Signal Fire escrita por Fernanda Redfield


Capítulo 13
Encaixe


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoas!
Eu sei, eu sei... Eu demorei e me envergonho muito disso!
Mas espero que compreendam que a minha faculdade é quase que uma escravatura disfarçada u.u
Brincadeiras a parte, eu escrevi esse capítulo com muito esforço. A inspiração não tem colaborado comigo nos últimos tempos... Espero que gostem, boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/177324/chapter/13

Capítulo 13: Encaixe

           

            As pálpebras estavam pesadas e a morena demorou a abri-las. O local onde estava deitada era macio e muito confortável, uma pálida mão feminina repousava sobre a sua cintura enquanto a outra servia de apoio e o braço era o travesseiro para sua cabeça. Rachel sorriu ainda de olhos fechados e aconchegou-se ainda mais ao corpo que a amparava. As mãos morenas percorreram a pele quase translúcida e acariciaram os dedos enganchados em sua cintura. Ronronou quando aspirou o perfume amadeirado, se arrepiou quando sentiu uma respiração lenta e ritmada em sua nuca... Tudo não podia estar menos do que perfeito.

            - Pare de sorrir e volte a dormir, morena. – A rouquidão na voz sonolenta de Quinn e a proximidade da boca da mesma a sua orelha fizeram com que Rachel se arrepiasse ainda mais. O sorriso da morena aumentou em seus lábios, ainda mais se era possível. – Ainda é cedo.

            Rachel mexeu-se no abrigo improvisado que Quinn fizera para seu corpo, movimentou-se de forma que ficasse de frente para ela. Quinn a recebeu com os olhos castanho-esverdeados pesados e um sorriso de lado cansado. Rachel aproximou-se dela e aplicou um beijo leve na bochecha, Quinn a manteve próxima, enquanto afagava seus cabelos e a puxava para se esconder em seu pescoço. Rachel deu um beijo ali e aspirou o perfume amadeirado que estava ainda mais forte naquela região, depois, jogou sua perna sobre o quadril da loira enquanto a abraçava pela cintura. A morena fechou os olhos e disse:

            - Eu não vou conseguir dormir com você assim, tão perto.

            - Saudades? Não sabia que eu provocava tudo isso em Rachel Berry. – Quinn comentou um pouco irônica, mas cheia de si também. As vibrações da risada dela fizeram-se sentir nas mãos de Rachel que afagavam sua barriga, Rachel deu leves beliscões ali e mordeu o pescoço de Quinn em forma de protesto, Quinn riu ainda mais. Rachel afastou-se da loira e disse sorridente:

            - Claro que provoca e devo constar que é só a senhorita que me deixa assim tão dependente. Devo dizer até que estou diante de um vício extremamente saudável.

            - Vou ignorar o fato de que isso soou extremamente “crepusculiano” para mim e vou me concentrar na sinceridade da frase. – Quinn comentou com a sobrancelha arqueada e arrancando uma risada de Rachel. A morena tornou a movimentar e sentou sobre os quadris de Quinn, cruzando os braços na altura dos seios e olhando superior para a loira debaixo de si. Quinn permaneceu com a sobrancelha arqueada, desafiando Rachel enquanto sentava-se no sofá e colocava as mãos na cintura da morena. Rachel pigarreou e disse dramaticamente ofendida:

            - Esqueci que não posso bancar a amante romântica quando falo com uma professora de literatura que, aparentemente, tem PhD em romances clichês do século XXI.

            - Primeiramente, eu adoro o fato de você ser romântica e linda. – Quinn murmurou em tom conspirador, como se o que falara fosse um segredo sem precedentes, como se proferir aquilo em voz alta fizesse todas as pessoas do mundo repararem em sua Rachel. A morena corou e abaixou a cabeça, perdendo todo o ar dominador e assumindo um ar envergonhado e bobo. Quinn ergueu a face dela e beijou-lhe a bochecha. – E eu não tenho PhD em romances clichês, apenas um mestrado em Literatura Britânica do Século XIX.

            Rachel riu quando percebeu quão orgulhosa Quinn era da sua profissão, a loira nunca saberia, mas Rachel a admirava muito no momento. Estava ali, apaixonada por uma profissão que nunca havia cogitado seguir, lidando com seus fracassos e estando feliz com o que a vida lhe colocava. E não era conformismo, era apenas... Felicidade. Rachel queria que o mesmo acontecesse com ela dali para frente. A morena segurou o rosto de Quinn entre suas mãos e beijou os lábios finos docemente antes de dizer:

            - Não vou comentar quão arrogante você soou agora.

            - Isso não importa, arrogância costumava ser uma das características de Edward Cullen. – Quinn comentou em tom sarcástico, arrancando uma gargalhada gostosa de Rachel que jogou o corpo contra o dela, sendo amparada por Quinn. As duas riram por vários segundos, até que, finalmente, pararam ofegantes e se olharam nos olhos.

            Quinn tirou uma mecha castanha que estava sobre os olhos de Rachel e deslizou a mão pelos cabelos escuros e ondulados, enrolando os dedos enquanto beijava a mandíbula da morena. Rachel fechou os olhos, apertando os ombros de Quinn enquanto respirava com dificuldade. Quinn afastou-se apenas para olhá-la, querendo marcar em sua mente quão bonita Rachel Berry estava.

            Ofegante, com os cabelos levemente bagunçados, mordendo o lábio inferior com nervosismo, os olhos castanho-escuros brilhante, usando jeans e camiseta folgada. Tão normal e tão bela... Quinn se perguntava como não repara isso desde o primeiro ano que se conheceram. Da mesma forma que Rachel Berry perguntava-se de onde vinha a sorte por ter aquela mulher incrível contigo, Rachel pigarreou para chamar a atenção de Quinn e murmurou:

            - Eu te amo.

            O coração de Quinn acelerou e quase rompeu com sua caixa torácica. Ela abaixou a cabeça enquanto corava, mas Rachel levantou seu rosto e sorriu para ela, completamente entregue. Quinn escondeu-se no peito da morena e Rachel gargalhou diante de sua súbita timidez. A morena respirou fundo para tomar fôlego e comentou sarcástica:

            - Desde quando Edward Cullen tem vergonha?

            - Ele não tem, mas sabe... Eu e ele temos uma coisa muito importante em comum, quer saber? – Quinn soou misteriosa, atiçando a curiosidade de Rachel, olhando para ela com um brilho diferente em seus orbes esverdeados. A morena acenou afirmativamente com a cabeça e recebeu um selinho nos lábios. – Nós dois amamos demais duas morenas... Só que, Edward que me desculpe, mas a minha morena e ainda mais linda do que a dele.

            Foi a vez de Rachel se esconder. Quinn riu quando a respiração ofegante dela tocou a pele sensível se seu pescoço, as duas se olharam novamente com os olhos a brilharem dessa vez. Rachel beijou a bochecha da loira e abriu um sorriso, antes de dizer, tristonha:

            - Só que meus pais não são tolerantes como Esme e Carlisle... Você vai ter que me levar pra casa.

            - Eu não tenho um Volvo prateado, serve um Ford sedan de segunda mão? – Quinn perguntou entre risadas e recebeu um tapa de leve na testa, seguido por um beijo e depois, uma gargalhada de Rachel...

            Rachel não encontrara a imortalidade, mas sabia que o amor eterno estava ali, em seus braços. E ela não precisava de nenhum Edward Cullen quando tinha Quinn Fabray a puxando pela mão.

            - Não desça, eu vou te acompanhar até a porta. – Quinn anunciou com um sorriso cavalheiresco antes de sair do carro para a noite razoavelmente fria de Lima. Rachel observou a loira pelo vidro do carro, os olhos castanhos brilhavam como nunca e nem mesmo o frio da porta aberta por Quinn foi capaz de fazer desaparecer o calor natural que exalava da morena.

            - Nossa, está frio aqui fora! – Rachel comentou incomodada quando uma brisa mais fria tocou seus ombros, Quinn riu dos dentes da morena que batiam e do tremor do corpo dela. A loira aproximou-se e envolveu os ombros da pequena com um abraço de lado, beijou a região temporal da cabeça de Rachel e murmurou:

            - Essa não é uma desculpa para eu te abraçar, certo?

            - Talvez seja, nunca saberá essa resposta, Q... – Rachel respondeu com um sorriso misterioso e aconchegando-se ainda mais ao abrigo quente e perfumado que Quinn montara em seus próprios braços. As duas atravessaram lentamente o gramado da residência dos Berry, ambas em silêncio. Só a respiração de duas produzia um som baixo e confortável.

            Rachel suspirou e olhou para os próprios pés, concentrando-se em manter-se caminhando quando tudo que queria era parar e olhar para Quinn mais um pouco. Ao seu lado, no mesmo ritmo que ela, Quinn mantinha os olhos fixos a varanda dos Berry, com um sorriso de lado brincando em seus lábios, a professora colocou uma das mãos no bolso da calça que usava e a outra apertou o ombro de Rachel.

            A morena parou assim que as duas alcançaram a varanda da casa, Rachel virou-se para uma Quinn apreensiva e desconfortável. A pequena beijou a bochecha da loira e colocou uma mecha loira no lugar antes de perguntar:

            - O que foi, Q?

            - Estou tentando reunir coragem para te fazer um pedido... – Quinn respondeu evasiva, tentando colocar um pouco mais de firmeza em sua voz fraca. Rachel surpreendeu-se, mas sequer demonstrou. A morena afagou a bochecha de Quinn com um sorriso no rosto, aproximou-se novamente e aplicou um beijo delicado nos lábios rosados, tornando a perguntar:

            - O que é? Prometo que não vou negar.

            - Eu sei que não vai, você é louca por mim, Berry. – Quinn respondeu um pouco mais tranqüila, mas ainda havia resquícios de sua insegurança que não foram abafados pelos risos de Rachel. Quinn a abraçou e massageou a nuca dela antes de posicionar a boca próxima ao ouvido de Rachel. – Eu quero que você vá comigo a um jantar amanhã, não somos nós duas sozinhas... Mas você tem que ir, vai ser uma situação desconfortável para mim e a única pessoa que tem me sustentado, é você.

            As palavras de Quinn produziram um efeito reconfortante em Rachel. A morena apertou o tecido da camisa da loira próximo a base das costas, depois, afundou a cabeça no peito dela e abriu um sorriso quando sentiu as delicadas mãos femininas de Quinn massagearem sua nuca. Somente pelo toque da outra, Rachel já pode notar a importância que aquele jantar misterioso tinha para ela. A morena permaneceu calada, arranhando a base das costas de Quinn por cima do tecido e suspirando.

            Quinn tentava não parecer tão ansiosa, mas seus toques rápidos e inseguros a denunciavam. A professora respirou fundo, temendo que Rachel se negasse a sair com ela... Afinal, as duas mal tinham feito as pazes. Mas, como sempre, Rachel Berry a surpreendeu. A morena ergueu o rosto, ainda com o corpo colado ao seu e sorriu aquele sorriso brilhante e iluminador, depois, beijou-lhe o queixo e disse:

            - Se a minha presença é assim tão importante, eu vou com você para qualquer lugar.

              Quinn sorriu para ela e as duas se olharam mais uma vez, com tanto sentimento naqueles olhares intensos que foi desnecessário qualquer palavra ou qualquer manifestação de carinho. Rachel voltou a abraçar Quinn que a recebeu de bom grado, a morena não deixou de notar que elas se tornavam cada vez mais íntimas a cada contato. As mãos de Quinn estavam em sua cintura, apertando e beliscando sua pele com carinho. Rachel enganchou os dedos no cabelo loiro e a puxou para perto... As duas estavam prestes a se beijar quando ouviram um pigarro atrás de si.

            Hiram Berry estava parado atrás das duas e a expressão dele estava franzida quando Quinn e Rachel se viraram para olhá-lo. O braço de Quinn que ainda estava enlaçando o ombro de Rachel sentiu quando a postura da morena se tencionou, a loira viu os olhos de Rachel semicerrarem-se e os lábios crisparem-se. Quinn viu Rachel fuzilar o pai enquanto Hiram pigarreava mais uma vez e perguntava grosseiramente:

            - Sabe que horas são, Rachel?

            - Eu sou maior de idade, papai. Além do mais, eu estava com Quinn. – Rachel respondeu evasiva e saindo do abraço de Quinn, a loira encolheu-se e acenou desconcertada quando os olhos frios de Hiram chegaram a ela. Quinn nunca tinha recebido um olhar daqueles de Hiram Berry. Rachel bufou e revirou os olhos, Hiram a encarou com desgosto e tornou a bronquear:

            - É justamente por isso que eu estava preocupado, vocês duas não tinham brigado?

            - Sr. Berry, me desculpe pela demora. Nós duas perdemos a hora e eu assumo a culpa pelo atraso. Rachel já está entregue, não precisam discutir por causa disso. – Quinn tentou apaziguar o clima que já estava insustentável. Rachel voltou-se para ela e lhe lançou um olhar obstinado e protetor, Hiram Berry trocou o peso do corpo nos pés e suspirou. O homem olhou para as duas, irritadiço e contra-atacou:

            - Está enganada, Fabray. Esse assunto não lhe diz respeito, é sobre pais e filha.

            Quinn engoliu em seco, em um misto de surpresa e medo ao escutar o tom de voz do homem. Hiram estava sendo frio e distante, ela nunca tinha escutado aquele tipo de voz dele. Quinn olhou para os próprios pés, sentida o bastante para olhá-lo nos olhos. Rachel aproximou-se dela e segurou-lhe a mão enquanto bradava furiosa ao pai:

            - Sua briga é comigo, papai! Isso não te dá o direito de descontar tudo em Q!

            - Aliás, acho que me expressei mal. – O tom de voz de Hiram estava irônico agora, ele tinha um sorrisinho desdenhoso e Quinn sentiu sua mão quase ser esmagada por Rachel. – Afinal, isso se refere a você de qualquer jeito, Fabray. A você e tudo que você significa na vida de Rachel.

            - Não fale assim com ela! – Rachel tomou a frente da discussão, Hiram surpreendeu-se com a coragem e garra de sua filha, parecia que ela se agigantara quando foi necessário que defendesse Quinn. A loira franziu as sobrancelhas e tocou os braços morenos delicadamente, Rachel relaxou e Quinn murmurou fria:

            - Eu vou embora, Sr. Berry. Eu não vou mais aparecer na porta de sua casa se isso te incomoda tanto.

            - Você não vai a lugar algum, amor! – Rachel gritou algumas oitavas acima de sua voz normal, Quinn teve muito trabalho para conter o sorriso que veio aos seus lábios quando Rachel a chamou por aquele vocativo. Hiram apertou os punhos ao lado do corpo, com o rosto contorcido em uma expressão de ódio. Rachel virou-se para ele, mostrando sua mão entrelaçada a de Quinn. – Nós estamos juntas e se você a tratar assim, estará me ferindo também. Eu não sei o que te fez mudar de ideia... Mas Quinn me faz feliz. Eu fui privada dessa felicidade por sete anos, não vou abrir mão dela agora. Eu a amo e vou ficar com ela e se for preciso, eu posso passar por cima de tudo, até do senhor.                       

            A expressão de Hiram saiu da fúria para a tristeza em questões de segundos, Quinn tentou conter Rachel, mas a morena entrou dentro da casa e desapareceu, deixando a loira sozinha com Hiram. O homem tirou os óculos e massageou a ponte entre os olhos, ainda sem suas lentes, olhou frio para Quinn e murmurou:

            - Eu não sei o que você quer com ela agora, Fabray.

            - Eu quero amá-la, Sr. Berry. Você e seu marido sempre souberam que nós duas tínhamos algo que nos ligava que era muito mais forte do que uma simples amizade. – Quinn teve que respirar fundo nesse momento, porque sua voz falhou diante da força das palavras que ela estava tendo coragem para proferir. Seus olhos esverdeados não se rebaixaram diante dos escuros de Hiram, essa troca de olhares disse muito mais que as palavras que vieram a seguir. – E eu vou lutar por isso que eu sinto, eu quase a perdi pela segunda vez... E não pretendo perdê-la de vez. Rachel quer isso, eu também. Portanto, nós duas vamos viver, independente de sabermos o seu julgamento.

            - Você é diferente, Quinn. Mas não deixa de ser uma Fabray. A mesma Fabray que pisou diversas vezes no orgulho da minha filha, que a humilhou em todas as oportunidades que teve e que fez da vida dela um inferno. – Hiram proferiu as palavras sem remorso algum, mesmo diante das lágrimas grossas e pesadas que chegaram aos belos olhos esverdeados. Quinn suspirou e limpou os olhos com a costa da mão, sentindo todo o seu interior remoer-se com aquelas palavras que eram uma verdade da qual ela se envergonhava. – Se ela está sem sonhos e sem esperanças hoje, é por sua culpa.

            Quinn engoliu em seco, abriu a boca diversas vezes, mas nenhuma palavra conseguiu chegar aos seus lábios. Parecia que um aperto invisível sufocava sua garganta e a impedia de falar, talvez não existisse desculpa para o que fizera, talvez não merecesse perdão algum...

            - Ela não é culpada pelas decisões que eu tomei! – Rachel esbravejou em um misto de surpresa e irritação enquanto puxava uma pequena mochila com uma das mãos e batia a porta da frente com a outra. Os olhos de Hiram fecharam-se diante do estrondo da porta, Rachel passou esbarrando por ele e chegou-se a Quinn que apanhou sua mochila. O trio, encarando-se com fúria, ouviu passos atrás de si.

            A figura alta e forte de Leroy Berry postou-se entre a troca furiosa de olhares. O homem negro olhou de sua filha e Quinn para Hiram que permanecia com a expressão furiosa e tornando-se levemente vermelha aos poucos. Leroy fez uma cara confusa e franziu a testa ao perguntar severo:

            - O que está acontecendo aqui?

            - Eu estou indo embora, pai. Vou morar com Quinn por uns tempos... – Rachel respondeu decidida e apanhando a mão de Quinn entre as suas com determinação, a professora teve que morder o lábio inferior para conter o sorriso satisfeito que estava querendo tomar seus lábios, Quinn apertou a mão de Rachel de volta e a morena lhe deu uma olha de esguelha, piscando. Leroy observou as duas e perguntou confuso:

            - Por que? Não é muito cedo?

            - Eu me recuso a responder isso, pai. Está tarde e eu e Quinn estamos cansadas, pergunte ao papai o que aconteceu. Garanto que ele vai adorar repetir tudo o que disse para nós ao senhor. – Rachel disse sarcástica antes de apanhar a mão de Quinn e puxá-la para o jardim dos Berry, em direção ao carro enquanto ignorava os chamados de Leroy Berry.

            Diante da postura imponente da parceira, Quinn recolheu-se ao silêncio e apenas concentrou-se em entrar no carro e dar partida. Mas suas mãos tremiam das palavras que escutara de Hiram e ela derrubou as chaves no chão do carro. Agachou-se para pegá-las, ainda trêmula e antes de levantar-se, sentiu os dedos de Rachel em sua nuca, massageando e relaxando suas sensações. Sentiu quando a morena se aproximou e beijou uma região próxima ao seu ouvido, dizendo rouca:

            - Relaxa, amor. Vamos para casa.

            Quinn sequer pode dizer não.

###

            Dor de cabeça latejante, péssimo hálito, misto de moleza e dor pelo corpo...

            Sam Evans nem sequer surpreendeu-se com aquelas sensações. De certa forma, seu corpo estava acostumado a acordar de ressaca noite após noite desde que Mercedes Jones voltara a sua vida. O rapaz ergueu o tronco e uma expressão de dor tomou seu rosto cansado, seu braço amortecido chamou sua atenção. Santana Lopez estava literalmente babando em sua camisa enquanto ressoava levemente, a respiração dela estava calma e bem ritmada. Sam só conseguia rir diante da tranqüilidade que Satan emanava.

            Mas descobriu que rir doía quando uma pontada particularmente forte atingiu sua têmpora. O rapaz massageou a região, mexendo-se e sentindo pontadas em todas as partes do corpo. Ele dormira no sofá com Santana em seus braços, Sam moveu o braço reflexivamente e Santana bufou enquanto levantava-se e, ainda de olhos fechados, dizia mal-humorada:

            - Eu realmente espero que eu esteja com roupas nesse momento.

            - Bom dia para você também, Satan. E eu teria que estar em coma alcoólico para tentar algo com você. – Sam respondeu de mau grado, puxando o braço dormente com rudeza e fazendo Santana cair e bater a cabeça no encosto do sofá. O rapaz sentou-se, recebendo um soco no mesmo braço, virou-se emburrado para Santana que tinha os olhos negros abertos com dificuldade e que vociferava irônica:

            - Você estava bem sóbrio no nosso segundo ano.

            - E você ainda era hetero. – Sam retrucou com o tom sarcástico, dando um sorrisinho sacana seguido de uma piscadela. Santana arqueou a sobrancelha para ele, mas logo abriu um sorriso preguiçoso, aconchegando-se ao braço musculoso do amigo. Sam apoiou o queixo na cabeça dela e sorriu, fechando os olhos.

            Sua vida amorosa podia estar destruída, mas aquela latina aconchegada em seus braços era uma pessoa que ele sabia ser imaculada. Santana Lopez podia ser tudo, menos infiel. Ela era sua confidente, sua bronqueadora, sua companheira de porres e ressacas... Quinn era sua alma gêmea, mas Santana era sua irmã. Sam não precisava dos consolos de Quinn, ele precisava desabafar da pior forma. Sem mencionar que jamais se meteria entre Quinn e Rachel, só ele sabia como as duas demoraram a se acertar.

            A latina, por sua vez, brincava com as dobras da camisa do amigo enquanto mordia o lábio, tentando controlar seu gênio e manter-se firme na posição que tomara. Prometera a Julianne Urie que não faria nada sem a permissão dela, mas como manter-se calada diante das ameaças de Michael Urie? Santana raramente tinha medo de seus clientes, mas alguma coisa naquele homem a fazia tremer... Talvez, fosse aquele sentimento conhecido e improvável em seu peito. Talvez não fosse o medo de Michael e sim, o medo de nunca mais ver Julianne...

            - O que vamos fazer agora? – Sam perguntou com uma voz arrastada, tentando assentar os cabelos arrepiados, respirando fundo. Santana sentou-se direito no sofá e fechou os olhos, massageando a testa, em seguida, olhou para o amigo com um sorriso dolorido e respondeu:

            - Vamos tomar uma aspirina e muita água, quando estivermos sóbrios e sem dor, pensamos em que fazer com esses dois karmas da nossa vida.

            - Sempre tendo as melhores ideias, não é Lopez? – Sam questionou com um sorriso brincalhão, levantando-se rapidamente do sofá e sentindo a cabeça dar uma volta completa e não parar. Mesmo assim, o rapaz estendeu a mão e puxou a amiga do sofá, a gargalhada rouca de Santana ecoou na sala e ela disse cheia de si:

            - Lógico, Evans. Sempre fui a mais inteligente aqui.

            Sam caminhou até a cozinha em meio a risadas enquanto era puxado pela mão por Santana. Assim que atravessaram a sala e chegaram ao outro cômodo, a latina tirou dois copos do armário superior, apanhou duas aspirinas na gaveta do armário embutido e virou-se, entregando uma unidade de cada para Sam. O loiro fez uma careta, mas colocou o comprimido na boca e o engoliu junto com um imenso gole de água.

            A sensação da água gelada em seu corpo massacrado pelo álcool foi quase que incrível, o rapaz suspirou e encarou o copo por alguns instantes. Em seguida, ergueu os olhos para a amiga que encarava a janela do lado oposto da cozinha, os raios do sol nascente preenchendo a sala e fazendo os dois voltarem a realidade.

            Sam estava preso a Mercedes, tentando lutar em vão contra um amor que nasceu por acaso, mas se revelou mais forte do que qualquer outro sentimento que chegou a nutrir por alguma garota em sua vida... Um amor que tinha tudo para dar errado, mas que deu certo e que ele manteve guardado em seu peito por tanto tempo que, agora, parecia impossível livrar-se dele. De uma forma masoquista, aquele amor doloroso e infantil era uma das melhores coisas que Sam ainda possuía.

            Santana, por sua vez, via os sentimentos voltarem a sua vida. Sua posição alta no pedestal do orgulho e do amor-próprio recém-adquiridos depois da separação de Brittany parecia começar a ruir aos poucos por causa da presença de Julianne Urie. Santana sabia que não poderia ter uma relação com ela, não era ético... Mas alguma coisa naquela ruiva a tirava do sério e fazia com que ela perdesse a cabeça. Julianne era um perigo que, infelizmente, Santana parecia querer correr.

            O olhar castanho claro de Sam encontrou os olhos escuros de Santana e os dois sorriram um para o outro, em uma tentativa fútil de indicar que tudo estava bem e que eles sairiam daquele rumo em que estavam... Mas os sorrisos mais pareciam caretas inseguras, foi Santana que, após morder o lábio inferior, questionou desanimada:

            - O que vamos fazer, Sammy?

            - Continuar a viver, talvez? – Sam sugeriu com um sorriso triste, sendo retribuído por um de mesma natureza de Santana. A latina aproximou-se, encostando-se no balcão ao lado de Sam enquanto tomava mais um gole de água, em seguida, ela pigarreou e disse irônica:

            - Estamos ficando sentimentais.

            - Melhor eu ir embora, então. – Sam dissera com uma gargalhada rouca, apanhando o casaco enquanto atravessava a sala. Ele dirigiu-se a porta com Santana em seu encalço, a latina o acompanhou até a porta e se despediu com um abraço. Sam beijou-lhe a testa e tomou o elevador.

            Pronto para, mais uma vez, enfrentar aquela maldita realidade de sábado.

            Sam preferiu caminhar na maior parte do tempo, ele gostava da sensação da brisa matinal em seu rosto e da liberdade que tinha para pensar em problemas, isso tudo somava-se ao fato de que, diante do teor alcoólico ingerido na noite anterior, ele não tinha lá muita certeza se estava sóbrio.

            O rapaz tentou desamassar a camisa o melhor que pode, depois, colocou-a dentro da calça e apertou o cinto enquanto caminhava. Passou as mãos pelo rosto, procurando despertar de uma vez e abriu os olhos com dificuldade, caminhando rapidamente até o seu prédio.

            Sam chegou a portaria logo, Santana morava na parte rica de Lima que não era lá muito longe de onde ele e Quinn moravam. Falando na melhor amiga, surpreendeu-se ao notar o sedan ainda na garagem, ao lado de seu jipe. Sam sacou as chaves e, por puro hábito, abriu a caixa de correio correspondente ao seu apartamento. Encontrou três envelopes: um da conta no banco, um envelope branco e bem adornado e um envelope simples. Abriu primeiro o envelope branco que parecia um convite.

“O tradicional jantar Hummel será hoje, a partir das 19 horas em minha casa. Venha arrumado, não necessariamente chique, mas não chegue com essas camisas amassadas, Sammy! Abraço, Kurt.”

            Sam teve que sufocar a gargalhada diante das palavras do amigo, mas não se surpreendeu com a notícia que aquele envelope trazia. Estava demorando para Kurt resolver querer tirar todos os esqueletos do armário, ainda mais com a recente chegada de Rachel Berry a cidade. Sam apanhou os outros dois envelopes e subiu as escadas aos saltos, um pouco revigorado por ter compromisso para a noite.

            Só que o rapaz estacou na virada do corredor do quarto andar ao notar a figura impaciente que batia em sua porta. Mercedes Jones estava praticamente esmurrando a madeira de sua porta, Sam ficou parado por alguns segundos, tentando reunir uma coragem desconhecida para enfrentar aquela mulher. Mas não precisou de muito, porque Mercedes se virou em sua direção e assim que os olhos de ambos se encontraram, a bomba explodiu.

            Os olhos escuros de Mercedes pareciam furiosos ao baterem de frente com os olhos claros de Sam, o rapaz encolheu os ombros e mesmo enfraquecido, permaneceu a encarar a mulher com ferocidade. Mercedes colocou a mão direita na cintura e ajeitou a bolsa na tradicional pose de diva antes de disparar entre dentes:

            - Da onde você está vindo?

            - Bom dia para você também, Mercedes. – Sam respondeu com a voz grossa, arranhando sua garganta seca. O rapaz passou pela mulher no corredor e procurou a chave certa da porta, enquanto seus dedos tremiam descontroladamente. Mercedes procurou segurá-lo pelo braço, mas Sam desvencilhou-se, virando-se furioso para ela. – E você deveria estar se perguntando onde o seu marido está.

            - Por que você tem que ser assim tão difícil? – Mercedes perguntou com um ar cansado, mas sem perder o ar orgulhoso e deixando seus dedos deslizarem pela pele clara de Sam. O rapaz fechou os olhos, procurando não suspirar diante daquele toque e massageou a testa antes de bater a mão na coxa da perna, cansado e dizer:

            - Porque as coisas não são fáceis entre nós, você nunca quis que elas fossem. E, me desculpe, Mercedes... Mas eu não quero conversar com você hoje!

            Mercedes abriu a boca algumas vezes, mas não conseguiu encontrar respostas porque ela sabia que Sam estava certo: ela nunca facilitara algo no relacionamento de eles, sempre tivera que sair por cima para que as coisas funcionassem, alguém precisava sofrer e não era Mercedes o elo mais fraco da equação.

            Sam arqueou a sobrancelha, como se desafiasse Mercedes a dar uma resposta decente, ao menos uma vez, na relação dos dois. Mas Mercedes permaneceu calada, envergonhada com sua situação e encarando os próprios pés. Sam, por sua vez, bufou impaciente e encontrou a chave, colocando-a na porta. Mercedes o chamou de volta e ele não respondeu, abriu a porta e entrou no apartamento, mas foi puxado para fora enquanto escutava Mercedes explodir:

            - Você não pode me deixar sem respostas aqui!

            - O que está acontecendo aqui? – A voz que veio seguida de Mercedes não era nada incontrolada, pelo contrário, era gélida e pertencia a Quinn Fabray. Sam olhou horrorizado da amiga para a ex, temendo o desenrolar daquela situação. Se bem conhecia Quinn, ela não perderia a oportunidade.

            Mercedes quase se quebrou ao se virar abruptamente para Quinn, o olhar dela até assumiu um brilho de felicidade logo morto quando viu a natureza do sentimento da ex-amiga para ela. Quinn fechou a porta do apartamento atrás de si e encostou-se na madeira, descansando as costas e cruzando os braços em uma postura imponente que em muito lembrava a líder da Unholy Trinity. Mercedes engoliu em seco, vendo a ex-cheerio crescer diante de si e gaguejou:

            - Não está acontecendo nada aqui, Q... E é bom te ver.

            Quinn revirou os olhos e bufou, totalmente incomodada. Depois, ela passou por Mercedes sem sequer olhar nos olhos dela e postou-se, protetoramente, ao lado de Sam. Passou o braço sobre os ombros fortes do amigo e lançou um olhar significativo a ele, Sam sorriu triste para ela e aquela foi a deixa para que os olhos esverdeados cintilassem ameaçadores, novamente, para Mercedes.

            - Não é bom te ver, Mercedes. Eu não costumo gostar de quem trata os meus amigos mal.

            - Ah claro, Sam é seu amigo não é? – Mercedes disparou irônica, o ciúme ficou evidente em sua voz e quase provocou gargalhadas em Quinn se a loira não estivesse tão indignada com a presença da ex-diva ali. Quinn separou-se de Sam, mas o rapaz a seguiu, procurando evitar o pior. Quinn parou bem próxima a Mercedes e rosnou:

            - Não ouse sugerir nada entre eu e Sam. Fui eu que estive com ele durante todo esse tempo, enquanto ele se humilhava por você... Eu não vou tolerar que você volte e o destrua mais uma vez!

            - Quem você pensa que é para fazer isso? Você não é a namorada dele! – Mercedes esbravejou, tentando convencer a si mesma sobre a última sentença. Ela sabia o quanto Sam e Quinn tinham passado juntos, também sabia da admiração mútua e principalmente, sabia que era impossível concorrer com Quinn Fabray. Quinn suspirou pesadamente e disparou baixinho, em tom de ameaça:

            - Eu sou mais do que a namorada dele, eu sou a melhor amiga que ele tem, eu sou a protetora dele e estou disposta a protegê-lo. Se eu tiver que passar por cima do que nós duas temos, eu vou! Você não é a Mercedes que me acolheu, você é, apenas... Uma mulher infeliz. E eu não vou deixá-la plantar a infelicidade no meu garoto!

            Mercedes fechou os punhos e deu um passo ameaçador em direção a Quinn, foi a vez de Sam intervir e ele colocou o corpo na frente da amiga, olhando sério e significativamente para Mercedes. A ex-diva pareceu entender o recado e saiu caminhando a passos duros dali, Sam virou-se para Quinn e estava prestes a receber uma bronca quando a porta do apartamento da loira tornou a abrir e uma Rachel Berry sonolenta saiu pela porta, com um short mínimo e uma camiseta da Ohio State University, perguntando:

            - Quinn?

            Sam olhou de Quinn para Rachel e gargalhou quando a amiga corou e abaixou a cabeça, Rachel deu de ombros constrangida e encarou o chão. O rapaz riu sem parar até que Quinn o socou no ombro e com uma careta de dor, ele questionou:

            - Você pretendia me contar quando?

            - Pare de pensar merda, Sammy. – Quinn rosnou emburrada e forçando o apelido, Sam só riu ainda mais da súbita crise de vergonha e irritação da amiga. Quinn passou por ele e Sam viu quando a loira, discretamente, beijou os lábios de Rachel. A morena sorriu ainda agarrada a ela e as duas entraram no apartamento enquanto o rapaz olhava boquiaberto. Sam engoliu em seco e ouviu a voz divertida de Rachel ecoar:

            - Pare de pensar bobeira e venha tomar café conosco, Sammy!

            Sam saiu de seu torpor e deu mais um sorriso, naquele momento, Mercedes pouco importava porque, afinal, Quinn estava sendo feliz tanto por ela quanto por ele mesmo.

###

            - Eu não sei se fico muito feliz com isso... Provavelmente, a essa hora, Santana e todos os seus amigos sabem que nós passamos a noite juntas. – Rachel comentou distraída, enquanto sentava-se ao lado de Quinn no sofá. A loira estava com seus óculos de leitura, folheando os ensaios de seus alunos. Quinn tossiu para disfarçar a risada e ainda com os olhos presos no papel, respondeu:

            - Eu nem quero ver o que teremos que enfrentar hoje à noite, Kurt e Santana vão nos sufocar com tantas perguntas.

            - Eu não me preocupo em respondê-las, se você quiser. – Rachel respondeu rápido demais, deixando mais emoção na voz do que deveria. Quinn ergueu os olhos lentamente para ela e arqueou a sobrancelha, abrindo um sorriso em seguida, quando viu a expressão envergonhada de Rachel, a loira jogou o ensaio entediante sobre a mesinha de centro e aproximou-se da morena, Rachel foi inclinando e logo estava deitada sobre o sofá, com Quinn sobre ela.

            As mãos da morena tocaram a cintura de Quinn, provocando arrepios gostosos, a loira afagou a bochecha de Rachel e a beijou delicadamente, depois, mordeu-a levemente e bem próxima a pele dourada, murmurou:

            - Não temos nada a temer, não é?

            - Claro que não, Q... Não aconteceu nada. – Rachel respondeu ofegante enquanto sentia a mão de Quinn sair de seu rosto e descer pela sua barriga, tocando na barra do short. A morena suspirou pesadamente e fez Quinn abrir um sorriso malvado, a loira afastou-se levemente apenas para olhar Rachel e depois, beijou o ponto pulsante de seu pescoço, murmurando roucamente:

            - Ainda não, mas isso não quer dizer que eu não queira que aconteça algo logo.

            Rachel engoliu em seco, os olhos de Quinn a estudavam com afinco e quando a morena a viu morder o lábio... Percebeu que Quinn estava tão segura quanto ela quanto ao nível em que a relação delas estava, mesmo nervosa, os olhos de Quinn refletiam quanto sentimento tinha entre elas. Rachel tocou o pescoço de Quinn com a ponta dos dedos, antes de puxá-la para baixo e beijá-la de verdade.

            Dessa vez, não havia desespero e muito menos pedidos de desculpas mudos e disfarçados. Tudo começou lento, como se fosse a primeira vez. Os lábios se tocaram e percorreram a superfície um do outro até Rachel contornar os lábios rosados de Quinn com a ponta da língua, exigindo um contato maior. Quinn entregou-se a ela, abrindo a boca e contendo um suspiro quando sentiu a língua de Rachel envolver a sua em uma batalha sensual.

            A mão de Rachel que estava no pescoço de Quinn rumou para os cabelos dourados, enquanto Quinn deixou seu corpo cair por completo em cima de Rachel. As mãos de Rachel correram por suas costas, acompanhando a envergadura de sua espinha e Quinn arrepiou-se a cada toque. Quando o ar lhe faltou, seus lábios descolaram-se dos de Rachel e ela beijou o pescoço moreno, Rachel riu levemente e puxou-lhe os cabelos novamente, forçando o contato visual entre elas.

            - Eu te amo. – Rachel pronunciou roucamente, inebriada naquele sentimento desproporcional que consumia as duas. A morena afagou os cachos loiros que caíam no rosto de Quinn enquanto o rosto dela se abria em um sorriso, com os olhos brilhando e a indicação de que, mesmo no silêncio, o sentimento era recíproco.

            As duas apenas se olhavam, como se o tempo no relógio não indicasse que estavam atrasadas para o jantar de Kurt ou como se não existisse nada fora os braços uma da outra. Quinn corou levemente e Rachel viu, beijando-lhe o queixo enquanto pronunciava:

            - Acho que devemos ir nos arrumar.

            - Me dê um bom motivo para sair de cima de você. – Quinn desafiou com um sorriso brincalhão, erguendo um pouco o tronco e apoiando-se nos cotovelos. Rachel deu uma sonora gargalhada e a puxou para baixo, unindo os lábios novamente. Sorriu ainda colada a boca de Quinn e disse misteriosa:

            - Talvez você ganhe algo depois se formos visitar Kurt.

            - Que fique claro que eu irei só porque você me prometeu algo! – Quinn disparou entre risadas, levantando-se por completo e puxando Rachel consigo, mesmo em pé, as duas não se separaram até chegarem aos respectivos banheiros.

###

            Kurt Hummel observava a sua sala de estar com um ar amedrontado e, ao mesmo tempo, orgulhoso de si. Conseguira reunir todos que queria, quer dizer... Sam, Quinn e Rachel ainda não tinham aparecido e Santana comunicara que chegaria um pouco atrasada porque estava passando mal. Mas eles viriam e, enfim, as coisas poderiam ser colocadas a prova ali.

            Estava mais do que evidente que ninguém se sentia confortável ali.

            Puck e Shelby mal se falavam e estava sentados a distância, Shelby bebericava a taça de vinho com os lábios crispados enquanto escutava uma Mercedes nervosa a tagarelar sem parar. Dave estava um pouco excluído, mas assim que os olhos escuros do ex-bully do McKinley High encontraram os olhos claros do anfitrião da festa, os dois rapazes sorriram e quase se esqueceram que aquele jantar era praticamente um ataque terrorista a paz da cidade de Lima.

            Tinha tanta coisa para ser dita e feita entre aquelas pessoas... Isso porque o quarteto essencial da festa ainda não tinha chegado.

            - Uma moeda por seus pensamentos, querido. – Dave murmurou com um sorriso gentil enquanto abraçava a cintura de Kurt, o designer sorriu um pouco desconcertado, desacostumado com aquele tom carinhoso e aquelas mãos enormes e delicadas em seu corpo. Dave beijou-lhe a bochecha e suspirou. – Pela sua cara, não está muito satisfeito não é?           

            - Só preocupado. Reunir todos para falarmos algumas verdades parecia ser uma boa ideia, mas agora, vendo todos aqui... Estou começando a achar que fiz besteira. – Kurt respondeu um pouco arrependido e decepcionado, Dave apertou sua cintura com delicadeza e lhe sorriu de lado antes de dizer em tom de brincadeira:

            - Eu te avisei, Hummel... Mas você é teimoso demais e isso não é de hoje.

            Dave deu mais um beijo na bochecha de Kurt e o rapaz sorriu derrotado, sabia que ele estava certo, afinal. Essa sua mania de querer consertar coisas e pessoas que estavam quebradas para sempre não era lá muito boa. Sempre saía alguém com mais machucados do que curas...

            Mas Kurt não conseguia acreditar que tudo o que tinham passado juntos tinha se perdido no passado, claro, o envelhecimento vem e a maturidade traz maiores objetivos e melhores preocupações... Mas a amizade tinha que estar eterna em algum lugar acima das diferenças e das mágoas. Ele acreditava no perdão e acreditava na redenção. Ninguém poderia ser tão amargo a ponto de deixar que péssimas escolhas destruíssem uma amizade.

            Toc toc.

            Todos os olhares direcionaram-se, mesmo que disfarçadamente, para a porta assim que as batidas na madeira tornaram-se audíveis acima da música ambiente. Kurt mexeu-se em um salto e puxou Dave consigo até o hall da casa, os dois não se soltaram em momento algum e ambos sentiram os olhares em suas costas. Eles não se incomodaram, mas Kurt praticamente arrancou a porta das dobradiças ao abri-la.

            - Boa noite, casal Hummel-Karofsky! – Rachel cumprimentou com aquele sorriso radiante e aquela voz envolvente, em nada lembrando a Rachel carrancuda que ela tinha da última vez que se viram. Kurt também notou que os olhos achocolatados tinham um brilho diferente, algo mais quente, mais humano.

            Rachel estava com um vestido comportado, frente única, de cor preta e que destaca bem suas curvas. As pernas bem torneadas estavam expostas e nos pés, uma simples sapatilha preta. Os cabelos negros e ondulados preso em um rabo de cavalo elegantemente frouxo. A morena tinha algumas jóias leves no pescoço e nas mãos. Kurt constatou que, finalmente, ela aprendera a se vestir.

            Rachel vinha agarrada ao braço de Sam, o rapaz parecia confortável ao lado dela. Um sorriso leve brincava na boca carnuda. Sam usava uma camisa social azul-marinho com uma calça jeans mais clara. O rapaz cumprimentou Dave com um abraço caloroso e depois, erguendo Kurt do chão, disse animado:

            - Kurt, seu lindo!

            - Me solte, Evans! – Kurt pediu com um quê de desespero, provocando gargalhadas gostosas em Rachel e Dave que observavam a cena, divertidos. Sam obedeceu Kurt e o colocou no chão, mas depois, foi a vez dele ser pego em um abraço por Kurt que sorriu e lhe deu um beijo na testa.

            Dave observou a interação com admiração, ele sabia o quanto o namorado gostava de Sam. Aliás, desconfiava que Kurt meio que “adotara” Sam depois de toda aquela noitada.

            Logo atrás de Sam, com um braço enganchado protetoramente ao redor da cintura de Rachel, Quinn Fabray fazia jus a toda a sua beleza. A loira usava uma bela blusa social com uma de suas muitas saias que desciam até os joelhos e marcavam sua cintura. O cabelo estava preso em uma trança e ela sorria como Kurt nunca vira.

            - Desculpe-nos pelo atraso, K. Eu e Rachel resolvemos fazer o Sammy esperar. – Quinn justificou-se com aquele sorriso leve que a deixava ainda mais bonita, Kurt fez um gesto com a cabeça, indicando que não importava e aproximou-se da amiga para beijá-la nas bochechas. Enquanto Dave fazia o bom anfitrião e colocava Rachel e Sam para dentro da casa, Kurt abraçou os ombros de Quinn e murmurou:

            - Você está linda, Q.

            Kurt pegou os olhos esverdeados de Quinn a observar Rachel com um brilho diferente, o sorriso que habitou os lábios finos da loira, assim como leve rubor em suas bochechas constatavam que, de fato, amar deixava as pessoas ainda mais belas.

            Rachel parou a meio caminho do hall, assim que escutou a voz de Shelby, Quinn, mesmo estando tão assustada quanto ela, parou ao lado da morena e apertou-lhe a mão. Kurt passou por elas, murmurando que iria pegar algumas bebidas, assim que as costas do decorador desapareceram no corredor que levava a sala, Quinn trouxe Rachel para perto de si e, olhando nos olhos castanhos amedrontados, disse:

            - Eu estou aqui, por você.

            - E eu por você. – Rachel murmurou com um sorriso fraco e afagando a bochecha de Quinn, quando os olhos da loira fecharam-se para apreciar o toque, Rachel encontrou toda a coragem que precisava. As duas deram-se as mãos e caminharam aparentemente tranqüilas, atravessando o corredor. As conversas na sala se cessaram quando os olhos dos ocupantes encontraram as duas.

            Puck ficou em pé como se tivesse levado um choque, Shelby apertou o braço dele com uma força descomunal, o puxando para poltrona. Mercedes fuzilou Quinn, mas os olhos se amenizaram quando viu Rachel. As duas mulheres sorriram desconcertadas e fizeram seu caminho até Kurt, o rapaz estendeu duas taças de vinho e inseguro, murmurou:

            - Não foi tão ruim assim!

            - Quinn! – A voz grave e controlada de Puck soou às costas do trio, Quinn revirou os olhos e Rachel lhe lançou um olhar reprovador. Uma carranca tomou a face da loira enquanto ela murmurava entre dentes:

            - Cedo demais, Hummel.

            - Olá, Noah! – Rachel cumprimentou educada assim que Puck parou ao seu lado, apertando o copo de uísque com tanta força que as pontas de seus dedos estavam brancas. O rapaz deu um beijo na bochecha de Rachel e um de seus melhores sorrisos galanteadores, depois, acenou com a cabeça para Quinn. A loira repetiu-lhe o gesto, com uma expressão séria e tomando um longo gole de vinho depois, Puck pigarreou e sibilou:

            - Você me deve uma conversa, Quinn.

            - Eu mal cheguei, Noah. – Quinn respondeu um pouco indignada e fuzilando Puck com os olhos, Rachel a segurou pelo pulso quando ela ameaçou sair dali. Quinn olhou traída para ela, mas a morena apenas franziu a testa, aborrecida. – Você poderia ao menos esperar que eu me instale, beba um pouco e depois fale contigo?

            - Desculpe, Quinn... Só estou preocupado contigo, Shelby também. – Puck murmurou tristonho e foi a vez de Kurt olhar furioso para ele, antes de bufar impaciente e sair batendo pé dali, com a cena do restaurante ainda vívida na mente dele. Rachel observava a cena confusa e ficou ainda mais perdida quando Quinn riu sarcástica, com a sombra da cheerio passando por seus olhos antes de murmurar:

            - Shelby se preocupando? Não gosto de opinar, Noah... Mas a sua mulher não está sendo sincera com você.

            Rachel sentiu-se puxada por Quinn até a varanda do apartamento, mas ainda pode ver a expressão confusa formar-se no rosto de Puck. Observou quando o rapaz pisou forte no chão e tomou o uísque em um gole só, fazendo uma careta em seguida. Depois, olhou para Quinn que parecia estar, mais uma vez, distante dela.

            Rachel parou abruptamente assim que chegou a varanda, ela cruzou os braços, observando Quinn engolir o vinho com voracidade. Assim que a loira tomou coragem para olhá-la nos olhos, a morena suspirou e disse agressiva:

            - Acho bom você começar a falar, Quinn.

            Quinn respirou fundo e colocou as mãos na face, sem saber por onde começar.

###

            20:47.

            Santana estava atrasada, estupidamente atrasada.

            A latina quase caiu quando tentou calçar o sapato enquanto pulava de uma perna só, tentando colocar a calça social. Sem sucesso, Santana resolveu perder mais alguns segundos e se sentou na cama, puxando a calça pelas pernas morenas enquanto bufava impaciente.

            Sua cabeça ainda doía. Maldita ressaca! Os olhos ainda estavam pesados e Santana demorou a conseguir tirar as marcas do sono da tarde toda de seu rosto. Olhou-se no espelho, insatisfeita com o resultado, mas esperando que Kurt não a criticasse ainda mais por causa da aparência. Terminou de calçar os sapatos de salto e pulou em pé, apanhou a bolsa e jogou a carteira dentro e quando estava caminhando até a cozinha para apanhar as chaves, a campainha tocou.

            O pescoço de Santana não fez um movimento em 360 porque era anatomicamente impossível. Mas sua nuca doeu quando ela olhou para a porta, amedrontada e um pouco confusa. Quem poderia estar ali, naquela hora? A mente de Santana só conseguia pensar em um nome: Michael Urie.

            Santana rapidamente sentiu a adrenalina tomar conta de seu corpo, a latina desceu do salto e caminhou com leveza pelo piso de mármore. Abriu uma gaveta que ficava ao lado da porta e de lá sacou uma Glock 9mm de dentro do compartimento, colocou a arma atrás das costas e caminhou até a porta.

            Seu corpo todo tremia, estava suando frio e tinha certeza que sua expressão não melhora sua expressão pós-ressaca. A latina mordeu o lábio e apertou o cabo frio da arma, colocando-a mais junto ao corpo. Se Michael realmente estivesse atrás daquela porta, aquele pequeno e perigoso artefato era a sua única chance de sobrevivência.

            Santana estava, como em poucas vezes de sua vida, com medo. Aquela sensação era até desconhecida para ela... Mas a forma como o homem a ameaçara, ainda mais em seu escritório, só fizera Santana temer pela sua vida e de Julianne. E com o desaparecimento da ruiva, o círculo se fechava ainda mais.

            Com a respiração ofegante, Santana fechou o “pega-ladrão” e destravou a porta devagar enquanto mais um som estridente da campainha ecoava pelo apartamento. Amaldiçoou os malditos construtores que não colocaram o olho mágico na porta, assim como o maldito porteiro que deixara qualquer um entrar. Apesar de que, sendo Michael Urie quem era, ele seria capaz de entrar até no céu se quisesse.

            Santana encostou a testa na porta e suspirou. Agora, as batidas eram ouvidas pela madeira. Ela afastou-se e sua mão tremia quando tocou a maçaneta. Santana a girou devagar, puxando-a de encontro ao seu peito, tentando defender-se de uma bala que nunca chegou.

            - Santana? – Aquela voz não era desconhecida, muito menos os olhos acinzentados que fitavam Santana com desespero enquanto Julianne Urie se encolhia na soleira da porta. Santana bufou impaciente e se atrapalhou com o trinco, com a emoção e o alívio de ter Julianne em sua frente tomando-a por inteira. A latina tirou a cabeça para o corredor e com arma em punho, olhou para os dois lados antes de puxar Julianne para dentro e bater a porta.

            Santana demorou a se virar, os olhos presos na madeira enquanto tentava, sem sucesso, respirar direito. Seu coração estava arrebentando suas costelas, os pulmões doíam pelo esforço de respirar e se acalmar... O cérebro parecia estar preso em um torpor de cabelos ruivos e olhos acinzentados, as mãos tremiam ao jogar a arma dentro da gaveta. Santana abaixou a cabeça e procurou pensar, raciocinar...

            Mas aquilo que sentia não era racional, Santana já tinha sentido antes.

            Então, aquele toque apaziguador e celestial chegou a sua pele. A mão pálida de Julianne fechou-se em seu pulso e Santana deixou-se ser levada para o corpo da ruiva. Julianne sustentou o peso da latina enquanto afagava-lhe os cabelos desarrumados, Santana não se mexeu por alguns momentos até que, delicadamente, se afastou. Dessa vez, a racionalidade pareceu voltar à latina, ela cruzou os braços e tentando manter o melhor tom profissional que pode, disparou:

            - Onde você esteve?

            - Eu tive que sair da cidade por alguns dias, meu marido estava em minha cola. – Julianne respondeu com o tom culpado e baixando os olhos enquanto corava levemente. Santana remexeu-se quando escutou o vocativo pelo qual ela ainda chamava aquele homem, mas depois, sua expressão relaxou quando, enfim, seus olhos a viram direito e perceberam que Julianne Urie estava intacta e salva. Santana aproximou-se receosa e ergueu o rosto de Julianne com um toque em seu queixo, murmurando:

            - Me desculpe, eu fiquei preocupada com você. Alguns dias depois, Michael disse que você pagaria as conseqüências caso eu o enfrentasse.

            - Ele foi até seu escritório? – Julianne perguntou assustada, mas Santana afagou-lhe o queixo discretamente, procurando acalmá-la. A latina não compreendeu aquela corrente elétrica que percorreu seu corpo quando aqueles olhos enigmáticos deixaram a emoção se levar e a focaram com desespero. Santana sorriu e agitou a cabeça. – O que ele disse? Ele te ameaçou?

            - Não precisa se preocupar, Srta. Urie... – Santana respondeu um tanto amarga com o vocativo que tivera que usar. Julianne a olhou misteriosa, mas nada disse, apenas deu um passo para trás, mantendo uma distância razoável entre elas. Mas aquele espaço pareceu estar preenchido por tanta coisa... – Eu já recebi ameaças antes, eu não vou abandonar seu caso.

            - Pois deveria, eu não sei onde estava com a cabeça quando vim até você. Ele vai te trucidar, Santana! – Julianne exclamou fora de si e andando para as sombras do apartamento fracamente iluminado de Santana. A latina respirou fundo e observou a figura ruiva e frágil caminhar cambaleante até a janela, focando os olhos na noite escura de Lima.

            Santana notou que ela estava mais magra e mais pálida. As mãos estavam correndo nervosas pelos botões da camisa amassada que ela usava, não havia maquiagem no rosto e Santana notou um leve hematoma na região do pescoço próxima a orelha direita. A latina caminhou decidida até Julianne, tocou levemente o ombro da ruiva que se sobressaltou. Santana a manteve no lugar e perguntou incisiva:

            - Seja sincera, Julianne. O que aconteceu nesses últimos dias? Fale, eu sou sua advogada.

            - Pois não deveria ser. – Julianne respondeu direta e quando ela finalmente se virou para Santana, os olhos acinzentados perderam aquele brilho inocente e amedrontado. Os olhos estavam fortes, incisivos, aprisionadores... Santana abriu a boca para questionar, mas Julianne foi mais rápida. – Eu não deveria ter voltado, aliás, eu não deveria ter vindo para nosso segundo encontro! Eu deveria ter desaparecido!

            - Calma, Julianne! – Santana praticamente teve que gritar. Julianne parou de falar, mas colocou-se em pé abruptamente, caminhando para longe de Santana. A latina a segurou pelo pulso, rudemente e puxou-a para encará-la. As duas estavam muito próximas, as respirações estavam se misturando, assim como o cheiro de canela e chocolate... E foi nesse momento que toda a racionalidade de Santana explodiu junto com seu coração. Julianne estacou, os lábios tremendo, os olhos brilhando e a respiração ofegante. Santana decidiu que aquela era a visão mais linda que teve em sua vida. – O que está acontecendo?

            Julianne não se acalmou diante do tom contido e mais calmo de Santana, a ruiva colocou a mão sobre a de Santana e lentamente, soltou os dedos morenos de seu pulso. Depois, deu um sorriso para a marca vermelha em sua pele, para enfim erguer os olhos para Santana novamente. Um filete de lágrima escorreu quando Julianne murmurou fraca:

            - Nem mesmo quando usa a força, você consegue me machucar.

            - Julianne? – Santana chamou confusa, tentando pensar enquanto seu coração rebatia contra as paredes de seu crânio, impossibilitando-a de ser racional. Julianne respirou fundo e limpou as lágrimas, caminhando para longe. Quando ela chegou a porta, Santana a bateu rudemente antes que ela pudesse abrir mais. Julianne se encolheu e Santana escutou os sons do choro contido da ruiva. A latina colocou seu corpo mais próximo da ruiva e soprou-lhe próximo a orelha. – Eu não sou ele, eu nunca vou te machucar.

            Julianne demorou a se virar e quando o fez, foi lentamente. Os olhos cinzentos demoraram a chegar aos escuros de Santana. A latina aproximou-se ainda mais, invadindo o espaço pessoal de Julianne. Santana colocou uma mecha do longo cabelo ruivo atrás da orelha e beijou a testa pálida, sorriu de encontro a pele translúcida e murmurou:

            - Eu juro que não. Eu tentei não me deixar envolver por você... Mas você tem alguma coisa que me puxa, esses dias sem te ver foram terríveis. Eu não temo por mim, temo por você.

            Julianne olhou para ela e Santana se surpreendeu quando sentiu os lábios frios em seu queixo, subindo por sua mandíbula e finalmente chegando aos seus lábios. O contato foi rápido, mas íntimo. Depois, Julianne agarrou-se a cintura da latina e Santana deixou as mãos penetrarem nos cabelos ruivos e massagearem a nuca de Julianne. A ruiva se escondeu no colo moreno e com a voz abafada, confessou:

            - Você não deveria se envolver comigo, eu sou perigosa.

            - Você não me ouviu, Julianne? – Santana questionou séria e autoritária, Julianne ergueu os olhos diante da mudança de tom. Só que encontrou um sorriso bonito e uma expressão amena a observá-la com afinco. Santana se aproximou e tocou os lábios da ruiva mais uma vez, repousando sobre eles por mais tempo, sentindo o gosto doce da boca de Julianne. – Eu tentei não me envolver, eu sei todos os contras por estar aqui, com você. Talvez, eu goste de perigo e seja louca o bastante para querer tirar você dele.

            Julianne abriu a boca, mas não conseguiu falar. Porque nesse mesmo instante, foi recepcionada por lábios quentes e voluptuosos que envolveram-na em uma espiral de carinho e paixão que ela nunca experimentara com Michael Urie. Sentiu quando as mãos femininas, fortes e delicadas, envolveram sua cintura e quando o corpo moreno pressionou-se contra o seu.

            Julianne envolveu o pescoço de Santana, deixando as unhas arranharem levemente a pele latina. Santana mordeu-lhe o lábio e puxou antes de abrir os olhos e dar um sorriso malicioso, as pernas de Julianne fraquejaram, mas Santana a sustentou e beijou-lhe o pescoço antes de murmurar em seu ouvido:

            - Ele não é seu dono, nunca foi.

###

            - Vamos, Quinn... Nós prometemos que seríamos sinceras, lembra? – Rachel estava pedindo com a voz menos agressiva agora, mas tinha a mesma expressão obstinada de minutos atrás. Quinn ergueu os olhos esverdeados para ela, respirou fundo e procurou as palavras que pudessem expressas sete anos de desespero e sofrimento. A única coisa que conseguiu falar, foi a verdade direta e menos dolorida:

            - Eu não vejo Beth há 4 anos.

            - Mas Quinn, Shelby tinha concordado em deixar que você permanecesse por perto! – Rachel rebateu desconfiada, olhando com a sobrancelha arqueada para Quinn. A loira colocou-se em pé e pela postura ofendida que ela assumiu, Rachel entendeu rapidamente que tinha entendido as coisas ao contrário. Quinn virou-se de costas para ela e Rachel amaldiçoou a ausência dos belos olhos verdes, a voz de Quinn saiu ferida:

            - Por que todo mundo acha que eu a abandonaria pela segunda vez?

            - Desculpa, amor... Eu prometi que não ia agir antes de pensar de novo. – Rachel dissera sinceramente arrependida, as mãos pequenas envolveram a cintura de Quinn e depositaram um beijo na altura do ombro direito. Rachel sorriu contra o tecido da blusa de Quinn quando sentiu o corpo da ex-cheerio relaxar. Quinn envolveu uma das mãos de sua cintura com a própria e respondeu melancólica:

            - Shelby nos afastou depois de alguns anos. Ela nunca assumiu, mas Beth não diria que eu a confundia com apenas quatro anos de idade.

            - Por que ela faria isso? – Rachel perguntou confusa, tentando entender porque sua mãe biológica mudara daquela forma. Quando se viram pela última vez, Shelby tinha lágrimas nos olhos por estar vendo-a ir para New York, Shelby parecia ter mudado para melhor... Quinn se virou para ela e abriu um sorriso de lado, sem muita vontade. Depois, beijou a mão ainda presa entre as suas e respondeu cansada:

            - Eu não quero que você prejudique o que tem com Shelby por minha causa, a questão Beth envolve somente eu e ela, talvez Puck...

            - Não, claro que não. Shelby não falou comigo nesses sete anos e se ela fez o favor de tirar esse tempo todo para mexer com você, eu não vou deixar de estar ao seu lado. – Rachel tinha aquele brilho anormalmente poderoso nos olhos, aquele brilho que a fazia crescer alguns centímetros em sua pequena estatura e fazia Quinn acreditar que a felicidade era para todos. A loira afagou a bochecha dela e deu uma risada rouca, Rachel a acompanhou com um sorriso e as duas se aproximaram, prontas para um beijo.

            - Mas o que está acontecendo aqui?! – A voz parcialmente histérica de Shelby Corcoran-Puckerman se fez ouvir acima da música ambiente. Rachel e Quinn paralisaram-se, mas não se afastaram. Ambas olharam na direção da voz, encontrando uma Shelby pálida de fúria, com a face contorcida em uma expressão de desgosto. Quinn agitou a cabeça negativamente e massageou as têmporas antes de dizer sensata:

            - Não vamos recomeçar com isso, por favor.

            - Já recomeçamos, Fabray. – Shelby retrucou impiedosa em direção as duas garotas. Rachel se afastou de Quinn, mas manteve as mãos entrelaçadas. O olhar de Shelby recaiu sobre as mãos dadas e os lábios se crisparam, enojada. – O que você já fez o favor de dizer ao meu marido?

            - Nada do que ele não saiba ou ao menos desconfie, Shelby. – Quinn respondera fria e distante, Rachel olhava de uma para outra, completamente sem saber o que fazer. Kurt irrompeu pela porta, segundos depois, mas nada fez além de observar. Dave parou ao lado dele e este parecia mais interessado na interação de Shelby e Quinn. A senhora focalizou os olhos de Rachel, tão parecidos com o seu e disse:

            - E você, como sempre, já está idolatrando-a... Não é, Rachel?

            - Seu problema é comigo, Shelby. Não ouse colocar Rachel no meio. – Quinn deixara de ser fria nesse momento, ela inflamou quando viu Shelby dirigir-se a Rachel de forma tão agressiva e o olhar culpado e desolado de Rachel não ajudou a amenizar a fúria que se instalou em seu peito. Shelby abriu um sorriso sarcástico, ignorado por Quinn, a loira concentrou-se em colocar seu corpo a frente da pequena. – Se você quiser, um dia, se resolver civilizadamente... Eu topo. Mas não ficarei gastando saliva para te convencer enquanto você abre a boca para me insultar.

            Alguém tossiu do outro lado da varanda, assim como mais passos foram escutados. Quinn olhou por cima do ombro para ver que Kurt estava tentando conter um ataque de riso, Sam acabara de chegar com Puck e Mercedes em seu encalço. O policial suspirou quando viu as duas mulheres confrontando-se, como bom marido, caminhou até Shelby e murmurou cansado em seu ouvido:

            - Vamos para casa, querida. Nós não precisamos de mais um show.

            - Eu não vou sair daqui, Puckerman. – Shelby respondeu rude e com o tom levemente elevado, Rachel arregalou os olhos enquanto Quinn permanecia impassível a observar mais uma crise da mulher. Shelby deu um passo na direção dela e abriu um sorriso maquiavélico. – Quero escutar as novidades. Rachel não conseguiu a Broadway, não é mesmo?

            Um silêncio cruel e pesadíssimo tomou a pequena varanda. Os olhos de Quinn semicerraram-se e ela virou-se abruptamente para Rachel que, mesmo tentando não cair, desabara quando ouviu as cruéis palavras saírem da boca da sua mãe biológica. Quinn sempre soubera que Rachel tinha um pouco fraco e que esse ponto era Shelby. Nada valia se reerguer se, a tão desejada figura materna, a derrubava novamente.

            Mercedes engoliu em seco enquanto observava a interação estranha que Rachel e Quinn estavam tendo. A ex-cheerio não sabia o que fazer e apenas conteve-se em observar as lágrimas da morena molharem o tapete aos seus pés. Sam grunhiu e foi seguro por Dave quando tentou partir para cima de Shelby, Kurt estava controlando-se para não falar nada enquanto Puck observava a mulher, incrédulo.

            - Você não tem direito de falar essas coisas para mim.

            A voz de Rachel soou rouca e fraca por entre as lágrimas. Quinn se aproximou dela, mas Rachel desviou o caminho, limpando as lágrimas com força enquanto metralhava Shelby com os olhos. Quinn tomou a dianteira da discussão quando Shelby ousou responder:

            - Tente me derrubar, Corcoran. Não ouse ferir aqueles que eu amo!

            - Ah sim... Amor, não é mesmo? – Shelby repetiu irônica e olhando por sobre os ombros em busca de um apoio que nunca veio, Puck tentou contê-la em vão. A mulher voltou a olhar para Quinn, com uma fúria irracional habitando seus olhos. – O mesmo amor que te fez abandonar Beth? O mesmo amor que te fez abandonar sua família?

            Rachel tomou a frente dessa vez, pronta para estapear Shelby. Quinn a segurou pela cintura e a carregou para fora do apartamento. Escutou os gritos de Kurt às suas costas, seguidos de pedidos de desculpas que ela jamais respondeu. Quinn só se sentiu tranqüila quando entrou no sedan, mas estava tão fora de si que não conseguia sequer colocar as chaves no contato.

            Era aquela a sensação que todos os quais ela humilhara sentira?

            Era essa sensação de vazio, de quebra e de desespero que tomou todos os pobres colegas nos quais ela pisara? Subitamente, Quinn sentiu-se a pior pessoa do mundo.

            Rachel, surpreendentemente forte ao seu lado, trocou de lugar com Quinn sem que a ex-cheerio percebesse. Rachel cantou pneus durante todo o trajeto até o prédio de Quinn e só suspirou aliviada quando as duas entraram no apartamento escuro da loira.

            Quinn estava apática e caminhava a frente, cambaleante. A noite que prometia ser cheia de esperança e resoluções, revelara-se a noite da dor e das memórias mais doídas... Rachel não sabia o que acontecera com Quinn e a família Fabray, mas aquilo parecia tão ínfimo no momento. Porque a sua vontade maior era voltar ao apartamento de Kurt e fazer Shelby engolir cada palavra que ela ousara dizer para Quinn.

            A sua Quinn.

            A garota corajosa que enfrentou o topo e a queda no McKinley High com a mesma determinação, a garota que correu para seus braços quando enfim percebeu o que se passava entre elas... A Quinn que era forte e tão frágil que Rachel conseguia arrumar forças do âmago de sua alma para sustentá-la. Aquela Quinn cheia de defeitos, cheia de consertos e cheia de cicatrizes as quais ela aprendera a amar.

            Rachel observou Quinn jogar-se no sofá, com o rosto escondido entre os braços, murmurando para si mesma o quão detestável ela era. A morena ficou estática, sem saber como penetrar naquele cruel mundo individual ao que Quinn se isolara. Rachel sentou ao lado dela, não ousou ligar as luzes, mas tocou o braço de Quinn com as pontas dos dedos. Quinn se retesou e murmurou fria:

            - Não, Rachel.

            - Eu estou aqui, como disse que estaria. Fale comigo. – Rachel suplicou um pouco fora de controle, o seu coração quase explodindo dentro do peito, aquela dor era tão dela quanto era de Quinn. Mas a ex-cheerio olhou para ela com desprezo, mesmo a meia luz da lua, Rachel percebeu que ela estava atacando para se defender. Típico.

            - Isso não foi feito para você, Rachel. Sou eu contra Shelby.

            - Eu fui feita para você, Quinn... Você não pode me deixar fora disso! Eu não vou te ver quebrar e não fazer nada! – Rachel disparou aos gritos, recebendo apenas um olhar entediado em troca. A raiva tomou-lhe o corpo e a impulsionou para fora da sala. Rachel caminhou até o escritório de Quinn e seu atual quarto, bateu a porta e sentou-se no chão... Chorando.

            Agora sabia como Quinn se sentia. A dor da incapacidade de curar estava cortando-a por inteiro. Ver Quinn chorando e sofrendo com as palavras cruéis de Shelby eram as piores sensações que poderia ter, superava o “não” que tinha recebido em sua última apresentação.

            Mas ela era Rachel Berry e jamais desistia daquilo que acreditava e ela nunca acreditara em nada mais forte do que sentia por Quinn naquele momento. Esse pensamento a fez ficar em pé, secar as lágrimas e ajeitar-se no espelho do corredor. Voltou a sala e Quinn estava com a TV ligada, mas no mudo.

            Rachel pigarreou, Quinn sequer ouviu.

            A mesma ausência de comunicação entre elas, o mesmo silêncio que só sabia ser preenchido por uma única coisa... Música.

All of these lines across my face

Tell you the story of who I am

So many stories of where I've been

And how I got to where I am

But these stories don't mean anything

When you've got no one to tell them to

It's true... I was made for you

            Rachel soou afinada, como se cantasse todos os dias, da mesma forma que cantara durante todo o seu ensino médio. Quinn manteve-se concentrada na TV, mas o leve movimentar de sua cabeça em direção ao som evidenciou que ela, na verdade, estava disposta a escutar. Rachel deu um passo vacilante em direção a sala escura e entoou mais um verso para o silêncio.

I climbed across the mountain tops

Swam all across the ocean blue

I crossed all the lines and I broke all the rules

But baby I broke them all for you

Because even when I was flat broke

You made me feel like a million bucks

Yeah you do and I was made for you

            Rachel estava ofegante, com o coração a boca e os sentimentos em todas as palavras que cantava. Ela percorreu a distância que a separava de Quinn e desligou a TV sem sequer olhara para a mesma. Encaixou seu pequeno corpo entre as pernas de Quinn e acariciou o rosto bonito, deu um sorriso. Céus, Quinn conseguia ser linda até quando trajava uma máscara de gelo.

You see the smile that's on my mouth

Is hiding the words that don't come out

And all of my friends who think that I'm blessed

They don't know my head is a mess

No, they don't know who I really am

And they don't know what I've been through like you do

And I was made for you...

            Quinn finalmente cedeu, ela ergueu o corpo de Rachel do chão e a morena sentou em seu colo. As lágrimas que Quinn tentara congelar, finalmente caíram e Rachel as secou, pacientemente, respirando fundo e mordendo o lábio inferior, tentando segurar seu próprio choro. Rachel beijou os lábios de Quinn levemente e, próxima a ela, cantou:

All of these lines across my face

Tell you the story of who I am

So many stories of where I've been

And how I got to where I am

But these stories don't mean anything

When you've got no one to tell them to

It's true... I was made for you

            Quinn a olhava com admiração, sentindo-se subitamente envergonhada de suas atitudes de repelia com ela. A ex-cheerio procurou se manifestar, mas Rachel tocou seus lábios com o indicador, dando um sorriso e um olhar que dizia claramente que as coisas estavam bem.

            Quinn nada pode fazer a não ser embalar o pequeno corpo com o seu e afogar-se naquele mar de cabelos castanhos e mãos pequenas que pareciam ser o mais próximo que ela possuía da proteção em anos. Rachel realmente fora feita para ela.

            Os corpos se encaixavam tão perfeitamente que pareciam ter sido talhados juntos, as mãos se entrelaçavam com tão perfeição que era até fisiológico, os olhares se encontravam e bastavam apenas eles para que as palavras necessárias (e não-ditas) se fizessem ouvir. Quinn sufocou suas lágrimas no peito de Rachel.

            A morena afagou os seus cabelos pelo tempo necessário para que ela pudesse se acalmar e respirar... Quando, enfim, os olhos esverdeados se ergueram inchados e fragilizados, Rachel a beijou na bochecha e, próxima ao ouvido de Quinn, murmurou uma promessa:

Oh yeah it's true... I was made for you.

            Quinn ergueu os olhos para ela e o que era impossível, aconteceu.

            O rosto até então ferido, se abriu em um sorriso retribuído de bom grado pela morena em seu colo. Rachel se aproximou, beijando-a de verdade dessa vez.

            E Quinn não precisou de mais para se convencer de que a única opinião que importava, era aquela que estava em seus braços. Tão presa ao seu corpo que, realmente, parecia ter sido feita para ela.

###


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

O que acharam? Sei que é pedir demais, mas espero reviews viu? HSUASUHAUHAUHASUHUASHUAS
Sobre Glee... Eu nem cheguei a ver os últimos episódios que saíram. Acho que ver a Dianna chorar no sneak peek de "Goodbye" me deixou um tanto quanto traumatizada '-'
Estou infeliz com alguns rumos que a série está tomando, ainda mais depois da incrível reviravolta que eles estavam conseguindo dar a partir do 3x14 :/
Mas a vida segue, com ou sem Glee.
Bem, é isso. Leiam e deixem reviews, beijos e até a próxima! (: