A Quarta Máscara escrita por psyluna


Capítulo 4
Afundar, emergir.


Notas iniciais do capítulo

Mil desculpas mesmo por demorar... Fiquei um tempo muito grande sem internet, e minhas coisas estão salvas só no computador de casa. Espero que gostem e boa sorte :*



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Tortura.

É a melhor palavra para descrever os três dias que se seguiram.

As pedras jogadas eram cada vez mais duras, maiores e atiradas com mais força. Os insultos eram mais pesados, os gritos expressavam mais dor.

E, depois que tudo acabava, ela não se sentia satisfeita.

Socava o próprio rosto. Afundava as unhas na pele até encontrar sangue. Puxava os próprios cabelos até arrancá-los. Destruía o próprio corpo, tornou-se irreconhecível.

Mas nada parecia ser suficiente.

O sofrimento tinha se tornado um vício.

Um ciclo doloroso, do qual parecia impossível se livrar.

Depois das terras vermelhas, havia um início de floresta. Não era denso e úmido como uma mata tropical, mas tinha sua graça e vida.

Lyan já tinha ido embora havia algumas noites.

Durante aquele tempo, tinha cambaleado sem destino por lugares vazios. Como o som de uma estaca sendo cravada, a memória daquele tempo bom voltava em pulsação. Não conseguia parar de se lembrar daquilo, nem de sofrer. Tudo lhe trazia algo de Louise. Uma parte de seu coração faltava.

A viajante sentou-se sobre a raiz de um velho flamboyant florido. Recostou-se nele, podendo ver o céu entre os galhos e pétalas cor-de-fogo. Ali estavam as constelações que ela e a amiga observavam nas madrugadas sem nuvens.

Fechou os olhos, tentando colocar uma cortina sobre essa lembrança.

“Não existe certo e errado entre as pessoas.”

Consolar a si mesma não dava certo, mas insistia.

“Só agimos de acordo com nossa natureza. O perdão de um é o rancor de outro, e assim vivemos.”

Também tentava não se sentir mais triste, porque era o curso natural das coisas.

Mas não conseguia se livrar das lágrimas.

Com a mão esquerda, tocou o próprio ombro, para puxar o capuz e cobrir a cabeça. Para colocar o próprio rosto sob uma sombra e não pensar mais.

E surpreendeu-se em notar que ele não estava lá há três dias.

“Não está aqui.”

Ficou sem reação.

Milhões de cenas, vozes e pessoas passaram por sua cabeça, até ter certeza do que ia fazer.

A mão direita voou para o cajado. Cravou-o na grama rala para ficar de pé. Com o olhar determinado, prendeu-o de volta nas costas e começou a correr, atravessando o ar gelado como um projétil.

Saiu rápido da floresta. Esforçava as botas duras até onde podia. O rabo-de-cavalo castanho, puxado ao vermelho, voava com o vento.

“Um pouco de mim ainda resta com ela.”

Era forte o bastante para agüentar um bom tempo correndo.

“Não podemos nos separar. Devemos seguir juntas.”

As terras vermelhas a esperavam, muito longe dali.

“Se a voz do destino fala, é bom ouvir.”

Seus passos pareciam não tocar o solo, levantando uma suja nuvem de pó.

“E isto é um chamado.”

Sua figura pequena sumiria no horizonte antes mesmo que pudesse piscar.

Horas de esforço tinham resultado, enfim.

O sol estava para raiar. Ia aparecer palidamente por entre as nuvens para anunciar mais um dia cheio de vento. Morta de cansaço, uma sombra se esticava pelo chão e seguia em frente, lenta e pesada.

Lyan sentia uma tonelada de correntes em seus tornozelos. Os braços queriam arrastar-se. O mundo rodava em seus olhos. Caminhava guiada pelo instinto. Sua respiração estava falha, rangendo.

Parou. Os músculos pareciam cordas em fiapos. Rodou o pescoço, estalou as vértebras e, por fim, inclinou o rosto para cima.

A tontura fez os joelhos moídos tremerem, e ela caiu.

Continuou com a face para o alto. Pedia que alguém que estivesse ouvindo-a lhe enviasse forças para chegar onde queria e fazer o que precisava. Apenas uma súplica aos regentes do Cosmo era a saída que ela via.

Pouco a pouco, abaixava a cabeça, que gotejava suor. Seus pulmões voltavam ao normal. Seu coração podia bater em ritmo menos impetuoso.

Mas o sentimento de derrota estava em si.

Não ia conseguir chegar a tempo. O poço parecia ficar a milhas dali.

E um filme rodava em sua mente.

Uma garota banhando as mãos finas em sangue, afogando os dedos em sua própria garganta. Seu sorriso de alívio se alargava. Um fio vermelho descia dos lábios.

Ela não tinha medo daquilo. Amava a dor, amava a morte, desejava-a como um homem deseja com ardência uma amante.

Sentia prazer em matar-se.

Louise podia estar fazendo aquilo naquela hora.

“Droga...”

Uma gota brotou por entre os cílios.

Já não era mais tempo.

Lyan esticou os olhos de esmeralda para sua frente.

E nenhuma palavra era de impacto o bastante para definir o que sentiu ao ver o poço ali, a menos de dez metros dela.

Tirou forças do fundo de sua alma. Apoiou a mão na terra e ficou de pé. Correu, rezando para que aquilo fosse apenas uma paranóia.

Desacelerou ao se aproximar. Algo se retorcia em seu peito. Parou de andar e se abaixou. Passou as botas para o lado de dentro do poço, calculando o lugar da queda para não atingir o vulto encolhido, pouco nítido ao começo da aurora.

A queda profunda fez com que fechasse os olhos. As solas duras estalaram sobre o chão de pedra, e a contraforça a fez dobrar as rótulas. Sua pulsação estava rápida, seus olhos estavam cerrados.

Devagar, abriu-os.

E não conseguiu mais fechar.

Um grito de terror transbordou do fundo para a saída.

O dia tinha ido embora. A noite já tinha começado. Estava frio. O ar que envolvia tudo era gelado e estático.

Quase vinte e quatro horas se completavam desde a manhã anterior, e Lyan não tinha parado um segundo sequer de chorar.

As mãos com luvas não queriam soltar aquele corpo leve. Seus braços o envolviam como ela o faria com um filho. A cabeça alheia, sem resistência, caía sobre seu ombro, parecendo dormir. Os poucos cabelos que restavam nela eram escuros e brilhantes como piche, mesmo sob a luz da lua que já estava de partida.

Havia muito sangue no chão.

Estava seco, deixando no ar seu cheiro forte de ferro.

Um odor funesto e desagradável.

Entre milhares de lágrimas e soluços, Lyan praguejava contra si mesma.

Por ter cometido o erro sem haver tempo de pedir perdão.

O mundo estava escuro. Negro e fluido, como nanquim. Uma consciência leve boiava por ali, atordoada.

Aquela mente estava viva, mas não tanto. Não conseguia falar ou mover-se. Não tinha forma nem rosto. Era apenas um campo de visão flutuante dentro de um mar sem luz.

Suavemente, um ruído propagava-se até lá.

Alcançou os etéreos ouvidos do ser.

O oceano distorcia-o. Começara baixo e indecifrável. Seu volume crescia, parecia tomar todo o cenário. Tornava-o uma grande sala acústica, à medida que deixava de ser apenas um arranhar aos tímpanos.

Um som humano.

O som de prantos.

O negrume do horizonte inexistente já não era mais tão negro. Passou do cinza-escuro ao claro, o tom de fumaça, o branco sujo e, enfim, o branco total. Com essa gradação, o barulho ficava cada vez mais próximo.

Até que, de uma só vez, o mundo inerte deixou de existir.

As fendas de dois olhos castanhos se abriram, bem devagar. As pálpebras pesadas como chumbo faziam força para baixo, apesar de as pupilas desejarem um pouco de luz. A respiração estava fraca, pouco consistente, mas acontecia.

A parede do poço foi a primeira das cenas embaçadas que viu.

Piscou e voltou a enxergar. Nada estava nítido.

Seu corpo estava envolto por algo. Era quente e confortável. Tinha um toque delicado, protetor. Alguma coisa parecida era o apoio de sua cabeça latejante.

Estava segura, mas não sabia como ou onde.

A memória voltava-lhe aos poucos. Uma onda de vida corria por sua pele. Podia sentir os pêlos se arrepiando, a partir da nuca, pelas costas e pernas. De grão em grão, tinha mãos, face, mente e voz.

Mesmo que não usasse nenhum deles muito bem.

Lentamente, percebeu o braço direito largado, pendendo para o chão. Moveu-o para cima, como se o fizesse pela primeira vez. Girou o antebraço para fora e tocou com os dedos trêmulos o que parecia ser um ombro perto de suas orelhas.

Contrariando a si mesma, estava viva, e queria estar.

Um movimento suave que fosse lhe assustaria, vindo daquele corpo estático.

Mas o ato daquela mão fria e lívida tocar seu braço quase a fez pular.

“Ela...”

Seu coração palpitava como um bumbo frenético.

“Ela está...”

As lágrimas de perda se transformaram em gotas de felicidade.

-Louise...

Estava rouca. Abalada. Dolorida. Mas nada tirava dela a alegria de ter a garota de volta.

Abraçou-a mais forte.

A menina sentiu que alguém, e não algo, era seu apoio. Foi envolvida cuidadosamente nos braços de tal pessoa, com mais força do que antes. A coluna estava um tanto torta e rígida para retribuir o gesto, mas, se pudesse, o faria.

A outra pessoa falara com ela. As palavras, em sua cabeça, se emendavam umas nas outras, formando uma longa estrutura confusa. Mas nada era de ruim, nem de cruel.

Conhecia aquele alguém.

E agradeceria por sua presença ali, para sempre.


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Notas finais do capítulo

Então, é isso. Estou de férias, então, podem esperar por postagens um pouco mais frequentes. Comentem, por favor, a opinião é importante para a qualidade da coisa. Bye! :3