Signal Fire escrita por Fernanda Redfield


Capítulo 12
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Notas iniciais do capítulo

Olá gente *corre do apedrejamento*
Mais uma vez, perdoem a minha demora. É a mesma desculpa de sempre: FACULDADE. Esse mal que garante meu futuro e me impede de escrever :/
Enfim, espero que compreendam e aproveitem esse capítulo MUITO especial de "Signal Fire".
E ah, antes de partirem para a leitura... Indico "Safe & Sound" da Taylor Swift, o capítulo todo foi escrito com essa música, basicamente.
Espero que gostem, boa leitura!



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Santana Lopez debruçou-se sobre o imenso dossiê de Michael Urie que conseguira adquirir enquanto procurava pelo nome do homem na internet e perguntava aos moradores de Lima sobre o misterioso marido de Julianne. A latina estava em seu escritório, sentada confortavelmente em sua poltrona de couro negro com os óculos de leitura sobre os olhos e estudando cada linha de notícias, notas públicas, impostos e manuscritos próprios.

Michael Urie era uma figura, no mínimo, interessante. Na internet, tudo que encontrava sobre ele levava a pensar que o homem não era nada mais do que um excelente empresário, com faro para bons negócios e um bom cidadão de Lima, sempre fazendo doações e financiando construções. Mas Santana bem sabia que aquelas quantias aparentemente dadas de bom grado, nada mais eram do que subornos. Nas finanças, não existia uma pista sequer, tudo era pago e quitado, a construtora de Michael Urie recebia muito bem por suas construções, mas Santana duvidava daquele histórico econômico limpo, ninguém era tão confiável assim.

As coisas começavam a ficar suspeitas quando Santana relia seus manuscritos. As poucas pessoas que se comprometeram em falar sobre Michael Urie pediram total sigilo de suas identidades e pouco disseram a respeito do homem. Pouco porque Santana sabia muita coisa do que falaram. Sobre o relacionamento conturbado entre ele e Julianne além da chegada completamente casual do casal a Lima.

Santana não tinha muitas informações, mas estava disposta a enfrentá-lo. De uma coisa ela tinha certeza: Michael Urie era covarde e ela provaria isso para cidade, nem que tivesse que sacrificar a própria carreira.

Santana organizou a papelada sobre a mesa de acordo com a importância que tinha para o caso. Suas mãos corriam pela superfície e ela estava concentrada, precisava encontrar alguma informação nova naquilo. Ela precisava de um pouco de esperança.

- É gratificante ver uma mulher linda envolvida em seu trabalho. – Uma voz máscula, naturalmente irônica e extremamente pesada pode ser ouvida dentro do pequeno escritório de Santana. A latina ergueu os olhos lentamente e observou seu recém-chegado por cima das lentes dos óculos de leitura.

O recém-chegado era alto, pele morena, cabelos cortados elegantemente e barba por fazer. Tinha um ar forte e sombrio, um sorriso convencido no canto dos lábios e um nariz marcante por não fazer parte da expressão dura que ele tinha nos olhos e nos resto do rosto. O corpo era forte e musculoso, cerca de 1,80 de altura e extremamente consciente da força de sua postura.

Santana não gostou dele de cara, já tinha sido assim quando viu a foto dele no dossiê. Mas agora, ele parecia tão ou mais amargo do que nas imagens. Santana arqueou uma sobrancelha para ele, herança de anos sendo amiga de Quinn Fabray e murmurou fria:

- Pelo que eu saiba, não tinha nenhum cliente hoje.

- Eu não sou um cliente, Srta. Lopez. Acho que deveria saber. – O homem respondeu com um ar superior e sarcástico que fez Santana bater o dossiê com força em cima da mesa, antes de jogá-lo para dentro da gaveta de sua mesa e se levantar. Com a posição imponente, ela arrancou os óculos dos olhos e fuzilou o homem que continuava com o mesmo sorriso convencido. Santana bufou e excessivamente educada, rebateu:

- Então não sei o que você faz aqui, eu presto serviços. Todos que chegam aqui vieram por serem meus clientes.

- Srta. Lopez? Vamos nos poupar disso, tudo bem? – O tom de voz do homem mudou drasticamente e se tornou ameaçador, Santana escorou-se em sua mesa enquanto o homem caminhava alguns passos e ficava próximo a ela. Santana sorriu irônica para a fúria que ele tentava conter. Mas o homem lhe sorriu, surpreendendo-a. – Aliás, se for assim... Minha mulher, certamente, é uma de suas clientes.

- Eu não sei do que você está falando, senhor. – Santana tentou parecer indiferente a menção de certa ruiva naquela conversa, mas falhou miseravelmente. Talvez fosse seu olhar que tinha se tornado mais vago, ou sua postura que tencionou rapidamente. Mas alguma coisa nela acabou entregando o que aquele homem queria, o visitante abriu um sorriso repleto de escárnio e acrescentou:

- Tenho certeza que se lembra dela, Srta. Lopez. Julianne Urie, uma ruiva muito bonita. Deve ter vindo aqui se queixando de certos problemas em nosso casamento.

- Ah sim, o senhor é Michael Urie? – Santana perguntou com o ar fracamente inocente, cruzando os braços sobre o peito e tentando manter a postura firme e forte. Mas a latina tinha que admitir: Michael Urie era um homem sedutor, só que por baixo daquele sorriso de lado e dos olhos aguçados, existia algo nele que a amedrontava, muito. Michael arqueou a sobrancelha e deu uma risada sarcástica, ergueu os olhos negros e frios para Santana e soou extremamente ameaçador quando disse:

- Não vamos brincar aqui, Santana Lopez. Eu sei muito bem que você conhece minha mulher e também sei a natureza da busca dela por você. Julianne acredita que pode me deixar com a sua ajuda. Mas não, ela não pode. Ninguém pode me deixar e sair impune.

- E o que você vai fazer? Me ameaçar? Me matar? – Santana perguntou irônica e com uma coragem vinda sabe-se lá de onde. A latina tinha os punhos fechados e os olhos semicerrados, como um caçador prestes a derrubar sua vítima. Santana caminhou até o homem que a observava impressionado, ela colocou uma mão na cintura e jogou o corpo sobre um pé, em uma posição que em muito lembrava a cheerio bitch do McKinley High. Depois que se aproximou o bastante do homem, abriu um sorriso corajoso que fez Michael assumir uma expressão surpresa. – Mas adivinhe... Eu não tenho medo de você.

- Nesse caso, Srta. Lopez... As conseqüências não cairão sobre você e sim, sobre ela. – Michael respondeu com uma simplicidade na voz que disfarçava (ou tentava) a ameaça poderosa que carregava. Os olhos escuros de Santana se arregalaram e Michael tinha uma expressão vitoriosa quando deu às costas a advogada e caminhou para a porta. Santana tentou falar alguma coisa, mas estava muda, muda pelo medo. Michael parou em frente à porta, respirando fundo. – Afinal, por que acha que ela não apareceu aqui essa semana?

Santana engoliu em seco e baixou os olhos, conseguindo erguê-los apenas quando escutou o barulho da porta se fechando. Suas mãos tremiam se controle e uma náusea desconhecida tomou seu corpo, a latina teve que se apoiar em sua mesa e respirar fundo mais de uma vez. Dentro de si, tudo estava bagunçado. Sua mente não conseguia trabalhar porque seu coração estava apertado.

Seu coração doía porque ela tinha medo de perder Julianne Urie da mesma forma que, um dia, perdera Brittany S. Pierce.


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- Ralph! Não esqueça os formulários de Cleveland! – Sam Evans gritou para um jovem vendedor que estava desocupado enquanto os demais funcionários da loja de materiais esportivos corriam com caixas e pacotes de um recém-chegado carregamento de uma das empresas do ramo. Sam segurava uma prancheta e anotava o código e quantidade de cada produto.

Aquela função não fazia parte de seu trabalho, mas ele gostava de ajudar de qualquer forma. Kurt tinha colocado um pouco de dinheiro no início e hoje, era sócio de Sam. Mas o rapaz exercia todas as funções praticamente. Sam podia reclamar da saudade de sua família e de seu azar no amor, mas ele adorava seu trabalho. De uma forma estranha, lembrava seus bons tempos como quaterback dos Titans do McKinley High.

Ralph voltou em segundos depois com um pequeno monte de papéis de dentro do escritório. Entregou-os a Sam com uma expressão de função cumprida que provocou um sorriso gentil no chefe, Ralph piscou algumas vezes e disse inseguro:

- Quando estava em seu escritório, atendi a um telefonema. Uma garota, dizia ser amiga sua do colégio, pediu para avisar que passará aqui daqui a uns minutos.

- Ela deixou algum nome? – Sam perguntou desatento enquanto escrevia alguns itens na prancheta e realizava algumas contas de cabeça. Ralph foi chamado por outro funcionário e antes de sair, gritou por cima do ombro:

- Não, ela disse que você saberia quando ela chegasse.

Sam fez uma careta confusa, mas logo voltou ao trabalho, tentando não pensar em quem poderia ser. Apesar de que era meio óbvio, seria Santana ou Quinn. Eram as duas amigas que ainda restavam em sua vida. Além de Rachel, mas o rapaz não sabia se podia considerá-la uma amiga e Quinn parecia um pouco distante dela naqueles últimos dias e Sam recusava-se a perguntar, Quinn falaria quando fosse a hora. Sempre era assim.

- Sam Evans?

Sam virou-se bruscamente quando escutou seu nome ser chamado. Seus olhos claros encontraram uma mulher negra, com um sorriso enorme no rosto. O rapaz fez uma careta e soltou a prancheta sobre o balcão da loja com um estrondo. Depois, virou-se para a mulher e perguntou irritado:

- O que faz aqui, Mercedes? Veio acabar com o que restou de mim?

O sorriso de Mercedes desapareceu rapidamente, a diva negra abriu a boca diversas vezes, mas não conseguiu proferir nenhuma palavra. Sam olhou para ela em um misto de saudade e incredulidade. O rapaz sentia seu pobre coração responder a visão de Mercedes Jones de volta com um acelerar desenfreado e sem compasso. Mas algo dentro dele ardia tão ou mais quanto o rebater de seu coração contra suas costelas. Algo dentro dele machucava e despedaçava... Sam tinha o palpite de ser o seu orgulho destruído que esganiçava fraco diante daquela que o humilhara.

Sam tinha um olhar forte e pedinte por respostas, ele podia estar magoado e irritado, mas ele exigia o mínimo de respeito de Mercedes. Kurt e Karfosky repetiram isso para ele durante toda a noite de bebedeira e Quinn vivia lhe falando que só conseguiria esquecê-la se voltasse a se amar e a se respeitar... E era isso que Sam Evans estava disposto a fazer.

Mesmo com seu coração explodindo contra seu peito, o tremor em suas pernas, o suor frio em suas costas e os olhos marejando... Ele tinha que se reerguer. Sam sabia que, depois que Mercedes o destruía e o usava, nada restava além de sua própria vergonha e do amargo sentimento de derrota. Sam estava cansado de juntar os pedaços de si quando Mercedes o quebrava...

- Desculpe, Sam... Acho que eu não deveria ter vindo aqui. – Ao contrário do que Sam pensara que fosse acontecer, não houve luta e muito menos, desprezo na voz de Mercedes. Pelo contrário, observando-a melhor, ela parecia debilitada e um pouco cansada. Sam apoiou-se no balcão e olhou furioso para ela, fechou a mão direita em punho e disse duro:

- E eu achava que você nunca mais fosse voltar a Lima.

- As coisas mudam, Sam... Senti saudades de casa. – Mercedes resmungou ofendida dessa vez pelo tom que ele usara, Sam deu um sorrisinho de lado bastante sarcástico enquanto observava a mulher e travava uma batalha louca dentro de si: Sam estava dividido entre matar as saudades e entregar seu orgulho e amor-próprio para ela de novo ou permanecer duro feito uma pedra enquanto via tudo do que ainda restava dentro deles se quebrar. Mercedes deu um passo inseguro para mais perto de Sam e o rapaz apenas trocou o peso dos pés. – E me senti extremamente mal depois que tivemos aquela conversa.

- Mal pelo que, exatamente? – Sam perguntou sarcástico, Mercedes crispou os lábios para ele. Mas Sam estava aprisionado pelo próprio medo do que suas palavras poderiam causar, mesmo doendo nele o que estava fazendo, ele continuou com sua postura ereta e defensiva. – Por dizer que nunca me amara? Por dizer que eu ainda era o mesmo idiota apaixonado do McKinley? Ou, talvez, por ficar comigo durante a noite e depois, propor que eu virasse seu amante enquanto Shane sumia pelo país?

- Abaixe o tom, Evans. As pessoas estão olhando. – Mercedes murmurou entre dentes e com a expressão fechada no ódio. Sam não se rebaixou e continuou agressivo, a fuzilando nos olhos enquanto sentia toda a fúria e a dor borbulharem dentro do seu peito. Mercedes se aproximou dele e a expressão se abrandara. – Eu não propus que tivéssemos um caso, eu te disse que aquela era a única forma de ficarmos juntos!

- Eu sempre me submeti aos seus caprichos, Mercedes. Eu sempre fui seu amante, seu namorado e seu homem quando você bem quis... – Sam murmurou dolorido e respirando fundo, era fraco. As lágrimas estavam chegando aos seus olhos com facilidade, Mercedes fez menção de tocá-lo e ele se afastou, possesso de raiva. – Eu sempre dei tudo por nós porque o que importava era estar com você. Sempre foi assim, mas agora não. Eu não posso me prender a uma pessoa que nunca vai fazer nada por mim!

Mercedes engoliu em seco enquanto respirava e entendia as palavras de Sam. A diva negra não deixava transparecer, mas Sam não poderia jamais saber a bagunça que ela trazia dentro de si. Sam foi o primeiro garoto que lutou por ela, ele sempre estaria com ela de alguma forma. Porém, seu coração também gostava de Shane e a saudade sempre batia quando seu marido partia em mais uma viagem de negócios...

Mercedes chegou a um ponto em que não sabia o que era amor, o que era carência e o que era saudade. Ela estava perdida, seguindo o que seus instintos queriam, porque era aquilo que uma diva fazia. E, no momento, o que o corpo e a mente de Mercedes Jones gritava, era que Sam Evans voltasse para sua vida. A mulher ergueu os olhos para Sam e surpreendeu o loiro com as lágrimas que estavam brincando em seus olhos, em seguida, respirou fundo e disse cansada:

- Podemos conversar sobre isso quando você estiver mais calmo?

- Nada vai mudar minha decisão, Mercedes. Eu quero voltar a ser o Sam de sempre e, para isso, eu preciso me esquecer de tudo o que nós dois vivemos. – Sam murmurou um pouco mais fraco, com as lágrimas de Mercedes enfrentando as próprias. O rapaz tornou a apanhar a prancheta sobre o balcão e colocou-a debaixo dos braços, ele não esperou pela reação de Mercedes e deu as costas a ela. Mas antes de caminhar para o próprio escritório, olhou por cima do ombro, saudoso. – E não precisa disso, não é a primeira vez que você me obriga a dar as costas a tudo que fomos e que podíamos ser.

Mercedes não deixou que Sam escutasse seu choro, ela saiu caminhando apressada para fora da loja, esbarrando em um Ralph atarefado que carregava camisas para a vitrine. O rapaz olhou para seu chefe e ficou boquiaberto pelo estado emocional de Sam Evans.

Ele chorava enquanto soluçava, lutando contra lágrimas que segurara há muito tempo... E agora, pareciam que elas queimavam sua pele. Sam não sabia que abrir mão de seu passado doesse tanto, Mercedes partira e levara um pedaço enorme de si. Sentia-se aleijado e imponente, mas, estranhamente, corajoso. Aquilo ia passar, tinha que passar...


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LUCY QUINN FABRAY, se a senhorita não aparecer aqui logo, eu juro que vou dar na sua cara! – Kurt

Quinn não pode deixar de rir diante da mensagem de Kurt, seu amigo era um desesperado extremamente louco, ela realmente não sabia como Dave estava com ele até hoje. A loira continuou o seu caminho a pé, já estava quase na hora do almoço, mas ela bem sabia que seu almoço com Kurt e Dave se atrasaria um pouco.

A professora tinha certos problemas a resolver, problemas relacionados a Rachel Berry, principalmente. A primeira semana de aula passara e as duas não voltaram a se falar depois da pequena discussão em frente à sala do Glee, os olhares eram evitados nos corredores e Quinn cometeu pequenos erros nas aulas que administrou. Tudo por causa daquela situação pesada e desconfortável que pairava entre elas.

Quinn Fabray estava começando a acreditar que realmente não servia para ter relações com qualquer um que fosse. A loira não sabia lidar com seus sentimentos e inseguranças e trazia isso consigo desde as experiências terríveis que tivera no ensino médio. Sabia que deveria ter contado, sabia que deveria ter sido mais corajosa...

Mas Quinn estava tão deslumbrada com todo aquele sentimento que brotava incessantemente em seu peito a cada dia que passava com Rachel que tinha um medo enorme de perdê-lo. E talvez, essa fosse a sua melhor justificativa para permanecer escondida entre seus fantasmas do passado. Quinn deveria saber que Rachel ficaria magoada.

Rachel estava voltando a sonhar, o brilho estava renascendo... Ela estava frágil e Quinn a vitimara com um golpe certeiro, derrubando toda a estrutura vulnerável que as duas construíram naqueles poucos meses. Afinal, o que eram uma para outra? Amigas com benefícios? Ficantes? Namoradas? E pior, o que era aquele sentimento que tanto doía e tanto curava? Quinn recusava a pensar muito longe na resposta para essa pergunta, como sempre, ela temia o que podia descobrir. Quinn tinha medo de sentir, a vida ensinou a Rachel que sonhos podem ser destruídos e ensinou a Quinn que sentir era sofrer, sem mais nem menos.

- Quinn? – A professora virou-se abruptamente para a voz que interrompeu seus pensamentos loucos e confusos, a loira tentou abrir o melhor de seus sorrisos, mas sabia que seria incapaz de mentir para Charlie Thomas. O senhor passou por ela, abrindo a porta da “Letters, Love and Dreams” olhando preocupado para ela por cima do ombro.

Assim que a porta se abriu, Charlie desapareceu em direção aos fundos e Quinn respirou fundo, colocando as mãos nos bolsos da calça jeans e observando as estantes repletas de livros com um sorriso saudoso. Charlie voltou segundos depois, com um copo de água e aquele sorriso que passava tanta segurança a Quinn. A loira olhou para ele e tomou um gole de água, engoliu com dificuldade e com uma careta, perguntou:

- Está surpreso?

- Um pouco, achei que você estaria em aula hoje. – Charlie comentou um pouco surpreso e puxando Quinn para a sessão de leitura, os dois se acomodaram nas poltronas que eram posicionadas uma de frente para a outra e se olharam. Mais uma vez, Quinn sentiu o senhor ler a sua alma e ir curando, aos poucos, suas feridas. Charlie sorriu e afagou a mão de Quinn que segurava o copo. – E, além do mais, Rachel não está mais aqui.

Os olhos de Quinn a entregaram quando o nome de Rachel foi dito, ficaram opacos e Charlie nem precisou olhar para a expressão melancólica dela para saber o que tinha acontecido. O senhor apertou a mão de Quinn, encorajando-a a falar, ao mesmo em tempo que dava a ela o tempo necessário para pensar. Quinn respirou com dificuldade várias vezes e, quando falou, a voz dela saiu sôfrega:

- Charlie, qual o preço a se pagar por mentir em uma relação?

- Depende da intensidade do sentimento que une vocês, Q... E julgando ser você e Rachel, acho que o preço não é lá muito alto. – Charlie respondeu em um tom extremamente otimista que só conseguiu fazer Quinn se encolher ainda mais, envergonhada do que fizera. A loira tomou mais um gole de sua água e continuou:

- Esse é o problema: eu não sei o que nos une.

- Estranho, eu sei há muito tempo o que une vocês. – Charlie estava com um sorriso bondoso e Quinn deixou-se invadir pela sensação de segurança que aquele senhor lhe transmitia. Quinn colocou o copo no chão e ergueu os olhos marejados para Charlie, o homem colocou a mão dela entre as suas e franziu a testa, achando graça da situação. – A melhor coisa que a minha experiência me permitiu foi conhecer o amor. Os livros, poemas, palavras... Nada o define melhor. Infelizmente, uma imagem realmente vale mais do que mil palavras. E mesmo olhando para vocês duas, contidas e sem fazer lá muita coisa... Eu vejo os olhares que uma lança a outra, isso é pura devoção, Quinn. Puro amor.

Quinn arregalou os olhos, o coração bateu apertado em seu peito enquanto a palavra “amor” ecoava em sua mente. Subitamente, sentiu em meio a um campo de batalha, tentando enfrentar, em vão, sua insegurança e o seu suposto amor por Rachel. Não podia fugir dos dois, sua insegurança estava tão inerente a sua personalidade e convivera com ela por anos... Enquanto o seu amor por Rachel parecia ser a única coisa que a sustentava em pé.

- Eu me escondi, eu não me abri para ela enquanto ela mostrou todas as suas cicatrizes para mim... Eu fui covarde, Charlie e agora, ela não quer mais olhar em minha cara. – Quinn respondeu um pouco fora de si, com o seu desespero denunciado em sua voz. Charlie sumiu com seu sorriso bondoso quando observou Quinn quebrar-se em lágrimas, ele puxou a garota para ficar em pé e fez o mesmo, abraçando-a. Quinn se agarrou aquele corpo frágil e velho que parecia tão mais forte que ela agora. Charlie afagou seus cabelos e murmurou:

- Rachel é intensa, você sabe disso. Também sabe quão quebrada ela está. Rachel não está magoada por você ter mentido e sim, porque pareceu que você não estava se doando da mesma forma que ela estava. Ela esperou por isso anos e anos...

- Eu sei, mas agindo assim, ela só está nos afastando ainda mais. – Quinn respondeu baixinho com a voz embargada e rouca pelo choro. Charlie continuou a afagar os cabelos dela, Quinn se apertou ainda mais contra ele, tentando adquirir um pouco da força que aquele velho homem possuía. – E o pior é que eu não consigo mais ficar sem ela.

- Então ceda. Deixe esse orgulho de lado, vá atrás dela e implore se for preciso. Compre um presente, recite um poema, cante uma música... – Charlie sugeriu animado e com aquele sorriso gentil voltando aos seus lábios, Quinn riu quando se afastou para observar os olhos claros do homem a brilhar. Charlie limpou as lágrimas dela com carinho. – Só não deixe o amor sair da sua vida pela segunda vez, Quinn. Nós nem sempre temos uma segunda chance.

- O que eu devo fazer? – Quinn questionou confusa, o seu coração explodiu em seu peito, completamente animado com a ideia de poder ter Rachel de volta. Quinn amaldiçoou-se por estar tão apaixonada e tão perdida por aquela morena. Charlie abriu um sorriso diabólico, parecendo uma criança prestes a fazer uma travessura. Quinn encolheu-se diante do sorriso dele e Charlie respondeu:

- Lembra o que você me disse sobre os livros? Eles podem ser declarações de amor, declarações de guerra, pedidos de desculpas e principalmente, perdões. Palavras são tudo que vocês precisam depois de ficarem caladas.

A mente de Quinn deu um estalo e ela saiu correndo pelas estantes até a seção de clássicos da literatura francesa. Pegou um livro volumoso da estante de madeira e voltou correndo para Charlie, entregando-o. O homem sorriu e saltou o balcão, embrulhando-o em papel pardo e entregando-o a Quinn que escreveu uma nota na contracapa do livro. Charlie o apanhou de volta e empurrou uma Quinn relutante até a saída, dizendo:

- Eu faço questão de entregar isso, agora vá arrumar o que fazer, Fabray.



Não fora uma boa ideia passar na livraria antes de ir se encontrar com Kurt, Quinn estava extremamente ansiosa e tinha certeza que não conseguiria esconder isso do amigo. Kurt a interrogaria até que ela falasse, era um mal na amizade dos dois: ambos tinham um poder de persuasão incrível.

Quinn engoliu em seco e caminhou mais rápido, atravessando o estacionamento particular de um dos poucos bons restaurantes que havia em Lima. Suas mãos estavam fechadas em forma de punho e ela respirava fundo por diversas vezes. Seu corpo estava ali, mas sua cabeça estava longe... Mais precisamente, sua cabeça estava no MicKinley High, na sala do coral da escola.

Quinn agitou a cabeça, tentando chutar tudo que lhe recordasse Rachel Berry, mas foi inútil, seus olhos ainda estavam vazios, seu sorriso parecia uma máscara. Mesmo assim, ela continuou sua caminhada, determinada a tentar se divertir um pouco com Dave e Kurt. Precisava de um pouco de tranqüilidade depois das discussões com Santana e Rachel.

Entrou no restaurante, um mâitre muito bem vestido e extremamente educado a cumprimentou com um sorriso e logo a encaminhou até a mesa de Dave Karofsky. Quinn nunca contaria, mas achava os gestos cavalheirescos de Dave muito respeitáveis, ainda mais para uma pessoa que tinha um histórico como o dele. Kurt mudara Dave e hoje, os dois eram felizes... Depois de tantos desvios, traições e reencontros, a vida provara que o que era verdadeiro permanecia. Quinn esperava que algo do mesmo acontece entre ela e Rachel.

Rachel Berry, mais uma vez em seus pensamentos.

Quinn ergueu os olhos e encontrou o sorriso de Dave acompanhado pela careta ofendida de Kurt. O moreno de olhos claros foi o primeiro a se levantar e a abrir a boca, mas Dave tocou delicadamente no braço dela e, sorrindo, cumprimentou-a com um abraço:

- Bom dia, Quinn!

- “Boa tarde” seria mais adequado, não? Ela está 45 minutos atrasada! – Kurt disparou mordaz e arqueando a sobrancelha desafiadoramente para Quinn e o seu acompanhante que ainda se abraçavam. Quinn revirou os olhos assim que se separou de Dave e, a contragosto de Kurt, puxou-o para um abraço esmagador enquanto respondia:

- Que seja, Hummel. Você exigiu minha presença aqui e eu não deixei de cumprir minha parte do acordo.

- Cumpriu, com 45 minutos de atraso. – Kurt rebateu, enfatizando os minutos de atraso da amiga. Dave bufou um pouco impaciente, mas sorriu quando fez sinal para que Quinn se sentasse. O mâitre afastou a cadeira para a loira e depois saiu, com um pedido de peixe grelhado e um bom vinho para os três. Kurt fuzilava Quinn com os olhos, ele não tolerava atrasos e isso o fazia extremamente parecido com certa morena que, no momento, estava irritadíssima com ela.

- Kurt, não estamos no direito de reclamar com Quinn. – Dave murmurou sério, tomando um gole de sua água em seguida. Kurt fez menção de rebater, mas o simples toque de Dave na mão do decorador o fez calar-se com uma expressão derrotada. Dave olhou culpado para Quinn, a loira apenas sorriu para ele. – Ainda mais depois do que fizemos com Sam.

- Eu não fiquei ofendida pelo que fizeram com Sam, até achei bom, ele está muito melhor agora. Não sou Santana e Puck, eles que são os politicamente corretos agora. – Quinn respondeu um pouco irônica, realmente era engraçado ver Puck e Santana bronqueando alguém por ficar bêbado, ainda mais os dois que quase entravam em coma alcoólico no colegial. Dave deu um pequeno sorriso, compreendendo o que Quinn dissera. Kurt, por sua vez, arqueou a sobrancelha e perguntou desconfiado:

- Lucy Quinn Fabray, a rainha da pureza e do bom comportamento, não está brava por que nós desvirtuamos o pobre e inocente Samuel Evans?

- Não é isso, Kurt. Eu não sou assim tão ingênua. Vocês ajudaram Sam de uma forma que eu nunca poderia ter ajudado, já que eu mesma estava até o pescoço de problemas. – A voz de Quinn saiu amarga, ela engoliu em seco quando as palavras saíram sua boca. Estar distante de Rachel Berry não era um problema e sim, um sufoco. Não saberia até quando agüentaria. Dave e Kurt trocaram olhares, mas foi o ex-jogador de futebol quem se manifestou recatado:

- Mas mesmo assim, Q... Queremos nos perdoar. Não nos justificaremos, mas Sam precisava de um pouco de loucura. Ele estava perdido demais.

- E vai ficar ainda pior agora que Mercedes está na cidade. – Kurt murmurou distraidamente enquanto olhava para as próprias unhas, Quinn ficou boquiaberta por alguns segundos antes de afundar o rosto nas mãos e respirar fundo.

Sam estava precisando dela, mas como ajudá-lo quando ela mesma estava quebrada? Quinn Fabray odiava ser fraca diante de um relacionamento e Rachel, naquele pouco tempo juntas, já conseguia derrubá-la com poucas palavras e alguns olhares de decepção. Quinn preferia que Rachel tivesse gritado com ela, ao invés de se calar e manter aquele silêncio por tantos dias...

Kurt e Dave observaram a reação da amiga com olhares de pena. Muitos julgavam que os dois viviam presos em seu mundinho de felicidade e relação sincera e duradoura, mas eles sabiam muito bem o que acontecia com Quinn, Sam e Santana. Por isso estavam dispostos a tentar consertar as coisas, não do jeito mais indicado, mas sim, no “jeito Hummel” de consertar as situações.

- E eu e Dave decidimos dar um pequeno jantar, reunindo algumas pessoas que precisam conversar entre si. – Kurt murmurou eufórico, planejar festas era com ele mesmo, era quase a sua segunda profissão depois de decorar ambientes. Dave olhou irritado para ele, ainda mantinha a ideia de que não deviam se meter e que os outros que se resolvessem. Kurt o ignorou, também ignorou a careta entediada de Quinn. – E a senhorita vai, você é uma das que mais precisa conversar ali.

- Eu não vou, Kurt. A última lembrança que eu tenho desse tipo de jantar não foi a melhor. – Quinn estava referindo-se ao jantar que Kurt realizara na casa dos Hudson-Hummel que trouxe um Finn eufórico a contar sobre New York, uma Quinn depressiva no canto da sala e nem sinal de Santana. Sam estava com Mercedes no Kentucky e o jantar foi povoado por conversas sobre futebol e flertes de Finn com ela. – Não quero voltar a falar com Santana, tampouco com Puck.

- As coisas não vão se resolver se você ficar calada, Quinn. – Dave aconselhou com aquele tom apaziguador e contido, Quinn fez menção de questioná-lo, mas o rapaz a calou com um olhar gentil e um sorriso. Kurt bufava de braços cruzados. – Não estou dizendo que deva ir nesse jantar e sim que, em algum momento, você deverá ir atrás deles.

- Eu não estou preparada para enfrentá-los, pelo menos, não agora e, muito menos, em um jantar. – Quinn murmurou entre dentes, a irritação tomando sua expressão e desaparecendo com seu sorriso mascarado. O vinho chegara e ela tomou um longo gole, sendo observada pelo casal a sua frente. Kurt respirou fundo, a expressão furiosa em seu rosto desapareceu aos poucos, ele tocou a mão da amiga e calmamente, disse:

- E eu sei o que está acontecendo entre você e Rachel, Q. Eu vou dar um jeito de levá-la até lá, eu não agüento mais ver esses olhos verdes tão lindos e tão vazios. Você precisa de um pouco de alegria, chega de fazer os outros felizes, não acha?

- Mas Kurt, eu... – Quinn não conseguia montar as frases, as sinceras palavras de Kurt a atingiram e a única coisa que ela conseguiu fazer, foi baixar os olhos e brincar com a mão do amigo. Quinn não viu quando Dave levantou de seu lugar e apanhou seus ombros, beijando-lhe os cabelos loiros e afagando a pele de sua cintura. Kurt olhou triste para os dois.

Kurt Hummel presenciara tudo que acontecera com Quinn naqueles anos, ao contrário de Santana, ele não se encolheu em seus problemas, muito menos quando Blaine o traiu com Sebastian e fugiu para New York. Ele cresceu por ela, ele se postou ao lado dela e junto com Sam, protegeu-a. Kurt sabia o que a família Fabray significava para Quinn, assim como sabia o que Shelby e Beth fizeram com Quinn e o que, mesmo sendo negado, Quinn sentia por Rachel.

O decorador conhecia cada nuance de sua amiga e talvez, fosse por isso que ele insistia naquele jantar. Quinn merecia ser feliz, mesmo com aquelas cicatrizes sangrando e todos aqueles pedaços quebrados, alguém tinha que fazê-la feliz...

Mas os devaneios de proteção de Kurt foram interrompidos quando ele visualizou a figura alta e morena de uma mulher mais velha a entrar no restaurante. Com certeza, a presença daquela mulher não faria Quinn feliz, ele olhou alarmado para Dave que olhou discretamente por cima do ombro, não deixando de afagar os cabelos de Quinn em momento algum.

Shelby Corcoran caminhava a passos largos e bem colocados, com aquele andar imponente e seguro de si que a ajudaram vencer diversos campeonatos nacionais com o Vocal Adrenaline. A bolsa estava apertada debaixo do braço, os olhos semicerrados e frios, a boca crispada e a expressão contraída pela raiva, evidenciando as marcas do envelhecimento em sua face. Kurt, por puro instinto protetor, se colocou em pé quando ela chegou perigosamente próxima a mesa.

Quinn tentou se virar para ver quem era, mas Dave a lançou um olhar tranqüilizador e ela permaneceu presa ao abraço dele, enquanto Kurt rodeava a mesa e sem qualquer cavalheirismo, puxava Shelby pelo cotovelo até um local distante da mesa. O decorador lançou o melhor de seus olhares furiosos e disparou:

- Você pode ser uma mãe incrível para Beth e a mulher de Puck, mas eu vou perder o respeito se você se aproximar de Quinn.

- O que foi Hummel? Você não tem direito de se meter entre Quinn e eu. Ela plantou coisas na cabeça de Puck e está, mais uma vez, destruindo minha família! – Shelby disparou com a voz um pouco exaltada, algumas pessoas sentadas às mesas olharam confusas para os dois. Kurt puxou Shelby, sem cerimônia, para mais perto e decretou:

- Foi você quem abandonou Rachel, foi você quem se jogou ao trabalho quando recebeu a proposta do Vocal Adrenaline e foi você quem se afastou de Beth e Puck. Não culpe Quinn por isso!

Por alguns instantes, pareceu que Shelby fosse responder, mas no momento seguinte, ela saiu do aperto de Kurt e caminhou de volta a mesa. Dessa vez, Quinn a viu. A loira ficou ainda mais pálida, os olhos perderam o foco e quando ela colocou-se em pé, Kurt evidenciou quão fraca a amiga estava. Quinn cambaleou e mesmo assim, manteve a voz firme ao perguntar:

- O que você quer, Shelby?

- Não ouse dizer mais nenhuma palavra para o meu marido, não me desafie, Fabray. – Shelby estava ameaçadora, a posição predadora da antiga treinadora de coral estava tomando a discussão. Quinn pareceu amedrontada a princípio, mas surpreendendo Kurt e Dave, respirou fundo e assumiu uma expressão séria. Dave permaneceu ao lado dela, protetor. – Não invente de colocar coisas na cabeça de Puck. Eu não vou me separar dele porque você ainda consegue manipulá-lo e não quer esquecê-lo.

Quinn ficou calada, tentando entender as palavras de Shelby... Alguma coisa tinha sido mal compreendida ali. Mas, como sempre, Shelby estava culpando-a pelos próprios erros e Quinn estava cansada da mesma justificativa de sempre. Sua revolta, aliada ao seu humor extremamente tristonho daquele dia, fez nascer uma reação diferente nela. Quinn aproximou-se e deu um sorriso irônico, Kurt viu a sombra da HBIC nos olhos esverdeados quando ela disse sarcástica:

- Para a sua alegria, Shelby... Eu não quero nada vindo de você. Eu não preciso de um casamento de fachada, eu não preciso manipular minha Beth e não preciso me enfiar no trabalho pra ser feliz.

- Como você ousa?! – Dessa vez, a voz de Shelby se elevou muitas oitavas e todo o restaurante observava a cena das duas. Shelby aproximou ainda mais de Quinn, os narizes de ambas quase se tocavam. As duas mulheres, unidas por uma filha e separadas pela mesma, se fuzilavam. Quinn não baixou os olhos dessa vez e Shelby explodiu. – Você quer destruir tudo que eu e Puck construímos com Beth!

- Eu não preciso destruir o que você não consegue manter, Corcoran! – Quinn murmurou ofendida, ela também estava se exaltando e sua voz, sempre nasalada e contida, estava histérica. Dave afagava seu braço com movimentos leves e rápidos. Os olhos de Shelby se arregalaram e ela ergueu a mão, mas a agressão nunca veio. Dave colocou-se protetoramente em frente a Quinn e a empurrou atrás de si, Kurt a recebeu em um abraço. Dave olhou enojado para a figura chorosa de Shelby e sem misericórdia, disse frio:

- Sugiro, Sra. Corcoran-Puckerman que você se retire. Suas atitudes estão incomodando Quinn e se a senhora tornar a se aproximar dela, eu vou fazer questão de tornar a sua vida um inferno.

- Você não me aterroriza, Karofsky. – Shelby murmurou orgulhosa e ajeitando a bolsa sobre o ombro, passada a gritaria, os clientes voltaram-se para seus pratos. Mas o mâitre observava o quarteto com interesse, disposto a interferir se preciso. Dave agitou a cabeça levemente e, com esforço, Quinn saiu do abraço de Kurt para dizer cansada:

- Aos cinco anos de idade, Beth me pediu para se afastar de vocês... Disse que eu a confundia e que eu estava atrapalhando a felicidade dela com você e Puck. E, por mais que eu saiba que você a induziu a dizer isso, eu não tive ódio porque isso é o que uma mãe faria. Mas Shelby, isso não te dá o direito de vir aqui jogar na minha cara o seu próprio fracasso.

- Não fale assim comigo, Fabray. Você não tem esse direito, você é a mesma cínica do colegial, você parou no tempo. – Shelby murmurou e seu tom evidenciou que ela tentava convencer os demais e a si. Quinn sabia que ela sentia o peso de suas atitudes descontroladas em seus ombros. Shelby olhou para ela enojada e Quinn retribuiu com força e coragem, Dave pegou Shelby pelo braço e mais delicadamente que Kurt a conduziu para a saída.

Shelby proferiu algumas maldições, mas foi calada pelo afastamento. Kurt rapidamente amparou Quinn que, ao ver Shelby longe de si, desabou.

A vida só podia estar brincando com ela. Não podia lidar com Rachel distante e Shelby tão próxima. Era demais, até para alguém como ela que prometera nunca mais se render.



Uma melodia suave e doce vinha do piano, Rachel dedilhava as teclas devagar, como se quisesse guardar cada nota dentro de si. Os olhos estavam fechados, a respiração estava lenta e bastante calma, de vez em quando, um sorriso se abria quando uma nota familiar preenchia seus ouvidos...

Rachel estava vivendo, mais uma vez, pela música. Logo, uma mão foi incapaz de manter o ritmo que a morena estava propondo. A outra mão juntou-se e as duas harmonizaram notas suaves e calmas, Rachel respirou fundo, ainda de olhos fechados e abriu um sorriso de lado... Seu coração acelerou e, como frequentemente vinha acontecendo, julgou-se burra por acreditar que podia viver sem música.

A morena continuou seu pequeno show, mesclando a melodia entre músicas conhecidas e melodias próprias... Perdida em seu mundo repleto de tranqüilidade e calmaria, um local ameno onde ela podia fugir do incômodo que parecia ser a ausência de Quinn Fabray naqueles dias.

Rachel evitava pensar que Quinn e ela estavam sem se falar. Também recusava-se a pensar sobre o que fizera porque saberia que, se o fizesse, veria que a culpa naquilo tudo era dela. Havia uma coisa diferente naquela Rachel Berry que retornara de New York e aquela Rachel Berry não proferia desculpas em voz alta. Ela se calava e esperava pacientemente que a vítima de suas atitudes corresse atrás dela.

Rachel não se orgulhara desse tipo de atitude e no fundo, não concordava tanto com o que fazia, ainda mais tratando de Quinn... Mas New York a mudara e, infelizmente, fora pior. Palavras não valiam nada, pedidos de desculpas menos ainda. Nem sempre as pessoas eram sinceras e nem sempre, valia a pena voltar atrás. Rachel suspirou pesadamente e, pela primeira vez desde que entrara na sala naquele dia, abriu os olhos e contemplou as teclas com melancolia.

Lembrava muito bem do dia em que aquele piano ficou entre ela e Quinn. Recordava-se da composição de “Get It Right” e em como Quinn parecia ser sincera quando chorou ao dizer que Rachel merecia viver fora de Lima e que ela não podia pertencer a Finn... Rachel se perguntava se fora ali, naquela situação intensa e dramática, que seus sentimentos começaram a mudar.

Quinn estava vulnerável naquele dia, assim como ela. As duas disseram verdades que jamais diriam senão estivessem sozinhas, as palavras fluíram com naturalidade, mesmo com o teor da conversa. As coisas entre elas sempre foram naturalmente instáveis e Rachel não se surpreendia por, naquele momento, estar tudo tão fora de controle.

- Achei que ela estivesse exagerando quando disse que você fica extremamente linda junto à música.

A voz grave de Charlie Thomas fez Rachel sorrir e levantar-se do piano. Não sabia se aquele sorriso vinha da felicidade por ver Charlie depois de alguns dias ou se era pelo doce aperto em seu peito ao ouvir que Quinn a achava linda. Rachel alisou as pregas da saia que usava enquanto caminhava, estava nervosa e olhava nos olhos claros do velho senhor, sentindo seu falso sorriso desaparecer e a sua voz falhar. Charlie se aproximou dela e disse tranqüilo:

- Não precisa dizer nada, querida.

- Bem, é... Obrigada pelo elogio, tenho que admitir que a música me transforma e eu tinha me esquecido dessa sensação. – Rachel corou brevemente ao responder, evitando indicar que percebera a menção a Quinn na frase. Charlie deu uma gargalhada rouca e segurou a mão da morena entre as suas, puxando-a para as cadeiras do Glee. Charlie pigarreou e brincalhão, respondeu:

- O elogio não foi somente meu, mas eu informo a dona original sobre seu agradecimento.

- Não acho que ela queira escutar muita coisa de mim agora, Charlie. – Rachel responde na defensiva, desviando os olhos escuros do homem e encarando a parede com um pouco de interesse, tentando evitar a tristeza que estava explodindo em seu peito. Charlie arqueou a sobrancelha para a morena e retirou um pequeno embrulho de dentro da maleta que carregava. Os olhos de Rachel cintilaram curiosidade e ele abriu um sorriso ao dizer:

- Ela pode não querer escutar, mas ela mandou isso aqui para você.

- Eu não posso aceitar um presente dela, pelo menos, não nesse momento. – Rachel desculpou-se envergonhada e levantando-se da cadeira, a morena caminhou alguns passos para longe de Charlie e abraçou os próprios ombros, segurando a vontade imensa de voltar-se e perguntar mais e mais sobre Quinn.

Por mais que ela não quisesse pedir desculpas agora, ela estava envergonhada pelo seu comportamento. Quinn não tinha culpa se ela conseguia falar sobre seus problemas tranquilamente... Quinn sempre foi mais frágil, depois de tudo que passara, precisaria de tempo para se recuperar e Rachel não percebera isso.

Charlie olhou bondoso para Rachel e deixou o embrulho em cima da cadeira, em seguida, levantou-se e caminhou devagar até a porta. Rachel observou a movimentação do senhor por cima do ombro e respirou fundo quando seus olhos focalizaram o embrulho depositado na cadeira.

A morena aproximou-se relutante, estendeu a mão alguns milímetros e deixou que a ponta de seus dedos tocasse o embrulho pardo. Passou os dedos levemente pela superfície, sentindo a textura dura e filme por debaixo do papel... Sua curiosidade elevou-se alguns níveis e sem conseguir se segurar, Rachel apanhou o embrulho com as duas mãos e sentou-se na cadeira, com ele sobre o colo.

As mãos pequenas correram pelo papel, delicadamente e cuidando para que o papel não se rasgasse. Rachel continuou a observá-lo, insegura. Não sabia da onde vinha aquele medo... Mas e se aquele embrulho guardasse o fim da relação delas? E se Quinn tivesse ficado ofendida e não quisesse mais vê-la? Rachel só concordou que as pessoas não costumavam dar presentes quando terminavam uma relação...

Diante desse pensamento otimista. As mãos de Rachel firmaram-se sobre o embrulho e ela o apertou antes de respirar fundo e começar a rasgar o embrulho. As últimas folhas pardas caíram e revelaram um livro de capa grossa, extremamente volumoso e pesado. Rachel arqueou a sobrancelha, tudo que ela menos esperava, era um livro. A morena girou-o entre suas mãos, mas ele não tinha título e, muito menos, sinopse.

Rachel então, abriu o livro. Seu coração veio a boca quando ela leu o título.

Os Miseráveis, Victor Hugo.

Inconscientemente, a morena sorriu. Quinn sabia muito bem como presentear uma pessoa. Os dedos da morena correram pela página de abertura e a viraram, estava prestes a ler a primeira folha quando algo lhe chamou a atenção: uma caligrafia bem desenhada a ocupar quase toda a contracapa do livro. Rachel arrumou-se na cadeira e direcionou seus olhos para o local.


“Bom dia, Rachel... Espero que esteja com aquele sorriso enorme no rosto nesse momento, eu estava para lhe dar esse livro há dias, mas a situação ideal nunca apareceu. Não estou dizendo que a distância entre nós seja a melhor coisa do mundo, pois ela não é, pelo contrário, eu estou aqui me segurando para não ir atrás de você. Porém, eu sei que a culpa não foi somente minha e é isso que me prende a manter meu orgulho. Mas uma pessoa, sabiamente, me disse que o amor é feito de declarações, de brigas e do ato de ceder. Eu te dei as declarações, a briga e agora, estou cedendo, mais uma vez. Porque com você eu não tenho medo de ceder porque sei que não vou me perder só por estar me entregando a você. Só você consegue me enxergar de verdade, só você não teme a Quinn Fabray e só você foi capaz de me perdoar completamente. Então, mais uma vez, eu cedo a você e indico esse livro como pedido mudo de trégua. É o seu musical preferido e confesso que é o meu também. Espero que me encontre entre as palavras de Victor Hugo e me procure quando estiver pronta para me escutar. Sempre sua, LQF.”


Rachel não percebeu quando as lágrimas chegaram aos seus olhos e nem quando ela abraçou o livro de encontro ao peito e abaixou a cabeça, isolando-se em seu mundo onde Quinn estava ao seu lado, com aquele sorriso apaixonante e rindo do seu excesso emocional.

Naquele momento, Rachel percebeu que a expressão “me desculpe” só era composta por duas palavras bem arranjadas, percebeu que não importava a mentira, Quinn estava lhe protegendo, como sempre. E que a dor que Quinn trazia dentro de si era igual ou maior que a sua... Só que Quinn estava cansada de lutar e precisava de alguém ao seu lado.

Rachel limpou os olhos delicadamente e ajeitou os cabelos. Respirou fundo e sorriu para o livro, antes de deixar a sala e enfrentar a situação bagunçada que tinha dentro de si. E, pela primeira vez naqueles oito anos... Se desculpar não era sinal de fraqueza. Pedir desculpas a Quinn era evidenciar a verdade sempre impressa em suas palavras. Desculpar-se era o mesmo que dizer “eu te amo”.


***


Quinn mentiu para Kurt e Dave. Ela não estava bem quando o trio se despediu em frente ao restaurante. Pelo contrário, a loira estava perdida. Sem saber a quem recorrer e sem saber por onde começar a se recuperar.

O encontro com Shelby fora inesperado e muito comprometedor. Quinn podia sentir toda aquela agonia e todo aquele desespero de volta. As mesmas sensações que sentira quando Beth, inocentemente, proferira as palavras que destruíram uma das poucas coisas reais e boas que ela tinha feito. Também recordou do sorrisinho vitorioso de Shelby quando as duas se encontraram para Beth ser entregue a mãe adotiva e também se lembrou do sorriso inocente de Puck, sem qualquer desconfiança sobre o que a mulher acabara de fazer.

Quinn lembrou-se de como esse acontecimento destruiu o pouco de esperança que ela ainda possuía. Ficou sem Rachel, sem Beth e sem a própria família. Senão fosse Kurt e Sam, ela não saberia dizer onde estaria agora...

Quinn acabou dando novo rumo aos seus pensamentos e eles encontraram Santana Lopez. A latina ainda estava sem falar com ela desde a discussão em sua sala, sobre Puck e Julianne. Quinn suspirou, ela não poderia julgar Santana por esconder que estava trabalhando para Julianne sendo que ela mesma estava escondendo as coisas de sua melhor amiga. Sinceridade importava, afinal.

Os passos aceleraram e quando Quinn deu por si, ela estava em frente ao prédio extremamente chique, onde Santana vivia. Sabia que a amiga não estaria ali ainda e que o expediente dela só acabava às 17 horas, sendo que ainda eram 15 horas... Mas alguma coisa a fez parar e entrar naquele prédio e alguma coisa a puxou para a cobertura. O porteiro sorriu quando a viu e, surpreendentemente, lhe disse que Santana já estava em casa. Com o coração aos pulos, Quinn entrou no elevador e esperou pacientemente para que os andares corressem diante de seus olhos.

Kurt e Sam eram seus protetores, mas Quinn precisava de uma melhor amiga agora. Nada ocuparia o lugar de Santana Lopez, nenhum conselho seria igual ao da latina. Quinn precisava de uma melhor amiga, precisava dos conselhos sinceros e das broncas repletas de palavrões. Quinn precisava se sentir segura e Sam estava quebrado demais para ajudá-la. E, mesmo depois de tantos anos, ninguém tirara de Santana Lopez a posição de segurança que Quinn dera a ela.

O elevador parou com um tranco e os passos de Quinn perderam a firmeza. Ela caminhou devagar pelo corredor, sentindo o peso de suas ações politicamente corretas e incorretamente sinceras em cada passo que dava. Parou em frente ao apartamento de Santana e, com as mãos trêmulas, deu três batidas leves. Ouviu movimentação do outro lado da madeira e se afastou, minutos depois, Santana abriu a porta. Trajando shorts e camisa folgados. A expressão da latina endureceu quando viu quem era, irônica, cumprimentou:

- O que foi, Fabray? O hobbit decidiu te dar o fora?

- Será que dá pra você parar de bancar a vadia e decidir ser a minha melhor amiga? – Quinn murmurou irritada e entre dentes, odiava quando o Satan resolvia aparecer em momentos inoportunos. O sorriso maligno de Santana aumentou. A latina fechou a porta atrás de si e cruzou os braços sobre o peito, Quinn revirou os olhos. – Eu meio que preciso dela no momento.

A expressão sorridente e sarcástica de Santana fechou-se em uma careta mal-humorada e ofendida. A latina desviou os olhos de Quinn e encarou os próprios pés, extremamente incomodada com a situação e com as palavras da ex-capitã. Após alguns segundos, Santana ergueu os olhos e encarou Quinn intensamente, foi a vez da loira sentir-se intimidada. A latina bufou e disse cansada:

- Sua melhor amiga meio que está muito magoada com você agora.

- Se eu pedir desculpas, o Satan sai daí? – Quinn perguntou baixinho, com um sorriso esperançoso nos lábios. Mas esse logo desapareceu, porque Santana permaneceu séria a encará-la, profundamente ofendida. Quinn trocou o peso nos pés e colocou as mãos no bolso da calça jeans que usava, encolheu os ombros. – Me desculpe, S. Eu não tinha o direito de cobrar de você algo que eu mesma não estava fazendo.

- Quinn, você abandonou sua própria filha. Desculpe, mas isso é demais até para mim. – Santana disparou furiosa, antes de desfazer o nó de seus braços e deixá-los cair ao lado de seu corpo. Os olhos esverdeados de Quinn semicerraram e ela ficou pálida, respirou fundo para dizer friamente:

- Eu não abandonei minha filha, Lopez. Se você tivesse parado para me escutar, talvez soubesse que foi Beth quem me pediu para se afastar.

As palavras de Quinn calaram Santana e fizeram a latina repensar sobre tudo que pretendia falar para a amiga. Ela esperava qualquer desculpa de Quinn, menos aquela. As coisas mudavam totalmente agora, a dúvida sequer passara pela cabeça de Santana. Era óbvio que Quinn estava dizendo a verdade. Aqueles olhos esverdeados estavam feridos demais para não dizerem nada além da dor.

Santana engoliu a própria saliva diversas vezes e ficou observando todas as atitudes de Quinn. O respirar profundo e lento, as mãos nervosas que alisavam o tecido da camisa branca, o olhar perdido que agora vagava pelos detalhes em gesso no corredor... A latina sentiu o peso do mal julgamento em seus ombros, não dera a chance para que Quinn pudesse se defender.

E Quinn ainda estava ali, parada em frente a sua porta e pedindo um pouco de consideração. O coração de Santana doeu pela segunda vez naquele dia. Quinn deu as costas para ela e caminhou com os ombros caídos pelo corredor, Santana respirou fundo e pigarreou. Quinn parou e, discretamente, olhou por cima do ombro. Santana sorriu para ela e disse:

- Ande logo, Juno. Você precisa de um pouco de colo.

- Eu ainda quero minha melhor amiga, tire o Satan daí. – Quinn comentou brincalhona, abrindo um sorriso aliviado e sendo recebido pelos braços morenos de Santana. A latina a abraçou com força, enquanto murmurava pedidos de desculpa e a puxava para dentro. Quinn se entregou para a amiga e se deixou conduzir porta adentro. Santana a colocou sentada no confortável sofá branco e, gritando pelos ombros, perguntou:

- Prefere conversar sóbria ou bêbada?

- Sóbria, eu não tenho boas lembranças quando fico bêbada. – Quinn respondeu com uma gargalhada, escutou Santana rir e ouviu os barulhos de copo e garrafas da cozinha. Santana voltou minutos depois, com uma garrafa de cerveja nas mãos e um copo de água para Quinn. A loira tomou um gole enquanto Santana sentava-se na poltrona, em frente a ela e a observava cautelosamente. Santana suspirou e disse melancólica:

- Do jeito que a minha vida anda, eu preciso tomar um bom porre e ter amnésia alcoólica.

Quinn arqueou a sobrancelha para Santana, a latina a olhou confusa e as duas acabaram rindo, se entendiam com os olhos... Era um resquício da amizade do ensino médio. Quinn tomou mais um gole de sua água, podia ver que Santana estava tão quebrada quanto ela. Quem seria a primeira a falar? As duas se olharam mais uma vez, Santana tomou um longo gole de sua garrafa e aquela era a deixa dela para que Quinn começasse a falar. A professora suspirou e disse cansada:

- Encontrei com a Shelby hoje. Estava almoçando com Kurt e Dave e ela apareceu no restaurante.

- O que ela queria? – Santana questionou curiosa, mesmo não sabendo direito o que tinha acontecido entre Quinn, Shelby e Beth, achava que a mãe adotiva de Beth não era a pessoa que Quinn queria ver no momento. Quinn deu uma risada fria e sarcástica, brincou com o copo por breves segundos antes de responder amarga:

- Me culpar pelos próprios erros, como sempre. Aparentemente, sou o bode expiatório mais usado da cidade.

Santana não conseguiu segurar a risada e acabou gargalhando de novo, Quinn lançou um olhar ofendido para a amiga, mas logo acabou rindo também. O sorriso leve brincava nos lábios da loira enquanto Santana engolia mais da metade da garrafa em um só gole. Santana olhou de esguelha para Quinn que se ajeitara no sofá de pernas cruzadas e disse irônica:

- Essa é a hora que você começa a desabafar, Fabgay. Lembra que você disse que falar fazia bem?

- Primeira coisa, Lopez... Da onde você tirou Fabgay? – Quinn questionou irritadiça, mas só foi olhar para a cara hilária de Santana que ela começou a rir. Quinn jogou uma almofada na latina que revirou com outra, uma pequena guerra de almofadas começou, até que as duas se olharam ofegantes. Quinn respirou diversas vezes, não pela falta de ar e sim, pelo nervoso. Olhou para Santana uma par de vezes e abaixou a cabeça toda vez que pensava em falar... Também abriu a boca muitas vezes, para fechá-la em seguida, com as palavras presas em sua garganta.

Santana inclinou a cabeça, preocupada. Ela nunca proferira em voz alta, mas achava Quinn muito corajosa, ainda mais depois de tudo que aconteceu com ela. Só que agora, a ex-head cheerio parecia extremamente frágil e quebradiça. Santana levantou-se da poltrona e colocou a garrafa sob a mesinha de centro, sabia que depois ia se lamentar pela marca que ficaria na madeira, mas sua amiga precisava dela no momento. Santana sentou-se ao lado de Quinn e ergueu o rosto da loira com um gesto delicado, sorriu gentilmente e aconselhou:

- Você não precisa falar senão estiver pronta.

- Se eu não falar sobre isso, serei incapaz de enfrentar e toda vez que ver Shelby, Puck ou Beth... Vou chorar igual a uma criança e você sabe que eu larguei as crises de choro há algum tempo, S. – Quinn tentou dar um sorriso e tentou parecer forte, mas o simples afago de Santana em seus cabelos fez com que a loira deixasse algumas lágrimas rolarem. Santana as limpou delicadamente e depois, segurou as mãos de Quinn sobre seu colo, apertou-as e com um sorriso, disse:

- Chorar é bom, Quinnie... Abuela dizia que as lágrimas limpam a alma e curam o coração.

- Se eu chorar mais um pouco, seco meu reservatório. Ou esqueceu o tanto que chorei nessa vida? – Quinn estava mais bem-humorada agora e Santana deu um sorriso amigável diante da piadinha sem graça. A loira pareceu pensar no que falar por alguns segundos, mas logo em seguida, uma expressão mais calma e contida tomou seu rosto. – Eu não vejo Beth há dois anos.

- Isso eu já sei, Q. – Santana dissera um pouco impaciente, recebendo um suspiro de Quinn em troca. A latina percebeu que era melhor ficar calada e resolveu se recolher a sua ignorância, mantendo-se calada enquanto observava Quinn brincar com os dedos ao dizer:

- No dia do aniversário de cinco anos de Beth, ela me pediu um presente. Eu já tinha dado e estranhei, mas perguntei o que ela queria. Beth disse para eu me afastar da família dela, disse que eu a confundia.

- Uma criança de cinco anos seria incapaz de falar isso! – Santana não se conteve e acabou disparando as palavras com uma violência que assustou Quinn, a latina estava em pé e andava de um lado para o outro, colérica. – Nós podemos processá-la, não sei como funciona o processo de adoção, mas você ainda é a mãe biológica de Beth e...!

- S, por favor, calma. – Quinn pediu ansiosa, puxando a amiga pelo braço levemente. Santana relutou a princípio, mas logo cedeu e voltou a se sentar ao lado de Quinn, mas não sem lançar um olhar indignado antes. Quinn fez uma careta e ignorou a amiga, olhando para as paredes pintadas em azul claro. – Eu não quero me meter de novo na vida deles... O que Shelby fez foi errado, mas é exatamente o que eu faria se estivesse no lugar dela.

- Mas você não esqueceu Beth e nunca vai esquecê-la. Porra, Q... Aquela garota saiu de dentro de você! – A voz de Santana elevou-se um pouco, Quinn deu algumas risadinhas contidas e alguns sorrisos tristes diante da explosão emocional da amiga. Santana bufou e cruzou os braços, Quinn ergueu os olhos esverdeados e respirou fundo antes de dizer simplista:

- Eu sei, S... Eu a amava antes mesmo de conhecê-la e é por isso que eu estou deixando tudo como está. Sabe-se lá o que Shelby pode resolver fazer com Beth se eu arriscar um segundo contato e mais, sabe-se lá o quanto Beth sofrerá com isso.

Santana, mais uma vez, se calou. A energia que transbordava nos olhos e na fala de Quinn era extremamente tranqüila e incrivelmente amena, Santana não conseguia denominá-la por outro nome a não ser amor maternal. A latina sempre soube o quanto Beth era importante para Quinn, mas nunca viu os sentimentos de sua amiga tão a prova. Inesperadamente, Santana rompeu a distância entre elas e abraçou a amiga, afagando-lhe os cabelos. Quinn riu brevemente, antes de passar os braços pelos ombros de Santana.

Nesse instante, a campainha tocou, interrompendo um dos raros momentos entre as duas. Santana olhou curiosa para a porta e se levantou, Quinn fez o mesmo e apanhou sua bolsa no trajeto. A loira estava cansada e precisava descansar, a conversa com Santana ficaria para depois. Enquanto isso, Santana abria a porta e deparava-se com um Sam Evans completamente desolado em sua soleira. A latina olhou espantada para ele e perguntou assustada:

- Quem morreu?

- Meu coração, minha mente, meu orgulho... – Sam murmurou vagamente, entrando no apartamento de Santana e jogando-se no sofá que Quinn estava sentada, com a bolsa sobre o colo. O rapaz cumprimentou a amiga com um sorriso e Quinn se aproximou, aplicando-lhe um beijo nos cabelos castanho-claros. Santana fechou a porta com uma batida rude e disse irônica:

- Desde quando a minha casa virou centro de terapia?

- Vejo que o bom humor e os sentimentos foram embora... Portanto, essa é a minha deixa para ir também, não quero presenciar a crise bêbada de vocês. – Quinn anunciou entediada, colocando-se em pé e caminhando até a porta. A meio caminho da porta, Quinn abraçou Santana e aplicou um beijo na bochecha dela antes de sair porta a fora. Sam gargalhou em seguida e Santana disparou contra ele:

- Nem ouse comentar.

Sam fez um sinal de inocência com ambas as mãos, provocando risos em Santana. A latina sentou ao lado de Sam e esperou, mas o rapaz não falou imediatamente. Precisaram de mais alguns segundos e alguns suspiros pesados para que Sam dissesse amargurado:

- Mercedes voltou a cidade.

- Quer falar sobre isso ou prefere beber? – Santana questionou preocupada, mas incrivelmente calma. Ela só queria pegar Mercedes e moer na pancada agora. Sam fez um número dois com os dedos e Santana foi até a cozinha, voltando com duas garrafas de vodka. Sam olhou intrigado para ela e perguntou:

- O que diabos aconteceu com você?

- Acho que estou apaixonada por Julianne Urie. – Santana respondeu inconsolável e abrindo a tampa da garrafa, cheirou o líquido incolor e franziu o nariz diante do cheiro forte. Sam assustou-se com a confissão, mas nada disse, contemplou a garrafa cheia em suas mãos e olhou de esguelha para Santana. A latina estava parada na mesma posição que ele. Sam pigarreou e, tomando um imenso gole da bebida, disse rouco:

- Acho que precisamos de um porre hoje.

- Sim, talvez a ressaca de amanhã nos ajude a esquecer as merdas que nos aconteceram. – Santana comentou sarcástica e fez um pequeno brinde com Sam. Os dois tornaram a engolir mais uma dose de álcool e encararam o nada.

O silêncio e a vodka pareciam ser as melhores companhias naquela noite. Ambos só não choravam porque tinham um ao outro para se apoiar.


***


Quinn estava tentando se distrair, já era alta madrugada e ela agradecia pelo dia seguinte ser sábado. Mesmo tendo o jantar de Kurt para ser enfrentado, ela poderia dormir a manhã inteira. Portanto, a loira ligara a TV, colocara o filme “Tomates Verdes Fritos” e se encolhera, tentando prestar atenção as cenas.

Mas era impossível quando o filme falava sobre amigas, paixões e tudo mais.

Por que tudo tinha que lembrar Rachel Berry?

Quinn desviou os olhos da TV e foi até o escritório, apanhou os ensaios sobre “O Morro dos Ventos Uivantes” que seus alunos fizeram e colocou os óculos de grau, preparando-se para corrigi-los. Tinha que ocupar a cabeça com outra coisa sem ser uma morena que tinha a arte para deixá-la maluca de preocupação.

Quinn prometera esperar o tempo que fosse, mas uma resposta rápida não faria mal.

Mal acabara de ler a primeira linha do primeiro trabalho quando escutou batidas na porta. Quinn revirou os olhos e se levantou do sofá, provavelmente, era Sam quem estava batendo. Completamente bêbado e carente. Se fosse ele, Santana estaria morta antes mesmo do raiar do dia. Quinn rompeu a distância entre a sala e a porta e abriu abruptamente.

Seu queixo caiu e suas mãos tremeram. Rachel Berry estava parada a sua frente, olhando para o chão e mordendo o lábio nervosamente. Quinn engoliu em seco, apertou a madeira da porta e respirou fundo. Rachel ergueu os olhos lentamente para ela e Quinn percebeu que eles cintilavam. A morena deu um pequeno sorriso e perguntou corando:

- Atrapalho alguma coisa?

- Não... Só estava começando a corrigir alguns trabalhos. – Quinn respondeu rapidamente, abrindo espaço para que Rachel entrasse. A morena agradeceu com um aceno na cabeça e caminhou lentamente para dentro, esperou que Quinn fechasse a porta antes de seguir a loira até a sala. Quinn parou na metade do caminho. – Quer alguma coisa para beber? Água? Vinho? Suco?

Quinn já estava indo para a cozinha quando Rachel segurou o pulso da loira delicadamente. O toque de pele com pele sentindo há tanto tempo, queimou. Quinn parou todos os seus movimentos e um sorriso sincero e extremamente iluminado tomou a boca de Rachel. A morena afagou o pulso pálido com movimentos circulares de seu dedão e murmurou:

- Só... Fique aqui e converse comigo, por favor.

Quinn ficou calada e parada no mesmo lugar, por alguns momentos, esquecera de respirar e, agora, estava ofegante. Nunca imaginaria que Rachel viria até ela tão rápido. Rachel a puxou para o sofá e as duas se sentaram lado a lado, estranhamente distantes e envergonhadas. A morena soltou o pulso de Quinn e a loira desejou que ela não tivesse feito isso. Quinn cruzou as pernas enquanto Rachel esticou-as. Ambas permaneceram de cabeça baixa.

Quinn brincou com a estampa escura de seu sofá enquanto Rachel olhava para a TV, parecendo interessada na cena que se passava. Esta, envolvia Idgie e Ruth deitadas embaixo de uma árvore enquanto deliciavam-se com o mel recém-colhido. Quinn remexeu-se incomodada e insegura, começou a dizer:

- Me desculpe por não ter contado, eu...

- Tudo bem, Q. – Rachel respondeu rapidamente, ainda sem desviar os olhos da tela. Quinn ficou ofendida pelo tom da morena e pela forma como ela estava prestando atenção no filme. A loira abaixou a cabeça e suspirou, decepcionada. Rachel percebeu e olhou para ela, a morena afagou os cabelos dela e Quinn tremeu diante de seu toque. – Eu que me desculpo, eu não tinha o direito de te pressionar. Eu não sou mais assim, eu não vou te sufocar.

- Você não me sufocou, só é difícil pra mim. – Quinn respondeu um pouco manhosa, fechando os olhos enquanto sentia os dedos de Rachel percorrerem seu couro cabeludo. A morena riu das sensações que causava na loira, mal sabia Quinn que ela estava tremendo e ofegante.

Rachel era extremamente apaixonada por aquela ex-cheerio, cheia de cicatrizes e repleta de fantasmas do passado. E não era de hoje e nem era tão fraco a ponto de acabar com uma simples discussão sobre sinceridade. Era muito mais forte do que qualquer coisa que ela sentira. Finn era um nada perto de Quinn. Quinn era seu tudo.

Rachel continuou a remexer nos cabelos de Quinn, aproximou-se aos poucos e ficou de joelhos em frente a loira. Quinn levantou a cabeça e abriu os olhos, encontrando os olhos castanhos de Rachel a observá-la com atenção e um sorriso brincalhão nos lábios carnudos. Quinn ergueu a mão e afagou a bochecha de Rachel, foi a vez da morena fechar os olhos e suspirar. Quinn aplicou um beijo ali e disse cansada:

- Vamos parar com isso? Eu não tenho mais como resistir a você.

- Eu não vim aqui para brigar. – Rachel tinha uma expressão de pura felicidade agora. Ela aproximou-se e aplicou um selinho demorado nos lábios de Quinn, a loira sorriu ainda com os lábios juntos aos de Rachel. Se afastaram e Quinn abriu a boca para responder, mas Rachel colocou o indicador sobre os lábios dela. – Muito menos para conversar.

Quinn acenou com a cabeça e encolheu os ombros, não escondendo o sorriso quando Rachel aproximou-se ainda mais e aconchegou-se em seu colo. Quinn deitou no sofá e Rachel deitou um pouco mais a frente dela. A morena beijou a palma da mão de Quinn e puxou o braço dela sobre a sua cintura. Em seguida, beijou-lhe o pescoço e suspirando, disse:

- Mas só para constar, eu que peço desculpas. Só quero que você permita que eu comece a curar suas feridas, assim como você vem curando as minhas.

Quinn sorriu aliviada e beijou o topo da cabeça de Rachel, para apertá-la em seguida e murmurar no ouvido dela:

- Eu te amo, Rachel.

Rachel sorriu contra a pele sensível do pescoço de Quinn e arranhou a nuca da loira levemente. Quinn sequer percebeu que aquela era a primeira vez em que ela dizia, em voz alta, que a amava.

Rachel fechou os olhos, sentindo os dedos de Quinn em seu couro cabeludo e os beijos delicados em sua cabeça. O cheiro amadeirado de Quinn a embriagava e o corpo pálido e tão quente a fazia sentir-se segura como nunca.

Lentamente, as duas foram carregadas para o sono... Dessa vez, sem culpa e sem receio. Com todas as palavras ditas e todos os sentimentos expostos. As respirações ritmaram-se, assim como os corações e as duas adormeceram no exato momento em que Idgie e Ruth se encontravam pela segunda vez na tela.


***



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Notas finais do capítulo

O que acharam? Muitos acontecimentos para um capítulo só, não é? HSUASHUASHUASHUASHUAS
Espero que tenham gostado desse rolo todo. No próximo capítulo, teremos esse jantar maluco do Kurt. Será que vai dar certo? HAUAHUAHUAHUAS
Comentem, por favor. Preciso saber o que vocês acham das histórias de Santana, Sam e Faberry.
PS: O Michael foi baseado no ator Javier Bardem.
Por favor, comentem!
Beijos e até a próxima.