A Cura Do Meu Coração escrita por Rafa SF


Capítulo 3
Capítulo 3




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Capítulo 3

—/-/Kagome/-/-

 

Tento inutilmente me concentrar em reunir qualquer ínfima energia espiritual ao meu redor, porém os esforços foram em vão. Com o pouco reiki que me resta, concentro-me em me manter viva por mais alguns minutos, na esperança de reunir algo para curar-me. No fundo, eu sabia que estava na minha hora, a morte a todos alcança… só me parecia injusto ter lutado tanto para acabar desse modo e minha inutilidade me fez chorar. 

Frustrada diante da derrota, desfiz-me de minhas últimas preces, sem mais tentar esconder meu estado do Daiyoukai ali presente. E pela primeira vez, me permiti encarar minha última companhia. 

 Seu olhar queimava a minha pele, hostil. Seria o último ser que eu veria e não esperava nada dele além de uma companhia silenciosa. Talvez em respeito ao processo primitivo da morte.

Tal qual um espectador, Sesshoumaru parecia o próprio demônio à espera de minha alma. Engraçado como o verso se encaixava na situação e ri de mim mesma.

Pelo menos pude rir com a ironia dos meus últimos momentos. Estou ficando louca hahahah. 

Se eu soubesse que acabaria assim, sem nem ao menos poder lutar por mim mesma, teria permitido me tornar a refeição daquele urso. Pelo menos haveria algum significado para meu fim, participando do ciclo natural, eu seria mais uma linha do tecer da vida. 

Sinto meus pensamentos desconexos, as imagens daqueles que amo passavam em minha mente, o arrependimento de jamais ter me despedido corroendo esses poucos segundos de vida que me restam. Está frio.

Vi várias memórias confusas, meus sentidos perdendo-se a cada segundo me avisaram que havia pouco tempo, porém, estranhamente, sentia me calma.

Era uma sensação familiar, algo em mim reconhecia a sensação mórbida daquele manto negro a me cercar, seria similar ao interior da jóia? Não sabia, mas aceitei a sensação de calmaria que me vinha, um conforto ao pensar no fim. Meu corpo, pesado, era puxado por âncoras invisíveis e cada movimento pesava mais. Empurrando-me para a Terra. 

Mal percebi a movimentação do maior, até sentir o peso de um corpo em cima de mim, a cortina branca, formada por seus fios, ao meu redor. De algum modo, o Daiyoukai estava ajoelhado acima de mim, prendendo-me sem esforço com suas pernas. A diferença de nossos tamanhos se tornou nítida, agora que a proximidade me permitiu focar em sua imagem, antes embaçada. 

O observava, tentando focar nos âmbares já acastanhados pela minha visão, em busca de decifrar suas intenções. E, como sempre, o mesmo encontrava-se impassível, a face não alterando-se em nada, demonstrando toda a minha insignificância perante si. 

Que sorte a minha de o ter como companheiro nesse momento. 

Apesar de estar com dificuldades para focar ao meu redor, me sobressaltei ao vê-lo erguer as garras, prestes a me atacar. Num segundo, ele rasgou o tecido sob minha pele com um brilho obscuro em seu olhar e o pavor me tomou.

—Não, Sesshou...maru, Longe!__ Reúno todas as minhas forças para lhe afastar, num último ato falho. Isso só fez a dor se alastrar, não pude definir, mas creio que perdi a consciência por um momento.

—Quieta.__ Rosnou em resposta, com escárnio, com seus olhos vermelhos domados por sua besta. 

O pavor tomou conta do resto do meu ser quando paralisei com a visão, seu corpo era grande e me fez perder qualquer coisa de vista que não fosse o mesmo. Então foquei nos seus olhos, profundamente rubros, escuros como o sangue me deixava consciente demais da minha vulnerabilidade. Só pude chorar diante da cena, minhas pernas tremiam de medo e rezei para ser rápido, rezei pela misericórdia de Kami. 

E então tudo pareceu acontecer devagar demais. Senti seu aperto em meus pulsos, ele os prendeu entre uma das mãos e ergueu meus braços até a parede atrás de mim, me prendendo contra a mesma, como se eu fosse capaz de rebater sua força física. 

Não havia escapatória. Me transmitia através de suas atitudes. 

Os traços violetas no corpo do youkai saltavam proeminentes, como indicativo de sua natureza bestial. Observei impotente as suas ações sem saber o que fazer, ora seguindo o traçado das listras, ora visualizando o teto sob minha cabeça. No fim, só me restou permanecer inerte e aceitar meu destino.

O vi aproximar seu rosto do meu corpo e me cheirar, como um cão a farejar algo em meu abdômen, para depois voltar cruzar seus olhos rubros com os meus, o rosto bestial próximo, e ao mesmo tempo, longe demais. Porém a  lua lilás está sobressaindo em sua testa. 

—Sobreviva. __ Ordenou sua voz ao fundo e tive a impressão de vê-lo morder a si mesmo e logo depois, perdi a consciência. Por um momento, a escuridão me tomou, calma, imensa. Nada aconteceu e pensei que Kami levou-me, até sentir um calor. Algo quente caiu em mim. 

Abri os olhos assustada, com a imagem de Sesshoumaru derramando o próprio sangue em meus ferimentos. Eu nunca vi nada parecido e nem mesmo sei se foi real, minha mente falhando em raciocinar não me ajuda a definir o que era real… Até sentir. 

O calor fervente borbulhando minha barriga, um ardor descomunal que surgiu a partir do meu estômago e se espalhou pelo meu corpo, fazendo-me gritar com todas as minhas forças para espantar a sensação de ser atingida por milhares de agulhas flamejantes. Senti que Sesshoumaru segurou meu rosto e tapou minha boca com a mão para abafar qualquer som, isso me fez olhá-lo furiosa. Apesar disso, pude ouvir meu próprio choro ao rasgar a garganta. Um desespero que nem mesmo consegui sentir, tamanha a confusão de sensações.  

Aquela dor me tornou extremamente consciente e pude sentir meu reiki explodir em resposta a… mim mesma? Contra ele? Youki. Havia youki em mim. Pensei com assombro e não sabia o que fazer além de sentir aquela batalha em meu espírito, seu sangue corroendo-me por onde passava, eu estava fraca e minha mente não conseguia se organizar, as sensações me tomavam toda a consciência que me restava. 

Não sei quanto tempo permaneci lutando contra aquilo, só sabia ser uma batalha perdida até finalmente sentir o alívio da escuridão me tomar. Os olhos bestiais de Sesshoumaru acompanhando-me em minha última visão antes das trevas. 

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Os primeiros raios solares me atingiram, acariciando meu rosto com o calor familiar de um novo dia. Novo dia? Sono? Sol? Estou viva?

Abri os olhos assustada, o teto em pedra dizendo-me que não era um sonho, ou o era e eu acordei novamente? Pude sentir o calor do sol me atingindo a partir dos raios que invadiam a caverna e me permiti aproveitar desse momento um pouco.

 O som do dia amanhecendo me soou como música, assim como o barulho de brasa da fogueira que se findava pacificamente.  Me sentia leve, como se não houvesse nada em mim, a mente aérea, reconhecendo o local no seu tempo. É manhã, cedo, e esta é a mesma caverna a qual estive nos últimos dias com Rin e seu grupo. 

Procurei pela menina e a encontrei dormindo confortavelmente apoiada no youkai dragão, um pouco distante de mim, e aparentemente alheia da situação que acabara de ocorrer. Teria sido um sonho? 

Não entendia a confusão das lembranças da noite anterior, automaticamente olhei para baixo, em busca do corte que causou toda a situação e me deparei com a pele lisa do meu abdômen, com absolutamente nenhum sinal de que um dia havia qualquer marca ali. E, surpreendentemente, notei que meu corpo se curou… ou melhor, foi curado. 

Não cabia em mim o sentimento irreal de estar viva, especialmente às custas de Sesshoumaru, nem mesmo consigo sonhar em saber sua motivação para me ajudar novamente. E talvez, não coubesse a mim saber, somente aceitar a bondade alheia, mesmo que ela seja improvável em diversas circunstâncias e até mesmo na qual me encontro, mesmo vivendo a situação não acredito nela. Era mais fácil eu estar morta e esse ser o pós-vida de um universo paralelo onde a personalidade de todos se invertem e na verdade, o youkai de alcunha cruel, seja um benfeitor caridoso.

Nem mesmo eu consigo aceitar essa imagem mental, melhor parar com essa loucura, Kagome.

Suspirei, pois repentinamente, ficar deitada me pareceu incômodo, ou foi a sensação de vulnerabilidade que me incomodou, de qualquer modo, sentei-me sem nenhuma dificuldade. Sem nenhuma dor.

 Era inacreditável o poder de cura do sangue youkai, um verdadeiro milagre! Pensei, ainda incrédula com a potência do seu sangue. 

Estudei anos e anos para aprender o sacerdócio, sobre a cultura youkai com Sango e nunca nem ouvi falar acerca dessa característica. E assim como nunca ouvi falar dessa habilidade, não me cabia aceitar que Sesshoumaru tinha feito isso por vontade própria. Não me vinham razões para tal.

Estava tão absorta nos meus pensamentos que me surpreendi ao sentir a presença do autor de minha confusão a se aproximar da caverna, antes mesmo de ter a visão do mesmo, o estranho era que seu youki geralmente oculto, era palpável agora. Mas antes de raciocinar sobre isso, ele surgiu. 

Caminhava devagar, etéreo, além do alcance de qualquer ser. Ele estava diferente do usual, os cabelos quase transparentes pela umidade, molhavam o haori branco e vermelho que usava, entretanto o fato pareceu longe de incomodar o youkai. Ele também não usava sua costumeira armadura de espinhos, nem seu manto felpudo, que logo reparei estarem encostados no outro extremo da caverna, para onde o maior se encaminhou. O acompanhei andar até ambos e se vestir, como se ninguém mais estivesse ali, e permaneci assim inconsciente, como testemunha desse ato mundano que presenciava.  Até que reparei os olhos dourados em mim e desviei a atenção envergonhada por ser pega em minha curiosidade. 

Ato falho, pois não percebi que o encarava fixamente enquanto ele se aproximava, até ouvir o tom grave.

—Humana.__ Ouvi a voz do ser que rondava meus pensamentos de modo contraditório e acenei automaticamente em resposta à saudação, quase amigável, do mesmo.  Como você se ilude, Kagome!. 

O silêncio se manteve por longos minutos e me tornei ansiosa, procurando algum passatempo para evitar algum questionamento desnecessário.  Há uma pequena certeza em mim, a de que, por qualquer que seja o motivo, foi decisão de Sesshoumaru manter-me viva. E, por maior que fossem minhas dúvidas, não era sensato estimulá-lo a desfazer sua atitude. Pois, imagino que o próprio estava longe de apreciar qualquer questionamento quanto às suas ações.  

De qualquer modo, é graças ao mesmo que eu pude ver outro dia. 

—Arigatou, Sesshoumaru.__ Falei repentinamente e desviei o olhar, antes da minha autocrítica me desestimular. Portanto, não pude presenciar se meu agradecimento foi bem vindo ou não, apesar de ser irrelevante. Eu me sentia grata pela segunda ou melhor, terceira oportunidade dada a mim pelo Daiyoukai e tomei para mim que a decisão de não questionar suas ações servia como ato de agradecimento, no momento. 

E ao invés de continuar fugindo de pensar na situação, tornei a reparar em mim mesma, a pele suja pelo sangue seco, terra, dentre outras coisas grudadas em meu cabelo foi a melhor opção de passatempo e autotortura que encontrei. Apesar de morar há algum tempo nessa era, mantive o costume de banhar-me diariamente, mesmo no inverno. Um hábito da modernidade raro no japão feudal e podemos dizer que esses seis dias longe de higiene significam um recorde nojento na minha vida. 

Tal pensamento intrusivo sobre meu estado me fez puxar uma mecha de meu cabelo oleoso e o cheirar, confirmando para mim certa urgência em me livrar de todo esse sebo acumulado.

Boa, Kagome, seu fedor é, de fato, uma ótima prioridade no momento. Aproveitando o ensejo, reflito se conseguiria banhar-me em algum momento, mergulhar por um bom tempo na água corrente faria mais do que simplesmente limpar meu exterior.

Um longo suspiro fugiu de mim com o pensamento.

É melhor não arriscar em andar tanto. Era fácil de imaginar a pequena Rin preocupada se acordasse e não me visse aqui, no mínimo, eu devo alguma satisfação a menor. 

Procuro algum pano ao meu redor encontro o recipiente com água por perto, me teria como satisfeita em tirar o excesso de sangue antes de Rin acordar. Suspiro, se pelo menos estivesse com meus pertences, nada como um sabonete e uma roupa limpa para devolver minha dignidade. Enfim, prioridades.

Demorei-me no processo de retirar os trapos que resumiam meu haori, agradecida pelas faixas cobrirem todo o meu tronco e receosa, comecei a retirar o tecido que cobria meu abdômen, avaliando toda sua extensão. Não foi somente o abdômen que o sangue de Sesshoumaru curou, todas as outras feridas se foram, braços, pernas, nuca... Reparei surpresa, em autoavaliação. Tão concentrada que nem mesmo percebi ser observada, até, em algum momento, ao procurar o causador de minha confusão, o encontro me assistindo sem pudor, como se estivesse avaliando a extensão de seus próprios atos.

O rubor me tornou consciente da situação, e logo, transformei-me num tomate ambulante, seminu e sem coragem de saber se o mesmo permanecia me encarando ou não, só continuei focada em tirar todo o resquício de sangue que restava, da forma mais rápida que consegui. Tentei ter algum consolo ao pensar que o mesmo só estava curioso, assim como eu e busco abstrair-me da vergonha de relembrar do mesmo tão próximo como na noite anterior.

Ao terminar, pus as tolhas dentro do balde, tal como o resto das ataduras que tinha, exceto pela bandagem que me cobria o busto, a única coisa que me mantinha coberta na parte superior. Olho pelo tecido restante de meu haori e decido por usá-lo como coberta, mesmo que as manchas nele pudessem dar uma impressão errada a quem o visse. Por sorte, a calça estava intacta o suficiente para cobrir mais do que os joelhos, mantendo-me com alguma dignidade. 

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Não demorou para ouvir a movimentação ao lado, indicando que Rin acabara de acordar. 

—Ohayo, Rin-chan!__ Cumprimentei-lhe alegre, surpreendendo a menor. 

—Kagome-sama? Ohayo._ Rin me cumprimenta preguiçosa, incrivelmente fofa ao coçar o olho para afastar o sono. Apreciei esse momento e aguardei enquanto ela despertava. 

Rin se aproximou de mim e se ajoelhou ao meu lado, conferindo meu estado. 

— Acordou cedo hoje, Kagome-sama, como se sente? Tem fome?_ Pergunta preocupada me avaliando e olhando discretamente para a água suja do recipiente, numa pergunta muda.

— Bem, um pouco. 

— Kami-sama, seus ferimentos… estão melhores hoje. 

Omito os fatos de mais cedo e lhe sorri. Tecendo alguma breve explicação de que havia me curado. A pequena estava tão visivelmente preocupada comigo que somente a observei me examinar para confirmar meus dizeres.

Era novo para mim ser alvo de tal atitude, normalmente eu sou a pessoa que provia tamanho cuidado aos outros. Mas senti um carinho ao receber tamanho cuidado, me divertindo com suas expressões sinceras de surpresa. Se ela quis me perguntar algo, não o fez, simplesmente deu -se por satisfeita com minha explicação e tratou de conversar sobre seus sonhos.

A pequena estava verdadeiramente feliz e se levantou animada, dizendo que buscaria algumas frutas para os desjejum, e antes que eu dissesse qualquer coisa, saiu da caverna com uma cesta. Não demorou para retornar com algumas frutas. 

—Trouxe café da manhã! _ ela diz sorrindo e se sentou ao meu lado, me estendendo alguns pêssegos e maçãs. Agradeço e me pus a comer com gosto.

—Arigatou Rin-chan, você fez um ótimo trabalho._ agradeço sinceramente. Sem ela, eu provavelmente estaria em outro plano nesse momento.

—ah, que isso Kagome-sama _ Rin cora com timidez.

—Kawaii!_ Não me aguentei diante de tanta fofura. E apertar as suas bochechas só a fazia ficar mais e mais corada, ri gostosamente e Rin me acompanha. 

Em sua companhia, a manhã passou rapidamente, Rin se animara ao saber que eu consegui curar dos meus ferimentos, e passou a tecer alguns planos para fazer durante o dia. Me senti envergonhada em lhe negar qualquer uma de suas ideias e as escutei atentamente, sem coragem de dizer-lhe que não tinha planos de permanecer com seu grupo como ela imaginava. 

Foi algo que decidi assim que vi Sesshoumaru levantar e sumir após a pequena iniciar o assunto. Era perceptível que os acontecimentos recentes lhe incomodavam e minha presença não lhe agradava ao ponto de suportá-la mais do que o essencial. Pelo menos foi assim que interpretei sua atitude de sair da caverna sem explicações. De qualquer modo, já recebi ajuda o suficiente, imagino. 

Novamente, perdi-me em meus pensamentos enquanto lhe acompanhava sumir pela vegetação, alheia sobre quanto tempo passei encarando o local, até ouvir Rin comentar: 

— O Sesshoumaru-sama sai muitas vezes.

—O que ele tanto faz lá fora?__ perguntei curiosa.

—Não sei. Nunca lhe perguntei.

—Nunca lhe surgiu a curiosidade?

—Hai, mas para mim basta saber que ele vai me proteger, enquanto isso, eu o espero com Jaken e Arurun!_ Rin disse sorrindo, com uma sabedoria anos à frente de sua idade. 

Depois disso eu fiquei sem graça de voltar nesse assunto. Rin estava tão acostumada com o seu cuidador que lhe era natural as suas ações e questionar sobre isso me pareceu como se eu estivesse incluindo-me num assunto que não tem nada haver comigo. Portanto, inicio um diálogo a parte. 

Queria saber mais sobre a doce menina e apesar de ter iniciado a conversa, era ela a que mais falava. Dizia as coisas que gostava de fazer, de comer, de cantar, de como gostava de irritar Jaken, o youkai sapo que servia Sesshoumaru. Assim como algumas aventuras que tiveram ao viajar juntos. 

E logo a tarde se passa sem nenhum sinal do albino dos olhos de sol. Era incrível a capacidade da menor em tornar o clima leve, trazendo conforto a quem lhe acompanhasse. Em algum momento, me vi contando-lhe um pouco sobre mim, à medida que era questionada, o que abriu espaço para muito assunto, pois a cada nova palavra que lhe dizia, ela me devolvia o questionamento quanto aos termos modernos. E assim que terminava de lhe explicar algum deles, novas dúvidas surgiam, tamanha a curiosidade da menina. 

O assunto continuou até o sapo Jaken começar a reclamar sobre o barulho, já estava no meio da tarde e a atitude resultou numa engraçada discussão entre a menina e o youkai sapo sobre boas maneiras. E não pude evitar de rir da situação, que durou um bom tempo, até que a criança se distraísse com a volta de seu amo. 

Já fazia algum tempo que a energia maligna estava presente ao redor da caverna, que pude reconhecer como sendo Sesshoumaru. Por isso, não me surpreendi ao vê-lo surgir. Rin, pelo contrário, o recebeu correndo em sua direção, parando em frente ao youkai feliz:

—Okaeri, Sesshoumaru-sama! _ O maior somente afagou a cabeça da menor e lhe chamou, entregando-lhe dois coelhos mortos. 

—Rin, coma. __ Lhe ordenou, sem parecer, de fato, estar mandando. Era quase como se fosse gentil com essas palavras. Ela agradeceu e foi ao fundo da caverna, imagino que para preparar a refeição. 

Só pude fingir que não os estava encarando, até o momento em que sinto uma trouxa ser jogada à minha frente. Fora Sesshoumaru quem jogou enquanto me dava as costas:

— Humana, haverá uma fonte de água ao caminhar para o sul.

— Entendo.__ Respondi um tanto indecisa se achava o gesto lisonjeiro ou ofensivo. Eu sabia não estar cheirosa… 

Bem, decidi tomar sua atitude como positiva e espiei o objeto que recebi, eram roupas. Um conjunto, para ser exata, havia uma roupa sacerdotal com a tradicional calça vermelha, faixas limpas, um laço para meus cabelos e sandálias de madeira, uma vestimenta semelhante a que eu uso. 

Realmente atento aos detalhes. Penso observando suas costas, sem palavras com o gesto atencioso do youkai e permaneço a observá-lo andar pelo local e sentar-se no seu extremo da caverna. Ao perceber que era observado, ele ergue uma sobrancelha de forma sutil.

Essa é a deixa para que eu saia? Acho que sim. oK. Reparei.

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O lago estava mais próximo do que imaginei, o que não significa que foi fácil chegar até ele, já que os dias sem usar minhas pernas cobraram seu preço. Percebi, assim que levantei, de que precisaria caminhar mais vezes para recuperar a força. Em algum ponto, me arrependi de negar a companhia da criança até aqui, pois assim que pus os pés no chão, senti que perderia o equilíbrio a qualquer momento. 

Graças a kami, consegui manter meu orgulho e andar plena até sair do campo de visão da caverna, depois, continuei a caminhada me apoiando nas árvores ao redor e logo mais pude ouvir o som de água corrente. 

Aproximei da margem e me ajoelhei para lavar o rosto com deleite, num gesto saudoso e só pude rir comigo mesma. E feliz, apoio meus pertences numa rocha perto da margem e caminho, ainda com roupas, até sentir-me coberta pela água. Não sairia daqui tão cedo!

É, tudo valeu a pena, penso satisfeita quando afundei na água fria. Nem mesmo me incomodei com a temperatura ou o vento que me fez tremer ao entrar no lago, tamanho o prazer que tive ao sentir minha pele ser recoberta e ser livre de qualquer resquício de impureza. 

Era meu primeiro momento a sós, verdadeiramente sozinha e gostaria de por alguns pensamentos em ordem sem ter ninguém para me julgar, talvez gritar um pouco ou até mesmo chorar, se necessário. Haviam tantas questões para reorganizar na minha vida que mal sabia por onde começar e nem se teria forças para fazer tudo agora. Retiro os trapos que restaram e os observo serem levados pela correnteza. Por onde começo? Para onde vou? Não são decisões simples nesse momento, kami-sama, o que fazer? 

Antes, foi minha decisão permanecer nessa era, seguir meu curso com a nova família que adquiri e agora, sinto-me perdida, não posso retornar a vila, eu já não pertenço a ela. 

Suspirei triste, segurando o nó que se tornou minha garganta. Afundo a cabeça para lavar os pensamentos e aproveito para torcer o meus cabelos num coque, para ajudar na hora de secá-los. 

Nado até a margem novamente, encosto minha nuca na rocha e fecho os olhos, aproveitando a sensação de suavidade que a correnteza tinha. Talvez se eu me permitisse lavar os problemas, eventualmente eles se dissipariam. De qualquer modo, não posso desistir de seguir com meu curso, só preciso redescobri-lo.  

Permaneço na água até observar a mudança no céu, o alaranjado tomou conta da abóbada, anunciando mais um findar de dia, nem mesmo percebi passar do tempo, tamanha distração. 

Não seja descuidada, Kagome! Me repreendi e tratei de garantir o mínimo de segurança, ao proteger-me com uma barreira, mas não sinto a estrutura se formar automaticamente ao meu redor. 

Estranho, devo estar cansada. 

Concentro-me novamente e permito o fluxo do meu núcleo agir livremente, tento expandir minha energia ao meu redor, obtendo a mesma resposta. 

De novo e de novo. 

Ok, sem pânico, vamos utilizar a razão nesse momento fatídico, Kagome. Tento meditar um pouco para reunir o reiki de meu núcleo, mas não o sinto. e o ato falho foi frustrando-me a cada tentativa de sentir algo para além do vazio interior e uma ponta de desespero me atingiu ao perceber que também não consegui sentir qualquer reiki do ambiente, seja o meu ou dos seres ao redor. Menos um.

Parando para pensar, mais cedo eu também não senti Jaken ou o youkai dragão… O único youki que senti foi o de Sesshoumaru. 

Inclusive, foi estranho reconhecê-lo pois, tenho certeza dele sempre ocultar a própria presença e mesmo assim,  o senti sem ao menos tentar. Uma proeza inédita.

Percebi, sim, que estranhamente eu conseguia sentir Sesshoumaru por perto.  Espera, ele está perto demais. 

Apareça. __ Falei em bom tom após ter a certeza de estar bem escondida atrás da rocha que apoiei minhas roupas. Logo, o dito cujo aparece por entre a mata, inexpressivo.

— Rin preparou o jantar._ Recebi como resposta à pergunta que não fiz. Ele não me dirigiu o olhar, parecia fitar algo no horizonte, mas nem por isso eu me descuidei de sair dali. 

Desde quando ele precisa vir “avisar”coisas triviais como essa?

— Eu voltarei. Agora saia._ Fui curta e um pouco irracional, o sentimento de raiva e frustração tomando conta de mim. Ok, foco. 

Se há alguém capaz de ter as respostas, é o sujeito por trás de tudo. O observei, nem mesmo meu tom de voz o fez virar o rosto em minha direção. Ele simplesmente ignorou e sentou-se apoiado numa árvore, os olhos fechados. Sua provável forma de dizer: Me obrigue. 

Teimoso. O xinguei mentalmente e dei as costas, se quer me esperar, então fique de cão guarda. Decidi recomeçar meu banho, só sairia daqui com a pele brilhando, então fingi que meu guarda não existia e continei a mergulhar. Ou pelo menos planejei, já que o frio noturno se fez presente e arrepiou minha espinha pouco tempo depois. Arigatou kami-sama, já irei sair!

Espio por sob a pedra e o encontro na mesma posição, os olhos ainda fechados, num gesto para me dar privacidade. Imaginei, agradecida pelo gesto decente de sua parte. Tive cuidado para sair da água e me vestir o mais rápido que pude sem tirar os olhos do youkai. 

Enquanto isso, matutei se era seguro abordar minha questão recente com ele. 

Essa súbita sensação de vulnerabilidade, porém, diante do risco que corri esta tarde ao estar nesse lago sozinha, decidi confidenciar o que me passa. Quem sabe, o mesmo tenha as respostas que procuro. 

 Suspirei, seria tão mais simples obter informações se ele não fosse esse ser orgulhoso e violento, era difícil até mesmo ter uma conversa decente com ele sem sentir que 2 gerações minhas seriam mortas caso o incomodasse, então tinha que ter cuidado em abordá-lo. 

De todo modo, voltei-me para Sesshoumaru determinada a ter alguma luz sobre esse indesejável “efeito colateral” e sua duração, mesmo que seja o oposto de minha breve decisão de mais cedo, a falta de reiki urge em mim.  

—Sesshoumaru._ chamo-o devagar, com a súbita coragem que reuni para encarar seus âmbares, tinha que parecer firme, apesar de ser traída pela voz trêmula. Sentia as batidas do meu coração em expectativa e uma sensação ansiosa surgiu quando os âmbares se fizeram presentes e fixaram-se em mim. 

Ser analisada por aquele olhar breve era intimidante, entretanto, afundei qualquer pensamento que pudesse me fazer desistir. Graças a kami, sou teimosa o suficiente para conseguir abstrair e manter meu olhar sobre si. 

Eu preciso de respostas. 

—… 

—Você poderia me responder algo?_ pergunto já que o mesmo nem se mexeu para indicar que me ouvia, aposto que ele preferia não ter ouvido para evitar esse contato. Mas eu sabia, após conviver tanto tempo com outro daiyoukai, meio-youkai, enfim, eu sabia que ele estava atento apesar dele não possuir orelhas caninas para denunciá-lo e que eu deveria continuar logo.

—Não consigo sentir meu reiki, o que você fez?__ Pergunto diretamente. Certo, isso soou como uma acusação. Talvez tenha sido. 

Ele simplesmente ergueu o olhar como se refletisse se me mataria ali mesmo. E lentamente voltou a me encara com uma expressão que tomei a liberdade de interpretar que ele queria saber a causa de meu pronunciamento—sem nenhuma ameaça por trás do ato.

—Curei._ Disse simples, como se fosse corriqueiro, mas eu sabia que não era somente isso que aconteceu. 

Em meus anos de sacerdócio, nunca havia visto, ouvido ou sequer imaginado que sangue youkai pudesse ter esse efeito. Pelo contrário, o contato com o youki demoníaco era fatal para humanos e envenena qualquer ser vivo que, por ventura, entre em contato com a energia maligna. Quantas vezes Nakaru não envenenou a região somente de permanecer no local? Não faz sentido assumir o oposto, portanto, me vi obrigada a contrariá-lo e vi seus olhos cerrarem brevemente, em desgosto.

—Seu sangue, o que ele fez exatamente?__ questionei no auge de minha paciência, somente para receber a resposta crua dele:

—Este Sesshoumaru não costuma repetir.

Nem mesmo pisquei antes de responder automaticamente:

—Se você tivesse me respondido, não haveria necessidade de perguntar novamente.

Certo, talvez eu não devesse estar confrontando o meu “salvador” assim. Ainda mais quando a única forma de me proteger, meu reiki, estava até o momento, selado. 

E sim, vê-lo se aproximar num piscar de olhos quase me fez cair no lago pela surpresa. Mais uma vez, tive a impressão de que eu estava fazendo uma bela besteira ao falar assim com o Daiyoukai conhecido por seu ódio à raça humana. De novo, senti-me indefesa em sua presença e eu definitivamente detesto esse fato. 

Eu poderia até me sentir assim, mas me recusei a parecer fraca diante dele e mantive o contato visual com uma determinação que não o atingiu. Ele manteve o olhar vazio em minha direção, a pouco mais de um braço de distância. 

Sorte a sua eu estar sem reiki agora, Sesshoumaru. 

—Meu youki submeteu seu reiki.__ ele informa e simplesmente se vira, começando a andar na direção que veio, nem mesmo conferiu se eu o segui. Numa prepotência que só serviu para adicionar mais dúvidas à minha questão e não gostei do rumo negativo o qual seu argumento me levou. 

Somente quando ele estava prestes a sumir de vista que me recuperei do rumo que sua resposta me levou e corri para alcançá-lo, segurando em suas vestes, o obrigando a parar.

—Eu o perdi para sempre?__ Murmurei num fio de voz para ninguém específico, o bolo em minha garganta já formado como se quisesse me sufocar com a realidade de minha tragédia. Kami-sama, o que eu faço agora? 

E antes de soltar qualquer lágrima em lamento, o movimento brusco chamou minha atenção, ele se desvencilhou do meu toque e voltou a caminhar, deixando claro que não se importa se o sigo ou não. Dessa vez o segui e me adiantei a sua frente, o forçando a parar de andar. 

— Essa informação pode não importar para você, Sesshoumaru, mas eu preciso saber.__ Lhe encarei determinada. Não sabia de onde eu retirava tanta força ao confrontá-lo, mas recusava receber somente essa migalha de informação. Era a minha vida que corria perigo!

— O sangue sairá do seu corpo, o poder deve retornar.__ Ele disse irritado, o tom de voz mais grave em aviso para sair de sua frente. Obedeci. Seus dizeres pondo fim a minha agonia. Até me senti grata ao ponto de sorrir levemente.

Um alívio enorme veio com essas poucas palavras. O que eram alguns dias sem ser sacerdotisa? Será fácil de suportar. Passei quase toda a vida nessa situação. Tentei me acalmar e voltar a seguí-lo para evitar ficar só na mata, estava escurecendo rápido e já não via tanto a minha frente pela falta do luar. 

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Notas finais do capítulo

OI, mais um para vocês, seus lindos! Bjs, Bjs e até a próxima!



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