A Casa De Klaus escrita por Bellah102


Capítulo 16
Capítulo 15 - Segredos


Notas iniciais do capítulo

Sabe o que eu fico P da vida? É que história ruim tem 500 comentários em 15 capítulos. Eu não tenho sequer o dois reviews por capítulo. Eu sei que eu demoro, mas o que vocês fazem comigo é sacanagem, né?



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2 meses. Pensei, rabiscando o dia no calendário. Míseros dois meses e já me sinto secular.

            Encarei os números e os quadrados riscados a minha frente, desejando esquecer o que significavam. Suspirei, desejando que pudesse, nem que fosse por alguns segundos. Podia fingir que aquela era apenas uma equivocada e feia peça de decoração sem sentido que minhas tias desaprovariam. Podia fingir que estava de férias em um lugar longínquo e que minha família só tinha saído para caçar por uns dias. Afinal ali era bonito e tinha boa caça por perto. Eu podia facilmente me enganar assim, mas não. Mentir para mim mesma não me levaria a lugar algum. Eu descobrira isso no dia anterior. Alguém bateu na porta. Coloquei o casaco para esconder minha mais nova vergonha.

            -Está aberta.

            Eu disse, suspirando e cruzando os braços sobre o peito, como se quem estivesse na porta pudesse ter visão de raio x – O que em outra situação seria incrível, mas não hoje. Uma pontada de dor me incomodou, mas eu a ignorei. Elijah abriu só uma fresta na porta e colocou a cabeça para dentro do quarto. Ao que parecia, ele era adepto a uma antiga mania de só entrar sendo convidado, e eu não queria convidá-lo e um dia acordar com ele pairando sobre minha cama. Havia assistido séries de vampiro humanas, e eu sabia como isso terminava.

            -Bom dia!

            Ele saudou, em seu estranho sotaque euroamericano. Esforcei-me para sorrir.

            -Oi.

            Eu disse, desgrudando a mão do corpo a contragosto para lhe lançar um aceno tímido.

            -Caçada mais tarde?

            Fiz que sim, pensando nas feridas que eu precisava cicatrizar o quanto antes. Caroline certamente perceberia se eu só usasse mangas longas. Mesmo que fosse outono, sua regra era ser fabulosa. E se isso exigia passar frio, que fosse.

            -Claro. Só não se atrase, ok?

            Ele fez que sim e foi. Sentei-me pesadamente na cadeira da escrivaninha e contive um soluço silencioso. Espiei dentro da minha manga de lã, esperando que as marcas tivessem de algum modo magicamente desaparecido. Mas lá estavam elas. Provas sangrentas de que eu simplesmente não prestava. Passei a língua nos lábios e fechei os olhos. Eu nunca mais me abaixaria tanto. Ponto.     

            Na noite passada, eu e as meninas decidimos alugar um pay-per-view. Era para ser algo legal entre nós, para nos aproximar. Eu e Rose havíamos nos tornado um pouco distantes por razões pessoais, Jeremy parecia conduzir Bonnie à loucura, Katherine estava se esforçando para fazer da vida de Elena um inferno, Caroline e Matt estavam tendo problemas no paraíso, e Meredith estava super estressada com as provas. Enfim, isso era para relaxarmos. Mas começamos a discutir quando chegamos ao título dos filmes. Era Titanic ou Atividade Paranormal em Tóquio. Mas é claro, que magoadas como estávamos, em uma ressaca de amor, eu e Rose apoiamos Atividade Paranormal, mas isso não foi o suficiente. Não preciso dizer que o filme me afetou de forma estranha.

            Não que não tivesse me afetado antes. Assim como a maioria das adolescentes, aquele filme sempre mexeu desconfortavelmente comigo, no meu âmago mais profundo. Mas naquele dia foi diferente. Eu não havia assistido desde que tudo aquilo tinha começado. Rose mal agüentou até o começo da história. Quando Jack apareceu em sua primeira cena, ela se levantou e saiu sem dizer nada. Eu fui até o fim. Todas choraram, sim. Mas eu fiquei parada, como uma estátua. Era como se apenas o meu corpo estivesse assistindo, mas minha alma não. Em uma das últimas cenas, enquanto Jack congelava, eu senti uma impotência enorme, como se eu fosse Rose. Porque ela não podia salvá-lo? Arranjar um jeito que os dois possam ficar sobre a tábua? Porque ele não procurou outro destroço para escalar? Mais adiante, quando a encontram, me peguei pensando no que iria ser da vida dela? Como ela viveria sem ele?  Mais tarde ainda, quando as fotos revelam tudo o que ela fez, senti uma raiva feroz. Como ela conseguia viver por todos esses anos? Ela simplesmente não podia amá-lo de verdade.

            As lágrimas vieram mais tarde e mesclaram-se ao sangue de mim mesma que derrubei. Sim, eu me cortei. Sim, isso é uma atitude suicida e automutiladora, mas eu precisava diminuir minha aflição, e a única coisa por perto era a lâmina de barbear guardada dentro do meu armário do banheiro, fechada. Eu me lembrei de como as pessoas diziam que faziam aquilo porque a dor de dentro era a maior do que a de fora. Naquele momento tudo fez sentido como nunca fizera antes. Mas no dia seguinte veio o arrependimento. Como pudera me abaixar tanto? Não importava o quanto a história do filme se relacionasse com a minha, e o quanto ela afirmava meus maiores medos. Não importava o quanto eu estivesse miserável. Nem no quadro de depressão que eu tivera anteriormente eu tinha feito algo tão egoísta e idiota. E agora eu viveria com as conseqüências, e com a promessa de que eu nunca mais faria algo tão estúpido comigo mesma, envergonhando todos que me amavam.

            Saí do quarto e me preparei para a escola. Bati na porta de Rose para chamá-la. Ela já estava pronta, mas parecia cansada. Não devia ter tido uma noite melhor que a minha.

            O clima estava agradável quando saímos da escola. Uma a uma, as meninas se livraram de seus casacos, determinadas a me desesperar por completo.

            -Não está com calor, Nessie?

            Perguntou Elena. Fiz que não rapidamente, puxando mais as mangas, como se ela pudesse ver através do tecido. Fora um medo tão constante o dia todo, que passei a me perguntar se existia alguém no mundo com essa habilidade. Caroline soltou um riso de escárnio.

            -Você acha mesmo que ela vai tirar esse casaco FABULOSO?! Não existe calor quando se está vestindo um Gucci outono-inverno 2012, por favor, Elena!

            Ela se exaltou, falando das cores e de como a coleção resgatava cores de inverno para a temporada de outono-inverno, e de como isso era revolucionário e típico da Gucci. Desatou a falar como o azul e o marrom combinavam genialmente com a alma viva e dourada do outono. De cabeça baixa, eu caminhava ao lado delas, ignorando ao máximo a avaliação fashion da minha roupa ao estilo Projeto Runway de Caroline. A meio caminho da casa, senti um olhar queimando sobre mim. Levantei os olhos para encontrar o olhar desaprovador de Bonnie pousado em mim.

            -Qual o problema, Bon?

            -Falamos sobre isso mais tarde.

            Ela disse, fria. Ela sabia, percebi em seu olhar. E estava tão decepcionada comigo quanto eu.

            Depois do lanche, escapei para o quarto sobre o pretexto de muita lição, na esperança de escapar do sermão de Bonnie. Eu já fora punida o bastante por mim mesma. A noite chegou rápido. Entre remoer meus atos mais uma vez, fazer a tarefa de francês e escrever a história de Noah e Jazmyn, perdi uma tarde inteira, que me escorreu pelas mãos. Às 9 horas tomei um banho e vesti as botas e o casaco velho e quente que costumava usar para caçar. Às 10 horas saí do quarto 09, indo na direção do 12, do outro lado do saguão, onde eu sabia ser o quarto de Elijah. Bati na porta.

            -Está aberta. Pode entrar.

            Veio a voz de Elijah abafada lá dentro. Ele disse mais alguma coisa, mas não consegui ouvir. Abri a porta e me deparei com um elo perdido entre as mais diversas arquiteturas do mundo. Uma mistura de art-déco francesa, a era vitoriana inglesa, a máfia italiana e, acredite se quiser, o escritório da Google. Eu nunca tinha estado no quarto de Elijah antes. Eu sabia onde ficava, mas ele nunca tinha me convidado para entrar.

            A arrumação sobre os móveis escuros era impecável e tudo rescendia levemente a limão. Uma escrivaninha abrigava um grande monitor com o símbolo da HP impresso no canto direito inferior, e com o CPU integrado. As canetas, clipes de papel, lápis, borrachas e alfinetes estavam esmeradamente arrumados em uma porta trecos. Ao lado do lustroso teclado do computador, um tablet fino apitava uma nova solicitação. Acima da mesa, um quadro abrigava centenas de milhares de post-its colados, em várias cores e tamanhos, de forma a desenhar, em detalhes, uma grande árvores branca de folhas escuras. Alguns dos post-its estavam preenchidos com lembretes com a letra impecável de Elijah.

            Ao lado da mesa, um divã de madeira escura art-déco esticava-se preguiçosamente abaixo da janela, e abrigava almofadas de veludo de várias cores – O que me fizera lembrar do escritório da Google. O único sinal de bagunça vinha dali, e eram os antigos livros espalhados por ali. Me aproximei para ler os títulos. Tolstoi, Shakespeare, e para a minha surpresa eterna, J.K. Rowling. Elijah lia Harry Potter! E não apenas isso percebi, virando-me. Apesar dos grossos livros clássicos que constavam em 1001 livros para ler antes de morrer, havia, sim, livros de literatura e aos montes na intestimável estante de mogno a minha frente, que ia de um lado a outro no quarto, interrompida por uma adorável arandela tipicamente italiana.

            A cama era muito semelhante a de Rose, que lembrava algum castelo britânico vitoriano, com o dossel sobre a cama que se assemelhava a uma caixa sem paredes. As mesas de cabeceira também abrigavam uma grande variedade de livros novos e antigos, sob a luz de duas luminárias que emitiam uma luz azul estranhamente hipnotizante. Ouvi a porta do banheiro ser destrancada e uma onde de fumaça quente me atingiu. Virei-me para encontrar Elijah com a toalha pendurada ao redor da cintura. Elijah era um cara pequeno, principalmente se comparado a Jake (Na verdade, qualquer um seria pequeno comparado a ele), mas ele ainda assim tem seus atributos. O peito e braços são definidos, porém não tanto. Pareciam nunca ter visto um aparelho de musculação na vida. Eram naturais, como o fruto de um longo trabalho braçal. Mas não foi isso que me chocou no final das contas, afinais, eu passara toda a infância vendo peitos nus.

            Onde uma pele macia e ininterrupta de adolescente devia estar, havia cicatrizes. Não uma pequena cicatriz ou outra, como a que eu tinha na mão de uma queda de bicicleta. Eram enormes, feias, recortadas e profundas, como se ele tivesse sido esfaqueado várias vezes. Elas também cobriam os braços, e abaixo da toalha as penas e pés. E não era só isso que insinuava que algo ruim assolava Elijah. Espalhados pelo corpo, pontos amarelavam escondiam-se pelo peito, braços, pescoço e pernas. A maioria já estava sumida o bastante, mas uma próxima da barriga tinha o formato exato de um punho enorme e eu sabia a quem pertencia. Scott.

            -Tyler, porque você não... - Disse ele, saindo pela porta com um sorriso. Eu estava a um milissegundo de avisar que eu não era Tyler, mas ele foi mais rápido. – NESSIE?! O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO AQUI?

            -E-e-e-eu bati na porta... E você me deixou entrar.

            -Eu não... Eu achei que... Eu só...

            Eu me segurei para não rir do jeito que ele ficava mais e mais vermelho a cada segundo.

            -Tudo bem. Eu estou indo. Adiantei-me para a caçada, só isso. Eu te espero lá embaixo.

            Saí do quarto e achei que também estava vermelha. Não que fosse grande coisa, mas... Eu praticamente invadira seu quarto e o vira seminu. Isso é um pouco mais desconcertante do que viver cercada de homens que vivem seminus por questões de praticidade. Desci até o andar de baixo, pensando nas cicatrizes. Se o punho pertencia a Scott, então as cicatrizes também foram provocadas por ele? Mas o que Elijah faria que seria punível o bastante para uma surra tão forte, mas não o bastante para a morte? Ele parecia tão certinho... E há quanto tempo ele estava nessa casa, se seu corpo todo estava do mesmo jeito? Mas chegando lá embaixo eu lembrei porque não tinha descido antes. Tentei voltar escada acima, antes que Bonnie me visse, mas no instante em que pisei para trás, ela desviou os olhos da televisão. Lentamente ela levantou a mão e dobrou o indicador, me chamando para perto dela.

            Tentei dar um passo atrás, mas não pude. Uma dor paralisante atingiu a minha cabeça, e não parou até que eu refizesse meu passo para frente. Maldita magia... Passo após passo aproximei-me dela e me sentei ao seu lado no sofá. Seu olhar desaprovador de hoje a tarde continuava lá. Suspirei.

            -Diga que me odeia. Que... O que eu fiz foi horrível e que você nunca mais falar comigo. Pode dizer, eu agüento.

            Ela suspirou também, parecendo desgostosa.

            -Tem certeza? Ou será que vai bancar o Klaus e se auto-mutilar?

            -Foi o filme. Ela perdeu o amor da vida dela e ainda consegue reconstruir a própria vida! Mas como? Parece impossível para mim! Só isso. Eu estava emotiva, estava chateada. Mas eu nunca vou chegar tão baixo de novo. Eu prometo.

            Eu disse, querendo acabar com aquilo o mais rápido possível. Bonnie me encarou e me analisou como se pesasse o que eu dizia em uma balança cujos ponteiros, ao invés de conter números conteriam “ela está dizendo a verdade” ou “use seus poderes bizarros de bruxa para fazê-la parar de mentir”.

            -Ok. – Ela disse por fim. – Se você prometer nunca mais fazer isso, eu prometo não meter Jenna nisso. Certo? - Fiz que sim. – Agora, quem você acha que ganha essa temporada de “So You Think You Can Dance?”. Caroline diz que é só um American Idol de dança, mas é mais do que isso. Você viu “This Woman’s Work”, na quinta temporada? American Idol nunca teve algo tão bonito assim, nem com a Jordin Sparks participando e...

            Pisquei os olhos no escuro. A televisão estava apagada e já não havia ninguém no Hall. Pisquei os olhos, tentando me livrar do sonho ruim. Bonnie tinha ido embora, mas tinha tido a fofura de trazer um cobertor para mim. Olhei no relógio do meu pulso. Já passava de meia noite. Será que Elijah saíra sem mim ou ainda não descera? Era melhor eu verificar. Sonolenta e bocejando, peguei a coberta de Bonnie e subi as escadas. Depois de deixar o cobertor no meu quarto fui checar o 12. Trancado. Não abriu e nem respondeu quando bati. Provavelmente ele já havia saído. Como nunca tínhamos caçado separados, imaginei que ele devia estar esperando por mim lá fora em algum lugar.

            Desci as escadas novamente e saí da Casa. Fui à escola, passando pelos corredores escuros e salas abertas. De volta na clareira que continha os três prédios do complexo da Casa, suspirei. Será que Elijah se tornara tão independente a ponto de não precisar mais de mim? Ou estava com vergonha pelo ocorrido mais cedo? Uma luz se acendeu no laboratório quase escondido pelo mato. Era quase como se um vagalume gigante houvesse pousado ali. Mas então me lembrei. Elijah me contara que as vezes ia até o laboratório para visitar Tyler e seus milhares de cachorros. Não custava tentar. Com as mãos nos bolsos caminhei até o prédio que me dava arrepios. Atrás daquela porta, Klaus podia estar fazendo qualquer coisa. Manipulando os cadáveres de suas vítimas para que se tornassem zumbis... Se pegando com duas prostitutas qualquer de alguma cidade próxima... Ele podia até mesmo estar fazendo palavras cruzadas! Admitam. Isso é exatamente o que um gênio do mal faz para aguçar seu vocabulário na hora do discurso maligno.

            Mas quando cheguei à porta laminada, e a forcei, ela estava trancada. Suspirei, soprando uma mecha de cabelo para longe dos olhos. Estava prestes a desistir e dar meia volta quando ouvi um som. Paralisei-me para ouvir de novo. Não era porque estava sem Elijah que não podia me alimentar. Afinal eu era a veterana grisalha e ele o novato inexperiente, como nos antigos filmes ruins de policial dos anos 70. De início achei que era uma cobra. O som se arrastava pela grama, lembrando um réptil. Não que eu já tivesse provado de um, afinal, elas não vivem em lugares frios. Foi assim que soube que não era uma cobra. O som se arrastou, parou e se arrastou e parou. Às vezes quebrava a sequência e se arrastava duas vezes antes de parar. Mas só quando estava bem perto pude finalmente descobrir o que era.

            Elijah.

            Seu rosto pálido surgiu sob a sombra das árvores. Quando me viu, se encolheu, como um cão ferido, arisco.

            -Elijah?

            Perguntei indo até ele e me ajoelhando na grama. Quando vi o jeito que ele dobrava-se sobre a barriga, não tive dúvida de que no dia seguinte, haveria uma nova marca de punho, logo ao lado da que começava a desvanecer.

            -Porque ele fez isso com você?

            Perguntei baixinho, ajudando-o a se por sentado. Ele apoiou-se em mim, lutando para recuperar o fôlego usado para arrastar-se por onde um rastro de sangue que surgia de sua boca levava para os fundos do laboratório. Ele pegou minha mão, esticou um dos indicadores e aproximou de minha boca, emitindo como resposta apenas um.

            -Shhh...

            -Klaus sabe disso?

            Ele fez que sim e tornou a repetir.

            -Shhh...

            -Porque, Elijah?

            Mas ele só repetiu novamente.

            -Shhh...


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