A Vilã Morre No Final . escrita por Liz03


Capítulo 34
34) Último dia de trabalho - Parte 2


Notas iniciais do capítulo

Demorou, mas é chegada a hora! Sim senhoras e senhores, o derradeiro capítulo o/ Sei que realmente demorou muito, e peço desculpas por isso, mas tive que estudar e tals, além do mais não quis apenas escrever, quis terminar com algo massa, escrever com inspiração, um final legal. Bem, acho que ficou legal, espero que vocês gostem e que satisfaça vocês!



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Olho para trás e vejo o Bugatti estacionado, ao lado o carro que acabei de – suavemente- roubar, já estávamos dentro da suntuosa estrutura. Ele está com um semblante um pouco assustado, confesso, porém, que fiquei surpresa, de todas as vezes que imaginei o momento que falaria a verdade (se ocorresse) sempre pensei que teria que obrigá-lo a vir comigo, apesar de revoltado e com ódio de mim admito que poderia ser bem pior. Chego a recepção e uso as informações de uma tal de Giorgina Prigogine , impressionante o que as pessoas deixam no carro. Entramos no elevador. Abro a porta. O apartamento não é tão luxuoso, cama com lençóis brancos, duas pequenas poltronas azuis, carpete verde. Giorgina está no banho e provavelmente não ouve quando adentro seu quarto. Faço sinal para que Tomás fique pelo corredor. Abro o guarda-roupa, a sorte não ajudou muito e percebo que nossa querida Giorgina é umas 20 vezes maior que eu, mesmo assim pego um vestido verde esmeralda, procuro mais um pouco e acho um terno verde e uma gravata rocha do possível acompanhante de Giorgina. Quem usa um terno verde com uma gravata rocha? O máscara? Deixo a gravata por lá mesmo. A porta do banheiro é destravada, fecho as portas do guarda-roupa rapidamente, corro evitando fazer barulho, fecho a porta suavemente, do outro lado ouço a porta do banheiro se abrir e passos andarem pelo quarto.

Tomás está na frente do elevador batendo o pé freneticamente no chão. Um senhor com óculos de meia lua está ao seu lado, seguro delicadamente o braço do calouro e, no momento que o toco, ele dá um pulo e solta o braço bruscamente, o simpático senhor encara discretamente, sorriu para ele que faz um gesto assertivo com a cabeça. Volto a segurar Daris pelo braço, é madrugada e os apartamentos costumam ficar fechados, pegamos o elevador, volto ao estacionamento, paro por um instante. Olho para as câmeras de segurança, o de sempre: esses serviços de segurança sempre enchem os lugares de câmeras sem necessidade, e no fim das contas sempre há....um ponto cego. Achei . Entre uma pilastra e a quarta vaga de umas das várias fileiras, faço-o acompanhar, quando chegamos ao ponto cego entrego o paletó verde.

– Veste – digo e começo a tirar meu vestido um pouco rasgado e sujo

– Por que? - ele examina a roupa – E... verde?

– Não dá para andar por aí sujo de terra e mato, e no seu caso com sangue do Tolói – respondo e ele examina o estado de suas vestimentas – E não achei outra – mostro o vestido G³ que vou ter que moldar

– É...

Uso o dente para rasgar o vestido, depois puxo o tecido com as mãos e faço uma fenda da barra do vestido até metade da coxa, corto a parte de trás para fazer um decote nas costas e pego o tecido retirado para ajudar a arrumar a cintura, pego um grampo de cabelo e furo o tecido para fazer pregas e disfarçar o volume extra de pano. Me agacho para arrumar o cumprimento, sinto que estou sendo observada e mudo o olhar de direção . Os olhos de Tomás Daris repousam sobre mim, mas quando percebe que eu reparei eles fogem e mudam de direção.

– Um pouco tarde para disfarçar que estava olhando neh? – volto a fazer pregas com grampos no vestido

– E-eu não...- abaixa os olhos por um instante, termina de abotoar a calça verde um pouco menor que ele – Desculpe, não foi querendo

Desculpe? Não consigo não rir .

– Daris?

– Hum?

– Não é bem você que tem que se desculpar essa noite, concorda? - responde com um leve aceno de cabeça - Além do mais - faço ajustes finais no vestido esmeralda - É bom descontrairmos um pouco agora porque o que vem pele frente é da pesada

– Descontrair?! Você tá brincando, né?

– Falo muito sério


Tomás olha para os vários carros no estacionamento. Pondera por um instante, nada diz, fecha os olhos absorto em seus pensamentos e logo está se vestindo de novo.


– No que está pensando? - passo as pernas pela vestimenta

– Elas vão saber se eu morrer?

– Sim

– Por quem?

Penso por um momento. Se o objetivo falhar completamente e morrermos certamente a família de Daris saberá de sua morte, no entanto, sei que não saberão da verdade, provavelmente vão dizer que ele foi morto pela polícia acusado de tráfico de drogas ou algo do gênero. Não seria a primeira vez que um pobre coitado tem a vida manchada por eles. Contudo, resolvo não contar isso a Tomás e tenho dois bons motivos: 1) O objetivo não vai fracassar,não existe essa possibilidade ; 2) Ele nunca fez ou viu nada , nem de longe, parecido com o que verá e participará hoje, não precisa achar que sua história vai ser desfeita em vista da mãe e da irmã.

– Autoridades – digo já dentro do vestido – muito provavelmente, mas não será necessário, você não vai morrer


O calouro sorri com o canto da boca, nega com a cabeça e passa as mãos pelo rosto, seus olhos estão cansados quando se voltam para mim. Quero abraçá-lo , na verdade, quero muito, desesperadamente. Diz enfim:

– É mesmo? – como aceno que sim com a cabeça ele continua – E como você tem tanta certeza?

Dou alguns passos em direção a ele. Respiro fundo. Bem, eu já lhe disse que Daris não morrerá, não hoje, mas da minha vida já não sei, então melhor apenas falar, não? Sem recalques, sem meias voltas, sem desculpas ou disfarces. Começo a abotoar e endireitar o paletó verde que já está vestido.

– A minha vida inteira – espio só por alguns segundos seus olhos atentos, não tenho coragem de sustentar seu olhar por muito tempo. Tenho sim toda coragem do mundo para morrer, para encará-lo não – Foi uma confusão, nunca pareceu nos trilhos certos. Eu sou o pior ser humano que você já conheceu.

“ Quando as pessoas estão prestes a entrar numa briga elas pensam naquilo que elas têm a perder família, amigos, dinheiro, que seja, mas eu nunca tive nada. Nada. Nem dinheiro, porque o que eu ganho como agente consigo estragando a vida de outras pessoas, então não é bem meu dinheiro entende? Mas você , Tomás, me deu algo a perder, alguma coisa pra segurar. Eu não vou permitir que nada acabe com isso. Só confie em mim, está bem? Você vai volta para casa, vai abraçar sua mãe, vai dar um beijo de boa noite na Sofia, se divertir com seus amigos, e namorar com aquela idiota brasileira ou com qualquer outra que você queira, e ter alguns filhos, vai abraçá-los se eles tiverem medo do escuro, vai ter um Natal feliz em família, ficar velhinho e cheio de netos e histórias para contar. Talvez um dia você conte a eles da história de hoje, talvez eles achem que você já está caducando.”


Tomás torce a boca, franze as sobrancelhas. Sorri. Novamente, não diz mais nada, mas não precisaria, o sorriso sincero já me valeu todas as palavras que ele poderia dizer.

– Fecha o zíper do vestido por favor? – viro e sinto seus dedos conduzirem o zíper por minhas costas

Pego as armas no carro, entrego duas a Daris, e fico com outras duas.

– Toma bota na cintura – entrego a SOG daggert, minha faca de combate protegida por uma capa – Dá sorte, e pode ser útil

Examina a peça, puxa o cabo e vê a lâmina preta com alguns dentes proeminentes no fim.

– Fica com você

– Não, quero que você fique com ela

– Nina...- olha a lâmina preta com receio – eu não quero ter que usá-la, não quero matar ninguém...

– Você não tem escolha, é a sua vida ou a deles, está bem? Não são civis, Tomás , são criminoso, assassinos, você vai matar para viver, sobreviver é uma ótima justificativa, ok?


Acena que sim com a cabeça. Voltamos para o hotel, Tomás carrega uma mochila com os brinquedinhos. O primeiro passo será descobrir a localização da caixa preta de acordo com as coordenadas, mas não dá para sair por aí jogando caça ao tesouro num hotel cheio de gente. Vamos até o bar, sentamos numa mesa perto da janela, no canto do recinto. O garçom se aproxima. Peço dois martines. Explico a Tomás que precisamos manter a descrição. Digo que pegue o Ipad dentro da bolsa. Eu mesma o ligo, mando uma mensagem para Gerrard.


Chegamos ao local, como anda a invasão?

Enquanto espero a resposta entro num site chamado GTFO, sigla em inglês para Get The F*ck Out, um tipo de point de encontro de hackers, existem vários artifícios, salas de bate papo, sites relacionados, tutoriais,enfim, como já dito, um point. Procuro um link em específico, clico. O site que acesso está atrelado a um software que faz uma leitura do local através de outros aparelhos eletrônicos residentes. Em alguns minutos terei um mapa virtual do hotel, assim poderei digitar as coordenadas e saber onde a caixa preta está.

Agora falta pouco, Svec disse que no máximo em 1 hora ele terá tudo o que você quiser


Olho o relógio do tablet, 01:29 a.m . Eles devem estar chegando nos próximos 30 minutos. Isso significa que tenho meia hora para achar a caixa preta e pegá-la, mais meia hora para ficar viva e cuidar para que Tomás também fique, depois que eu tiver o domínio do sistema e a posse da caixa preta a garantia será selada.

Está bem,mas diga a ele que tente fazer em menos


O rastreamento estava em 43%. Só restava esperar. Pego a taça de martine e molho um pouco a garganta.

– E aí, como estamos?- diz olhando para o tablet

– Dentro do planejado, no momento, estamos esperando um mapa virtual carregar e o Svec concluir a invasão

– Huum...- beberica um pouco do drink – Acha que alguém vem mesmo atrás da gente?

– Daqui a pouco eles chegam

– Huum...- mais um pouco de bebida


67%. Daris fica balançando o copo fazendo o líquido girar, mas ele não está realmente ali, está em outro lugar, viajando com seus pensamentos para algumas lembranças. O cabelo está um pouco bagunçado só que é um bagunçado que combina com ele. Olhos ligeiramente arregalados e vagos. Lábios contraídos. 84%. Levanta os olhos e me vê encarando. Ergue as sobrancelhas como questionasse.Dou de ombros suavemente. 95% ....97...99...100%. . Digito as coordenadas e o mapa me mostra a famosa pista de corrida que fica acima do quinto andar, no alto de 24 metros, na época em que funcionava aqui a fábrica da Fiat a pista servia para testar os carros,fizeram-na no topo do prédio para que a concorrência não visse os lançamentos. Sua forma consiste em duas retas ligadas por curvas parabólicas. Guardo o tablet e deixo o dinheiro debaixo da taça de martine.

– Vamos – digo e gesticulo para que Tomás levante

Vamos até o elevador. Ao chegar ao quinto andar um segurança guardava uma porta no fim do corredor que dava acesso às escadas para chegar à pista. Detenho Daris com o braço, dobramos antes que o segurança perceba nossa presença e nos encostamos numa coluna onde alguns homens de paletó esperavam o elevador com suas madames, nesse andar existem pouquíssimas portas, somente suítes de luxo. Caminhamos até um corredor.


– Escute, temos que passar por aquele cara – sussurro e entrego a mochila a ele que escuta atento – Eu vou até lá, vou distraí-lo, vou entrar por aquela porta e botar o cara pra dormir e ...

– Como? – Ele olha questionando mas logo mexe a cabeça – OK, entendi

–...quando ouvir a porta bater conte até trinta e entre discretamente, certo?


Faz que sim com a cabeça. Solto o cabelo, coloco as mãos por dentro do sutiã e ajeito os seios no decote, estalo o pescoço, dou meia volta e olho para o homem de braços rentes ao corpo que esbanja desconfiança. Sorriu, mas ele não reage.

– Por que tão sério? – digo e passo a mão suavemente pelo queixo dele


Não demora muito e ele cede. Abre a porta com um cartão magnético, tenta fechar mas deixo o salto do sapato preso sem que ele perceba, o sapato sai do meu pé, mas como ele está olhando para qualquer lugar do meu corpo menos para o meu pé....

Cerro os punhos e bato em suas têmporas e depois uma joelhada no queixo só para me assegurar de que ele vai apagar por um bom tempo. Tomás não tarda a abrir a porta e vê o homem escorregando para o chão, desmaiado. Como não temos tempo para drama tranco a porta e puxo o braço de Tomás apressando-o. Subimos alguns degraus até chegar na pista.Andar pelas retas era tranquilo, mas para caminhar pelas curvas era preciso de apoio,já que as curvas eram inclinadas,talvez justamente por isso o tablet informasse que lá estava a caixa preta. Pego uma corda na mochila, amarro na minha cintura, coloco um óculos próprio para proteção, no caso de serviços como o de hoje.


– Segure firme - digo pondo a mochila nas costas, entregando o tablet e a ponta da corda – Vá me guiando


Corro pela beirada da curva com a mão esquerda tocando barreira de proteção.


– Pera!Pera! - diz já a alguns metros de distância – Só mais um pouquinho pra lá...


Sigo em frente, agora em um ritmo mais lento. Escuto-o dizendo que eu vá mais para baixo, então desço com os joelhos semi-flexionados para não escorregar com a inclinação da curva. Quando escuto um “é aí” perceptivelmente aliviado abro o zíper da mochila e pego uma furadeira modificada, no lugar que originalmente ficaria uma broca que rodando faria um furo, agora fica uma estrutura metálica como a de uma picareta, ligo e ouço o pequeno motor zunir em meus ouvidos, quando há o contato entre o metal e o asfalto rapidamente este acaba cedendo, primeiramente surgem rachaduras, depois pedaços começam a cair, a terra vai surgindo e logo se esvaindo. Não demora muito e um som estridente ecoa, som de metal tocando em metal, desligo o motor e faço o resto do serviço com a mão, consigo alcançar a caixa metálica e tiro-a dali.Guardo a furadeira na mochila e volto com cuidado para a beirada da pista, chegando lá posso voltar a correr.


– Que horas são? – digo e me ajoelho para retirar a caixa metálica da mochila

– Duas e 15 – responde olhando para o tablet – É isso a caixa preta?

– É o que está dentro disso – abro um pequeno compartimento da caixa metálica, tiro um vidrinho da mochila e despejo o conteúdo vermelho na caixa

– Isso é sangue?


Eu não tinha muito tempo para explicar que recolhi alguns mililitros do sangue de um homem que era também agente, mas que por ter quebrado regras da agência foi descartado, mandaram-me matá-lo e o fiz obedientemente. Contudo, devido ao momento turbulento alguém esqueceu de reconfigurar o acesso à caixa preta , assim o sangue do guardião ainda funcionaria, resolvi quebrar algumas regras eu mesma e colher um pouco de seu sangue, só por garantia. E ainda bem que eu quebrei as regras. Mas como já dito não havia tempo para tantas palavras, logo, respondi apenas que sim e assisti à caixa metálica zunir suavemente e abrir-se. Lá estava ela, a caixa preta, que na verdade, se assemelhava mais a um HD externo do que a uma caixa preta de avião, por exemplo. Tiro um cabo USB da mochila e conecto a caixa preta ao tablet. Começo a copia de dados e a sincronização que mandaria as informações para autoridades com apenas um toque.


–Agora nos restava somente esperar. Esperar o carregamento das informações e esperar por eles- mal termino de falar e ouço um barulho abafado a frente

Então é chegada a hora.

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Quando ela conectou o USB ao Ipad achei que era isso, que tínhamos conseguido. Não deu nem tempo de comemorar, foi como seu eu não estivesse lá de verdade, sabe? Como se alguém estivesse me contando o acontecido, tão rápido e tão surreal. Tudo num piscar de olhos. Nina levantou o olhar por um instante, seus olhos estavam alertas, sentidos aguçados. No segundo seguinte ela se atirava em minha direção, rolávamos um pouco pelo asfalto, estávamos sendo alvejados por uma chuva de tiros. Flashes luminosos que passavam a centímetros de nós. A capitã , ou a agente, como queira, posicionou-se por cima de mim e do tablet, jogou uma bomba de gás na direção deles. A fumaça era asfixiante, meus olhos ardiam tanto que não conseguia deixá-los abertos, Nina me puxou pelo braço e corri sem nem enxergar o caminho, descemos escadas, viramos corredores e finalmente paramos. Esfreguei os olhos freneticamente, ainda ardia um tanto quando consegui abri-los. Croce estava olhando para os lados com a arma na mão e a mochila nas costas.

– Cadê sua arma? – diz entre dentes, pego-a na cintura, destravo e fico preparado para atirar- Fica com isso – me entrega a mochila – A caixa preta está aqui, ainda não sincronizou, eu só preciso de uma oportunidade para negociar, e você não fraqueje. Atire.


Meu coração está batendo tão forte no peito que chega a doer, mas dor é privilégio de quem pode sentir. Escuto passos chegarem lentamente, ela também escuto e vamos nos distanciando deles lentamente indo paro o lado oposto. Não tarda e outros passos vem na outra direção. Nina Croce arromba a porta de um carro. Agora os passos correm seguindo o barulho, corremos também, entramos no cômodo ela abre a janela e indica com a mão que eu passe pela janela, resisto no primeiro momento, mas convenço-me por conta própria e passo as pernas para o lado de fora. O vento faz o paletó balançar, cometo o erro mais comum: o de olhar para baixo, a vertigem traz consigo um pouco de tontura, mas sigo me agarrando na estrutura externa do edifício, estamos escalando o hotel por fora, descendo. Nina quebra uma janela com um chute e com mais alguns pontapés está dentro de um apartamento, entro em seguida. Um homem e uma mulher nos olham espantados sobre os lençóis, mexo as mãos e tento balbuciar um pedido de desculpas, mas Croce já está do lado de fora com olhos irritados com minha demora, me apresso.


Vamos pelas escadas e até encontramos dois homens armados pelo caminho. Mas a Capitã elimina-os antes mesmo que eu tenha tempo de lembrar da arma. Chegamos ao primeiro piso e, de súbito, ela para. Meu coração bate com força e desespero. Nina pede para que eu veja a sincronização do tablet. 48% . Avisa-me que precisamos manter em descrição e diz-me que a siga.


Não quero ser discreto, quero estar vivo!


Saímos das escadas e imediatamente vejo homens de terno preto espalhados, com olhos pregados em nós. A Capitã vai caminhando calmamente para a saída. Os homens vão se aproximando, se compactando em nossa direção. Adentramos o estacionamento e, distraído pela tensão do momento, demoro alguns milésimos de segundo para entender que também devo correr quando ela dispara entre os carros, largando os sapatos de salto pelo caminho. Atira em direção aos homens que, obrigados a escapar das balas, perdem-nos de vista, nos encostamos na lateral de um veículo.


– Daris, ouça bem, ouça bem mesmo– diz ainda vigiando – Primeiro, eles vão tentar matar você,mas como não vão conseguir vão saber a hora certa para tentar fingir que são seus amiguinhos, não são está bem?!

– Claro, eu sei que não são – digo com uma careta que era para ser de graça incrédula, mas deve ter ficado de “hora H de filme de terror”

Os olhos verdes pousam em mim por segundos, encaram-me, estão realmente assustadores esta noite, devo dizer. “Não são” , repete apenas num sussurro antes de voltar à ação. Olho-a mais um pouco, cabelo meio preso, meio desgrenhado com alguns fios pregados na testa pelo suor , lábios apertados, olhos semi-cerrados, a fenda do vestido verde esmeralda escorregava e os músculos da coxa ficavam aparentes.

Se eu fosse um bom contador de histórias, muito provavelmente, contaria em detalhes o acontecido. Deveria dizer tudo, tudinho, como resistimos bravamente (resistimos leia-se ela lutou e eu fui seguindo) até os últimos segundos de confronto; mas a luta já começou com o resultado traçado. Eram dois contra 10 que se tornaram 15, em pouco tempo, já eram 25. Quando o número passou de 40 resolvi parar de contar. Atirei em alguns homens, no momento mais crítico de uma disputa direta, vi meu oponente atirar e não tive tempo de reagir, apenas de desviar, mesmo assim o projétil me atingiu, demorei alguns segundinhos para perceber que sentia apenas uma pressão na área da bacia, percorro a área com as mãos e, se as ocasiões fossem outras, eu riria, sinto a lâmina da “faca da sorte” que insisti em não trazer, mas que Croce insistiu. E eu já tinha quase me esquecido do meu oponente quando viro aflito com a arma pronta para acertá-lo quando vejo seu corpo no chão e Nina por perto. Sempre por perto. Na verdade, eu não cheguei a lutar de verdade, porque de qualquer jeito ela estava lá.


Pois é, se eu fosse um bom contador de histórias deveria dizer muito mais, mas como já está óbvio, não sou. Vamos pular algumas cenas de ação, pulemos até as cenas finais. E vamos ao saldo.

Eu: Roupa rasgada e suja; nariz meio torto depois de tentar correr, escorregar e dar de cara no chão; tornozelo direito torcido pela mesma razão; ouvidos zunindo pelos tiros disparados.

Nina: Bem, eu sabia que antes ela estava de vestido, agora restavam trapos de tecido verde esmeralda em algumas parte do corpo; a boca sangrava; o nariz sangrava; a coxa esquerda-sangrava- tinha uma bala cravada o que não permitia que ela colocasse a perna no chão sem uma dor aguda; e com certeza havia algo de errado com o braço direito, arroxeado, esverdeado e avermelhado.

Eles: Alguns mortos, alguns feridos, muitos inteiros.

Carros do estacionamento: Alguém vai ter problemas com o seguro.


Cena final parte 1:

Um helicóptero preto pousa no estacionamento. Um senhor já com seus 70 anos desce, paletó preto,charuto na mão. Se aproxima. Imediatamente todos os outros pararam como se reconhecessem a chegada do líder da matilha, olho para Nina Croce e ela está igualmente parada, corpo rijo, punhos cerrados. O velho homem olha para mim.

– Boa noite, Tomás – confere o relógio com um risinho quase simpático no rosto, o ato de sorrir faz as rugas do canto dos olhos ficarem ainda mais unidas – Na verdade, bom dia – mais um sorriso

Olho para a Capitã que examina a cena com um olhar atento, ela gesticula com a cabeça indicando que devo prosseguir. “Boa noite” resmungo, não tenho certeza se a voz foi realmente audível, mas o senhor continua.

– Eu gostaria de me desculpar por esse terrível incidente, lamentável engano

– Engano? – digo por inércia

– Sim, claro – o senhor conserta o paletó – Lamento bastante, você foi vítima de um...equívoco nosso. Esta...- olha para Nina - ...esta...subversiva, foi um contratempo da nossa Agência. Tentamos. A resgatamos da sarjeta que era a vida dela, acolhemos, treinamos, demos chances, mas ela não soube aproveitar. Parte por irresponsabilidade própria, parte por problemas psicológicos, que , infelizmente, só viemos a detectar depois.

Buggiardo,cuglione – a Capitã tenta se aproximar mas homens de paletó a seguram e ela sabe que é inútil reagir, mas prossegue praquejando– Figlio di una puttana! – o senhor a minha frente parece entender italiano (se bem que esse último até eu entendi)


O senhor desvia a atenção de Croce para mim novamente.

– Viu? É completamente louca – passa a vista por ela antes de virar-se para prosseguir – Uma doente mental, temos vários relatos de psiquiatras que comprovam que Emiliane Cortez tem sérios distúrbios. Uma dose de esquizofrenia, um quê de psicopatia, vários transtornos obsessivos....

– Eu vou lhe matar com um tiro no olho seu porco imundo! Mas antes vou lhe capar com uma faca cega, está me ouvindo?- ela berra e é mais uma vez ignorada

–...o que provavelmente ocorreu foi o seguinte, ela desenvolveu um processo de posse compulsiva por você, teve um surto depois de tanto tempo servindo como agente, inventou pessoas, histórias, e tudo mais. Quando, na verdade, o que ela queria era lhe dar um bom motivo para ficar com ela. Tomás, não precisa me falar, mas pense bem, Emiliane Cortez parece uma pessoa normal? Ah, ela também inventou que o nome dela é Nina... Croce se não me engano? – o homem sorri como se percebesse a travessura de uma criança – Olhe para ela e reflita.


Um silêncio de partir os ossos cai no meio dos carros. Sinto meu corpo gelar, mantenho uma mão dentro da mochila segurando o tablet – que já está com a sincronização concluída – e mantenho também os olhos no senhor a minha frente. Não que seja uma visão muito agradável, mas eu só não posso olhar paro o lado e vê-la. Não conseguiria nem que eu quisesse, essa mulher é um poço de mentiras a ponto de não existir? Mais ainda! Uma doente? A pessoa com quem eu convivi nos últimos meses é um personagem oriundo de uma mente doente? Não...


Contudo, reparando bem, não parece um absurdo tão gigantesco. Quantas vezes não entendi o comportamento da “Capitã Cortez” , ou seja lá o nome dela? E o que é mais simples: Uma mulher ter problemas mentais ou existir uma rede complexa de agências espiãs que recrutam pessoas e escolhem alvos aleatórios? Pois é...De repente as coisas fazem mais sentido do outro lado da linha. Tudo está tão certo que agora tenho uma necessidade irrefreável de olhá-la. E lá está ela, me olhando também, a boca suja de sangue está fechada, nada a diz. Estranho, tanto a dizer e nada a ser dito. Percebendo meu olhar insistente ela inclina a cabeça, seus olhos se arregalam questionadores, a boca se abre parece querer dizer algo, mas fecha-se. Abaixa a cabeça por um instante, volta a olhar para mim.

– No... –suspira e nega freneticamente com a cabeça – NO!

Parece um animal feroz acuado, poderia jurar que ela rosna, mostra os dentes ensanguentados e é contida pelos homens de paletó.

Louca.


Pálpebras semi-cerradas, punhos fechados, para de debater-se sobre os braços dos que a seguram. Subitamente, para.


Louca.


Nenhuma palavra em defesa própria, nenhum argumento que contraponha sua insanidade.


Louca.


– Devo adverti-lo, no entanto, que as consequências não são, de modo algum, devaneios de uma mente desequilibrada – O velho senhor tem minha atenção novamente – São reais. O que você tem em posse, Tomás, é um objeto muito perigoso e traiçoeiro. Então, peço que me devolva para que vidas sejam poupadas e para que possamos acabar logo com essa série de terríveis acontecimentos – diz e estende a mão para que eu faça o que deve ser feito

Ainda meio tonto dou alguns passos em direção ao simpático senhor. Paro. É minha vez de abaixar um pouco a cabeça e pensar, só por alguns segundos. Muitas imagens invadem minha mente, muitas lembranças boas e outras nem tanto. Até hoje, se você tivesse o interesse em me perguntar, não saberia responder ao certo porque fiz o que fiz.

Olho para o tablet dentro da mochila, toco na opção ‘enviar’ e coloco-o novamente dentro da bolsa. Tenho que conseguir tempo suficiente para a informação ser enviada para todos destinatários, há algum tempo percebi que isso está fugindo um tanto do plano então resolvo improvisar.

– O senhor diz – paro no meio do caminho e vejo o descontentamento brilhar na cara dele, mas sabe que não tem escolha, que deve me ouvir já que tenho um “objeto muito perigoso e traiçoeiro” em mãos. O que ele não sabe é o que já estou fazendo – Que isso aqui – balanço a mochila – É muito importante, mas eu poderia saber por quê? Bem, acho que tenho o direito depois de todo – alongo bem a palavra ‘todo’ para fazer um drama e ganhar tempo – Esse engano. Concorda?

Agora é o velho homem que rosna, mas é discreto, pigarreia e procede.

– As informações são sigilosas, sinto muito – ajeita meticulosamente a gravata, até penso que não vai falar mais nada – Isso eu não posso lhe dar , tem muitas outras coisas, no entanto, que darei com satisfação, coisas muito mais valiosas para você – arruma novamente o paletó – e para sua família

– Pra mim e pra minha família? O que por exemplo?

“Que essa desgraça carregue logo. Que essa desgraça carregue logo. Que essa desgraça carregue logo.”

– Ora, meu jovem, dinheiro! – sorri e as rugas dos olhos se unem novamente – E também uma boa casa em seu país, assistência quanto à segurança, você tem uma irmã pequena, pois o pagamento da escola dela, qualquer que seja, estaria paga pelo tempo que precisar

Se ele pretendia ganhar pontos comigo falando da minha irmã não funcionou. Saber que aquele homem tinha conhecimento da minha família só me deixou mais nervoso. Além do mais claramente ele está tentando me comprar, e não, isso não me agrada nenhum pouco. Tento sorrir para disfarçar meu receio.


– Tomás, preciso que você me dê a mochila agora


Antes que eu pense em algo para responder o tablet apita dentro da mochila. O senhor arqueia as sobrancelhas, balança a mão a frente do corpo para que o entregue.

– Espera eu ver o que foi...- abro coloco a mão dentro da mochila

– Tomás! É importante que você me entregue, já! – diz com a voz ríspida chegando e a amigável saindo


Mais uma vez vou provar por A+B² x J = L , que sou um péssimo contador de histórias. Mas é que o tempo ruge e suspense faz mal para osteoporose. Você já deve ter sacado que o “apito” do tablet significou a conclusão do envio, né? E que agora pessoas importantes sabem de informações perigosas, confere? Só um palpite, você já percebeu que o bom senhor está um pouco nervosinho e impaciente, estou certo?


Pois é...isso mesmo, e agora vou complementar suas respostas. As informações foram enviadas para destinatários que a Capitã escolheu, e ela optou por chefes de Estado, agências rivais, altas cúpulas de vários exércitos, e setores de inteligência de vários países. E posso garantir que essa rapaziada não ficou muito contente com as informações descobertas. O senhor desistiu de bancar o bonzinho e foi bastante convincente quando disse : “Você tem duas escolhas rapaz: me dar a mochila vivo ou me deixar pegá-la quando estiver morto”. O rosto do homem se transformara, nada de ruguinhas simpáticas e sorrisinhos, não. Um olhar determinado e frio apoderou-se. O medo fez minhas pernas bambearem, porém antes que eu tivesse tempo de ficar completamente desesperado um som distante se aproximava. A priori não reconheci. Mas era óbvio! As luzes piscavam no céu e indicavam o segundo helicóptero da noite. Gostaria muitíssimo ser um bom contador de histórias agora, mesmo que fosse não tenho bem certeza se seria capaz de retratar a magnificência da série de acontecimentos. O helicóptero esperou se aproximar mais para disparar vários projéteis em direção a nós, vi o senhor se refugiar entre os carros e tirar do paletó uma arma, vi também alguns homens de preto caírem baleados outros revidando, o helicóptero fazia círculos no ar e continuava o tiroteio.


Cena final parte 2 :

Não quis ver mais nada daquele cenário, me joguei para longe desviando dos projéteis, rolei segurando a mochila, me encostei na lateral de um dos carros. A essa altura do campeonato o interior do hotel estava um frisson, hóspedes e funcionários refugiavam-se, gritavam, os poucos que tentaram sair ou voltavam frente ao caos no exterior ou foram baleados e seus corpos ficaram por lá mesmo. Pensei em sair correndo para a rua, mas do que adiantaria ficar exposto ao ar livre? Resolvo então entrar no hotel, misturar-me a multidão em pânico. Rastejo e rolo pelos carros para me aproximar da entrada. Consigo enfim entrar, o caos é angustiante. Vou até o restaurante, inevitavelmente, me chocando com os homens e mulheres que correm para lugar nenhum. Pulo o balcão de atendimento, atravesso as portas e chego a cozinha, percorro o lugar com os olhos, caminho com passos indecisos até achar um porta. Abro-a e descubro a dispensa, com algumas estantes contendo alimentos. Vou até o fundo do cômodo escuro. Me espremo entre o fim de uma estante e a parede, deixo o corpo cair. Sento no chão e, ainda um tanto trêmulo, ouço meu coração pulsar com urgência. Acho que prestei muita atenção no barulho do coração e, muito provavelmente, por isso não tenha ouvido os passos se aproximarem, em minha defesa devo dizer que eles cuidaram para não serem ouvidos.

Quando ainda estava me esforçando para inflar os pulmões um vulto segurou minha boca calando-me. Senti meu corpo petrificar. Estava acabado. Tentei sair dali, empurrar o vulto que ainda não conseguia enxergar na penumbra, mas fui contido. Tentei acertar o vulto com a faca, e sabia que se meu adversário tivesse uma arma e atirasse a distância que estávamos meu fim seria mais que anunciado, teria uma pré-estréia. Mais uma vez meu movimento foi em vão. Então a sombra se aproximou, e senti meu miocárdio contrair-se com força e parar num repente. Nem que estivesse morto, debaixo da terra e comido pelos vermes da putrefação eu deixaria de reconhecer aqueles olhos. Verdes. A faca caiu da minha mão e estalou no chão, ela a pegou e me devolveu. Tirou a mão da minha boca.

– Você está bem? – sussurrou

– Unhum – murmuro sem conseguir formar uma palavra

– Ótimo, vamos sair daqui


Levanta, faço o mesmo e ponho a mochila nas costas. Nina...digo, Emili... A coisa mais estranha que já conheci me dá uma arma, fico satisfeito em ter algo melhor para me defender, mas não sei se devo confiar numa mulher que não sei nem se bate bem da cabeça. Contudo, ficar esperando que outro psicótico me encontrasse na dispensa também não parecia uma boa estratégia de sobrevivência. Sendo assim, decido que irei com ela até quando achar que estou seguro. Olha pela porta entreaberta e examina a cozinha, deserta, saímos. E é sobre a luz que posso ver , de perto, que o estado dela não é muito bom. Mancando de uma perna, arranhões por toda a parte, sangue misturado com sujeira pela pele. Não percebi que tinha parado de andar com o choque de seus ferimentos até que ela olha para trás. Havia reparado os ferimentos do rosto há algum tempo, mas agora mais próximo quase senti dor só de olhar. Leio seus lábios feridos que se mexem num “vamos” . Saímos da cozinha e chegamos nos fundos do hotel, um caminhão de entrega de refrigerantes está parado na área de carga e descarga, o pobre motorista deve estar na confusão da recepção. Ela corre , ou o melhor disso quando se tem uma bala na coxa, e vou atrás.


A saída pelos fundos foi épica. Quebrando um muro, atropelando homens de paletó, o problema é que no meio tempo em que fiquei na dispensa a zona se intensificou mais destinatários das informações da caixa preta tinham mandando seus representantes muito bem armados. E estavam tão preocupados lutando uns contra os outros que os que vieram atrás de nós foram minoria, com uma boa dose de atropelamentos o caso foi resolvido. A essa altura Croce/Cortez/O que seja , acelerava um caminhão de refrigerante pela auto estrada. Olhei pelos retrovisores uma série de vezes e depois de não achar ninguém vindo atrás de nós já sentia o gosto da vitória. Da sobrevivência.


– Para onde vamos? – digo

– Para um lugar seguro para você

– Não tem ninguém vindo, já olhei algumas vezes, nada

– Já olhou pra cima?


Cima? A pergunta me pega de surpresa e me aproximo da janela, entortando a cabeça, uma luzinha vermelha ia piscando conosco.

– O que...?

– Estão vindo, só não estão atirando


Meu contentamento durou pouco.

– É aquele velho de antes?

– Não. É alguém que aceita negociar, vão entrar em comunicação em breve


Não completou-se um minuto quando o rádio de comunicação do caminhão tocou.

“Agente 239?”

–Câmbio

“ Situação”

– Um acompanhante vivo, apenas um pouco machucado. Eu estou com problemas na coxa e em alguma costela

“Proposta”

– Tenho mais informações a fornecer, sei de muito mais, coisas que vocês também deveriam saber. Minha condição é a vida do acompanhante.

“Grau de envolvimento do acompanhante”

– Civil inocente e envolvido

“ Aceito”


Ainda disseram um endereço, um posto policial na cidade vizinha onde deveríamos parar. Garantiram que acompanhariam o caminhão até o local, prometeram segurança e disseram que minha vida seria preservada se ela cumprisse com o trato. Me dei conta que estávamos negociando com homens da lei, e eu não sabia que homens da lei negociavam, mas o fazem. Quis muito perguntar a ela mais coisas, mas só consegui questionar uma coisa. Depois a resposta calou minha voz e acendeu meus pensamentos.

– Por que você não pediu pela sua vida também? – disse sem olhar para o lado, preferi acompanhar os primeiros raios de Sol surgirem

Cortez (vou chamá-la assim porque foi esse o nome que conheci primeiro e por mais tempo), tira completamente a visão da estrada e pousa os olhos verdes iluminados pela luz matinal em mim. Não estão mais assustadores, estão cansados, porém fortes, desgastados, embora ainda resistentes. Se eu tivesse que apostar entre “Não sorriu” e “Sorriu” apostaria na segunda opção, realmente me pareceu um sorriso, mas também pode ter sido uma careta de dor.

– Porque nem que eu soubesse todos os podres do mundo bastaria para pedir pela minha vida – volta a mirar as listras amarelas do asfalto – E eu não mereço

De algum modo aquilo soou muito triste e verdadeiro. E naquele minuto não me importava se ela era uma louca, uma agente, uma falsa Capitã, porque naquele instante ela era a Emi. A mulher mais esquisita que já conheci. E que eu mais amei também. Agora, ela só parecia desprotegida, e vai ver foi a gratidão por salvar minha vida, foi resto de amor ou sentimentalismo barato, mas eu entreguei minha correntinha de oura que estava comigo desde o aeroporto, com um pingente escrito “Para Tomás, Sofia e mamãe”.

– Acho que você merece isso – me estiquei no banco da caminhão e pus em seu pescoço

Volto ao meu lugar. Ela tira uma das mãos do volante e toca o pingente, balança a cabeça.

– Não mereço – olha para mim com algo que eu chamaria de ternura- Mas você sempre foi generoso, além de ser o maior bobo que conheci

O resto do caminho fizemos em silêncio.


Chegamos ao posto policial. Primeiramente, ficamos trancados numa sala esperando, depois ela foi chamada e eu fiquei sozinho. Um bom tempo depois fui chamado para depor. Cortez exigiu que o interrogatório ocorresse em sua presença, assim o foi. Disseram-me que estava liberado, porém pediram que aguardasse mais um pouco.

– Sr. Daris, preciso que fique aqui mais um pouco, estou chamando reforços para cuidar de sua segurança pessoal – o chefe de polícia levantou, saiu de trás de sua mesa e veio apertar minha mão – Já chamei uma enfermeira para cuidar de seus ferimentos


Assenti com a cabeça. Então ele foi em direção a ela que estava encostada na parede. Segurou a pelo braço e já estavam fora da sala quando resolvi perguntar.

– Para onde vai levá-la? – digo já levantando do sofá preto e indo em direção à porta

– Para a cela

– Como?

– Vai ficar na cela junto com outros presos até que as autoridades internacionais cheguem

– Só que ela não pode ficar presa – digo e depois reflito minha frase, corrijo-a – Pelo menos não ainda, precisa ir a um hospital, olhe isso – aponto Cortez de cima a baixo

– Se consegue respirar é porque está viva – ele parece um tanto impaciente – Uma criminosa precisa estar numa cela, não no hospital

– E um chefe de polícia deveria saber mais de direitos humanos – falo nem ligando por estar gritando – Mas se nem disso você sabe imagine de medicina – chego mais deles – QUALQUER ESTÚPIDO PERCEBE QUE ELA PRECISA IR PARA UM HOSPITAL, ATÉ VOCÊ!

– ORA, CALE-SE!

– Tomás, sente-se no seu cantinho e fique quieto- Ela diz entre dentes – E você não escute, ele só está nervoso, vamos logo com isso!


O chefe de polícia já ia virando as costas e seguindo caminho quando interrompo.

–Então eu também quero ser preso! Sou um criminoso, vamos me prenda!

– Prender você? Por que infração?


Caminho para perto deles e desfiro um senhor soco no nariz dele. O homem cai e geme de dor. Sei que sou um idiota, mas ainda assim um idiota orgulhoso do próprio soco. Emiliane me empurra para a parede e segura a gola da minha camisa com uma mão, com a outra segura meu pescoço quase me estrangulando.

– Seu demente, vá embora agora. Você entendeu? – aperta mais meu pescoço – Não vou permitir que jogue fora todo o trabalho que tive pra deixar você vivo. Não vou, escutou? Saia daqui.Já! Daqui a pouco eu mesma mato você.

Riu, mas com meu pescoço sendo apertado me engasgo, tento tossir O oficial já está de pé. Com o nariz e a camisa com sangue. Bem, o resultado final é que também fui detido, haviam duas celas uma de frente para outra, fiquei na da esquerda. Éramos eu e um bêbado que dormia. Sentei perto da grade e tentei limpar os machucados. O problema foi que colocaram a Cortez junto com um certo senhor de rugas ‘pseudo-felizes’ também recém-capturado. Alguns dias mais tarde, descobri que seu nome era Hockbak. O outro problema foi que, como eu e você já sabemos a Agente 239 cumpre o que promete, e ela só esperou o oficial voltar para sua sala, retirou uma arma que até hoje não sei de onde e viu os olhos do senhor se arregalarem, ele até pensou em gritar, mas a arma mirada em sua cabeça calou-o. A próxima cena eu já havia lhe contado faz um tempinho, mas talvez agora faça muito mais sentido, vamos lá:

– Emi, Emi, por favor... – Sinto o sangue escorrer frio pela cabeça – Não atire, não atire...por favor... – Eu devia parecer mais seguro, mas o contato com a morte assim tão de perto faz minha voz soar mais chorosa do que eu desejaria

– Sinto muito Tomi, sinto muito – destravou a arma - Eu pedi, eu pedi – uma lágrima escorregou pelo rosto da Capitã – Mas você ficou...você ficou

– Por favor...Emi por fa...

Um único disparo foi suficiente para calá-lo. Um tiro e tudo estava acabado”

Como você percebeu, eu implorei que ela não fizesse, mas poucos minutos após deixar o local das celas o oficial de justiça voltou apressado. Não demorou e retiraram o corpo de Hockbak. O corpo frio morto, como prometido, com um tiro no olho. Cortez ainda praguejou “faltou a faca cega, velho imundo”. Passei o resto do tempo olhando para o chão e com a cabeça rodando. Logo fui levado dali, já nem me interessava para onde. O bêbado também foi retirado, temiam que ela atentasse contra a vida dele também.


Emiliane Cortez, pelo que disseram, foi levada dali por autoridades internacionais.  Dizem que houve um acidente de carro no caminho onde ela se feriu gravemente e foi levada ás pressas para o hospital. A outra versão que descobri dizia que deram-na uma surra. Algum tempo se passou até que ela tivesse condições de andar e respirar sozinha. E depois disso, bem, você também já sabe:


Ouviam-se os burburinhos, vozes agitadas comentavam a todo momento, afinal, já eram 2 dias de julgamento. O juiz e os homens e mulheres do júri voltaram para seus lugares. Pedem silêncio. As palavras cessam aos poucos. O juiz pega o microfone e começa a leitura da sentença:

‘De acordo com a decisão dos senhores e senhoras do júri, e desse juiz de Direito que vos fala, Nina Croce é considerada culpada. Não apenas pelos diversos crimes cometidos contra várias pessoas, mas sim por crimes cometidos contra a humanidade. Sua pena deve ser de uma reclusão perpétua sem contato com quaisquer um , salvo o contato necessário com funcionários da penitenciária. É mister esclarecer que só não é decretada pena de morte porque o júri reconhece a perturbação psico-emocional da réu, psicologicamente incapaz de ter um comportamento diferente do que foi apresentado. Entende-se que Nina Croce é um perigo para a sociedade, não tendo qualquer instinto de preservação, tendendo sempre para a autodestruição(...)’

O homem continuou a falar, mas eu já não ouvia nada. Olhei para ela sentada junto ao advogado que eu consegui arranjar. Ela apenas ficou calada e ouviu a sentença como ouviu todas as acusações, de cabeça baixa, olhando para as próprias mãos sobre os joelhos. Sem piscar, sem mostrar nenhum tipo de emoção. Não respondeu as perguntas nem da acusação nem da defesa. Estava mais magra, abatida, aquele olhar cheio de confiança e até assustador agora,estava vazio e sempre reclinado, humilhado, triste. É a primeira vez que a vejo nos últimos 4 meses depois que aquilo tudo aconteceu.

Tenho certeza de que só conseguiram pegá-la porque estava machucada, porque mal podia andar, caso contrário ela escaparia, é claro que sim, ela pode tudo. Ou podia até agora. Passou 3 meses no hospital se recuperando,com uma corja de policiais na porta e dentro do quarto. Não estou dizendo que ela é a heroína.Não. Ela é a verdadeira vilã dessa história. As coisas que ela fez são assustadoras. Mas e as coisas que fizeram com ela? É justo ignorar isso? Quantos vilões a história dela teve? Sei que ela é realmente culpada de cada acusação, sei disso, mas o mundo não deveria indenizá-la por uma vida tão ruim?

Guardas seguraram-na pelo braço e levaram-na. Chamei, gritei seu nome. Ela até fez menção de olhar , mas voltou rapidamente a mirar um ponto perdido no chão. Por fim, os guardas tiraram-na dali. E essa foi a última vez que eu vi Nina Croce.

Bem, foi a última vez que eu tive certeza que era ela, das outras vezes foi mais uma série de impressões, apenas intuições....”


No segundo mês o advogado me ligou. Eu já tinha voltado para o Brasil e precisei que ele repetisse a notícia algumas vezes, não porque não tivesse ouvido.

– Quê....?

– Morta – disse pela quarta vez – Encontram o corpo a pouco

– Quê...?

– Nina Croce está morta – quinta vez – Suicídio. Os policiais não sabem explicar ainda, mas encontram o corpo na solitária incendiado

– Mas...mas não é o corpo dela...

– Fizeram o DNA

– Só que ela não morreu de verdade...

– Sinto muito, Tomás. Ela se matou, de verdade – sexta vez


Não fiz um escândalo, não gritei, algumas lágrimas até caíram e tratei logo de enxugá-las. Passei alguns dias em silêncio, tentando digerir. A falar até voltei, mas eu nunca mais fui o mesmo. Pensei que aquele sentimento estranho passaria com o tempo, só que a cada dia que passava ele me pedia mais um. E assim passaram-se semanas, meses, anos...



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Notas finais do capítulo

Ainda tem um epílogo, sabe como é...eu amo vocês daí precisava de mais uma chance antes de dizer adeus :)



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