A Cura Do Meu Coração escrita por Rafa SF


Capítulo 4
Capítulo 4




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Capítulo 4

—/-/Kagome/-/-

Um novo dia se inicia e observo, calmamente o passar do tempo após a noite insone.

Mesmo tentando adormecer, a mente inquieta não me permitia ir além de meros cochilos, ao ponto de me fazer simplesmente desistir de tentar e decidir usar o tempo para meditar. Talvez alinhar os pensamentos e quem sabe, reunir um pouco de reiki em minha reserva. 

A sensação de vazio em mim incomodava. Desde que cheguei na Era Feudal, aprendi a aceitar essa energia como parte de mim, de tal forma que a falta de acesso ao poder espiritual torna meu ser vazio, incompleto. Por isso, confio que essas poucas horas de contemplação servirão para recuperar minha força. 

Era fato de que a mente inquieta mais funciona como âncora do que guia nesse momento de contemplação, levando-me a perder o rumo diversas vezes ao refletir sobre algumas questões num momento que preciso de uma consciência limpa para treinar, mas não consegui evitar de repetir os últimos acontecimentos. Os últimos dias. 

Com tanta informação e dúvidas, senti orgulho ao conseguir tomar alguma decisão ainda nesta noite. Mesmo não sendo a mais sábia, entendo que fiz o que pude e não posso controlar todos ao meu redor. Também entendi que não consigo lidar com minhas emoções no momento. Simplesmente a carga emocional era grande demais. Em poucos dias, antigas esperanças foram acendidas e pisoteadas pelo meu, até então, bom amigo e amor, Inuyasha. Perdi o contato com minha família. Perdi meus amigos… 

Estava só, num mundo novo, antigo, mas novo e não sabia por onde começar.

Pois é isso que minha razão diz para fazer. Recomeçar.

Também sou consciente de que a decisão de focar em mim, antes de tudo, resulta, sobretudo, da minha inabilidade. Talvez seja somente uma desculpa para ignorar o agora e permitir-me ter meu próprio tempo para lidar com tudo. E acredito que tudo bem que o seja. Se essa decisão me permitir seguir com a vida, tudo bem, algum dia não sobrará nada além de memórias e, eventualmente, serei capaz de lidar com o outro. Algum dia. 

Talvez trancar ressentimentos não seja tão ruim quanto dizem. Pelo menos, irei me permitir o conforto de trancar todo ressentimento em mim, pelo tempo necessário para me sentir pronta e me aventurar novamente. Uma bela e enrolada forma de dizer que estou fugindo das minhas emoções. Bem adulto.

Concentro-me em sentir a energia natural ao meu redor, um passo básico ~e tedioso~ do treinamento sacerdotal. 

De qualquer modo, mantive-me em posição de lótus por algum tempo, já acostumada a treinar desse modo para acelerar o processo de purificação. 

Em algum momento, tal como ontem, sinto seu youki em movimento, se aproximando assim que os primeiros raios solares surgem. Eu não lhe revelei que podia sentí-lo, mas talvez tê-lo encarado assim que surgiu pela vegetação tenha servido de dica sútil

O maior encarava-me enquanto se dirigia à caverna

Novamente recém banhado, andava calmamente apesar do vento frio que passava por ele, nem mesmo pareceu sentir a água escorrer de seus cabelos translúcidos, que molhavam o haori aberto, sem importar-se com o bem estar de seu dono. Também não usava sua armadura, apesar de carregar as duas espadas dessa vez. Ele entrou na caverna e continuei lhe observando se dirigir para minha diagonal, próximo à fogueira ainda acesa e retirar o haori molhado.

A atitude foi tão inesperada que acompanhei inconscientemente suas ações, reparando na pele alaranjada pelo fogo, que parecia consumir a palidez do seu torso exposto. As cicatrizes expostas eram claras, quase imperceptíveis, se não fossem o volume demarcado pelo jogo de luz, o que tornava a imagem estranhamente sobrenatural. 

E foi de modo inconsciente que passei a seguir o trajeto das marcas demoníacas pelo seu corpo, curiosa sobre presenciar o Youkai agir tão casualmente…. Até perceber ser uma atitude que podia facilmente ser mal interpretada, portanto, me apressei em desviar minha atenção das listras violetas que acompanhavam seus músculos. Me neguei a demonstrar qualquer sinal de timidez quando voltei meu olhar para seu rosto, a expressão desinteressada dele era mais do que o suficiente para entregar seu desdém pela minha pessoa. 

Logo tratei de desviar o assunto mental, pulando a parte da discussão interna sobre a cena anterior. Diferente de antes, percebi que ele passou um período maior longe da caverna, pois saiu logo após me trazer do lago ontem e retornou agora. Nem mesmo deu alguma satisfação aos seus companheiros, ele não fazia isso e também não era cobrado para tal. Rin-chan, ao vê-lo sair ontem, continuou comendo como se nada acontecesse, nem mesmo se importou com as ações do demônio e somente foi dormir quando sentiu sono, mas para mim foi uma atitude irresponsável mantê-los sozinhos durante a noite. Se fossem atacadas, não tinha certeza se os outros seres ali eram capazes de nos proteger, ela mesma não era. E essa confiança cega não cabia a Kagome aderir e até sentiu alguma calma ao manter-se acordada, isso até o cansaço lhe atingir e trazer consigo o primeiro pesadelo. Daí a noite insone. 

— Está melhor, humana_ afirma Sesshoumaru tirando o rumo de meus pensamentos. Lhe observo, estranhando a sua iniciativa de conversar. Se foi uma pergunta ou afirmação, não ficou claro, somente permaneci observando-o sem emoção.

—Está de volta, youkai. __ Tratei de me manter serena ao ignorar o som que o maior soltou insatisfeito, fechando novamente os olhos em meditação. Porém o silêncio durou menos de 3 respirações.

—Voltaremos a viajar hoje. Oeste. __ Escutei Sesshoumaru dizer, me fazendo encarar-lhe. Agora ele estava perfeitamente vestido, sentado no lugar extremo ao meu, não me dirigiu o olhar, pois algo no horizonte lhe chamou atenção. Em todo o caso, não fiquei chateada com a afirmação, já que sempre soube que, eventualmente, cada um seguiria seu caminho. 

Era a hora de me despedir. 

—Poderei seguir viagem sozinha a partir do próximo vilar-

—A Miko irá conosco. __ Ele me interrompeu e fiquei sem palavras por um momento, soltando um incrédulo “Nani”, mas a -micro-expressão irritada de Sesshomaru deixou claro que foi uma reação idiota. Isso foi um convite?

—Não lembro de ter concordado com isso. 

—Não questionei as suas vontades, Miko. 

Um doce. Pensei com ironia e respirei fundo para evitar qualquer resposta mal educada. 

— Os acompanharei até o próximo povoado, sendo do seu gosto ou não, Youkai.__ Fui clara, apesar da atitude de fuzilar-me tão “simpaticamente” dizer com todas as letras como ele não gostou de ser contrariado, inclusive, achei que ele continuaria sua exigência, independente de minha resposta, porém nada veio. Pelo menos o silêncio é bem vindo. Tratei de ignorar a atitude estranha e voltar à minha contemplação, ou fingir me concentrar para evitar outro “papo”. 

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Eventualmente Rin acorda e, antes que a mesma tivesse tempo de iniciar qualquer assunto, lhe informo que sairei para procurar por algumas frutas, uma desculpa para sair da presença de meu algoz. Então andei para desestressar a mente, estava zangada, irritada com o tom autoritário dele e essa mania que todos parecem ter de decidir por mim. Não possuímos nenhum tipo de relação, nem nunca tivemos para dar-lhe algum peso em qualquer uma de minhas decisões… quem o deu algum dir- Respire, Kagome. Onde você está?

Parei no meio da mata e reparei que a trilha já não era tão nítida, o que significa que saí de seu percurso em algum momento para adentrar na floresta sem me dar conta. E olhei ao redor, tentando identificar a direção que vim e me certificar que não iria me perder se continuasse andando sem rumo. 

Engraçado que, somente agora, percebi o quanto dependo de minhas habilidades para coisas tão simples. 

E o próximo pensamento surgiu tão rápido quanto as questões que o seguiram: Não trouxe nenhuma arma comigo. Como me defenderia? E se houvesse outras criaturas ao redor? Qual vilarejo acolheria uma sacerdotisa sem poderes? Quando eu estivesse só? Quem me guiaria? Qual o vilarejo mais próximo? Quanto tempo até meu reiki se restaurar e me permitir seguir? Para onde seguir? O que ele ganha ao me levar consigo? Eu seria somente mais um fardo a ser carregado, não tenho contribuições para o seu grupo além de servir de companhia para Rin. Inclusive, sinto que fui mais um peso para a pequena nos últimos dias… 

Questões tão básicas e fui incapaz de responder. 

Um estalo se fez presente, como se somente agora me desse conta, que talvez, aquele convite não seja simplesmente uma vontade do Daiyoukai, nem mesmo é vantajoso para o mesmo ter mais um ser sob sua guarda… E apesar disso, ele ofereceu proteção a mim, porque? Culpa?

Além disso, por que me irritei tanto ao vê-lo decidir por mim? Foi realmente por ser Sesshoumaru que me irritei ou será a sua semelhança com seu meio-irmão a responsável por bagunçar minhas emoções? Estou pensando muito no assunto? Que motivos me sobram para recusar essa oferta? Vergonha? Raiva? Medo? Orgulho? Realmente, o que me impede? A esse questionamento há resposta, nada me impede. 

Eu decidi que, nada jamais me impedirá de experimentar os novos rumos do destino.

A brisa fresca passou por mim, como se Kami-sama concordasse com minha atitude. Incrivelmente, eu não sinto mais raiva. Percebi também que não estava tão longe quanto imaginei, o youki do albino servindo de guia métrico do meu retiro. 

Então escolhi retornar à caverna após esfriar a mente. Iria me acostumar eventualmente, apesar do incômodo de depender de outrem, talvez seja bom ceder e seguir o fluxo. 

Aproveitei para colher algumas maçãs de uma macieira baixa que encontrei no caminho, inclusive, vejo algumas ervas comestíveis, boas para chá e colho algumas para a nossa viagem. Não sabia a distância do Oeste para onde estamos, mas se não me engano, vi Rin guardar os restos da carne de coelho ontem, então provavelmente seriam alguns dias de caminhada até algum povoado, onde poderíamos reabastecer os suprimentos. Isso se o grupo decidir passar por algum, o que duvido, pois Sesshoumaru não parece do tipo que viaja por terras humanas. Pensaria nisso quando chegasse a hora. Por enquanto, devo retornar, já faz um bom tempo que saí com a desculpa de colher frutas. 

Quando retornei à caverna, fui recebida com alegria pela criança. 

—Kagome-sama, okaeri, é verdade que irá conosco?_ Rin me cumprimenta feliz. Mal me dando tempo de entrar antes de ser questionada.

—Tadaima, Rin-chan! Hai._ respondo, em meia verdade. 

— Que notícia maravilhosa! A senhorita irá adorar o Oeste, lhe mostrarei meu jardim, ele é lindo! Ah, e também poderemos-

Rin desatou a falar devido ao seu estado de ânimo e não conseguiu estragar com sua alegria, concordando em automático com qualquer plano arquitetado pela menor. Me pergunto como a garota ficou a par tão rapidamente da notícia e só pude imaginar que um certo youkai era bem mais fofoqueiro do que aparentava. Procuro discretamente por ele e o vejo falar com Jaken, que saiu resmungando algo irreconhecível.

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Partimos logo após o café, antes mesmo da volta do pequeno ser. Caminhamos conversando amenidades e logo o dia se passou. Passamos o resto do dia assim, até Rin demonstrar sinais de cansaço, mesmo sem informar ao grupo. Era por volta do fim da tarde quando paramos numa clareira não muito grande. Nela estava Jaken, nos esperando com algo bastante familiar aos seus pés.

— Minha bolsa!_  Com surpresa, reconheci o objeto amarelo que não pertencia ao Japão Feudal. 

Corri ao seu encontro e peguei o objeto de si, ajoelhando-me para conferir meus bens, estavam todos aqui, itens de higiene, roupas, livros favoritos, itens de sobrevivência e meu álbum de fotos, minhas cartas... Tudo estava aqui, exceto pelo meu arco e flechas, que provavelmente estava com Kaede Obaasama. Mesmo assim, era reconfortante ter aquela parte de mim de volta.

—Arigatou- gozaimasu, Jaken-san._ Lhe agradeci sinceramente, recebendo um revirar de olhos como resposta. Percebi que aquela seria minha resposta, então recolhi meus pertences e me afastei, escolhendo uma árvore de raízes altas para sentar e explorar meus bens. Não queria demonstrar, mas saber que eles se preocuparam em recuperá-los me emocionou.

— Kah-chan, o que é isso?_ Rin pergunta apontando para o objeto quadrado em minha mão. Eu nem a percebi do meu lado, mesmo assim, lhe mostrei minha câmera estilo polaroid. A trouxe há tempos, pois com ela poderia marcar os momentos com os meus amigos e imprimir suas fotos sem precisar retornar ao meu tempo e ir numa máquina reveladora. Talvez seja mais fácil lhe mostrar do que explicar:

— Lhe mostrarei, fique parada e sorria para mim.

Ela estranhou, mas ainda sim o fez. Tirei sua foto e logo tive o papel em mãos. Foi bem engraçado como Rin ficou confusa sobre como aquela pequena coisa conseguia fazer uma pintura dela tão rápido e os próximos minutos seguiram de uma detalhada explicação sobre o funcionamento daquela tecnologia, por insistência da menor. Logo mais, estávamos falando sobre a câmera de vídeo, cinema e tudo o mais que a menor perguntava sobre as tecnologias do século 21.

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Foi difícil convencer Rin a dormir, animada como estava nessa viagem, mas após alguns minutos de histórias, seus bocejos denotavam o cansaço e ela se deu por vencida, caindo no apoiada em mim. Esperei um pouco antes de me desvencilhar da menor e peguei um cobertor para apoiá-la como travesseiro, também usei outro para lhe cobrir, protegendo-lhe do vento frio. 

Afaguei distraidamente seus cabelos sendo incapaz de descansar, em mais uma noite insone. Captava os sons ao redor, o crepitar da fogueira, o vento por entre as árvores e os sons dos animais e eles agiam como companheiros no momento. Tanto que perdi a noção de quanto tempo velei seu descanso e, por um momento, invejei a face serena. 

Poderia tentar meditar um pouco, porém o esforço me pareceu muito e tratei de distrair-me com o ambiente, deitar também estava fora de cogitação. Nunca funcionou em noites como essa. 

Talvez um livro caísse bem. Pensei enquanto procurava por algum dentro de minha mochila, mas infelizmente, só trouxe romances de meu último retorno e não me sentia compelida a ler o gênero no momento. 

Suspirei entediada e olhei ao redor buscando algo para distrair-me. O pequeno grupo descansava, cada qual em seu local de escolha, Jaken e Arurun se acolheram próximos à fogueira, a pequena na árvore mais próxima e o Daiyoukai parecia repousar acima dela, sentado num galho alto, como sempre, a protegendo.  Então conversar não era uma opção no momento. Dei alguns passos pelo local, até reparar que a fogueira começou a diminuir suas chamas. Então comecei a recolher alguns galhos secos para reativar seu fogo, com cuidado para não acordar o dragão ali perto. 

Assim que terminei, me vi encarando a lua tímida, minguante e acredito que deve faltar pouco para o amanhecer.  Mantive-me daquele jeito até que percebi o céu começar a clarear. Sem um pingo de sono, pelo contrário, estava alerta, como se houvesse acabado de acordar, mas o corpo cansado pelo dia ativo.

Aos poucos, o brilho das estrelas diminuiu, devido ao novo dia que se inicia. O canto dos pássaros se tornava cada vez mais constante, indicando que os pequenos animais acordavam. Logo mais o grupo despertaria.

Talvez fosse bom um pouco de água fresca para o café da manhã, se não me engano, havia alguns pacotes de chá na bolsa.  Lembrei de um córrego o qual passamos mais cedo, pouco antes de pararmos, coisa de 5 minutos de caminhada daqui e decidi buscar um pouco do líquido. Um banho parecia bom, se eu for rápida, voltarei antes que despertem.

Decidida, ando até minha bolsa para pegar alguns itens de higiene e minha toalha. Olho ao redor para conferir que todos descansavam e me ponho a caminhar na direção que vinhemos em silêncio. Não demorou muito para o som da água corrente me alcançar.

Avaliei o local e eu estava só, constatei, então me senti tranquila para tomar banho. Naquela altura, o córrego pareceu ter profundidade o suficiente para afundar até meu quadril, ademais consigo ver seu fundo. 

Foi um banho rápido, com direito a lavar meu cabelo com xampu de jasmim e hidratá-lo como eu bem merecia. Vi uma mãe cerva e seu filhote beberem água num ponto mais distante de mim e me pus a admirar esse momento simples. 

O céu alaranjado dava um encanto ao momento,  exaltando a beleza natural que sempre admirei dessa era. Me senti um tanto hipnotizada pelo animal, isso é, até ambos saírem correndo para a mata e uma energia familiar se fazer notar.

—Saia._Falei ainda de costas, agradecendo por ter cabelos longos o suficiente para cobrir minha nudez e ouço o som das folhas se mexendo, indicando a movimentação de Sesshoumaru. Procuro algum abrigo para me esconder naquele ponto, sendo azarada de estar num local sem nem mesmo uma rocha mais alta. Não sabia se me irritava ou me envergonhava da situação, o rosto quente, provavelmente corado com ambos. 

—Preciso de privacidade, Sesshoumaru._ Deixo claro, mas o youki nem se mexeu. Questiono se o mesmo me ouviu, pois não pareceu entender a minha necessidade. E, com toda a minha paciência, lhe questiono o porquê de sua presença.

—Youkais._ Foi o que me disse. Pelo menos.

—Sinto-me grata pela preocupação, mas sei me cuidar. Me deixe só._ Pedi, dando por encerrado aquele assunto,  e aguardo sua saída.

O silêncio que se seguiu me fez pensar que o mesmo retornou à clareira, mas ao virar de frente para margem, reparei nas costas do youkai. Ele estava sentado na grama seca, de costas para o rio como se me dissesse ser o meio termo de nosso confronto. Essa é a resposta? Pensei indignada, relutando em continuar o expulsando. Era estranho ter que decifrar o maior a partir de seus microgestos, mas de alguma forma me parecia mais natural desse modo. 

Então que espere com um bom menino. Ri com o pensamento de um cão branco obediente, aceito que Sesshoumaru de costas seria o máximo de privacidade que eu conseguiria sob seus cuidados e me apressei para vestir-me. Sinceramente, o conceito de vergonha não existe para os youkais! 

Quando terminei de me organizar, peguei o cantil e o enchi para o chá, como havia planejado e ao me levantar, deparo-me com o albino de pé, observando-me, algo curioso no brilho dourado.  

—Por que se afastou do seu grupo?_ Perguntou de modo cru.

—Isso é algo que não quero falar._ Respondo sem humor e o mesmo continua, sem nem mesmo alterar a expressão vazia. :

—Explique.

— ...__ Decidi lhe ignorar, não o devo explicações e olho em direção à clareira, dando alguns passos antes dele se por na frente do caminho e o bloquear, deixando claro que não desistiria de obter suas respostas. Como tudo o que fazia, esperava conseguir o que deseja. 

Arrogante, prepotente, sorte sua eu não poder usar meus poderes. Xinguei-o mentalmente, esperando que meu olhar indignado fosse expressivo o suficiente para lhe parar. Ledo engano. Nem mesmo foi o suficiente para mudar sua expressão de parede.

—Como terminou ferida?_ Continuou, autoritário.

—Vamos voltar._ Disse-lhe, esperando que o mesmo desistisse daquele interrogatório súbito e tive a impressão de ver um levantar de sobrancelhas ao me interrogar no silêncio. Nos encaramos por tempo o suficiente para me fazer bufar. Quem imaginaria que o youkai seria tão insistente?  

— Eu fugi.  

—E porque, humana do Inuyasha?_ Me chamou e não conseguir esconder a raiva ao ouvir o termo. Como se ele dissesse de propósito para me perturbar. 

—Eu tenho um nome, é Kagome.

—Humana do Inuyasha._ Repetiu e suspirei audivelmente com sua teimosia. Do que adiantaria reclamar com um ser insensível? Meu irônico salvador. O fato de que o albino me lembrava descaradamente seu irmão não ajudava-me a lidar com a situação. Tão parecidos por fora, com personalidades tão opostas…

—Eu não… Respondo por esse título, Sesshoumaru. Eu não mereço..._ Declarei, tentando soar sincera, mas ouço que minha voz saiu em tom de súplica, era um assunto sensível e o buscava nos céus a força para não desabar. Minha mente brincou de lembrar de bons momentos que passei com meu ex-amigo. A imagem do hanyou brincalhão me veio afiada e senti os olhos marejarem com a lembrança. 

Não consegui manter o olhar, as lágrimas fluindo sem meu consentimento.

—O hanyou disse? _ Sesshoumaru perguntou, fazendo com que fosse impossível não reviver a minha despedida.

—Hai._ murmuro baixo repetindo as palavras de Inuyasha, sentindo as pontadas no peito intensificarem. Não era a imagem do insensível youkai que estava ali e sim, sua versão menor, mais gentil e mais ativa, com orelhas caninas, dentes salientes e sorriso contagiante. Era Inuyasha quem via a frente e isso me doeu, agudamente

—E os ferimentos?_ Continuou impassível e não consegui olhá-lo novamente. Até continuaria a encarar algum ponto entre os meus pés, até sentir o toque rude em meu queixo, me puxando e obrigando o contato visual consigo. Será que ele não repara que está me machucando?  

— Pulei de um penhasco. 

— Hum. Aquele hanyou vale a sua vida?_ O escárnio era claro, real, tão cru que sua voz o tornava palpável. Ele fez com que toda a minha força de vontade se esvaísse, as palavras crueis me atingiam profundamente, de modo que não pude mais controlar minhas emoções e me permiti ali, chorar como não fiz antes.

Consigo ver como não passo de lixo aos seus olhos. Eu me sinto assim, não sou forte como Kikyou. E como todas as vezes que nos comparo, chego à conclusão de que ela merece mais, essa é a sua era, sua alma. Ela merece toda a felicidade de uma vida, por ter sofrido tanto ainda jovem. Inclusive, merece o amor de Inuyasha, que aguardou por todos esses anos o seu retorno.

Vejo o youkai virar as costas e sair do local, retornando a clareira sozinho, claro, depois de acabar com os poucos cacos que consegui juntar em mim. Aos poucos, os vários flashes passavam por minha mente, com a veracidade de que nunca voltaria a ser como antes. Sentia os espasmos sacudirem meu corpo ao ponto de cair no chão, abraçando-me atrás de conforto.

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Viajávamos a passos lentos, num acordo mútuo de silêncio. Exceto pelas breves palavras que troquei com Rin no almoço, o dia passou no mudo. Não ouvi nenhum som de Sesshoumaru desde nossa calorosa conversa de mais cedo e não fiz questão de iniciar nenhum assunto. Rin parece notar o clima e escolheu trocar amenidades com Jaken. De resto, estávamos confortavelmente nos ignorando por horas. 

Perto de anoitecer, nos acolhemos numa caverna pequena, mas que nos abriga confortavelmente e fui para o fundo, a fim de acolher-me em meu saco de dormir e encerrar o dia, sem vontade de ao menos comer. 

Não sonhei naquela noite.

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No dia seguinte me senti melhor e consegui conversar com Rin durante o dia, talvez seja por Sesshoumaru ter sumido em algum momento, indo na frente do grupo sem avisar. Mas como ninguém parou de seguir o caminho anterior, não questionei.

Estava distraída quando a voz gentil começou:

— Kagome-sama, posso lhe fazer uma pergunta?

—Claro Rin-chan.__ Virei em sua direção e lhe sorri. Permitindo a sua curiosidade.

—Como a Senhorita se feriu tanto?_ Não pude conter a surpresa, se ambos tivessem combinado, não teriam conseguido trazer o mesmo assunto a torna.

Eu não sabia os motivos que fizeram Inuyasha agir assim, só poderia imaginar.  Kikyou sempre fora seu amor e ele foi até onde pode para viver ao seu lado. Infelizmente, ele me feriu muito nesse processo, apesar de no fundo, do fundo de meu ser, eu saber que seus olhos não brilhavam tanto comigo perto e seus momentos de avaliar o horizonte eram preenchidos por um sorriso nostálgico. 

O pensamento, óbvio, me abalou, como se fosse a primeira vez que percebi isso. Porém, no momento pude impedir de demonstrar minha tristeza, talvez o escape de ontem tenha servido para isso. 

Ao mesmo tempo, soube que não conseguiria dizer nada à pequena. Então forcei um sorriso.

—Foi um acidente, pequena _ respondo.

—Gomene. Tudo bem se não quiser me contar, Kagome-sama._ Sua fala me surpreendeu, a compreensão das entrelinhas em seus olhos cientes. Não pude deixar de admirar a maturidade da criança. 

—Você é bem inteligente, Rin-chan._ falo, bagunçando seus cabelos, um gesto que fez ver uma garota ali. Rin corou com a atitude e a face vermelha a tornou incrivelmente fofa.

—Arigatou Kagome-sama.

—kawaii!_ grito e aperto suas bochechas, a deixando mais e mais vermelha. O clima voltou a ser ameno depois disso e conseguimos conversar normalmente. 

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Era noite quando o DaiYoukai se fez presente. Rin foi a primeira a lhe perceber e não tardou em correr na sua direção para cumprimentá-lo. Quando se aproximou, ele tocou sua cabeça como cumprimento, num gesto divergente a sua personalidade. Tão carinhoso. Pensei e percebi que os encarava, então desvio o olhar, novamente sinto como se estivesse invadindo a privacidade da relação deles. 

—Kagome-sama, Senhor Sesshoumaru trouxe comida! Olhe!_ A pequena festejava com alguns pacotes na mão e não pude deixar de sorrir. Realmente, Rin alegrava o seu redor instantaneamente. Levanto e bato palma, animada por “osmose”.

—Então o que estamos esperando? 

Comemos em paz, a menor e eu conversando sobre tudo o que ela quisesse, sobre minha era, sobre meu treinamento sacerdotal, um ponto que lhe prendeu. Lhe contei como sentir o reiki ao seu redor, apesar de não conseguir fazê-lo no momento, lhe disse o básico do treinamento sacerdotal. 

Ela estava maravilhada com a possibilidade de conseguir sentir a energia da vida que desde então, se sentou em posição de lótus para praticar. A face concentrada era tão bonitinha que não conseguia tirar o sorriso do rosto. Por um breve momento, a noite ficou um pouco silenciosa, até a menor bufar audivelmente.

— Isso é impossível! _ Reclamou e eu ri de sua cara de desgosto.

—Rin, você precisa de concentração, não é algo que se aprende de uma hora para outra! 

—Mas a senhora conseguiu naturalmente, eu quero tentar sentir também!_ Eu me surpreendo com seu ponto de vista, sentindo-me orgulhosa da sua determinação.

—Primeiro, Rin, não me chame de senhora, eu sinto como se 100 fios brancos surgissem em mim quando você faz isso!_ Reclamei e a vi rir com meu comentário. 

— Pode me chamar de Kah, meus amigos me chamam assim e segundo, eu já tinha usado o meu reiki, então, esse treinamento só me fez melhorar algo que eu já possuía contato. É muito diferente para quem começou agora. Não precisa se comparar comigo assim, pequena._ Tentei lhe tranquilizar.

—Entendi, irei praticar mais vezes então, se eu preciso de tempo, irei me esforçar mais para conseguir rapidamente! 

—É uma boa forma de pensar._ Concordei, orgulhosa da determinação repentina. Depois disso, a pequena se pôs a praticar a meditação e fui lhe orientando sem, ao menos, perceber o olhar atento sobre nós.


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Notas finais do capítulo

Então né, mais um. As vezes, eu só sinto vontade de burlar tudo, cria uma cena muito louca e fazer esse casal se unir de uma vez. Vocês pensam assim também quando leem?
Até a próxima!! bjuss bjuss bye!



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