A Quarta Máscara escrita por psyluna


Capítulo 3
Impulso.


Notas iniciais do capítulo

O terceiro capítulo está aqui para vocês. Antes que perguntem, a história está completa, eu é que sou enrolada mesmo. Paciência e perseverança que vocês aguentam.



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Lyan e Louise não se cansavam uma da outra.

A menina do poço perdia o medo de falar, aos poucos. Deixava a companheira saber sobre suas dores, seus problemas, sobre a mulher cruel que vinha maltratá-la. Podia discorrer sobre horas listando cada corte, cada marca que tinham lhe feito, ou que ela mesma tinha feito.  Contava sobre as vozes dos outros que lhe mal-diziam e os dias longos de abandono. Mas Lyan não parecia temer aquelas circunstâncias macabras. Ouvia-as sempre, sem acusar nem defender.

Em um desses diálogos, era um início de noite sombrio.

Louise se enrolava em um longo pedaço de pano bege. Escondia o corpo do clima, mas ainda tremia e sentia os pés gelados.

Normalmente, ela não teria com o que se proteger, mas daquela vez, tinha.

A capa de Lyan.

-Está bem frio hoje.

A viajante não teve muito que comentar além de:

-Pois é.

Depois de um longo silêncio, Lyan chamou-a.

-Ei.

Louise ouviu, mas não respondeu. Apenas olhou para ela, sem precisar de palavras.

-Sabe...

A menina do poço prestava atenção.

Lyan parecia sem jeito para tocar naquele assunto. Havia guardado aquelas palavras por muito tempo, mudando-as de forma e posição, procurando por um resultado que não machucasse.

E não tinha ficado satisfeita, mas era hora de dizer aquilo.

-... Aquela estrela, lá no alto?

Louise fez que sim com a cabeça.

E sorriu, dizendo:

-Ela é mesmo linda, não é?

Foi a viajante que não teve resposta, deixando-a continuar.

-O que tem ela?

Temendo pisar em algum calo, Lyan disse:

-Por que você nunca a alcança?

A garota do poço soltou um longo e doloroso suspiro.

-É aquela mulher.

Depois de um pequeno silêncio, Lyan soltou, com ainda mais dificuldade de prosseguir:

-Ah, é?

Parecendo triste e amargurada, Louise falou:

-É.

Sentou-se melhor sob a capa emprestada e continuou.

-Ela fica me ferindo, me humilhando... – Sua voz ficou rouca de choro. – Faz com que eu fique fraca, então...

Pausou, evitando lágrimas.

Mas retornou:

-Então eu nunca consigo pular alto o suficiente.

Enquanto pesava e media todas as próximas palavras, Lyan lhe disse:

-Você sabe que ninguém no mundo pode pular tão alto.

Ao ouvir aquilo, Louise incomodou-se sem responder.

Sentiu que algo a ameaçava, e que precisaria se proteger. Seu corpo se encolheu, e sua mente também.

Lyan deu um sorriso sem graça. Estava difícil não magoar.

-E você sabe que aquela mulher não te impede de subir.

Silêncio.

-Mesmo que você precise escalar as paredes.

Com seriedade, a menina do poço afirmou:

-Mas eu subo.

Lyan não pareceu se impressionar.

Já esperava aquela resposta.

E sem expressão alguma na voz, ela perguntou:

-Sobe, é?

-Sim.

Ainda sem expressar o que estava sentindo, a viajante disse:

-Tem certeza?

Louise usou de um leve gesto de cabeça para confirmar.

-Minhas histórias.

Lyan esticou o olhar para cima e viu novamente as pinturas. Estendiam-se pelas paredes do poço como um espiral de sangue, em forma de desenhos e palavras.

E nada disse. Seus olhos eram abismos vazios.

Deixou-a completar.

-Elas me tiram do chão. Fazem com que eu suba. São elas que me levam até lá.

Esperou.

-Aquela mulher não pode me deter assim.

A viajante demorou a reunir coragem, mas, finalmente, disse:

-E se eu te dissesse...

Louise aguardava.

-Que elas nunca te fizeram subir?

-Não é assim.

Surpresa por ser interrompida com tanta rapidez, Lyan parou e escutou.

-É claro que elas me tiram daqui. O fundo fica mais distante a cada risco que faço, a cada universo que crio. É assim que eu vou chegar até lá. É esse o caminho que minha vida deve tomar.

Silêncio.

Não havia mais como voltar atrás com as palavras.

-Você nunca viu que o chão se move para baixo, Louise?

Tomada pela raiva, ela bradou:

-Mentira!

Lyan tentou cortar o protesto:

-Louise-

-É claro que eu vou para cima! Eu sinto que estou chegando lá! Tenho certeza!

Lyan ficou quieta.

-É tudo culpa daquela mulher, daquela sádica!

A viajante fechou os olhos. Apertava o choro dentro de si.

Mesmo assim, uma lágrima desceu por seu rosto queimado de sol.

Ela já tinha chorado, se decepcionado, se entristecido. Muitas, incontáveis vezes. Não sabia mais contar o tempo. Para ela, ele não mais existia. Era uma criatura do mundo, que já tinha visto o funcionamento do universo, e ao mesmo tempo, não conhecia nem uma ínfima parte dele.

Mas era a primeira vez que alguém recusava sua ajuda, mesmo precisando dela.

E a primeira vez que este alguém se negava a ver a verdade.

-Pare de falar que a culpada sou eu! Pare de falar que eu posso resolver!

Louise recuperava o fôlego. Gotas beiravam cair de suas pálpebras. Sua respiração forte formava uma nuvem alva no ar, envolta pelo frio.

-Eu não posso fazer nada, Lyan. Nada.

Lyan ficou de pé e disse:

-Louise.

Estalou os dedos.

-Eu vou te mostrar.

Ergueu a mão para o alto.

-Vou mostrar que...

Fechou outra vez os olhos.

-Você pode muito bem ser forte e sair daqui.

Ao que acabou de falar, uma grande luz surgiu no alto dos céus, vinda de lugares muito além das nuvens, muito longe do chão. Caminhava lentamente, com a paciência de um velho sábio que abraçava o rumo de seu destino.

A estrela.

Lyan ajoelhou-se para esperá-la. Ainda com a mão esticada para cima, não precisava ver para saber o que era aquilo e o que estava fazendo.

Confusa, em choque, desesperada.

Era como Louise se sentia.

Não sabia o que estava acontecendo, e nem por quê. Não sentia mais a consciência firme. Ela parecia girar, de um lado para outro, esquerda e direita, agoniando-a.

Reuniu todo seu rancor, seu ódio e raiva, juntou forças e o fez.

Estatelou a mão aberta na face de Lyan.

-NÃO!

O grito dela foi como uma lâmina em seus ouvidos.

Lyan acordou de sobressalto de sua meditação e caiu de lado.

-NÃO TOQUE NA ESTRELA, SUA IMPURA!

Ainda com os movimentos lentos, levou a mão até a marca vermelha no rosto.

Demorou vários segundos até aceitar que não era mais bem-vinda ali.

Quando entendeu, simplesmente, voltou a ficar de pé.

Ajeitou a blusa amassada e as luvas fora de lugar. Pegou de volta o cajado recostado à parede, mas não o levou nas mãos. Prendeu-o nas costas, na diagonal.

Era com muita dor que ia embora.

Mas, em seu coração, prometeu a si mesma voltar, um dia.

Naquele momento, não olhou nos olhos de Louise. Não a abraçou, afagou, nem mesmo apertou sua mão ou tocou nela. Não trocaram juras de amizade nem palavras cordiais. Uma despedida fria como aquela noite, violenta e difícil.

Não era Lyan que desejava aquilo.

Mas o que podia fazer a respeito?

Virou-se de costas e agarrou as pedras da parede para escalar o poço, de volta para a superfície. Subia sem problema algum, acostumada a montanhas mil vezes mais traiçoeiras do que aquele lugar.

Na metade do trajeto, parou.

-Se você quiser...

Tinha vontade de descer de novo e esquecer aquilo tudo, mas não podia.

-Eu vou deixar a estrela aí.

Não sabia se estava sendo ouvida.

-Até mais, Louise.

Era inevitável chorar.

-Até quando o destino me trouxer aqui outra vez.

Respirou fundo, suprimiu as lágrimas e continuou seu caminho para cima.

Louise ficou ali.

Não sabia o que pensar.

Sua mente rodava como um tufão, sua cabeça doía, sua alma se revirava.

Enfim, seu sonho adorado, sua estrela tão bela, estava bem ali, ao alcance de sua mão. Podia tocá-la e tê-la para o resto da vida, sem dificuldade, sem problema algum.

Porém, que vitória ela teria para celebrar?

Que glória haveria, se o rosto do inimigo já não era tão claro?

O que faria depois de consegui-la, se não havia mais um desafio impossível que lhe motivava a viver?

E com quem festejaria sua conquista?

Encolheu-se. Chorou. Soluçou e gritou como uma condenada, odiando-se ainda mais. Não queria olhar para cima, nem para os lados, não queria ver aquele ambiente tão repugnante, que, por um grande paradoxo, chamava de lar.

Até que a estrela, cansada de esperar, explodiu. Desfez-se no ar como fogos de artifício e os pedaços se dispersaram antes de tocar o chão. Voltou para seu lugar de antes, muitos metros acima daquele buraco gelado. O lugar onde sua própria dona havia lhe posto.

Louise não viu, não ouviu e não notou acontecer.

Nem percebeu que ainda havia um rastro da presença de Lyan sobre suas costas e braços, um pequeno traço de existência aquecendo-a do frio cortante daquela noite.


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Notas finais do capítulo

Pois então, é isso. Espero que tenham gostado, e deixem um maldito comentário na maldita caixa logo abaixo do maldito texto. Não vai doer nem demorar, uma opinião simples me basta e vocês farão uma pobre alma feliz. Até mais!