watcher também merecia uma pausa de vez em quando. Agora que Lunatik tinha sido eliminado, ou pelo menos assim pensava, era menos uma preocupação que tinham em mente, uma vez que o humano mascarado era um poderoso aliado de Abaddon. Mas de certeza que o demónio rapidamente encontraria outro elemento que o substituísse.

   Naquela manhã Érica tinha acordado cedo, esperara que Rodrigo fosse trabalhar, depois vestiu umas calças pretas de fato de treino e uma t-shirt branca para ir fazer a sua corrida matinal e um pouco de exercício. Assim que terminou, deslocou-se até à Papelaria do Sr. António, numa das esquinas da avenida principal, pra ir comprar o jornal. Enquanto vasculhava uma prateleira cheia de revistas, jornais e afins aquele que mais lhe convinha, Érica pensava no que ia fazer durante a tarde pra se entreter. Foi aí que algo chamou-a à atenção… Uma voz profunda, calma, mas fria, foi direccionada ao Sr. António, o qual se encontrava atrás do balcão.

Lezard - Levo o jornal e estas duas revistas.

O feiticeiro de cabelos louros e olhos claros passou dinheiro ao dono da papelaria e sorriu com uma certa frieza…

Lezard - Pode ficar com o troco… Certamente precisa mais do que eu!

O Sr. António não respondeu e ficou a olhar para homem que estava à sua frente, um pouco desconfiado… Ninguém dava dinheiro assim…

Érica observava, atenta, toda aquela cena. Nunca tinha visto aquele homem pela vila e havia algo de estranho nele… O seu olhar parecia vazio… De repente olhou para a Night Watcher e apanhou-a a observá-lo. Érica tentou disfarçar mas não adiantou muito.

Lezard - Muito bom dia! Desculpe estar a fazer-lhe esta pergunta, mas é moradora fixa em Cila?

Perguntou o feiticeiro dirigindo-se a Érica, a qual ficou relutante em relação ao que havia de responder…

Érica - Não me leve a mal, mas porque pergunta?

Lezard - Como vi-a a olhar para mim percebi que não me conheceu, o que seria normal pois mudei-me para Cila recentemente. Ao mesmo tempo isso acusou-a e mostrou que provavelmente mora na vila já há bastante tempo! Tudo bem?

E a sorrir, esticou a mão pra cumprimentar Érica… Esta contemplava a educação acima de outra coisa qualquer e decidiu responder ao gesto da mesma maneira.

Érica - Tudo e consigo? Eu sou a Érica. Diria “muito prazer”, mas ainda não me disse o seu nome…

Quando Lezard agarrou a mão de Érica, vários flashes da vida da mesma passaram pela mente do feiticeiro… Este carregava consigo um amuleto que tinha criado pra poder aceder à vida das pessoas quando as tocasse… Pura magia negra.

Num instante entendeu que aquela mulher que estava a cumprimentar era a Night Watcher da vila e num sorriso assustador largou a mão da mesma e respondeu-lhe…

Lezard - O meu nome é Lezard! Muito prazer! Creio que o meu nome não deva soar assim tão estranho aos seus ouvidos!

Por momentos a Night Watcher teve a certeza que ficou branca tamanho era o seu espanto ao ouvir aquilo… Recentemente, quando descobriram informações acerca de Lunatik, constava na sua história que, enquanto morava em Erídano, um feiticeiro que trabalhava para demónios tinha-o curado de uma ferida aparentemente mortal… O seu nome era Lezard. E naquele momento, Érica tinha a certeza que ele se encontrava à sua frente e que já sabia que ela era a Night Watcher.

Érica - Então e o que o traz por Cila?

Perguntou Érica, cautelosamente.

Lezard - Hum… O clima, as praias, as lojas…

Respondeu cheio de ironia. Érica fitava-o atenta…

Lezard - Os meus serviços são requisitados aqui… E como deve saber, levo o meu trabalho muito a sério!

Érica - Em Erídano não há trabalho que chegue?

Retorquiu a Night Watcher.

Lezard - Ora essa, onde estão os bons modos? Há espaço para todos…

Érica - Se fosse a si afastava-me enquanto podia!

Avisou Érica com alguma rispidez, a qual não afectou minimamente Lezard.

Lezard - Esse é o problema, eu não me quero afastar!

O feiticeiro sorri maliciosamente e Érica não respondeu…

Lezard - Tenho pressa, mas não se preocupe… O nosso caminho haverá de se cruzar novamente! Vejo-a por aí!

A Night Watcher manteve-se na mesma posição a observar aquele hediondo mago enquanto ele se afastava… Teve vontade de fazer algo, mas não podia… Não em pleno dia e dentro de uma loja. E assim as suas suspeitas confirmaram-se… Abaddon já arranjara substituto para Lunatik, mais rápido do que estava à espera. Assim que Lezard curvou para outra rua, Érica ficara mais descontraída. Tinha de falar com os jovens mal tivesse oportunidade. Lá se ia a sua tarde de lazer…

Entretanto o Sr. António sai de trás do balcão e coloca-se ao lado da Night Watcher…

Sr. António - Mas que pessoas estranhas!

Érica olhou para aquele amável senhor que há tantos anos ali trabalhava e tão bem a conhecia de lá ir com frequência.

Érica - Pode ter a certeza Sr. António…

E com algum desconforto pelo que sucedera, riu para o dono na loja, pagou o seu jornal e saiu da papelaria.