Bleeding escrita por caiquedelbuono


Capítulo 1
Angústia.




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Logan suspirou fundo e encarou seriamente o portão enferrujado que estava diante de seus olhos. Ele sabia que se ele passasse por entre aquelas grades em fase de apodrecimento, sua vida ficaria pior do que já estava. A mochila sobre as suas costas pesava em seus ombros e ele se lembrou da amargura que sentia em seu coração no momento em que estava arrumando-a. Todos os seus pertences e objetos de uso pessoal estavam dentro dela. Era como se ele estivesse carregando a sua vida sobre as suas costas.

Um vazio se formou dentro dele quando uma mulher alta, com os cabelos negros bem escovados e lisos colocou a mão sobre o seu ombro. Era sua tia, Mary, uma mulher a qual era uma estranha para ele. Ele não tinha tanto contato com ela, justamente por não haver clima pacífico entre ela e seu irmão, o pai de Logan, o qual havia proibido a irmã de ver o sobrinho.

— Confie em mim — disse Mary, acariciando levemente os ombros de Logan — Isso vai ser o melhor para você.

— Se ficar trancafiado o resto da minha vida dentro de um internato, tendo aulas insuportáveis e convivendo com pessoas as quais eu nunca vi na vida, é o melhor para mim, você precisa reaver esses conceitos.

Mary o olhou com olhares repreensivos.

— Nós já conversamos sobre isso, Logan. Não é a vida inteira e você sabe muito bem que eu não tenho condições para cuidar de você. Desde que meu marido morreu e eu fiquei desempregada, eu mal me sustento.

— Não precisa contar a sua triste história de vida pela milésima vez. — Logan fungou — Eu já sei de cor e salteado.

— Você vai ser bem tratado aqui. Vai conhecer gente nova, vai aprender sobre coisas novas.

— Para que eu preciso conhecer gente nova? Tenho tantos amigos lá na escola e eu realmente não entendo como ficar aqui pode ser legal.

— Eu não vou mais discutir isso com você.

Logan soltou um longo suspiro. Ele realmente estava se sentindo triste. Sua vida não havia sido muito legal nos últimos dias e a cada hora que passava, só tendia a ficar pior.

— Você só está tentando se livrar de mim. — ele disse amarguradamente — Papai estava certo em nunca ter deixado que eu convivesse com você.

— Eu não admito que você seja ingrato a esse ponto. — a voz de Mary estava um pouco elevada — Desde quando seus pais morreram, eu cuidei o máximo que pude de você. Levei-o ao médico para tratar da sua esquizofrenia. Você não tem o direito de me desrespeitar desse jeito.

— Esquizofrenia? É isso que eu sou para você? Um menino traumatizado e complexado que necessita de tratamento?

Mary ia abrir a boca para falar, mas uma pessoa estava se aproximando.

O sol já estava quase se pondo, mas ainda dava para aproveitar o calor dos últimos raios que pareciam brincar pelo céu. Logan olhou para cima e seus olhos se iluminaram com a claridade e ele tentou esquecer tudo o que estava acontecendo. Ele permitiu que os raios aquecessem sua cabeça e isso fez com que ele se sentisse mais leve, mais aliviado. Logan sempre gostara de observar as cores do céu quando o sol estava se pondo. Sempre se sentia melhor ao olhar para a cor vermelha que se formava atrás das montanhas onde o sol se escondia no final de todas as tardes e no começo de todas as noites.

Um rangido no portão transportou a atenção de Logan de volta para o inferno que era a sua vida. Uma mulher de meia-idade, com a pele levemente enrugada e o cabelo com uma cor que ele não conseguia identificar, talvez mel, preso em um rabo de cavalo estava abrindo o portão do internato.

Ela sorriu para Mary e apertou a sua mão.

— Meu nome é Janeth. Eu sou a diretora do internato Shavely.

Shavely. Que tipo de nome é esse?, pensou Logan. Ele olhou para os olhos de Janeth e logo percebeu que ele realmente estava entrando no pior lugar do mundo.

— Muito prazer. — respondeu Mary — Vim trazer meu sobrinho, Logan. Ele está muito ansioso para o começo das aulas.

Logan olhou para a tia e colocou toda a sua raiva nesse olhar. A última coisa que ele queria na vida era estar em um internato.

Janeth abriu completamente o portão e eles entraram. A primeira coisa que Logan percebeu quando entrou foi como era grande o espaço externo. Havia um gramado imenso, que se estendia até onde sua vista podia alcançar. Ao fundo, havia várias árvores e ele presumiu que aquilo seria um pomar. Também tinha uma parte fora do prédio principal, que era coberta por um telhado de telhas de lâmina. O prédio também era enorme e tinha, no mínimo, uns três andares. Ele olhou para a janela mais alta e viu que tinha uma menina debruçada sobre o parapeito, olhando atentamente para onde ele estava. Logan não conseguiu perceber nenhuma feição física, tanto que a menina rapidamente voltou para dentro do cômodo o qual ela estava.

Janeth e Mary começaram a andar e Logan as acompanhou, ainda olhando para todos os lados, como se estivesse tentando captar detalhes que haviam passado por despercebidos. Ele não sabia se tinha gostado de estar ali. O lugar era realmente bem cuidado, mas tinha alguma coisa estranha. Ele não se sentia bem ali, era como se houvesse algo impedindo que ele se sentisse feliz.

Eles já haviam alcançado a porta de entrada do prédio. Ela era toda feita de madeira e parecia ter sido esculpida por anjos.

— Shavely está sempre pensando no bem-estar dos alunos. — disse Janeth, antes de abrir a porta.

Dentro do internato, havia um corredor principal, repleto de quadros pregados nas paredes feitas de pedras acinzentadas. Do lado direito, havia uma escada que levava para o andar de cima.

Mary olhava para tudo encantada, enquanto Logan se demonstrava indiferente.

— Aquelas escadas levam às salas de aula. — disse Janeth e logo em seguida se voltou para Logan — Hoje mesmo, durante o jantar, receberá os horários com suas devidas aulas.

— Será que poderia me mostrar logo o dormitório? — ele reclamou — Sabe, estou cansado.

— Esse era o próximo lugar que eu ia mostrar. — disse Janeth, com um leve tom de desaprovação na sua voz.

Eles seguiram em frente até o final do corredor e viraram à esquerda. Subiram um lance de escadas e se encontraram no segundo andar com as salas de aula. Andaram um pouco mais a diante até encontrarem outro lance de escadas, que levava para o terceiro andar. Quando eles finalmente alcançaram, Logan pôde ver o maior corredor que ele já vira na vida. Portas estavam espalhadas por entre os dois lados das paredes e eles caminharam até o final, onde encontraram a última porta. Ao contrário das outras, que continham os nomes das pessoas que utilizavam o quarto, essa não tinha nada escrito. Talvez estivesse vazio ou inutilizado.

— Este é o seu dormitório, Logan. Espero que não se importe em ficar sozinho por algum tempo. Amanhã chegará outro aluno novo que dividirá o quarto com você.

Logan deu de ombros.

— Preferiria ficar sozinho.

Ele nem ao menos se despediu de Mary e já entrou no quarto e bateu a porta na cara delas. O que ele mais queria no momento, era ficar sozinho e longe de sua tia.

O quarto era bastante espaçoso e ele pensou que conseguiria se adaptar facilmente a ele. No canto direito, havia um beliche e mais ao fundo havia um guarda-roupa feito inteiramente de uma madeira bem vermelha. Do lado esquerdo, estava a janela, com vista para o grande pomar que havia do lado externo do internato.

Logan retirou a mochila das costas e a jogou sobre a cama. Ele passou a mão pelos cabelos castanhos que estavam quase cobrindo os seus olhos e sentou-se ao lado da mochila. O sol estava quase que inteiramente escondido atrás das montanhas e as primeiras estrelas surgiam no céu, mas Logan ainda conseguia enxergar com facilidade. O escuro não era um obstáculo para ele.

Ele abriu a mochila e começou a retirar os poucos objetos que estavam lá dentro. Ele tirou suas roupas surradas e amassadas e as colocou em cima do colchão macio. Uma nostalgia percorreu o seu peito a cada objeto que era retirado da mochila. Mas tudo veio à tona quando o objeto que estava mais ao fundo foi colocado em cima da cama. O coração de Logan ficou apertado e uma lágrima escorreu dos seus olhos.

Sua mãe e seu pai estavam sorrindo, com os rostos colados, olhando fixamente para o menino. O porta-retratos reluzia na fraca luz que ainda invadia o quarto e os olhos de Logan se estreitaram quando ele observou a beleza da mãe e a dureza de seu pai. Duas pessoas que sempre representaram sua própria vida, que haviam sido arrancadas dele injustamente. Ele nunca compreendeu o porquê disso ter acontecido, não havia o menor sentido. Nada poderia amenizar a dor que ele sentia quando se lembrava dos pais. Era como se estivessem enfiando uma faca dentro do seu coração e ceifando sua própria vida. Uma vida infeliz, amargurada e completamente isolada.

Ele acariciou o rosto da mãe pelo vidro do porta-retratos e seu cérebro se transportou para o dia em que tudo aconteceu.

Os fracos raios solares de final de tarde ainda penetravam pelas janelas semiabertas da casa de Logan. Aquela seria uma noite especial. O aniversário de sua mãe seria no dia seguinte e seu pai e ele estavam preparando um jantar especial.

A cozinha estava a maior bagunça. Os fogões estavam trabalhando a todo vapor, enquanto uma batalha parecia ter passado pelo chão do cômodo. Logan estava varrendo tudo para o canto, enquanto seu pai tratava de colocar a mesa.

Tudo estava ficando lindo. Um vaso com rosas vermelhas e perfumadas foi colocado no centro da mesa e um cartão estava repousando ao lado dele. A toalha de mesa florida fora estendida estrategicamente, enquanto três cadeiras estavam envolvendo a mesa quase pronta.

— Mamãe vai ficar boquiaberta quando chegar e vir essa maravilha! — disse Logan, que havia acabado de colocar a sujeira dentro do saco de lixo.

— Com certeza, ela vai — respondeu o pai, despejando uma grande quantidade de estrogonofe em uma travessa de vidro. — Agora, me ajude a colocar isso aqui na mesa.

Eles colocaram as travessas com comidas sobre a toalha de mesa e arrumaram os talheres, os copos, as garrafas de vinho e refrigerante sobre a mesa.

— Não acredito que o senhor não vai me deixar provar o vinho. — queixou-se Logan.

— Criança não bebe bebida alcoólica. Fique satisfeito por eu estar deixando você tomar refrigerante ao invés de suco de laranja.

— Eu não sou uma criança. Tenho 15 anos e o senhor sabe muito bem que eu...

Ele parou de falar quando ouviu o tilintar de chaves na porta da sala de estar. Sua mãe provavelmente havia chegado.

O pai terminou de arrumar a mesa, enquanto Logan correu até a sala. Ele deu de cara com o rosto sorridente de sua mãe, que havia acabado de voltar de um longo e estressante dia de trabalho.

— Acho que eu preciso tirar alguns dias de férias. — ela disse, colocando as chaves em cima da mesinha de centro. — Como vai, meu filho? — ela completou, dando um beijo na testa de Logan.

— Eu vou bem, mas a senhora vai se sentir muito mais animada agora! — Logan começou a puxar a mão da mãe e a levou até a cozinha.

A única coisa que ele quis fazer quando abriu a porta foi gritar. Ele viu um homem alto e magro, com uma máscara cobrindo o rosto, apontando uma arma para a cabeça do seu pai, que estava com um olhar desesperado.

— O que significa isso? — disse a mãe — Solte o meu marido!

Uma risada gélida pôde ser ouvida saindo da boca do bandido.

— Eu quero dinheiro. E é claro que vocês me darão uma boa quantia, não é?

O bandido não havia percebido a presença de Logan. Ele se abaixou e foi arrastando-se até a um pequeno espaço entre o fogão e a parede, onde ele ficaria isolado do campo de visão do homem misterioso e ameaçador.

As palavras que o bandido usara e o tom de medo na voz dos seus pais fez com que ele não conseguisse prestar atenção em nada. A única coisa que ele esperava, era o momento certo para sair do seu esconderijo e espantar aquele bandido.

Mas ele ficou paralisado pelo medo e terror quando o bandido soltou um berro audível até do outro lado do planeta e uma bala saiu de sua arma, indo em direção ao peito do pai.

Logan quis gritar, quis se levantar e acabar com a vida daquele marginal, mas ele não conseguia nem ao menos respirar. Seu pai havia acabado de cair quase diante de seus próprios olhos e ele não sabia o que fazer, não sabia o que sentir.

Um segundo tiro fez os tímpanos de Logan tremer e seus olhos se encheram de lágrimas quando ele viu sua mãe caindo sobre o corpo do pai, com um tiro no peito.

Ele reuniu forças e levantou-se do seu esconderijo, com um grito de ódio, tristeza e desespero ecoando de sua boca. Ele queria matar aquele homem, queria que ele sofresse, mas ele não estava mais ali. Ele já havia adentrado pela casa, em busca de objetos valiosos. Logan não se importava. Ele abaixou-se ao lado dos corpos dos pais e chorou a dor de ter perdido as pessoas mais importantes de sua vida. Chorou baixinho, um choro de quem sente uma dor inexplicável, uma dor que só pode ser causada pela morte.

Logan enxugou as lágrimas que banhavam os lençóis de sua cama. Ele não queria mais se lembrar disso, não queria mais remoer toda essa raiva, toda essa angústia.

Ele pegou o porta-retratos dos pais e colocou ao lado da cama, em um lugar onde ele sempre poderia olhar.

Agora já estava completamente escuro e ele teve que tatear as paredes em busca do interruptor. Encontrou-o logo ao lado da porta, mas levou um susto quando um sinal ensurdecedor percorreu seus ouvidos. Era mais parecido a uma sirene de ambulância do que com o sinal de um internato, ou escola, ou seja qual fosse o ambiente que ele estava.

Ele sabia que estava na hora do jantar e ele tinha que ir para o refeitório. Ele ainda não havia visto ninguém além de Janeth naquele internato e talvez fosse bom para sua mente conhecer quem seriam seus novos amigos.

Ele olhou uma última vez para o quarto, antes de respirar fundo, apagar a luz e ir em direção ao refeitório do internato, onde ele começaria a ter uma vida nova e diferente de tudo que ele jamais viveu.


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