Um garoto pequeno, de apenas sete anos, segurando uma faca ensanguentada se olhava no espelho.

Seu rosto e suas roupas estavam sujas de sangue. Seu olhos, arregalados e assustados, olhando não para si mesmo, mas para a figura caída no chão ao seu lado.

Uma mulher com os mesmos cabelos castanhos rebeldes que ele. Seus olhos vagos expressavam um puro terror. Seu corpo haviia sido furado em vários lugares.

-- Mamãe... - o garoto murmurou, fechando os olhos, como se assim pudesse apagar seus atos...

Eu seguia Nicholas em silêncio. Estava mais assustado com meu passado do que um condenado à forca teria com seu futuro.

Se eu fosse tão mau... Não podia aguentar. Eu não era mau. Eu tinha medo das pessoas. Medo! Como poderia matá-las?

Ou será que eu as havia matado exatamente por isso?

-- Leon. Leon! Você está aí?

-- S-sim... É. Desculpe.

-- Levante a cabeça. Fantasmas depressivos são realmente estranhos.

-- Desculpe.

-- E pare de se desculpar! Quantas vezes tenho que dizer isso? Não quero te ver chorando. Sorria.

-- Por quê..?

-- Por que eu me importo? Porque nós somos amigos... - Nicholas ficou vermelho, só um pouco, como se aquilo não fosse realmente o que ele queria dizer

-- Não. Por que eu sinto tanta vontade de fazer o que você diz? Por que eu não gostei de te ver desconfortável? Por que eu quero... - levei as mãos à boca. O que estava falando? De repente percebi que me sentia assim e as palavras foram saindo...

Por que eu quero tanto te tocar? Foi a pergunta que me acordou. Aquilo já seria um pouco estranho para... amigos.

Eu não queria ser só um amigo.

Que tipo de pensamento é esse?

Eu me sentia como se... Se ainda estivesse vivo, meu coração estaria disparando. Mas eu não tinha um coração... Era só um fantasma. Um coração fantasma, batimentos fantasmas.

Meus sentimentos também são na verdade inexistentes?

Espere. Que sentimentos?

-- Leon... Eu... - Nicholas me olhava, meio confuso, seus olhos profundos pareciam tentar devorar minha alma. Hum, isso pareceu meio pervertido. Ops.

Ele não desviou o olhar. Continuou me encarando, e eu também não conseguia olhar para outro lado. Parecia estar tomando coragem para me dizer algo.

-- Eu... Não entendo direito, mas...

-- SR. NICHOLAS DO CHALÉ 13! Por favor, venha aqui! - Quíron vinha na nossa direção, todo colorido de tinta, segurando seu arco, com uma expressão preocupada.

Eu olhei para o lado e apertei os lábios. Queria muito ouvir o que Nicholas ia dizer. Muito, muito mesmo. Cavalo maldito.

(N/A: É Pônei! Pônei maldito, pônei maldito, lalalalalalala! Zoera XD)

-- Sim, Quíron? - Nicholas se virou como se não estivesse fazendo nada de importante. Ou talvez para ele não fosse importante. Não, pensar nisso... Não quero.

-- Acho que você e... O fantasma está aqui? - ele confirmou com a cabeça - Ah. Acho que vocês dois causaram um belo de um caos. Venham dar uma olhada.

O centauro nos guiou em direção aos chalés. Ele tinha razão. Um belo de um caos.

Estava tudo quebrado, colorido, detonado e destruído. Ops, rimou. Desculpe.

-- Como..? Ah. Já sei. Teo. Ele veio até aqui gritando com seu grupinho e desencadeou o caos. Os outros foram entrando na briga sem nem saber o que causou, e no final quiseram por a culpa em Mike. Acertei?

-- Bom, você tira conclusões lógicas. Basicamente, é isso aí. Eu não acho que realmente possa culpá-lo, mas os outros não vão descansar até que alguém seja punido. Principalmente o sr. D.

-- Entendo. Vai me mandar lavar a louça? Seria justo.

-- Por que você tem que ser punido? Eu que fiz a confusão, não fui? - me intrometi, mesmo sabendo que Quíron não me ouviria. Nicholas me lançou um olhar irritado.

-- E como diabos você seria punido, Leon? Não diga besteiras.

-- Nicholas, a respeito disso, o nome do fantasma é Leon? - Quíron perguntou com um sorriso amarelo.

-- Sim. Quer dizer, não. Quer dizer, ele disse que não se lembra do seu nome nem de nada de sua vida. Então resolveu se nomear Leon.

-- Prazer - resmunguei.

-- E ele disse prazer.

-- Prazer - Quíron respondeu, levantando as sobrancelhas - Como assim não se lembra?

-- Não lembrando. Esquecendo. Só algumas coisas, como eu sou uma pessoa sádica e assassina que ama matar seus entes queridos a facadas.

-- Ele não sabe - Nicholas traduziu, me lançando um olhar "não seja tão mal-educado".

-- Sinto muito...

-- Não sinta.

-- Enfim, não temos escolha. Dois dias depois do jantar. Vai ser o suficiente.

-- Certo. Não se preocupe, Quíron. Assumo total responsabilidade, inclusive pelos feridos.

-- Você não teve culpa! Por que se responsabilizar também?

-- Vou relatar ao sr. D. Não é preciso informar os outros campistas. Se qualquer um vier te perguntar, peço que diga que a história do fantasma foi um truque. E teremos de pensar melhor se podemos deixá-lo aqui...

-- Eu não sou um truque. Sou de verdade! Nicholas! Você vai me mandar embora?

-- Já disse que assumo total responsabilidade. Até a dele.

-- Se quer assim. O jantar será mais tarde hoje, por causa da confusão. Creio que tenha algum tempo para descansar antes. Até logo. - o centauro virou-se e foi trotando em direção à casa grande.

Nicholas se virou e me encarou, mas dessa vez não foi caloroso. Foi como se ele estivesse me dando uma bronca.

-- Pare de agir como uma criança mimada. Isso é irritante.

Isso é irritante.

Você é irritante.

Eu sou um incômodo.

Senti as lágrimas tentando escapar. Abaixei a cabeça e murmurei um pedido de desculpas.

Aquelas três palavras... Só três palavras.

E eu já me sentia pior do que quando lembrara da morte de minha mãe.

Nicholas tinha razão. E Quíron também. Eu podia já ter estado ali quando era vivo, mas agora não pertencia mais àquele lugar.

Eu deveria ir embora.

Mas isso doía. Nunca pensei que um fantasma pudesse sentir tanta dor.

Essa dor... Tão horrível... Eu queria sumir. Para não sentir a dor.

Nicholas ia andando em direção ao chalé de Hades. Ele olhou para mim por cima do ombro, porém não me chamou.

Talvez ele não se importasse tanta assim com a minha companhia.

Mesmo assim, o segui de longe. Mesmo se ele não quisesse... Eu queria estar perto dele.

Eu me sentia bem perto dele.

Como? Não fazia nem bem um dia que nos conhecíamos...

Uma lembrança voltou. Parei no lugar, estupefato.

Um rosto antigo. Alguém importante.

Um rosto...

Alguém exatamente igual a Nicholas.

Um sorriso...

E uma frase que não conseguia escutar direito...

Sua voz... Soava com carinho e, ao mesmo tempo, medo...

O que... Ele disse...

Quem foi aquele garoto?