Bleeding escrita por caiquedelbuono


Capítulo 20
Chantagem.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/173532/chapter/20

Logan permaneceu no quarto mais do que ele deveria. Sua cabeça estava levemente doendo e ele ainda martirizava a si mesmo por tudo o que estava acontecendo.

A janela do dormitório estava aberta e ele se encostou ao parapeito para poder observar o céu lá fora. Essa era uma das maneiras que ele obtinha para refletir sobre algumas coisas. E aquele momento era mais do que propício para reflexão.

Ainda era de manhã e provavelmente o relógio ainda nem marcava nove horas. O céu estava claro e límpido, sem nenhuma nuvem escondendo o quão azul ele era. Seu olhar se fixou no horizonte e ele se perguntou se não estaria melhor se estivesse do outro lado daquelas montanhas. A vida em Shavely não era fácil e muitas vezes ele tinha vontade de fugir. Quantas noites ele já não passara rolando na cama e pensando em como sua vida era melhor antes de colocar os pés nesse internato...

Talvez tudo pudesse ter sido diferente. Tudo bem, os amigos que Logan construíra em Shavely eram legais e agora ele amava a todos, excepcionalmente Sophia, que havia deixado de ser sua amiga para se tornar a sua namorada linda e perfeita. Que garoto não ficaria feliz com isso? Mas como ele poderia ser completamente feliz se todas essas coisas estavam imersas em um mundo onde o principal protagonista era um assassino misterioso que já havia matado duas pessoas?

Logan logo se lembrou de que havia saído correndo da cantina e largara todos os seus amigos lá embaixo com uma expressão boba preenchendo seus rostos. Provavelmente, as aulas já haviam começado há alguns minutos e eles deveriam estar preocupados. Ele passou a mão no canto do olho esquerdo, por onde uma lágrima estava ousando a escapar, respirou fundo e foi em direção à porta. Mas quando sua mão estava a apenas alguns centímetros de encontrar a maçaneta, a porta se abriu num estrondo e, se ele não tivesse sido rápido o bastante para se desviar, ela teria acertado em cheio o seu rosto.

Mark lhe lançou um olhar de preocupação e entrou rapidamente no quarto.

— Por que saiu de lá tão desesperadamente? — perguntou — Pensamos que tinha visto alguma espécie de assombração ou algo do tipo.

Logan estava ligeiramente nervoso com a presença do amigo. Não queria olhar para os olhos dele e dizer que, por um momento de insanidade, havia chegado a desconfiar que ele fosse o assassino.

— Eu precisava sair de lá. — disse Logan, sem olhar para o rosto de Mark — Toda aquela história do sangue do assassino não poder ser identificado me deixou intrigado e eu queria um tempo sozinho para refletir. Desculpe.

Mark não respondeu de imediato. Ele foi em direção à janela, enquanto encostava o antebraço no parapeito e observava o amigo atentamente.

— As aulas já começaram e eu pedi permissão para a professora para vir até aqui lhe chamar. — ele disse calmamente — Sophia pediu para te avisar que está te esperando na aula de química. Acho que é essa a aula que você teria agora, não é?

Logan acenou afirmativamente com a cabeça. Alguma coisa no tom da voz de Mark estava diferente, mas ele não sabia explicar muito bem o que era. Era como se ele estivesse com uma gripe muito forte e sua voz estivesse ligeiramente rouca.

— Você está resfriado? — Logan perguntou meio que sem pensar.

Mark franziu as sobrancelhas e olhou para ele como se ele tivesse problemas mentais.

— Não. Por que a pergunta?

Logan percebeu imediatamente que estava sendo idiota.

— Nada. É besteira da minha cabeça.

Talvez Logan ficasse maluco quando tudo isso acabasse. Eram tantas perguntas, tantas desconfianças, tantas vontades percorrendo sua mente que ele chegava a se perguntar como ainda poderia estar são. Ele olhava para Mark e ele estava tranquilo encostado à janela, como se nada de ruim estivesse acontecendo. Ele engoliu em seco antes de falar:

— Bom, então, acho que vou para a aula.

Ele não obteve nenhuma resposta de Mark. Com uma gota de suor ousando escapar da sua testa, ele se virou e girou a maçaneta para que a porta pudesse ser aberta novamente, mas ele sentiu algo o segurando fortemente no pulso que estava livre e um bafo quente encostando-se à sua nuca.

— Ainda não.

O pulso de Logan já estava vermelho e doendo. Ele virou a cabeça lentamente e encarou Mark. Não pôde deixar de notar que seus olhos, que antes eram castanhos, agora estavam completamente negros e obscuros, como se seus globos oculares tivessem sido arrancados.

A mão de Mark ainda apertava o pulso de Logan e ele podia sentir o sangue se acumulando ali. Mark olhava para ele com uma fúria iminente em seus olhos. O garoto puxou Logan para mais dentro do quarto e o empurrou sobre a cama. Ele caiu de costas sobre o colchão macio, enquanto Mark olhava para ele e sorria.

A força de Mark era indescritível. Talvez ele fosse capaz de levantar um carro com uma só mão, mas alguma coisa estava errada. Por que Mark estava fazendo isso? Por que seus olhos haviam mudado completamente de cor?

— O que está acontecendo? — perguntou Logan, com a voz falhando.

Mark se aproximou lentamente de Logan e colocou toda sua ira no seu olhar negro e vazio. Quando Logan olhou novamente para aqueles olhos, entendeu o que estava acontecendo e um medo descomunal começou a tomar conta do seu corpo.

— Chegou a hora da revelação. — disse Mark.

Logan respirou fundo e sentou rapidamente na cama para que pudesse ver com precisão aquela cena grotesca que estava se formando bem diante dos seus olhos. Mark estava se contorcendo como se estivesse tendo uma convulsão. Algumas partes das suas peças de roupa se rasgaram e ao invés de uma pele branca e lisa ficar à mostra, Logan pôde perceber que havia uma pele rugosa e escamosa por detrás do tecido. O rosto de Mark se transfigurou como se milhões de balas tivessem lhe acertado. Sangue surgiu por quase todo o seu rosto, seus dentes cresceram e ficaram pontiagudos e toda a pele do seu pescoço foi transformada em uma carne vermelha e podre que Logan ficou com nojo de olhar.

Logo o cheiro de carnificina preencheu todo o quarto e Logan pôde sentir bile subindo à sua boca. Como aquela criatura fedia.

— Que tal estou assim? — a voz de Mark mudara completamente. Era como se ele estivesse falando com uma cartolina gigante enrolada frente à sua boca, mas ao mesmo tempo a voz era metálica. Parecia que ele estava usando um misturador de voz.

— Então era você todo esse tempo? — Logan estava sentindo um misto de nojo e ódio — Como pôde?

O zumbi no qual Mark havia se transformado soltou uma risada áspera.

— Você é ingênuo ao fazer uma pergunta boba como essa. Na verdade, eu não tenho que poder para fazer as coisas que eu faço.

Logan não queria ter que olhar para Mark. O seu cérebro estava pulsando dentro dele, pedindo para que ele saltasse sobre o pescoço daquela criatura e a matasse com as suas próprias mãos. Mas logo se lembrou de que não havia registros de como matá-la e ele desanimou. Como poderia lutar com algo que aparentemente era imortal?

— Eu confiava tanto em você, Mark. Você era a última pessoa a qual eu poderia desconfiar.

— Não me chame de Mark. Eu tenho repulsão por nomes de seres humanos. Eu poderia começar a gostar de você caso me chamasse pelo meu verdadeiro nome que é Kofuf. Um nome bem apresentável para um zumbi como eu, você haverá de convir.

Logan franziu as sobrancelhas.

— Não sabia que zumbis tinham nomes.

Kofuf riu amarguradamente.

— E você acha que eu e o meu antigo bando nos comunicávamos como? Somos uma espécie de sociedade que vive vagando pelo mundo em busca de vítimas. Alguns chegam a nos comparar com animais selvagens, mas nos irritamos quando o fazem. É uma ofensa, como se chamassem alguém da sua espécie de veado, se é que você me entende.

Logan não pôde deixar de notar que a parte dos zumbis antropomórficos serem superinteligentes não era mentira. Ele sempre associava zumbis a seres retardados que só sabiam andar com as mãos esticadas em frente ao corpo fazendo barulhos estranhos, mas Kofuf estava falando como se soubesse tudo a respeito dos seres humanos.

— Se você é um zumbi que vive em bandos, o que está fazendo dentro desse internato?

Kofuf soltou um suspiro e parecia realmente desolado.

— Eu era o líder do meu bando. Sempre guiava todos os meus companheiros em nossas caçadas e dava instruções de como nos camuflar. A minha vida era perfeita como um zumbi. Tinha todas as regalias que um líder poderia ter e tudo e todos sempre estavam ao meu alcance. Mas, certo dia, um dos membros do grupo se rebelou. Disse que estava cansado da minha arrogância e da minha prepotência e também esfregou na minha cara que estava apto para ser um líder muito melhor que eu. Ele me desafiou para um duelo e aquele que perdesse deveria abandonar o grupo e viver sozinho à própria sorte. Eu sabia que era mais propício a ganhar, mas a sorte resolveu me abandonar e eu acabei perdendo. Tive que sair do meu grupo relutantemente e fiquei vagando sozinho por alguns dias até encontrar esse colégio.

Kofuf parou de falar por alguns segundos e Logan até poderia imaginar o resto da história. Tudo estava tão confuso dentro da sua cabeça que ele chegou a pensar se não estava sonhando.

— Eu estava morto de fome. — Kofuf continuou a falar — Sedento por sangue e arfando a cada passo que dava. Estava escondido por entre algumas árvores quando notei que um carro havia deixado um garoto diante à entrada do colégio. Ele parecia estar perdido, observava atentamente ao portão e parecia tomar coragem para entrar. Esperei o carro ir embora e não pensei duas vezes em atacar aquele garoto em plena luz do dia. Ele correu para o outro lado da rua e começamos uma perseguição que perdurou até chegarmos a uma pequena floresta. Lá ele não teve com escapar e eu o assassinei. Saciei minha fome e logo em seguida pensei em imitar sua identidade e fingir que iria estudar naquele colégio. Seria o lugar perfeito para mim: teria vítimas sempre que eu quisesse. Sendo assim, suguei a energia vital daquele pobre garoto e cavei um reles buraco para esconder o seu corpo. Voltei para o colégio e todo esse tempo eu fingi que era Mark e todos vocês caíram feito patinhos na minha mentira.

Kofuf disse tudo isso como se fosse a coisa mais normal do mundo. Logan não sabia o que dizer, não sabia o que pensar. Ele não podia acreditar que tinha um zumbi diante dele, era como se tudo fosse uma ilusão de ótica. Há alguns minutos atrás ele viu o amigo entrando pela porta do dormitório e logo em seguida ele havia se transformado em um zumbi sanguinário.

— Então você matou Mark antes mesmo dele entrar no colégio? — a cabeça de Logan deu um nó — Que estranho, ele nunca chegou a me conhecer.

Kofuf riu.

— Eu era seu amigo esse tempo todo, Logan. Você sempre era tão legal comigo e eu me divertia por dentro. Sabia que eu já cheguei a pensar que você tinha interesses românticos por mim?

O rosto de Logan foi preenchido por uma raiva aparente.

— Cale a boca, seu desgraçado! Meu amigo era Mark, e não você! — ele percebeu que estava gritando — Você está mentindo! Eu o quero de volta!

Kofuf enrugou o rosto sangrento numa expressão de irritação, correu até Logan e o puxou o mais forte que pôde para que ele ficasse de pé e sua boca pudesse ser tapada com a mão de Kofuf. A pele do zumbi era tão podre e enrugada que Logan teve que se controlar para não vomitar sob a mão dele.

— Por que não deixa que apenas eu fale aqui?

Logan tentou se debater, mas Kofuf era muito mais forte. Parecia que além de ter superinteligência, também tinha força extrema.

O zumbi apertou ainda mais a mão sobre a boca de Logan e continuou a falar:

— Já fazia alguns dias que eu estava aqui e a fome me apertava. Comida humana não me satisfazia e eu tinha que me alimentar de sangue e coração. Ah, como eu estava sentindo falta dos corações. Quando percebi que Janeth lhe aplicaria uma punição, percebi que seria o momento ideal para começar a me divertir um pouco. — a mão de Kofuf foi afrouxando levemente, mas Logan ainda se debatia — Queria que alguém fosse o culpado pela morte da minha próxima vítima. Planejei tudo com cuidado dentro da minha mente maquiavélica e pensei que se Brian fosse o primeiro a morrer, a culpa cairia inteiramente sobre você. Segui-o durante o dia inteiro e me escondi na biblioteca enquanto ele fazia o trabalho de biologia. Esperei aquela velha nojenta cujo nome nem me recordo mais sair do ambiente e parti para o ataque.

Logan mordeu a mão nojenta de Kofuf e se desvencilhou rapidamente dele.

— Chega! Eu não quero ouvir mais nada!

Ele pôde se lembrar do desespero que sentira quando vira Brian morto. No momento em que suas mãos ficaram sujas com o sangue dele, Logan já sabia que a culpa cairia sobre ele e seria predestinado a passar o resto dos dias aguentando desaforos injustos e lutando para provar sua inocência. E de fato, foi o que realmente aconteceu.

Kofuf poderia ter ido atrás de Logan, que correu para a parte de baixo da cama para manter-se afastado o máximo que pudesse do zumbi, mas a única coisa que fez foi mexer a boca num movimento que poderia ser um sorriso caso ele soubesse o que isso significava.

— Você é tão patético que eu chego a ficar impressionado em como você aguenta estar dentro do próprio corpo.

Talvez seja porque eu não cheire à carne em decomposição, pensou Logan, mas ele estava assustado demais para dizer esse desaforo ao zumbi sedento que estava bem diante dos seus olhos. Ele se concentrou em apenas dizer:

— Era você esse tempo todo, não era? Você se aproveitou do fato de dividir o mesmo quarto comigo enquanto ocupava o corpo de Mark e escreveu aquele insulto no espelho. Apenas para me provocar e ficar se divertindo com a situação.

O zumbi emitiu um ruído que parecia uma risada.

— Sabe com o que foi escrito aquilo, Logan? Sangue. Por mais que eu absorva toda a energia que preciso do coração das minhas vítimas, o sangue também é um aperitivo que me apetece muito. É como se fosse a coca-cola de vocês. Você talvez possa me chamar de psicopata, mas eu me dei ao trabalho de guardar um pouco do sangue de cada um deles, para que mais tarde eu pudesse amedrontá-los com ameaças escritas em espelhos.

Logan sabia que Kofuf também estava incluindo Helena ao dizer “amedrontá-los” no plural.

Logan olhou para ele com desprezo.

— O seu plano era colocar a culpa da morte de Brian sobre mim e a morte de Ashley sobre Helena, não é mesmo? — Logan abriu os braços como se estivesse prestes a abraçar alguém — As duas pessoas que mais teriam interesses em matá-los.

Kofuf por um instante abriu a boca numa expressão de surpresa, mas logo em seguida concentrou-se em demonstrar uma leve irritação.

— Muito inteligente da sua parte. — ele deu de ombros — Mas isso não foi algo que eu planejei desde o início. Foi apenas uma diversão.

Logan queria sair daquele dormitório e correr espalhando para todo mundo o que havia descoberto. Queria acabar com aquela farsa que estava bem diante dos seus olhos, mas ainda havia perguntas que ele gostaria de fazer.

— Por que escolheu justo Brian para ser o primeiro? Você poderia ter matado qualquer outra pessoa.

— Você é tão inteligente para algumas coisas, mas tão burro para outras. — Kofuf colocou as mãos escamosas por trás do corpo e começou a dar leves passos — O que acha que aconteceria se eu matasse Helena ou Tommy? Absolutamente nada, porque nenhum deles tinha motivos para serem mortos. Brian era a pessoa mais apta a morrer, porque a culpa cairia sem sombra de dúvidas em você. Talvez pudesse cair em Sophia, mas você era o alvo.

— Você me chama de burro, mas milhares de vezes você deu bandeira. — disse Logan, lembrando-se das tantas vezes em que Mark tentou convencê-lo de que o assassino não era um ser sobrenatural; do dia em que ele não foi conversar com a Sra. Strauss porque tinha um assunto mais importante para resolver; da vez em que quase engasgara quando Helena dissera que ele seria um zumbi na festa à fantasia; eram tantos indícios que se soltavam que Logan chegou a se perguntar como pôde ter sido tão lerdo a ponto de nunca ter percebido nada.

Kofuf riu malignamente.

— E nenhum de vocês nunca percebeu nada. Um bando de ignorantes nojentos, é isso que vocês são.

Logan começou a sentir o sangue subindo pelas suas veias e controlou o impulso de ir estrangular o pescoço daquele zumbi até que ele morresse. Mas ele logo em seguida lembrou que não havia maneiras tão fáceis de matar um zumbi.

— Brian podia ser a pior pessoa do mundo, — disse Logan — mas ele não merecia ter morrido daquele jeito.

— Oh, que bonitinho. — disse Kofuf sarcasticamente — Está com pena dele agora? Se você parar para pensar, verá que eu lhe fiz um favor. Com a morte dele, o seu caminho ficou livre para que você pudesse namorar Sophia. Como você pôde ficar magoado com a morte dele, sendo que, no fundo, isso era tudo o que você mais desejava que acontecesse?

Foi como se uma faca tivesse entrado pelo peito de Logan e ele considerou o fato. Ele sabia que se Brian tivesse vivo, as coisas com Sophia teriam sido muito mais difíceis, mas daí a desejar a morte dele? Logan nunca tinha realmente desejado isso, mas será que no seu subconsciente não era isso que ele mais quisesse? Ele poderia não pensar nisso, não dizer isso, mas algo dentro dele sempre apitava, mesmo que silenciosamente, que esse seria o melhor caminho para ele ficar com Sophia.

Logan tentou falar alguma coisa, mas as palavras não lhe viam. Era como se tivesse algo pegajoso dentro da sua boca e ele não conseguisse a abrir para emitir as ondas que se transformariam em palavras.

— O seu silêncio responde à minha pergunta. — disse Kofuf. — Mas, pelo visto, a sua comoção pela morte de Ashley deve ter sido um pouco maior. Até mesmo eu me senti comovido em ter que matá-la.

— Uma criatura vil como você não tem comoção. Você não tem nada além de rancor dentro do seu coração. Aliás, você nem deve ter um coração. Tudo dentro de você deve ser podre como lixo em deterioração.

Kofuf se aproximou lentamente até ficar a alguns centímetros de Logan, mas não o tocou. Ao invés disso, olhou para o teto e continuou falando como se o garoto não tivesse dito absolutamente nada.

— Não era para ela ter morrido se não fosse tão ingênua. Não quero me gabar, mas eu era um dos zumbis mais galantes do meu ex-bando. E era conhecido por ter inúmeras namoradas e Ashley lembrava vagamente uma delas, em especial.

Como uma humana poderia parecer com um zumbi?, o pensamento veio quente na cabeça de Logan enquanto Kofuf falava.

— Confesso que fiquei balançado por ela, — ele continuou — mesmo eu sendo um zumbi e ela sendo uma humana. No dia da festa, ela me viu semitransformado em zumbi enquanto eu estava me arrumando. Ela deu um berro e saiu correndo. Eu não sabia para onde estava indo e saí atrás dela e percebi que havia entrado no dormitório de Helena. Era óbvio que ela estaria dando com a língua entre os dentes, mas eu me encostei à porta e percebi que ela não havia falado nada que me incriminasse. Me escondi quando notei que ela estava saindo e não tive outra escolha senão matá-la logo após a festa.

O estômago de Logan estava sentindo uma repulsa tão grande que ele se surpreendeu pelo fato de ainda não ter vomitado.

— Ela o amava! Como você pôde ser tão frio a ponto de matar uma pessoa que te amava?

Kofuf suspirou.

— Eu não tive escolha. Ou era ela, ou era eu.

— Você teve escolhas, é claro que teve. — disse Logan sombriamente — Você poderia ter feito tudo diferente. Você achava mesmo que ficaria aqui dentro do colégio, aterrorizando tudo mundo, e nunca seria descoberto? A verdade viria à tona algum dia.

— Não faço isso porque eu sou um ser das trevas que gosta de causar dor e espanto por onde passo. É simplesmente uma questão de sobrevivência.

— Isso é mentira! Se fosse assim, você jamais teria me contado isso! Você saberia que quando eu saísse por essa porta, eu iria correndo contar para os meus amigos.

O olhar de Kofuf se transformou completamente depois disso. Sob aqueles olhos negros e vazios, Logan pôde ver uma expressão que ele nunca tinha visto antes se formando. Era como se ele estivesse pronto para saltar sob Logan e começar e devorá-lo. A melhor palavra que ele encontrou para descrevê-lo foi “sanguinário”.

Era tão sanguinário que Kofuf começou a se mover lentamente até Logan, que já estava com o corpo todo tremendo. Ele tentou prender a respiração para não sentir o cheio asqueroso do zumbi, mas aquilo era impossível.

— E quem disse que você viverá para contar isso a alguém? — disse Kofuf quando chegou próximo a Logan e o segurou pela gola da sua camiseta.

Logan queria poder ter reagido, mas ele estava fraco. O zumbi o arremessou contra a parede ao lado da porta e ele bateu as costas com toda força. O ar para respirar lhe faltou durante alguns segundos e ele arfou desesperadamente. Arrastou-se até que seu corpo todo estivesse jazido ao chão e encostou a cabeça no ambiente frio e a cobriu com as mãos. Estava doendo demais e talvez tivesse fraturado alguma costela.

Kofuf assistia àquela cena rindo amarguradamente. Ele segurou novamente nos ombros de Logan e o endireitou rudemente para que ficasse ereto e olhasse para o teto. A visão do garoto estava levemente embaçada, mas ainda conseguia ver o rosto do zumbi se esticasse um pouco a cabeça.

— Então, quais serão suas últimas palavras?

Era o fim para Logan. Ele não teria como escapar do zumbi. Tentou ao máximo levantar daquele chão frio e gelado, mas não tinha forças. Havia chegado a sua hora de morrer.

Kofuf abaixou-se e seu rosto quase colou ao de Logan.

— É uma pena você estar tão quieto.

Os dentes pontiagudos ficaram à mostra e Logan soltou um grito de desespero.

— Não me mate!

— Agora é tarde. Chegou a sua hora de ir ao inferno encontrar com seus outros amiguinhos que foram mortos pelas minhas mãos.

As unhas afiadas de Kofuf estavam encostando-se à camiseta de Logan. Ele precisou apenas passá-las sobre o tecido para que ele se rasgasse e o peito nu de Logan ficasse à mostra. O coração dele estava batendo desesperadamente dentro da sua caixa torácica e isso apenas parecia atiçar a fome do zumbi.

— Pare! Por favor, pare! — suplicou Logan — Você não pode ser tão idiota a ponto de me matar.

Kofuf franziu o cenho.

— Por que não cala a boca e aceita que sua hora chegou?

Logan tentou colocar calma em sua voz.

— Estão todos lá embaixo na sala de aula. Devem ter percebido que Mark e eu estamos ausentes e se você me matar ficará claro para todos eles que você é o culpado.

Kofuf levantou rapidamente de cima de Logan e parecia estar refletindo. Ele respirou aliviado e levantou do chão frio, terminando de rasgar a camiseta e jogando aqueles trapos sobre a cama. Seu corpo todo estava coberto de suor e seu coração ainda estava acelerado. Ele realmente vira a morte de perto.

— Você pode ser esperto, garoto, a ponto de se livrar de morrer pelas minhas mãos, mas acabei de ter uma ideia muito melhor a o que eu estava prestes a fazer.

Logan se sentiu desesperado novamente.

Kofuf começou a se contorcer e seus trapos rasgados foram se transformando nas roupas que antes cobriam o corpo de Mark. Os olhos voltaram a ser castanhos e os dentes pontiagudos desapareceram. O sangue que cobria o seu rosto sumiu e sua pele voltou a ser clara e coberta de pelos em algumas partes. Mark estava de volta.

— Olá, Logan. — ele disse, e sua voz não era mais áspera, metálica e catarrenta. Era apenas a voz de Mark — Sentiu falta do seu amigo?

— Desgraçado! — ele gritou — O que está planejando dessa vez?

Mark deu um sorriso e olhou sarcasticamente para Logan.

— Vamos ver se você é um bom ator. Você fingirá que nada do que aconteceu dentro desse quarto é verdade. Não contará a ninguém que eu sou o verdadeiro assassino. Terá que conviver comigo como se eu fosse o antigo Mark, como se eu fosse o seu melhor amigo e o seu companheiro de quarto. Em troca disso, pouparei a sua vida.

Um verdadeiro nó se formou na cabeça de Logan.

— Quem me garantirá que você não vai me atacar enquanto eu estiver dormindo?

Mark riu asperamente.

— Qual é, Logan? Não acredita na palavra de um zumbi?

Logan engoliu em seco. Se ele não contasse a ninguém sobre Mark ser um zumbi sanguinário em busca de vítimas, seus amigos estariam correndo risco de vida. Ele não poderia aceitar uma chantagem tão estapafúrdia como essa.

— A vida dos meus amigos estará correndo risco do mesmo jeito. Sua chantagem não é nada equilibrada.

— O que pode ser mais importante do que a sua própria vida, Logan? Você acha que se eu fizesse essa oferta a eles, pensariam duas vezes antes de aceitá-la? O egocentrismo é algo necessário em certos pontos de nossas vidas.

Logan sabia que aquilo era mentira, mas tinha algo diferente dentro dele. Ele sempre colocava a amizade em primeiro plano, mas será que era sempre assim que as coisas deveriam ser? Aquela oferta de Mark era um beco sem saída para si próprio. Se ele aceitasse, estaria sendo egocêntrico e colocando em risco a vida dos seus próprios amigos; mas se não aceitasse, estaria entrando em um caminho obscuro e sem volta: a morte.

— Você está blefando. — disse, por fim — Já disse que estaria sendo idiota ao me matar.

— Pense, Logan. Você só estará se complicando ao não aceitar minha oferta. Se você contar a alguém, serei obrigado a matar você e a pessoa. Não acha que já têm muitas pessoas mortas nessa história?

Brian e Ashley já haviam morrido simplesmente para saciar a fome e a sede de um zumbi assassino. Logan não poderia nem imaginar mais alguém morrendo por causa disso. Ele tinha que fazer algo para impedir e o melhor que poderia fazer era concordar em fingir que nada havia acontecido e pensar secretamente em um jeito de aniquilar Mark, ou Kofuf, ele não sabia mais como deveria chamá-lo.

— Eu... eu concordo. — as palavras saíram como um sussurro.

— Ótimo. Finalmente fez a escolha certa.

Mark deu um tapinha nas costas de Logan, como se ele estivesse tentando fazê-lo rir de algo que somente ele achara engraçado.

— Agora, você e eu desceremos até a sala de aula, inventaremos uma desculpa qualquer e agiremos como se nada estivesse acontecendo. Na frente deles, seremos os amigos que sempre fomos.

Eu nunca fui amigo de um ser como você, pensou Logan.

Mark olhou para Logan da cabeça aos pés.

— Sugiro que coloque outra camiseta. Não é agradável andar pelos corredores do colégio com o peito despido.



Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Bleeding" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.