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Capítulo 10
Tudo o que eu senti




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Foi realmente difícil encontrar uma camiseta que ainda estivesse inteira.

-- Putz... - ergui uma que tinha um corte diagonal atravessando o peito - Por que todas as minhas roupas estão rasgadas, cortadas ou pintadas?

-- Por que você se mete em encrenda de dois em dois minutos? - Riley, meu irmão, resmungou. - Vista logo alguma coisa. Temos que ir para o jantar. Os outros chalés já estão saindo.

-- Ah, que saco! Eu vou assim mesmo.

-- Não, não vai. - ele trincou os dentes - pega uma minha emprestada e vamos embora.

Peguei uma das camisetas dele, apesar de serem dois números abaixo do meu. Riley tinha 18 anos, era nosso líder de chalé. Mesmo assim, eu era mais alto que ele. Que saco.

-- Eu sou tão feio assim?

-- Você é indecente, isso sim. E por que não cuida dessa cicatriz?

É verdade, eu tenho uma cicatriz cruzando o peito, feita pelo corte naquela camiseta. Eu não poderia curá-la pelo mesmo motivo de que não podia jogar a camiseta fora. Elas me traziam uma lembrança boa, e um pouco vergonhosa...

Foi em uma captura a bandeira. Eu estava na linha de defesa, e uma garota me deu um golpe direto no peito. Eu pensei que ia morrer. Tipo, "ah, droga, é agora que eu morro".

Eu só sobrevivi porque Nicholas saiu gritando pedindo socorro. Logo depois, desmaiei. Fui levado para a enfermaria e conseguiram resolver a maior parte do problema, mas ficou aquela cicatriz.

Estava bem tarde quando eu acordei. E minha maior surpresa foi ver que ele estava ali do lado da cama, sentado em uma cadeira, dormindo com uma cara de preocupação. Meu peito estava todo enfaixado e eu mal podia me mover, mas mesmo assim, sacudi o ombro dele até acordá-lo.

"Você não devia se mexer! Vai piorar o machucado! Volte a dormir!" Nicholas me repreendeu.

"Não estou com sono." respondi, sorrindo "Obrigado por me salvar. Eu te devo minha vida agora."

Ele virou o rosto para o lado e murmurou algo como "Não é pra tanto".

"Não estou brincando. Da próxima vez, eu que vou te salvar. Custe o que custar, entendeu?" eu disse, olhando sério. Raramente faço uma expressão assim, por isso não me surpreendi quando ele levantou as sobrancelhas, estranhando.

"Tá certo então"

Então eu fiquei olhando para o rosto dele até adormecer novamente... No dia seguinte, ele ainda estava lá. Foi uma das coisas mais legais que alguém já fez por mim.

Acho que Nicholas nunca entendeu que eu realmente queria dizer custe o que custar. Quero dizer, para algumas coisas ele é realmente tonto.

-- As cicatrizes são como medalhas. Elas mostram que eu sobrevivi - cantarolei para Riley.

-- Onde você leu isso?

-- Poxa, é tão difícil acreditar que eu pensei numa frase bonita?

-- Sim.

Os outros começaram a rir, e eu os acompanhei. Andamos em direção ao refeitório, discutindo sobre como eu ainda ia explodir nosso chalé. Super legal. De sete filhos de Éris, eu era o único que sempre fazia as coisas mais estranhas.

Fizemos o procedimento padrão e nos sentamos para comer. Eu estava um pouco abatido, por isso peguei pouca coisa.

Essa foi a primeira vez que não consegui tomar a culpa por algo que Nicholas fez. Eu sempre peguei a responsabilidade de tudo. Normalmente não era difícil, era só eu estar por perto.

Mas dessa vez... Se eu soubesse que foi ele... Maldição, por que eu minto tão mal? Já me disseram tantas vezes que isso vai me trazer problemas sérios, e mesmo assim não consigo.

Eu sei que ele não vai dizer nada. Nicholas não é o tipo de pessoa que se aproveita das outras.

Olhei para o lado e vi Annie na mesa de Nêmesis assassinando uma coxa de galinha. O que tinha dado nela? Nunca a vi tão louca.

Sério, não faço a mínima ideia do que ela estava falando. O que eu não tinha percebido? Era algo importante? E por que começou a sorrir daquele jeito... Meio envergonhada?

Tenho uma ideia, mas... Não. É impossível. Tipo, totalmente nada a ver. Annie é minha amiga, e é tudo o que penso dela. Não é que eu não a veja como uma garota...

Na verdade, o fato de eu vê-la como uma garota que é o problema.

Procurei por Nicholas, mas ele não estava. Senti um aperto no peito. O que será que vão obrigá-lo a fazer? Espero que seja só lavar a louça ou algo asism. E eu digo "só" lavar a louça porque tenho certeza que isso é muito melhor que passar duas semanas como uma iguana, por experiência própria.

Terminei de comer rápido e me levantei para ir embora.

-- Já vai? E a fogueira?

Balancei a cabeça negativamente.

-- Não estou a fim.

Estava quase saindo quando tropecei em algo. Fui de cara ao chão, e por pouco não bati o rosto. Me levantei e olhei para trás. Lá estava Holly do chalé de Ares, a maldita que vivia ferrando com a minha vida. Ela estava com o pé no corredor e um sorriso de escárnio no rosto.

-- Não vai perdir desculpas por ter sujado meu sapato, não?

-- Vá ao Tártaro - cuspi, virando as costas. Tomara que morram. Todos eles. Um por um. Tenho que agredecer a quem lançou essa maldição nos irmãos dela.

Se existe alguém que posso dizer que odeio, é ela. A última vez que chorei... Foi culpa dela... Se bem que, no final, acabou sendo bom para mim...

Há sete anos...

Eu havia acabado de chegar no acampamento. Um moleque magrelo e encrenqueiro que havia fugido de casa.

Meu pai era um cara muito duro. Ele sempre brigava por qualquer coisa mínima que eu fazia, e as coisas que eu fazia não eram nem um pouco mínimas. Encontre outro garoto que já tenha colocado fogo na escola com 8 anos de idade.

O único motivo de eu ter ficado tanto tempo com ele era a minha madrasta. Ela era a pessoa mais doce do mundo. Eu sabia desde sempre que ela não era minha mãe de verdade, mas ela cuidara de mim desde que eu era muito pequeno. Eu a amava mais do que a qualquer outra pessoa.

E então, um dia, ela se foi. Se separou do meu pai, e sumiu. Nunca mais a vi. A única lembrança que me restava dela era uma pequena estatueta de cristal que ela havia esquecido quando foi embora.

Quando vim para o acampamento, trouxe a estatueta comigo. Fui reclamado pouco depois. Um dia, saí para dar uma volta, levando a minha única lembrança da minha madrasta.

E Holly a quebrou.

Ela arrancou a estatueta das minhas mãos e a partiu em pedaços pequenos junto com seus irmãos. Eu só pude ficar lá, parado, olhando, enquanto eles destruíam o objeto que era a coisa mais importante da minha vida.

Fingi que não era nada de mais. Dei de ombros. Mas, quando eles foram encher o saco de outra pessoa, eu chorei. Chorei como se tivessem matado alguém que eu amava. Fiquei ali um bom tempo, chorando.

Até que um garoto apareceu e me viu.

Ele não riu. Não fez nada. Só ficou parado lá, olhando para mim, seu rosto sem expressão.

"Que é?" eu resmunguei, enxugando as lágrimas "Veio zombar de mim?"

"É estranho..." ele murmurou.

"Estranho?"

"É estranho ver o garoto que está sempre zombando dos outros e rindo sentado aí, sozinho e chorando".

Por algum motivo, não me senti ofendido. Não me pareceu um insulto. O garoto se sentou ao meu lado e perguntou:

"Por que você está chorando?"

E eu contei. Contei tudo a ele. Disse todas as coisas que sentia, como nunca havia feito antes. Quando terminei, ele não tentou me consolar com palavras. Apenas colocou a mão no meu ombro e sorriu.

Eu olhei para o rosto dele e percebi que estava ficando ligeiramente vermelho. Meu coração batia mais rápido que o normal. Não queria desviar os olhos.

Depois de um tempo, ele se sentiu incomodado. Colocou a mão no rosto, olhando para o lado.

"Tem alguma coisa na minha cara?"

"Tire essa mão da frente. Não consigo te ver direito." as palavras saíram da minha boca sem que eu percebesse. O garoto corou levemente e abaixou a mão.

"Qual é o seu nome?"

"Nicholas." ele respondeu "Chalé 13. E você é?"

"Mike. Filho de Éris. Posso ser seu amigo?" disparei.

"A-amigo?" o rosto de Nicholas ficou completamente vermelho "Eu não tenho nenhum amigo..."

"Agora tem" eu cortei, pegando a mão dele e cumprimentando-o.

O garoto sorriu de uma maneira diferente do que havia sorrido antes. Era mais... Feliz.

E desde aquele dia, eu estive apaixonado por Nicholas.

Ele não sabe, é claro. Sei que ele é um cara educado, mas... Isso pode ser demais, até para ele. Como reagiria se soubesse que seu melhor amigo gosta de você, mesmo os dois sendo homens? Se Nicholas não quisesse mais chegar perto de mim por causa disso... Não podia arriscar.

Andei em direção ao lago. Eu gostava de ir lá de noite, antes de ir dormir. Me sentia melhor do que junto com aquela galera toda cantando em volta da fogueira, mesmo isso não tendo nada a ver com a minha "personalidade". De vez em quando temos que ser nós mesmos.

Sentei na grama e coloquei a cabeça para trás, respirando fundo. Reconfortante.

-- Mike? - uma voz chamou, atrás de mim. Me virei e a surpresa que tive quando vi que era Nicholas quase me fez corar.

-- E aí, cara? Não te vi no jantar. - bati a mão no chão ao meu lado, indicando para ele se sentar.

Nicholas se sentou e esticou o pescoço.

-- Não estava com fome. Mas vi o tombo que você levou. Tá tudo bem?

-- Sim, sim. Holly não me irrita tanto quanto antes. Lembra?

-- Lembrar do quê?

Franzi a testa.

-- Da primeira vez que a gente se encontrou.

-- Ahn... Faz muito tempo, não consigo lembrar direito. O que tinha acontecido?

Ele esqueceu.

Ele esqueceu.

"Faz muito tempo, não consigo lembrar direito" Ah, é? E por que eu lembro até hoje? Até os mínimos detalhes? Eu lembro de como foi seu sorriso, do modo que seus olhos brilhavam, do tom da sua voz, do calor da sua mão no meu ombro. Lembro de tudo.

Controle-se, Mike. Você já sabia faz tempo que ele não sente nada por você. Não teria porquê ele lembrar. Não foi importante para ele.

Eu estava destroçado. Como a estatueta de minha madrasta. Quebrado em pequenos pedaços, inúteis.

-- Ela... Quebrou... Uma coisa importante minha - murmurei - Não consegue lembrar mesmo?

-- Ah! Agora lembrei um pouco. Foi aquela vez que te encontrei chorando, não é?

Fiz que sim com a cabeça.

-- Foi tão estranho... Você era uma das pessoas que eu nunca conseguiria imaginar chorando. Parecia impossível. Ei. Tem certeza que está bem? Você tá tremendo.

-- Estou bem - menti, mesmo sabendo que estaria na cara. Nicholas não insistiu.

-- Sabe o fantasma? - ele tentou mudar de assunto.

-- Hum?

-- Ele é engraçado. O nome dele é Leon, e parece que é um filho de Tânatos. Ele é legal, apesar de ser meio instável. Queria que você pudesse vê-lo. Talvez se dessem bem. Vou tentar apresentá-lo a você...

O que é isso?

Por que a voz dele está tão... Carinhosa?

-- Engraçado... Morto filho da morte - eu disse. Era tudo o que eu poderia falar em segurança. Qualquer coisa... Poderia levar a um assunto perigoso.

Nicholas chegou mais perto de mim e colocou a mão na minha testa.

-- Você está quente. - ele pareceu preocupado.

É claro que estou quente. E se você faz isso, vai piorar minha situação.

Senti meu rosto corando.

-- N-não é nada.

Ele se aproximou ainda mais. Eu podia ouvir o som de seu coração batendo.

-- Pare de mentir. O que você tem? Está doente?

Respirei fundo. Calma. Muita calma.

Eu não ia conseguir ter calma.

Me levantei bruscamente.

-- Já disse que não é nada! - gritei, e corri em direção à floresta. - Não me siga!

Corri sem parar por um bom tempo, até que minhas pernas começaram a doer.

As árvores eram enormes neste lugar. Podia-se ouvir os sons de pequenos animais andando.

Só então me toquei da besteira que fiz.

Eu estava sozinho, no meio da floresta, durante a noite, armado com nada além de um pequeno canivete de bronze celestial que sempre carregava no bolso.

Se algum monstro chegar agora, eu estou ferrado.

Tentei voltar, mas estava totalmente perdido.

-- DROGA! - berrei - COMO EU SOU IDIOTA!

-- Concordo. - alguém do meu lado disse. Me virei preparado para dizer "Eu mandei você não me seguir" quando vi que não era Nicholas.

Na verdade, eu não fazia ideia de quem aquela pessoa era.

Um cara alto - maior do que eu - com óculos escuros e um cabelo preto em corte militar. Suas roupas pareciam as de um motoqueiro, e haviam várias armas em seu cinto.

-- Quem diabos é você? - eu perguntei, ríspido. Algo no cara me deixava nervoso.

-- Olha como fala, pivete. Eu sou Ares.

-- Ares? O deus da guerra? - meus olhos se arregalaram. O deus sorriu da minha expressão.

-- Eu mesmo.

-- Que é que você quer?

-- Não vai dizer "não pode ser" nem pedir que eu prove que sou eu? - ele estranhou.

-- Já vi coisas estranhas o suficiente para desconfiar disso. Além do mais, você está me deixando irritado. Que é que você quer?

-- Direto. Gosto de gente assim. Mas não gosto de você.

-- E por que não gosta de mim?

-- Você sabia que parte da culpa de os meus filhos estarem naquele estado é sua? - Ares parecia estar se contendo para não esmagar meu pescoço - Você esteve os amaldiçoando por sete anos. Este é o resultado.

-- Não é culpa minha - eu retruquei num tom sério. - Isso começou depois que um deles voltou de uma missão. Não tenho nada a ver com isso.

-- Não se faça de desentendido, moleque! A maldição do filho de Tânatos atingiria apenas a uma pessoa, mas por causa de suas preces ela se estendeu para quase o chalé inteiro!

-- Maldição do quê, hã? Filho de Tânatos?

-- Bah! Aquele fantasma idiota que está rodando por aí, quando ele morreu, deixou uma maldição. Ele não morreu completamente, parte de seu espírito ainda vive. E essa parte está causando isso daí. A força da morte.

-- E..?

-- Eles vão morrer em breve. Eu tinha que fazer alguma coisa. O único jeito de reverter a maldição é trazendo a droga do fantasma de volta à vida.

-- Isso é impossível. Algo uma vez morto não deveria voltar.

-- Ele não morreu completamente, não ouviu? E você vai liderar uma missão para trazê-lo de volta. Assim que estiver vivo, seu espírito voltará a seu corpo. Depois não me importo com o que aconteça com você ou com ele.

-- E por que eu sairia numa missão, arriscando a minha vida, para resgatar os seus filhos e reviver um morto que nem conheço?

-- Porque... Se não eu te mato.

Olhei para ele com meu melhor olhar desafiador.

-- Então mate.

-- O quê?!

-- Eu disse: Mate. Se vai me matar, mate logo. Eu não vou fazer isso.

O deus franziu a testa, pensando. Ele não ia me matar. Consegui perceber isso quando fez a ameaça. Era um blefe no nível do meu.

-- Se eu te matar, ela vai ficar brava - ponderou. Ela quem? - Aquele pirralho que estava com você é filho de Hades, não é?

Senti meu coração parar por um segundo.

-- Por que você quer saber disso?

-- Ele é... E você... Ah. Entendo porque ela te acha tão interessante. Ha! Isso é muito útil!

-- Ela quem? E o que você quer com Nicholas? - senti o desespero saindo na minha voz. Pode fazer qualquer coisa comigo, mas não se atreva a encostar um dedo em Nicholas.

-- Minha querida Afr... Por que eu deveria dizer a você? Esqueça que já tivemos essa conversa. Pensei em um jeito melhor de conseguir o que quero.

O deus estalou os dedos e começou a brilhar. Fechei os olhos.

-- Que diabos você vai fazer, Ares?! - gritei, e pensei ter ouvido uma risada.

Quando abri os olhos novamente, ele havia sumido. Eu estava sozinho na floresta de novo.

E tenho a impressão de que algo muito ruim está para acontecer.


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Notas finais do capítulo

OK. É O SEGUINTE. EU QUERO QUE VOCÊS MANDEM PERGUNTAS PARA O LEON, O NICHOLAS, O MIKE E PARA A ANNIE! O PRÓXIMO CAPÍTULO SERÁ UM ESPECIAL. ESPERO A COLABORAÇÃO DE VOCÊS, OU VOU TER QUE INVENTAR TUDO EU MESMA E VOU LOGO AVISANDO QUE NÃO SOU BOA NISSO. ATÉ MAIS!!