A Casa De Klaus escrita por Bellah102


Capítulo 17
Capítulo 16 - Elizabeth


Notas iniciais do capítulo

Foda-se, ninguém tá lendo mesmo...



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A aula de literatura logo se tornou a minha favorita. Terças, quintas e sextas eram meus dias favoritos, que era quando encontrava a Srta. Wells para ler trechos e entendê-los pouco a pouco. Orgulho e Preconceito, Jane Austen e As Aventura de Tom Sawyer, um de cada vez. A professora, mesmo a seu jeito estranho que parecia compartilhar com a maioria dos professores, ficava impressionada com o jeito que eu lia e como aprendia os estilos rápido. Ela sempre ostentava um sorriso a me entregar meus trabalhos e ensaios. Depois de aprender tanto naquela aula, finalmente consegui escrever – pelo menos um pouco – dos pensamentos de Noah.

            Naquela terça feira em especial eu me sentia bem esperançosa. O tempo havia se passado. Quando olhava para trás mal podia acreditar na vida que tinha antes, que já estava a meio ano longe de casa e que estava bem. Perdia o fôlego ao lembrar-me do conforto da minha família. Mas então eu levantava a cabeça e seguia em frente, sem medo. E naquele dia não foi diferente. Cheguei ao laboratório de biologia com uma estranha felicidade. Nahuel me recebeu com um sorriso. Conversávamos bastante como parceiros de laboratório, sempre nos encontrando para fazer a tarefa da casa. Ele era um cara legal, sarcástico e um bom amigo. Gostava de tê-lo por perto.

            -Ei monstrinha. Como vai?

            Ele saudou. Nos últimos tempos esse era o apelido. Por causa do monstro do lago Néss. Que engraçado não?

            -Ei futebol, estou ótima.       

            Eu respondi, debochando do seu país.

            -Ai. – Ele disse estendendo para mim o livro que pegara no armário. Sempre que um chegava antes, pegava o livro do outro para que nenhum dos dois precisasse usar os monstros mal conservados que sobravam caso você fosse um dos últimos – Gostei da roupa.

            Ah é, depois de um tempo eu retomei meu senso de moda. Se fosse para deixar minha família orgulhosa de mim, que fosse para orgulhar toda ela. Voltei a usar todas as peças que tia Alice e tia Rosalie cuidadosamente escolheram para mim através dos anos. Várias vezes Caroline simplesmente tinha ataques com meus sapatos, saias, casacos e acessórios. As vezes ela me fazia visitas apenas para revirar minha cômoda.

            -Obrigada.

            Eu disse baixando os olhos.

            Depois disso a aula de História passou como um relâmpago. A história do Canadá não era a mais interessante, se quer a minha opinião. Passei a aula escrevendo sobre Jazmyn e Noah e espiando Rose por cima do ombro. Ela parecia ter passado por alguma melhora depois do que eu disse, mas as roupas pretas do luto era um dos seus evidentes sintomas de depressão. Ela ia demorar algum tempo para superar a falta que Trevor lhe fazia. Eu mesma não era um bom exemplo, ao que constava ao mundo. Quando o almoço chegou, eu entrei na fila do refeitório, e comi com empenho enquanto ouvia Caroline elogiar a nova coleção de verão-outono que eu estava usando, e que como era simplesmente E-S-P-E-T-A-C-U-L-A-R e que era a razão para a qual OMG existia.

            Não tínhamos sinais na escola, os familiares “triiiims” que todo aluno americano conhecia. Quando o ponteiro maior tocava o 12 anunciando que o horário de almoço havia acabado, todos pegamos nossas bolsas e íamos até nossas próximas aulas. A minha, era teatro, outra das razões para terça feira ser um dos meus dias favoritos.

            O professor, assim como a professora Birdwell era um dos únicos que não parecia robotizado. Era espontâneo e um pouco maluco. Ninguém sabia seu sobrenome. Ele não queria ser chamado por ele. Era Ty do Texas e sem mais perguntas sobre isso.

            -Muito bem, quem quer ser um voluntário? E vir aqui por livre espontânea vontade? – Ele perguntou naquele dia. – Nessie que tal você?

            -Você disse livre e espontânea vontade.

            Eu lembrei a ele.

            -Ok, é a minha livre e espontânea vontade, suba aqui. – Sentávamos todos no chão, de frente para o pequeno palco da sala. Deixei o caderno ao lado da minha bolsa e caminhei até a escada lateral. – Muito obrigada. Agora, espero que todos tenham lido o e decorado o roteiro de Chicago que eu entreguei. Quem leu diga “queijo”.

            Com sorrisos as pessoas responderam “queijo”, e o professor sorriu satisfeito ao ver que 90% da sala disseram sua palavra mágica.

            -Muito bem. Agora me diga, Roxie – Ele disse olhando para mim. – O seu marido está em casa?

            Caprichei muito um rosto malicioso e o contornei, rebolando exageradamente a cada passo.

            -Não, Fred, meu marido não está em casa.

            Deu-se início então, a troca de falas de uma das primeiras cenas de Chicago. O professor fez o possível para separar as falas das músicas, para que não tivéssemos que cantar, afinal, isso era trabalho da senhorita BirdWell. Até que não tinha ficado ruim, eram falas fáceis de decorar.

            -Então é isso, huh, Fred?

            -Presumo que sim Roxie.

            Fiz-me de furiosa.

            -Ninguém brinca comigo assim!

            Fingi tirar a arma da parede e atirar nele com meu indicador esticado.

            -Oh, querida...

            O professor disse apertando o lugar onde supostamente eu o teria acertado.

            -Não me chame de querida seu filho da mãe!

            Disse disparando mais duas vezes. Sussurros vieram da platéia.

            -All... That... Jazz.

            -E-eu tenho que ir.

            Disse com o rosto mais inocente digno de Roxie possível, fugindo até o canto do palco. Todos aplaudiram e o professor se levantou, dobrando-se para agradecer. Fez sinal para que eu fizesse o mesmo. Fiz o que pedia e desci as escadas.

            -Ótimo. Antes que o próximo voluntário se apresente, exercício rápido de atuação coletiva, vocês são estrelas gordas que gostam de comer esquilos intergalácticos que vivem em Júpiter. Vai!

            Sobrenaturalidades era a aula que eu mais odiava. Não pela matéria, que na verdade era bem interessante, mas pelo professor. Klaus entrava na sala no exato horário, sem jamais se atrasar e nos dar um minuto para amaldiçoar os próximos 50. Suas aulas eram simples, descomplicadas e tinham muita teoria. Ele passeava pelas carteiras ditando o que tínhamos que escrever, olhando-nos de cima, como se tivesse nojo de cada um de nós, mais ainda assim fosse obrigado a nos amar, como um político que beija uma criança pobre e doente, com a barriga inchada de vermes.

            A aula de Habilidades Físicas era a aula mais cansativa de todas. Ah não, não é Educação Física não. Eu poderia facilmente descrever a aula como aula de Caça, mas o termo não parecia ser politicamente correto. Se bem que era o que fazíamos. Eram técnicas, não de caça para nos alimentarmos, afinal alguns de nós tínhamos instintos naturais para isso, e outros não precisavam. Eram técnicas de caça ao inimigo, técnicas bélicas, de como perseguir alguém nas mais diversas condições. Também havia esgrima, tiro ao alvo, nas mais diversas armas, mais coisas que eu não conseguiria nem descrever. Demorei um tempo até perceber o que estávamos fazendo.

            Klaus estava fazendo de nós um exercito.

            Quando comentei com as meninas, elas confirmaram. Mas nenhuma delas sabia para que fim ele nos usaria, e como estava há quase cinqüenta anos sem fazer um movimento sequer, achamos melhor deixar o assunto de lado, pelo menos por enquanto. Esses pensamentos vinham a mim durante a noite, e eu tentava ignorá-los, mas eles me deixavam com um arrepio na espinha sempre que partiam. Quando o relógio avisou que eram quatro horas, todos deixaram as armas de lado, se dirigiram aos vestiários, tomaram banho, pegaram suas bolsas e se dirigiram à Casa. No caminho, eu e minhas amigas discutíamos o que faríamos a seguir.

            -Vai passar um documentário sobre a história da lã no History Channel, que tal?

            Propôs Meredith, apertando seus cadernos contra o peito, animada.

            -Mesmo? Lã?

            Gemeu Rose.

            -Se ainda fosse seda...

            Concordou Caroline.

            -Independente disso, não vamos fazer nada antes de fazer todo o dever.

            Lembrou Elena.

            -E de um lanche.

            Ditou Bonnie. Todas rimos de sua exigência. Passei a bolsa de um ombro para a outra.

            -Que tal meu quarto? Fazemos a lição e depois vamos lanchar.

            -Podemos lanchar antes?

            Pediu Caroline. Exaustas de tanto mexer em armas e correr para lá e para cá, todas concordamos em comer alguma coisa antes. Nada melhor do que cheese-burguer borrachudo congelado feito no microondas para ma reunião entre amigas.

            -Para ferir uma Criança da Lua, popularmente conhecida como lobisomem deve-se usar que tipo de essência? : A) Verbena B) Wolfsbane C) Bambu Cru

            -Bambu Cru.

            Respondeu Meredith de brincadeira.

            -Será que Klaus realmente pensa que somos tão estúpidos?

            Perguntei marcando a letra B. O nome da substância já revelava sua utilidade.

            -Talvez ele esteja querendo nos fazer sentir inteligentes.

            Divagou Meredith. Apontei a caneta para ela, considerando sua proposta. Era uma boa teoria. Se conseguíssemos fazer a tarefa corretamente e sem erros, Klaus automaticamente se tornaria um bom professor... Sagaz... Muito sagaz... Caroline estava a caminho de ler a próxima questão quando uma gritaria no corredor nos chamou a atenção. Baixei o livro a tempo de ver Scott invadindo meu quarto com uma mulher aos berros a tiracolo. Levantei-me revoltada, jogando o caderno no chão.

            - O que está fazendo aqui?

            -Procurando você Lady do Nome Bizarro – Disse arrastando para dentro a mulher que gritava feito louca e tentava ao máximo se libertar, mas ela jamais conseguiria. Ele apertava seus pulsos com tanta força que estavam vermelhos e em carne viva. Soltou-a de repente, e quando ela se desequilibrou, empurrou-a na minha direção. Ela caiu de joelhos a minha frente e agarrou minhas pernas. A protuberância de sua barriga elevada tocou meus pés. Grávida? – Klaus pediu que eu entregasse a você.

            -Para mim? Porque?

            -Não questione. Faça.

            -Fazer o que?

            -Ora – Ele disse com os olhos vermelhos cintilando – O monstrinho está chegando.

            Ele saiu fechando a porta com força, deixando todas nós sem reação. Ajoelhei-me ao lado da mulher e ela abraçou meus ombros com força. Pude sentir seus ossos proeminentes contra minha pele. Ela estava tão magra quando eu estivera um dia, não muito tempo atrás. Acariciei seus cabelos encharcados de suor como se consolasse uma criança.

            -Elena, vá chamar Jenna.

            Disse Bonnie vindo até nós. Logo ouvi Elena deixando o quarto às pressas. As outras começaram a conversar nervosamente em voz baixa, mas não consegui entender o que diziam. Bonnie com calma e paciência a fez soltar meus ombros. Aos poucos ela foi parando de chorar e respirou fundo.

            -Oi. Eu me chamo Bonnie e essa é minha amiga Nessie. Pode nos dizer o seu nome?

            Perguntou como se falasse com um bebê. Ela parecia tão simpática que se eu fosse um bebê, eu diria todo o meu nome, com sobrenomes e apelidos de infância.

            -Kate.

            Ela respondeu trêmula, com um forte sotaque do norte. Seus olhos castanhos me avaliaram e à Bonnie decidindo se valíamos a pena temer. Felizmente ela pareceu se acalmar com o que quer que tivesse visto.

            -Scott te machucou?

            Perguntei. Eu sabia como ninguém como ele sabia ser violento.

            -Não. Foi um pouco rude, sim, mas... – Ela pousou a mão na barriga elevada e sorriu. Pude sentir o carinho no seu toque e ver que ela amava o que estava criando, assim como minha mãe um dia fizera. Mais do que minha própria vida. – Estamos bem.

            -Kate, você sabe o que seu filho é, não sabe?

             Perguntou Bonnie devagar. Kate fez que sim.

            -Ele me disse. Disse como seria.

            -Quem disse? O pai?

            Kate afirmou com a cabeça docemente. Era como falar com uma criança.

            -Eu tenho medo. Mas consigo sobreviver. Forbes disse que sou forte, e se ele diz, eu devo ser...

            -Forbes? – Caroline perguntou levantando-se de repente , com um sorriso enorme– Meu pai, Bill Forbes?!

            -Não – Respondeu Kate, rindo docemente – O nome dele é Frank.

            Caroline fez que sim, recolhendo o sorriso luminoso, e sentou-se novamente parecendo decepcionada. Meredith pousou a mão em seu ombro; Um ligação com seu pai com certeza haviam avivado as esperanças quase mortas dentro dela. Jenna entrou com um grande sorriso no cômodo, seguida de Elena.

            -Então, ouvi dizer que estamos esperando mais uma companheira... Que tal irmos para o meu quarto, meninas?

            O quarto de Jenna ficava na primeira torre a esquerda. Segundo Meredith ela dividia o quarto com três pessoas, entre elas, Isobel e Vicki. Eu estava curiosa para saber como pessoas tão diferentes podiam decorar o quarto. Afinal, Isobel parecia soturna, e discretamente má. O tipo de pessoa que parecia ser sua amiga, e sumia no meio da noite escura. Vicki era intoxicante e completamente maluca – e fazia questão de mostrá-lo nas aulas de Habilidades Físicas, onde dilacerava os bonecos de treinamento tira por tira, as vezes com os dentes, com facas, com as unhas e sempre dos mais diversos jeitos. Mas não houve tempo para meus pensamentos irem adiante porque quando abrimos a porta, Kate gritou, e tudo aconteceu muito rápido.

            Todas sabiam o que fazer, e ao que parecia, aquilo acontecia bastante. Levaram Kate até a cama, que eu supus ser de Jenna. Ninguém mais estava a vista. Bonnie e Elena deixaram o quarto correndo. Caroline cuidou de acomodar a mulher com os travesseiros e Meredith mexeu no aquecedor no canto do quarto até que o ambiente estivesse quente e propício para a chegada do bebê. Jenna instruía Kate para que respirasse e expirasse devagar e calmamente e eu estava paralisada, grudada ao chão pelo choque. Lembranças do meu nascimento me invadiam. Havia tanto sangue... Tanta fome... A minha mãe...

            -Nessie – Chamou Jenna, tirando-me do meu torpor – Venha aqui.

            Fui até ela. Kate gritava, o rosto contorcido de dor, mas Jenna não parecia notar, e se notava não parecia se importar, secando seu suor calmamente, com as mãos firmes e precisas.

            -Elena me falou sobre o seu Dom. Acha que consegue anestesiá-la se mostrar algumas de suas imagens?

            -Dom? – Ninguém havia colocado a coisa daquele jeito antes – Talvez. O que devo mostrar?

            -Bebês, borboletas, cenas felizes, qualquer coisa que a estimule a continuar.

            Peguei hesitante a mão de Kate. Mostrei-a a primeira coisa sobre bebês que consegui me lembrar, um comercial de fraldas. Depois lembrei da primeira vez que tia Rose havia me mostrado no espelho. Eu ficara muito interessada com as nossas imagens refletidas. “Sou eu?”, perguntei curiosa, tocando-a para perguntar. “É sim,” Ela respondera com um sorriso. Então me interessara pelo seu reflexo. “É você?”, “Sim, sou eu”. Eu ri e bati palmas com as pequenas mãozinhas gorduchas. Ao contrário da maioria das crianças, eu tinha lembranças muito claras da minha infância, provavelmente devido a minha curta vida. Kate pareceu gostar da cena do espelho, então decidi continuar.

            “Nas manhãs de natal, era quando eu acordava de melhor humor no ano todo. Pulava da cama e escapava dos abraços dos meus pais e, depois de uma leve checada no leite com biscoitos – que provavelmente era Jake que comia – eu corria para baixo da árvore para remexer as caixas enfeitadas e coloridas. Eu tinha planejado toda uma cerimônia para isso. Eu parecia uma mãe de família de 6 anos – apesar de ter apenas 2. Primeiro eu entregava os presentes que tia Alice me levava para comprar e eles agradeciam e abriam sob os meus olhos cheios de expectativas. Só então eu abria meus presentes. Naquele ano havia algumas barbies que ganhavam nomes assim que saíam das caixas.

            Mas elas não eram as únicas surpresas que Papai Noel havia me trazido aquele ano. Mais tarde, Jake chegou trazendo uma bicicleta, que minha mãe havia pedido a ele para esconder. Eu dei um gritinho agudo e me joguei nos braços deles. Ele desejou Feliz Natal e perguntou se eu queria dar uma volta. Era com rodinhas, então não tive muita dificuldade para aprender. Mais tarde, com a touca com pompons nas pontas quase tapando os olhos, eu pedalei pela neve, deixando três listras atrás de mim, feitas pelas rodas e rodinhas. Foi difícil me tirar de cima daquilo o dia todo.”

            Passei então a mostrar imagens aleatórias da minha infância. Aniversários, dias de neve, aulas de piano, quando eu tentava surpreender meus pais – e falhava, quando brincava de esconde-esconde com tio Jasper – Ele sempre ganhava. Aos poucos, minhas memórias boas foram se acabando e pelos gritos que escutava quando deixava a segurança das imagens que transmitia, o parto não acabava nunca. Então me desesperei e desatei a transmitir todo bebê que eu já havia visto na vida. A pequena Claire, na reserva. O bebê Micah que ria quando se rasgava papel a sua frente, o bebê que comeu uma melancia inteira – pelo lado de dentro, bebês que dormiam com os cães da família e que usavam camisetas de rock e fantasias de halloween ridículas. Todo o tipo de coisa que se vê na internet nos dias atuais.

            Dessa vez quando retornei das minhas imagens havia um som diferente no ar. Não havia mais gritos agoniados. Havia uma nova vozinha que chorava no quarto.

            -Acabou, pode parar agora. – Disse Bonnie no meu ouvido. Pisquei os olhos, me situando no quarto de Jenna. Bonnie entregou algo quente a mim. A princípio era tão pequeno que não entendi o que era. Só percebi quando baixei os olhos, que segurava uma forma de vida molenga e resmungante enrolada em um cobertor macio. – Mostre a ela. É uma menina.

            Ajeitei o bebê no colo e me aproximei de Kate que respirava sofregamente de olhos fechados.

            -Kate – Chamei-a levemente – Você conseguiu, ela está aqui. É uma menina... Uma doce menininha!

            Ela, com muito esforço abriu os olhos e fixou-os no pacotinho que eu carregava. Ainda tinha os cabelos louros sujos de sangue e o rosto vermelho de tanto chorar, mas ainda assim podia-se ver os traços perfeitos de um vampiro.  Kate sorriu, tranqüila feito uma corça.

            -Ele tinha razão... Tão especial mas... Tão difícil... Tudo o que ele disse era verdade... Tão linda... – Ela levantou a mão trêmula e por um instante achei que ela ia acariciar a cabeça da filha, mas ela agarrou meu pulso, com mais força do que eu julgava que ela teria depois de tudo aquilo o que passara nas últimas hora. – Prometa que vai cuidar dela.

            -O que? Eu...

            Criar uma criança? Era o que ela estava me pedindo? Eu tinha seis anos, mal sabia cuidar de mim mesma! Como cuidaria de um bichinho frágil como aquele?

            -Prometa que vai protegê-la e que vai amá-la.

            Seu aperto começara a machucar meu pulso e a cada segundo que eu permanecia calada ela o apertava mais e mais. Então finalmente concordei.

            -Eu prometo.

            Disse, desesperada para que ela me soltasse. Ela me olhou desconfiada então lentamente soltou-me e deixou a mão cair ao seu lado, fraca.

            -Cuide bem da minha pequena Elisabeth Forbes.

            -Leve-a lá para baixo. Elena está esperando com comida para ela.

            Disse Bonnie. Jenna não estava em nenhum lugar visível. O cheiro devia estar forte demais para que ela agüentasse. Fiz que sim e me afastei lentamente da cama onde Kate repousava em seu leito de morte. Sim, morte. Era óbvio que ela morreria. Ninguém ali tinha interesse nela. E de qualquer jeito seria tarde demais. Não podia deixar de sentir um aperto no coração ao pensar que aquela pequena Elisabeth assim como todos os mestiços daquela casa, não teria a mãe que eu tivera. Desci as escadas trêmula. Quando chegamos ao térreo eu estava prestes a abrir a porta que dava para o Hall quando eu ouvi um dos sons mais doces que eu já tinha ouvido em toda a minha vida. Ela riu.

            Foi de repente e sem aviso. Foi um som doce, lindo e parecia emanar pureza em cada timbre. Olhei para a bebezinha em meus braços, que esticava os braços para tocar as estátuas de cães bloodhounds  que guardavam as portas. Me aproximei dos cães para ver sua reação. Ela gargalhou e pousou a mãozinha diminuta no focinho de pedra do animal. Eu sorri, emocionada. Quando pequena, minha mãe e minhas tias contavam-me que a primeira vez que uma criança ria, nascia uma fada. Bem, se isso era mesmo verdade, a risada de Elisabeth fez nascer pelo menos umas 10 delas, com asas coloridas e roupas de folha dos mais diversos estilos. Isso me fez abrir a porta com um grande sorriso.

            Assim que pisei fora da torre, todas voaram ao meu redor, ansiosas e desesperadas para ver a mais nova integrante da casa que compartilhávamos. A menina, assustada, agarrou minhas roupas e desatou a chorar. As meninas se afastaram, perguntando se ela estava machucada, até que eu a acalmasse. Ela abriu os olhos azuis e cristalinos lentamente, acostumando-se com a luz branca do Hall e examinou cuidadosamente a cada uma ao seu redor arrancando sons de “Ownn : 3”  de todas. Elena me entregou uma mamadeira cheia de sangue. Eu hesitei enquanto nos encaminhávamos ao sofá disponível, mas então toquei o bico em seus pequenos lábios. Ela precisava crescer forte e saudável. Todas sentaram ao meu redor, observando enquanto nossa pequena menina sugava avidamente da mamadeira, olhando em volta curiosamente.

            A sensação do que eu estava fazendo era incrível. Eu estava fortalecendo-a pouco a pouco, ajudando-a a crescer, saciando a coceira da sede em sua pequena garganta, uma sede pequena, porém voraz. Ela fixou o seu olhar no meu e apesar de aquilo ser completamente impossível mesmo devido a sua herança genética, era como se ela agradecesse a mim, olhando no fundo da minha alma ferida e atormentada. Não demorou até que ela terminasse a mamadeira; Antes que eu pudesse me mexer para fazer algo ela arrotou sonoramente sozinha e riu, como se pedisse desculpas. Nós rimos com ela. Caroline estava ansiosa para remexer o baú com roupas de bebê no porão e Meredith também, mas estava claro e líquido que elas tinham idéias diferentes sobre como vestir uma recém-nascida. Elena e Bonnie desceram com elas para evitar a confusão eminente, deixando-me sozinha com Rose e o bebê.

            -Ela é linda como uma flor...

            Disse Rose, suspirando.

            -É sim.

            Concordei suspirando.

            -Porque acha que Klaus enviou Kate a você e não a Jenna?

            Ela perguntou de repente depois de algum tempo de silêncio. Dei de ombros. Essa pergunta também me atormentara mais cedo, mas agora com o bebê no meu colo não podia me preocupar com isso.

            -Talvez... Eu não sei... Ele não costuma ser vão em seus atos... Mas isso realmente não faz sentido.

            Ela fez que sim, acariciando os curtos cabelinhos dourados da menininha.

            -Eu quero ter um desses um dia. Criar na Inglaterra, em um lugar como o que eu cresci.    Arrumei-me melhor no sofá, ajeitando a sonolenta Lizzie nos braços. Ela fechou os olhinhos e soltou um pequeno bocejo.

            -Você sempre fala de lá. Como era? Exatamente?

            Rose sorriu e suspirou, nostálgica.

            -Árvores altas e grandes pradarias verdes. Nossa casa ficava no topo de uma colina, e podíamos ver tudo em um raio de 50 km. Era lindo. Ao lado da nossa casa tinha uma macieira que eu subia desde que me entendia por gente. Depois eu cresci e passei a apenas colher da árvore. Nós criávamos cavalos lá e aquelas eram as maçãs que mais gostavam. Eu cheguei a acreditar que as maçãs eram mágicas porque os nossos eram os cavalos mais lindos e fortes de todo o reino. Até a rainha e seus filhos os escolhiam. O meu favorito era ApplePie. Ele era completamente viciado em maçãs. Era negro como o carvão e parecia uma sombra galopante. Bem... Ele morreu há muito tempo mas... Um dia eu vou voltar ao nosso rancho e criar um novo cavalo, desde potrinho e dar a ele esse mesmo nome.

            -Soa incrível.

            Ela suspirou novamente.

            -Soa mesmo não é?

            Disse sorrindo. Ela ficou ao meu lado por mais algum tempo então disse que estava cansada e subiu para o seu quarto. Algo me dizia que lembrar de sua terra natal lhe renderia uma noite nostálgica se revirando nos lençóis na escuridão do quarto, mas a respiração curta e lenta da menina no meu colo não permitiu minha mente a ir muito além com esse pensamento. Fechei os olhos e deixei-me embalar por esse som baixinho e apressado.

            Passos fizeram com que eu abrisse os olhos assustada. A sombra de Jenna pairava acima de mim.

            -Como ela está?

            Perguntou sorrindo levemente.

            -Cansada. – Respondi, piscando os olhos, tentando afastar o sono – Dormiu logo depois de comer.

            Jenna estendeu os braços.

            -Deixe-me pegá-la.

            Havia algo em seu tom que não me agradou. Podia ser pura paranóia, ou o fato de ela ser capaz de se alimentar da menina se quisesse, ou de ter deixado Kate morrer, mas abracei Elizabeth protetoramente contra o peito.     

            -Por quê?

            Jenna pareceu estranhar a pergunta.

            -Ela tem que conhecer a mãe dela, não acha?

            Semicerrei os olhos.

            -Kate sobreviveu? – Perguntei, desconfiada. O olhar de Jenna perguntava se eu estava brincando com a cara dela. O sono logo se foi e deixou cair a cortinha que embaçava meus pensamentos, me permitindo ver o que ela queria dizer. – Não... Não! Não vai levá-la!

            -Qual o problema?

            Ela perguntou, ofendida. Não era minha intenção ofendê-la, tendo em vista que ela só queria ajudar, mas a questão era que o que ela pedia simplesmente não podia e não iria acontecer. Ela não tinha o direito de levar Elizabeth, não tinha! Ela era minha, Kate havia confiado-a a mim, e só a mim, com todas aquelas pessoas no quarto.

            -Eu vou cuidar dela.

            Avisei. Jenna riu como se isso fosse apenas uma piada e sentou-se ao meu lado como se fôssemos grandes amigas. Ela me olhou seriamente no fundo dos olhos.

            -Minha criança... Eu entendo o seu desejo. Mas você é novinha demais... Essa garotinha é uma grande responsabilidade.

            -Eu sei que é. Mas a questão é que você simplesmente não pode levá-la.

            Toquei seu braço e passei a ela a ultima visão que tive de Kate. Suas palavras implorando para que eu cuidasse da filha que ela não podia mais proteger. O aperto em meu pulso e o olhar suplicante. Quando terminei, ela continuou com o olhar fixo no nada.

            -Isso que você faz... É incrível...

            -Já ouvi isso antes.

            Eu disse sorrindo levemente, lembrando de como meu avô soava fascinado quando falava sobre o que eu fazia, pedindo que eu fizesse de novo e de novo, em intermináveis estudos sobre minhas habilidades. Jenna olhou-me, examinando-me, provavelmente se perguntando o que Kate havia visto em mim para cuidar do bem mais precioso depois que ela partisse. Ela suspirou. Pelo visto, ela não via o mesmo.

            -Está bem. – Concordou ela por fim – Quem sou eu pra negar a Kate o seu último pedido? – Sorri abraçando mais o bebê. Por um segundo achei que a tinha perdido. – Mas não fique tão feliz. Vou vigiar vocês. É bom se comportarem. Promete?

            Eu fiz que sim, sem conseguir parar de sorrir. Olhei para a menina que dormia calmamente, sem saber da discussão sobre o seu destino. Eu iria cuidar dela, protegê-la de Klaus. Ela não iria quebrar como um dia eu quase fiz. Jamais quebraria, enquanto eu estivesse ali para protegê-la.


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Notas finais do capítulo

Fuck the world, I'm a panda.