Primavera Mentirosa escrita por fosforosmalone


Capítulo 10
A Face de Jack


Notas iniciais do capítulo

Gostaria de começar pedindo desculpas pela imensa demora em postar este capítulo (mais de seis meses), mas a coisa ficou realmente turbulenta por aqui, e não conseguia terminar.
Outro adendo. Inicialmente, este capítulo seria o penultimo, mas ele acabou ficando extenso demais, então tive que dividi-lo, e ele se transformou no antepenultimo. Prometo que não vai mais acontecer. Hehehe
Bom, espero que gostem do capítulo.



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ANTERIORMENTE EM "PRIMAVERA MENTIROSA"

A agente Helena Belli anda ao lado do agente George Stewart, um homem gordinho, de cabelos negros, que usa um paletó.
HELENA
Dez anos atrás, uma serie de homicídios ocorreu nesta universidade. Todas as vitimas eram garotas entre dezoito e vinte cinco anos, mais ou menos. O doente estripava as coitadas. A imprensa o apelidou de Jack Calcanhar De Mola. Ele matou quatro estudantes, e então desapareceu.
Helena e George observam um policial retirar o lençol que oculta o corpo de Tina Becker no chão.
Bruce, Isadora, Nick e Judy conversam na lanchonete.
NICK
Só por que alguém é morto aqui dentro, não quer dizer que o cara tenha voltado.
Jack agarra os cabelos de Kelly e bate seu rosto contra o espelho, jogando-a no chão.
Helena, Sage e Ferguson encontram os cadáveres esquartejados de Megan e Nick dentro do carro.

Tony apresenta-se a Helena no restaurante do hotel.
TONY
– Meu nome é Tony Stevenson. Trabalho pra Gazeta De New London. Acho que posso ajudá-la em suai investigação.

Bruce e Isadora conversam sentados em um banco no corredor externo.
BRUCE
– Você é linda e inteligente, e eu tenho sentido que... Ah droga, chega de enrolar! Eu acho que eu te amo!
Os dois se olham em silencio. A garota parece não saber o que dizer.
BRUCE
– Não precisa responder nada. Esquece o que eu disse. Só espero que isso não estrague a nossa...
Ela o interrompe com um beijo na boca.

Helena abre os olhos e levanta-se como se tivesse tomado um choque. Era isso! O padrão não estava nas semelhanças entre as vítimas, mas sim nas diferenças.

Isadora coloca o Pen Drive de Bruce no computador, e vê vários arquivos, matérias de jornais e notas escritas sobre os crimes de Jack Calcanhar de mola.

ISADORA

– Meu deus, Bruce. O que você esta fazendo?

Sage e Tony conversam na saída do auditório
SAGE
Lembre-se, que quando encaramos o abismo por muito tempo, ele acaba nos encarando de volta.

Tony encontra a carta ameaçadora de Jack.
Tony e a esposa Valerie discutem.
VALERIE
Você vai acabar se matando, Tony! Mas eu e meu filho não vamos com você!

Tony recebe uma ligação de Jack Calcanhar De Mola.

JACK

– Ola Tony. Por que não nos encontramos pessoalmente?

Tony esta em um depósito escuro, quando ouve uma voz vinda do andar de cima.

JACK

– Eu sabia que você viria, Tony. Suba aqui. Vou lhe explicar como as coisas vão funcionar daqui pra frente.

...

DOCAS DE NEW LONDON: DEPÓSITO

Os degraus rangem sob os pés de Tony enquanto ele sobe as escadas. Ele sabe que um psicopata o espera, mas não pode deixar de sentir-se ansioso em finalmente se encontrar com o homem sobre o qual escreveu um livro. Ao chegar ao topo da escada, Tony encontra uma sala ampla, parcamente iluminada pelo luar que entra pelas frestas do teto. A sala esta quase vazia, excetuando uma velha mesa. Um vulto encontra-se parado atrás dessa mesa. Tony o ilumina com a lanterna e percebe que ele usa sobretudo, um capuz, e uma mascara de esqui.

JACK

– Que bom vê-lo, Tony. Enfim nos encontramos cara a cara. Você não esta facilitando as coisas, sabe? Nem pra mim nem pra você.

TONY

– Você quer que eu pare a minha investigação? Por isso me chamou aqui?

JACK

– Você é incapaz de parar de tentar descobrir a verdade, assim como eu sou incapaz de parar de matar. Então decidi que o melhor é dar a você o que quer. A verdade.

Jack começa a andar na direção de Tony. O jornalista vira-se para fugir, mas vê o mascarado bem na sua frente. Antes que possa reagir, o encapuzado chuta o peito de Tony, fazendo-o cair para trás. A lanterna rola no chão, como um vagalume agonizante. O assassino avança sobre o homem e o agarra pela gola, jogando-o contra a parede. Jack pára em frente ao jornalista. Tony percebe que o assassino segura algo. Jack baixa o capuz, e arranca a máscara de seu rosto. Entretanto, Tony não consegue ver a face do agressor, devido à escuridão.

Sentindo a adrenalina inundar o seu corpo, Tony tenta se levantar, quando sente sua mão esbarrar em uma chave de força na parede. Uma luz fraca pisca no teto, banhando a sala com uma doentia luz amarelada. Mesmo fraca, a luz ofusca Tony por um instante, e quando seus olhos se acostumam à claridade, o homem percebe que Jack já não esta mais ali. Tony se põe de pé, mas não vê sinal de Jack. O jornalista grita num misto de medo e raiva.

TONY

– Cadê você?!

JACK

– Bem aqui. Onde sempre estive.

Tony ouve a voz de Jack, e ao virar-se para trás, vê o homem de sobretudo preto com a faca na mão. Ele não esta mais usando o capuz, e nem a máscara. Ao ver o rosto do famoso Jack Calcanhar De Mola, Tony Stevenson sente um grito morrer em sua garganta.

APARTAMENTO DE SAGE

Helena sente um grande alivio quando ouve o som do trinco girando. Ao abrir a porta, Frank Sage, usando blusa branca e calça preta fita a moça com grande curiosidade.

HELENA

– Vai me deixar entrar ou vai ficar me olhando?

Sorrindo com o canto da boca, Sage dá passagem para que a agente entre em seu apartamento. Enquanto anda em direção à sala, o velho dirige-se a Helena com serenidade.

SAGE

– Eu lhe oferecia algo, mas acho que você quer ir direto ao ponto. O que era tão...

HELENA

– Eu entendi a relação entre as vitimas, Frank.

Helena fala depressa, sentindo como se a empolgação da sua descoberta fosse fazê-la explodir.

HELENA

– Ele as escolhe pelos cursos. Conferi o perfil das vitimas, tanto as de dez anos atrás, como as de agora. A única diferença que todas elas compartilham é o curso que estavam fazendo na universidade.

A mulher vê o rosto de Frank ser tomado por um misto de entendimento e admiração. Mas subitamente, uma sombra se apossa do semblante do homem. Ele senta-se lentamente no sofá, como se um grande peso tivesse sido jogado sobre seus ombros. Toda a sensação de triunfo e euforia que Helena estava sentindo murcha quando ela vê grande melancolia nos olhos de Sage. A agente percebe o que o veterano está sentindo, embora soubesse que ele nunca fosse admitir. O poderoso Frank Sage estava sentindo culpa por não ter percebido aquilo antes. Helena respeita este breve momento do homem. Ele fala com a voz menos enérgica do que de costume.

SAGE

– Agora que sabemos que ele escolhe as vítimas pelos cursos, temos que responder outra pergunta. Ele escolhe os cursos aleatoriamente, somente tendo o cuidado de não repetir as figurinhas? Ou o que é mais provável, há uma razão para estes cursos serem escolhidos?

HELENA

– Não vai ser difícil descobrir. Pela manhã informamos a equipe, e podemos começar a...

SAGE

– É melhor que isso fique entre nós (Diz ele com firmeza)

HELENA

– Mas por quê?! Podemos fazer isso mais rápido se...

SAGE

– Conversamos sobre isso no hotel. Não sei como, mas Jack esta observando esta investigação. Se ele perceber que estamos perto demais, vamos perdê-lo.

HELENA

Aquela universidade é uma panela de pressão prestes a explodir! Os alunos que ficaram não estão gostando nada da presença da policia. A coisa pode ficar bem violenta por lá.

SAGE

– Por isso mesmo qualquer informação vai vazar na tentativa de acalmar a situação.

A agente respira fundo, sentindo raiva do veterano. Mas mesmo que uma parte de Helena quisesse socar Sage pela frieza que demonstrava, outra parte lhe dizia que ele estava certo.

DOCAS DE NEW LONDON: DEPÓSITO

Tony continua a fitar o homem que o encara com um olhar cruel do outro lado do espelho. O assassino que tinha um rosto que ele conhecia muito bem. O seu próprio rosto. Mas não era possível. Quem era aquele homem? O que era aquele homem?

JACK

– Acho que sabe muito bem quem o que eu sou. Assim como sabe o que nós fizemos.

Tony sobressalta-se. Aquela... Criatura lera a sua mente? Como era possível? A não ser que...

JACK

– Eu e você matamos aquelas garotas.

Tony não consegue responder. Ele simplesmente balança a cabeça dando um passo para trás.

JACK

– Abrimos os corpos delas, arrancamos os órgãos. Desmembramos os corpos.

TONY

– Não!

O medo e a raiva fluem em um golpe involuntário, que trinca o espelho. Ainda com o braço esticado, Tony percebe com horror que não foi com o punho que ele atingiu o espelho, mas sim com uma faca de caça, que afundou no vidro. Tony recua, soltando o cabo da faca, que fica presa no espelho. Ele não vê mais seu duplo, só seu reflexo pálido.

O espelho balança, e espatifa-se no chão. A queda do espelho revela um buraco na parede de tijolos apodrecidos. Ao ver o que há na abertura, Tony recua horrorizado. Uma caveira de cabelos longos o encara de dentro do buraco, com um sorriso sem vida. Os cabelos estão brancos de poeira, e insetos passeiam pela superfície do crânio. Tony desvia o olhar, somente para ver seu duplo novamente. Ele esta encostado na parede com as mãos no bolso, demonstrando total despreocupação.

JACK

– Você não fez sozinho. Não teria conseguido. Você não suportaria. Lembra-se de Ann?

Tony força-se a olhar para a caveira. Aquela era a cabeça de Ann Bray, desaparecida há dez anos. Tony lembrava-se de ter tido uma paixonite por ela. Cursaram jornalismo juntos. Em certa ocasião, quando ela se tornou editora do jornal universitário, Tony encheu-se de coragem, e convidou-a pra sair, levando um fora. Pouco tempo depois, apresentou a ela a ideia para uma nova coluna para o jornal, também sendo recusado. Ele nunca esqueceu o fato da garota tê-lo humilhado diante de toda a redação do jornal universitário, dizendo em voz alta que sua ideia era um lixo, e que não imaginava como ele poderia ter sonhado que ela aceitaria seu convite para sair. Mas não fazia sentido. Gale Cerman foi a primeira vítima, e ele nem a conhecia.

A memória daquela noite de nevoa atinge Tony como um trem. Tony esperava perto do prédio do jornal, oculto pela névoa. Ele tinha um grande saco plástico em suas mãos. O rapaz estava ali por uma razão. Dar uma lição em Ann que ela jamais esqueceria. Tony conhecia o caminho que Ann fazia todos os dias quando saia do jornal. Ele daria um susto na vadia. Ia cobri-la com o saco plástico e amarrar seus braços. Depois ia deixa-la correr pelo campus como um saco de batatas ambulante. Isso iria ensina-la a ter alguma humildade. Ele se lembra de ter visto detrás da arvore em que estava escondido, uma silhueta feminina surgir no nevoeiro. O perfume adocicado era o mesmo que Ann costumava usar. Só podia ser ela.

No momento em que a garota passou pela arvore, Tony avançou em sua direção, e envolveu o corpo da moça com o saco plástico. O rapaz tapou a boca dela para que não gritasse, mas ela se debatia com força. A corda que deveria ser usada para amarrar os braços dela caiu no chão durante a briga. Subitamente, Tony ouve o som de plástico rasgado. Ele vê o braço da garota surgir de dentro do saco através de um rasgo. Ela tem uma faca de caça na mão. Tony pensa em soltá-la e fugir, mas a garota ergue a perna para trás, e acerta a sua virilha. Tony a solta, e junto com a dor, sente uma raiva borbulhante surgir, como lava em um vulcão.

Após ser solta, a moça cambaleia, dando uma volta completa em torno de si mesma. A garota se livra do plástico que a envolve, ainda com a faca na mão. Ela não percebeu que parou de costas para seu agressor, que avançou em direção a ela e agarrou a mão que segurava a faca.

Os dois lutaram por um instante. Tony sentia o corpo agir quase por conta própria. Foi então que em uma explosão de força, ele empurrou o braço da moça para um lado, e ouviu um som estranho, como de uma esponja sendo rasgada. O corpo da moça enrijeceu por um momento, e então amoleceu. O rapaz soltou o corpo dela, que caiu com um baque. O aroma do perfume agora se misturava com o cheiro do sangue. Ainda com a faca na mão, Tony olhou para o rosto da moça que havia acabado de matar. O rosto assustado que o fitava com um corte na garganta de um lado a outro não era o de Ann. A garota caída ali não era uma loira de olhos azuis, mas uma morena de olhos verdes. A garota caída ali era Gale Cerman. Tony viu uma poça de sangue começar a se formar na grama. Deu um passo para trás, impedindo que o sangue atingisse seus pés. Pegou o saco plástico com uma mão, e saiu andando, com uma expressão vazia no rosto.

Tony viu-se novamente no depósito. Jack havia parado de andar em volta dele.

JACK

– A imbecil nem gritou. Acho que ela carregava a faca por que tinha medo de Amalara. O babaca havia a ameaçado. Não é engraçado? Ela estava disposta a corta-lo, mas não a deixar que se encrencasse. Quem pode entender as mulheres, não é?

Jack dá uma risada sem alegria antes de retomar a palavra.

JACK

–Você adorou cortar o pescoço daquela vaquinha, mas não conseguia admitir. Então, você me criou pra admitir pra você. Depois daquilo, eu tinha que matar Ann. Era justo que ela morresse. Mas eu não queria sumir depois disso. Foi então que me lembrei da lista em que você estava trabalhando.

Tony sente-se enjoado. Como trabalho de conclusão, ele pesquisou a historia de New Sharon. Ele sabia a origem dos prédios, dos professores mais ilustres, e mesmo a ordem de surgimento dos cursos. Alguns separados por minutos que marcaram o início das primeiras aulas.

JACK

– Felizmente você tem imaginação. Você achou que o assassino só matasse em noites de nevoa na Primavera Vermelha. Então, enquanto existissem noites como aquelas, eu seria livre. Eu só tinha que seguir a lista. Com o tempo, eu me fortaleci. Eu podia iludir você, fazê-lo ir aonde eu quisesse, observar quem eu quisesse, pra que eu estivesse pronto pra brincar nas noites certas. E você nem desconfiava. Jurava que passou a noite estudando, ou algo assim. Mas quando eu comecei a me divertir, as aulas foram suspensas a Primavera Vermelha acabou, e eu voltei a afundar na sua mente.

O assassino desencosta-se da parede, e vai até o que sobrou do espelho. Tony sente uma golfada de vômito sair de sua garganta, enquanto seus joelhos batem no chão.

JACK

– Semanas atrás, a primavera vermelha chegou. Você voltava pra casa, quando a névoa tomou a estrada. Foi impossível não se lembrar dos velhos tempos, não foi?

Só uma coisa passava pela cabeça de Tony. Precisava acabar com aquilo. Precisava se entregar.

JACK

– Vá em frente. Nos trancafie pro resto da vida. Mas fique sabendo que antes disso, eu posso assumir o controle tempo o bastante pra fazer uma visita ao nosso garotinho.

TONY

– Fique longe dele!

O homem de sobretudo recua alguns passos, erguendo as mãos em sinal de paz, e diz sorrindo.

JACK

– Fique tranquilo. Eu só estou blefando. Eu nunca tocaria num fio de cabelo daquela cabecinha. Por outro lado, pense no coitadinho se o mundo souber a verdade. Pode ver as crianças apontando? As mães afastando seus filhos do nosso como se ele fosse um leproso?

Tony não havia pensado nisso. A vida de Josh com certeza se transformaria em um inferno.

JACK

Filho é para sempre. Já ex mulher... Bem, vai ser difícil pro Josh se a mãe dele....

TONY

– Você não faria...

Com ar entediado, o assassino interrompe Tony.

JACK

– Faria sim. Você nem gosta mais dela! Esta em outra, não é garanhão? A morena do FBI, que mulher hein? Bonita, inteligente... E perigosa. Se existe alguém que quer acabar conosco, esse alguém é Helena. Não que eu não tenha gostado de transar com ela, mas...

TONY

– Diga logo o que quer!

JACK

– Eu quero lhe fazer uma proposta. A Primavera vermelha esta no fim. Mais duas mortes, e minha obra estará concluída. Então o trato é o seguinte. Você fica fora do meu caminho até eu terminar, e nada acontece com a sua família. Eu vou embora, e todos ficam felizes!

TONY

– Esta querendo que eu deixe você matar mais duas pessoas? (Diz incrédulo)

JACK

–Alguém vai morrer de qualquer forma. Antes duas estranhas do que a mãe de seu filho.

TONY

– Eu posso... Posso dar um fim nisso. Eu posso me matar! Eu Posso matar nós dois!

Jack abaixa-se em frente a Tony, e ergue a faca até o pescoço dele, falando tranquilamente.

JACK

Você tem um instinto de auto preservação muito forte. Por que acha que eu existo?

Jack afasta a faca do pescoço do jornalista. Tony sente lagrimas brotarem em seus olhos. Agora que sabia a verdade, não saberia se poderia suportar ter mais sangue nas mãos.

JACK

– Todo mundo morre. Eu só quero escolher a hora e o lugar. Enfrente-me, e garanto que você vai ter muito mais com que se culpar do que por duas vadias. Mas se confiar em mim, eu garanto que quando isso acabar, nunca mais vai me ver. Você vai ter o tempo que quiser pra pagar por seus pecados da forma menos traumática possível para o Josh.

Tony olha para o seu duplo com olhos lacrimosos e suplicantes. Jack coloca a faca na mão dele, fechando o punho do jornalista em torno do cabo.

QUARTO DE ISADORA: MANHA SEGUINTE

Isa acorda aos poucos, sentindo o corpo dolorido. A garota havia dormido apoiada na mesa. Os óculos haviam escorregado do rosto. O Notebook está apagado devido á falta de bateria. Por um instante, a moça pensa que tudo não passou de um sonho ruim. Mas a visão do pen drive preso em seu computador não permite que ela ignore a realidade.

Enquanto levanta-se, Isa pensa nos arquivos mantidos pelo rapaz. Por que Bruce montou um perfil de todas as vítimas de Jack Calcanhar De Mola? Por que estava reunindo matérias das duas ondas de assassinatos cometidas pelo assassino. Ela queria perguntar a Bruce por que ele estava arquivando aquilo. Por outro lado, talvez o certo fosse entregar aquele Pen Drive á policia. Mas isso traria consequências horríveis para Bruce. A pergunta que atormentava a moça era se o rapaz merecia ou não tais consequências.

O toque do celular sobressalta a moça. Isa coloca os óculos e ao olhar para o identificador de chamadas, vê o nome de Bruce no visor. Ela não queria falar com o rapaz naquele momento, mas teria que fazer isso cedo ou tarde, não´e? A garota pega o celular da mesa e atende.

BRUCE

– Oi Isa. Eu te acordei?

ISADORA

– Não, eu... Eu já tinha acordado (Diz com voz gélida)

BRUCE

– Tudo bem? Sua voz tá estranha. Tem certeza que eu não te acordei? (Diz desconfiado).

ISADORA

– Eu só... Não dormi bem essa noite.

BRUCE

– É uma droga quando isso acontece. Mas me diz uma coisa, quer almoçar comigo hoje?

O convite a atinge como uma marreta. O cérebro dela trabalha ferozmente, em busca de uma resposta, enquanto seu coração bate cada vez mais rápido.

BRUCE

– Isa? Você ainda tá ai?

ISADORA

–Tô sim. Desculpe, eu to viajando demais. Claro, vamos almoçar sim.

Os dois combinam o local de encontro. Antes que ele tenha chance de estender a conversa, a moça desliga o telefone rapidamente. Elsa sabe que o namorado estranharia, mas não tinha conndições de falar com ele neste momento. Isadora coloca o celular sobre a mesa, e retira o Pen Drive do seu notebook, sentando-se em sua cama. A garota fita o aparelho com um olhar triste e pensativo.

CENTRO COMERCIAL DE NEW SHARON

Cerca de cem estudantes se encontram no centro comercial do campus. Manchas amareladas nas vidraças de algumas lojas são os vestígios dos ovos arremessados pelos manifestantes. Um cordão humano de seguranças se postou diante da entrada dos escritórios da reitoria. Vários alunos balançam cartazes improvisados e gritam em uníssono.

ESTUDANTES EM CORO

– Fora com a polícia! Fora com a polícia! Fora com a polícia!

Grande parte da imprensa já se encontra no local. Cameramans apontam suas câmeras para os jovens mais chamativos. Outros jornalistas seguram seus blocos de notas e maquinas fotográficas particulares.

A porta de entrada do escritório se abre, e Winkler sai de lá escoltado por oito policiais. Um dos estudantes vê o reitor saindo, e começa a vaiar. Seus colegas seguem o exemplo. Uma chuva de ovos cai sobre o reitor e sua escolta, que se protegem como podem. Um carro atravessa o gramado em alta velocidade. O Reitor e sua escolta correm em direção ao veículo, enquanto as vaias aumentam. O carro freia sem desligar os motores, enquanto Winkler entra apressadamente. O veículo acelera para fora do gramado sendo atingido por ovos.

PORTÃO F

Isadora esta sentada em um banco em frente ao portão F. Ao olhar para o restaurante ao lado do portão, a garota vê poucos clientes. A jovem olha no relógio: meio dia. Há um tempo, o portão F estaria parecendo um formigueiro neste horário. Mas desde que Isa chegara ali para esperar Bruce, não vira nem dez pessoas passarem pelo portão. Cortesia de Jack Calcanhar de mola. A garota olha para os dois seguranças que estão postados ao lado do portão. A estudante percebe que os dois homens estão visivelmente cansados. Não devia estar sendo fácil ser segurança naquela universidade. Em pensar que tudo aquilo era obra de uma única pessoa.

BRUCE

– Isa?

A jovem assusta-se ao ver o namorado de pé, ao lado do banco.

ISADORA

– Droga. Bruce! Quando você vai perder essa mania de aparecer do nada?! (Diz irritada)

BRUCE

– Foi mal, Isa! Não quis te assustar (Diz surpreso com a reação dela)

ISADORA

– Esquece. Eu só não to legal hoje.

BRUCE

– Isso eu já vi. Tem algo que eu possa fazer pra ajudar? (Diz sentando-se ao lado dela)

A garota olha profundamente para o namorado, e então retira o Pen Drive de dentro da bolsa.

ISADORA

– Eu levei seu Pen Drive por engano ontem.

O jovem olha para o aparelho ainda sem entender. Ao não perceber reação dele, Isa continua.

ISADORA

– Eu o abri sem querer. Foi então que... Que eu vi um arquivo bastante esquisito.

Um brilho de compreensão surge nos olhos do rapaz.

BRUCE

– Esta falando dos arquivos sobre os crimes, não é? O que você esta pensando que eu....

ISADORA

– Por que você tem aqueles arquivos?

BRUCE

– Você tá desconfiando de mim outra vez, não é? (Diz com decepção na voz)

ISADORA

– Eu só to tentando entender o que tá acontecendo!

O estudante empertiga-se no banco, e fala com indignação.

BRUCE

– Vou contar. Mas antes me responde uma pergunta. Acha que eu tive alguma coisa a ver com esses assassinatos? Que eu posso estar envolvido com as mortes de Kelly e Nick?

ISADORA

– Você tem que admitir que é estranho alguém ter...

BRUCE

– Você não respondeu a minha pergunta (diz sério)

A garota permanece em silencio. O jovem suspira fundo, enquanto olha para cima. Isa se assusta ao perceber que os olhos dele estão brilhantes, como se algumas lagrimas lutassem para cair.

BRUCE

– Eu não posso te culpar. Eu sempre fui conhecido por ser estranho, não é? Assustador até.

ISADORA

– Bruce, tenta me entender...

BRUCE

– O que eu não entendo é como você pode ter pensado em namorar um cara como eu.

Ela não responde. Queria dizer que gostava dele, que o amava. Mas as palavras não saem.

BRUCE

– O que não é desculpa pra acobertar um assassino, não é? Quer saber, você devia ligar pra policia agora. Melhor ainda, vamos entregar esse Pen Drive para aqueles seguranças no portão. Eles podem fazer isso chegar ás mãos do Chefe De Policia em dois tempos.

Bruce tenta pegar o aparelho das mãos de Isa, mas ela desvia.

ISADORA

– Espera um segundo. O que você tá fazendo?

BRUCE

– Acabando com a sua duvida. Se você não sabe o que fazer, talvez as autoridades saibam. Ei vocês! (Grita ele virando-se para os seguranças).

Os dois seguranças olham um para o outro sem entender a principio.

BRUCE

– Vocês mesmos! Minha namorada aqui tem uma coisa pra contar pra vocês!

Os dois homens saem de suas posições, e aproximam-se do casal. Olhando para Bruce com choque e irritação, a jovem segura o Pen Drive entre os dedos, e parte o aparelho em dois.

SEGURANÇA

– O que é que foi? (Pergunta um dos homens mal humorado)

Bruce não consegue responder. Ele olha espantado para o Pen Drive partido nas mãos da namorada. É Isadora quem toma a iniciativa de falar.

ISADORA

– Eu tenho que contar uma coisa pra vocês.

SEGURANÇA 2

– Estamos ouvindo. (Diz o segundo homem atento)

ISADORA

– Eu vi alguns alunos levando maconha pra dentro do prédio de Química. É ilegal, certo?

SEGURANÇA

– Você não sabe o que esta acontecendo no campus, garota?! Espera mesmo que a gente se preocupe com alguns maconheiros? Faça-me o favor!

Eles retornam para seus postos, indignados, enquanto Isa volta-se para Bruce, olhando-o com determinação. Nos olhos dela, o rapaz já não vê traço da indecisão que parecia afligi-la antes.

ISADORA

– Vamos conversar em outro lugar.

Ela levanta-se do banco, e Bruce a segue para o fundo de um corredor coberto. Quando o casal distancia-se o suficiente dos seguranças, ele volta-se nervoso para Isa.

BRUCE

– Eu não te entendo, Uma hora você insinua que eu sou um assassino, e quando eu tento ...

Antes que o rapaz possa terminar de falar, ela o abraça e fala com arrependimento.

ISADORA

– Me perdoa. Eu não quis desconfiar de você, mas quando eu vi aquilo no seu Pen Drive...

Bruce afasta a namorada delicadamente, ainda surpreso.

BRUCE

– Espera um pouco, Isa. Eu não to conseguindo te acompanhar.

Ela avança sobre ele, e uma vez mais, lhe roubando um beijo que é correspondido com paixão. Quando seus lábios enfim se separam, ela diz ajeitando os óculos.

ISADORA

– Se eu achasse que você fosse um assassino, eu faria isso?

BRUCE

– Só por que eu quis entregar o Pen Drive? Eu posso ter feito isso pra te enganar.

ISADORA

– Pode sim. Mas eu não acredito nisso. Agora me diz, por que tinha aquelas coisas no seu Pen Drive? Estava bancando o detetive, não estava?

O estudante desvia o olhar, e começa a estalar os dedos.

BRUCE

– Não no começo. Eu sempre achei o caso Jack Calcanhar De Mola fascinante. Eu pensava em fazer um documentário ou escrever um roteiro de ficção baseado nesse caso. Mas quando Tina foi assassinada, eu resolvi transformar esse pensamento em ação.

ISADORA

– Começou uma pesquisa pra escrever um roteiro? (Pergunta ela atenta a historia)

BRUCE

– Foi isso mesmo. Mas então o desgraçado pegou a Kelly. Foi então que eu resolvi que ia fazer de tudo pra tentar descobrir o filho da mãe que fez isso com a Kelly.

ISADORA

– Eu achei que... Que você não se importava (Diz emocionada).

Bruce a encara de volta, e a garota vê algo que raramente via no rosto do rapaz, vergonha.

BRUCE

– Por um tempo, eu também. Mas quando eu vi você naquele estado, na noite em que Kelly morreu, eu percebi que eu me importava, e muito.

O rapaz permanece em silêncio de cabeça baixa, e é surpreendido ao sentir a mão da garota acariciando o seu rosto.

ISADORA

– Eu to muito orgulhosa de você ter tido essa atitude. Mas eu quero que você pare.

BRUCE

– Parar? Mas Isa, eu posso estar perto de...

ISADORA

– Não quero você metido nisso! Pode chamar a atenção desse cara. Você tem que parar. E se esse maluco descobre que você anda xeretando?

Nesse momento, uma voz grita o nome de Isa do fundo do corredor. Bruce e Isadora se viram, e veem um rosto conhecido andando em sua direção. Tony Stevenson, o jornalista.

TONY

– Srta. Thompson. Estou vendo que esta acompanhada. Já nos conhecemos, certo?

Bruce se levanta para falar com o jornalista.

BRUCE

–Sim. Você estava perturbando a Isa nos interrogatórios que aconteceram lá nos auditórios (Diz em um falso tom amistoso).

TONY

– Eu sinto muito se incomodei. Eu só estava fazendo o meu trabalho.

Antes que Bruce possa responder, Isa se levanta do banco, pondo-se a frente do namorado.

ISADORA

– Eu pensei que tinha sido bem claro na nossa ultima conversa, cara!

TONY

– Tudo o que eu quero são alguns minutos, Srta. Thompson.

ISADORA

– Pela ultima vez, Stevenson, não! Se continuar insistindo, eu vou fazer uma queixa para a universidade. Vamos Bruce!

A garota dá as costas ao jornalista, e sai andando decidida. Bruce sorri ironicamente para Tony, para em seguida ir atrás da namorada.

TONY

– Espero que nos encontremos novamente em uma situação melhor!

O homem dá um sorriso sinistro, e diz com uma voz totalmente diferente de sua habitual.

JACK

– Uma situação muito melhor (em voz baixa).


PRÉDIO DO DIREITO

O prédio de direito de New Sharon era considerado por muitos a mais notável instalação do campus. O lugar é tido com orgulho pela universidade por ter uma pequena, porem rica biblioteca jurídica que rivalizava com a do próprio campus. Haviam pequenos e bem mobiliados salões, para que os alunos pudessem simular audiências e tribunais.

Por ser tão quisto pela instituição, o prédio foi invadido e ocupado pelos alunos que protestavam contra o modo como a administração estava lidando com a crise que assolava a universidade.

Neste momento, a policia, sob a liderança do Chefe Ferguson cerca o local. Ferguson com aparência cansada recebe um megafone de um de seus comandados, e o leva á altura da boca. A voz do chefe de policia surge ampliada, graças ao aparelho.

FERGUSON

– Atenção. Vocês estão ocupando ilegalmente propriedade privada. Eu peço, por favor, que saiam ordenadamente. Se saírem agora, ninguém será processado ou punido.

Vários alunos põem os corpos para fora das janelas, e vaiam em resposta. Após as vaias cessarem, um rapaz usando rabo de cavalo, e barba rala, sobe no parapeito de uma das janelas e grita para Ferguson.

ED

– Nós temos todo o direito de estarmos aqui! Vocês é que não tem! Fora do nosso campus!

Aplausos corroboram a declaração do rapaz.

DELEGACIA CENTRAL DE NEW LONDON

Helena esta sozinha na sala de reunião, com o Notebook aberto em sua frente. Na tela, há um arquivo enviado pela central de registros de New Sharon, que é estudado cuidadosamente pela agente. A porta da sala se abre, e Frank Sage entra na sala com um copo de café na mão.

SAGE

– Novidades?

Ela responde com pesar na voz.

HELENA

– Pedi para a universidade a lista de alunos. Exclui os alunos dos cursos que o assassino atacou. Fiz o mesmo com os do sexo masculino. Então descobri através da segurança quais alunas ainda não deixaram o campus. Resultado: mais de seis mil vítimas em potencial.

Sage senta-se ao lado dela, enquanto bebe tranquilamente um gole de café.

SAGE

– Descobri algo que pode reduzir esse numero.

HELENA

– Pois então fale logo!

SAGE

– Tentei encontrar um padrão entre os cursos que as vitimas de Jack estavam fazendo quando foram mortas. Cada uma daquelas garotas estava cursando os cursos que tiveram início no ano de abertura de New Sharon.

HELENA

– Tem certeza que isso faz parte do padrão dele? (Pergunta esperançosa).

Sage olha para a moça como se ela tivesse feito o mais ingênuo dos comentários.

SAGE

Não há certezas. Mas acho que há uma grande possibilidade de o caminho ser esse.

A morena leva s mãos ao rosto. Por um instante, achou que Frank havia descoberto uma pista infalível. Mas haviam chegado há um ponto em que não havia mais pistas infalíveis.

HELENA

– Eu vou aplicar esses dados e ver o quanto isso reduz o numero de vítimas em potencial.

SAGE

– Eu faço isso. Você não comeu nada a tarde inteira, e já esta começando a anoitecer.

HELENA

– Eu tô sem fome.

Sage estica o braço, e fecha o notebook da agente.

HELENA

– Ei! O que você tá...

SAGE

– Não há por que exigir tanto de si mesma. Não ainda. Então vá comer alguma coisa

A raiva que a agente vinha sentindo chega a Níveis insuportáveis ao ouvir o tom autoritário de Sage. Ela se levanta, e coloca as duas mãos na mesa, sentindo a raiva latejar nas têmporas.

HELENA

– Estamos falando de vidas de garotas inocentes! Elas merecem tudo o que podemos dar!

SAGE

– Tem razão. Mas não vai poder ajuda-las se desmaiar de fome.

Os dois se encaram em silêncio por um instante, até que a morena enfim, se dá por vencida. Ela começa a se dirigir para a porta, ainda com a sensação latejante na cabeça.


PREDIO DO DIREITO

A noite já caiu sobre o campus. O prédio do direito continuava ocupado pelos alunos revoltosos. Faixas haviam sido penduradas nas janelas com mensagens indignadas como “Fora com a polícia”, “Winkler covarde”, e “Persigam o assassino, não os alunos”. O Chefe Ferguson continuava em frente ao prédio. Já perdera as contas de quantos copos de café já tomara.

Ferguson vira-se, e percebe Winkler aproximando-se acompanhado por seus seguranças.

FERGUSON

– Com todo o respeito, Sr. Reitor, você demorou pra chegar.

REITOR

– Sinto muito. Eu estava em uma reunião com o prefeito.

Ferguson encara o Reitor com atenção. O maldito estava pensando primeiro na política para depois se preocupar com as questões práticas. O Chefe de policia engole a sua indignação, e volta a se dirigir ao Reitor.

FERGUSON

– Bem, eles só aceitam negociar com o Senhor. O líder deles é um rapaz chamado Ed Chase, estudante de teatro. Temos um telefone aqui para o senhor fazer a ligação.

Um policial traz um celular para o seu chefe. Winkler olha com hesitação para o aparelho.

FERGUSON

– Eu vou discar e pôr no viva voz (Diz fingindo não notar a expressão no rosto do Reitor).

Ferguson digita alguns números no aparelho, e o entrega ao Reitor Winkler, que o coloca próximo à boca, como se segurasse um walk talk. Por alguns segundos, ouviu-se o som da chamada. Logo, todos ouvem um clic, e uma voz atende.

REITOR

– Alo. Reitor Winkler falando.

ED

– Aqui quem fala é o líder do movimento de libertação de New Sharon.

O reitor olha confuso para Ferguson antes de responder.

REITOR

– O que você disse?

ED

– Você me ouviu, Winkler. Com certeza você ligou pra ouvir as nossas exigências, não é?

REITOR

– Não, rapaz. Liguei pra pedir que desistam dessa loucura. Sei o que vocês querem com esse protesto sem propósito. A polícia vai permanecer no campus enquanto for necessária.

ED

– Então vamos continuar aqui. E só vamos sair depois que a polícia se retirar e os alunos presos durante essa invasão forem libertados e tiverem as fichas limpas.

Ferguson percebe a raiva se instalar no rosto do Reitor.

REITOR

– Vamos cortar a luz e a água. E se persistirem, vamos ser obrigados a invadir.

ED

– Se vocês invadirem, nós vamos resistir! Ai todos vão ver o tirano que você é, Winkler!

O ódio do jovem é abafado pelo ruído que indica que a linha foi desligada. Winkler abaixa o celular lentamente, olhando suplicantemente para Ferguson.

FERGUSON

– Vamos cortar a água e a luz do prédio, e ver quanto tempo eles aguentam.

REITOR

– E se ainda assim, se recusarem a sair? (Diz com desespero na voz)

FERGUSON

– Então o senhor vai ter uma grande decisão a tomar (responde sem olhar para o reitor).

NOS PROXIMOS DIAS

Nos próximos dois dias o campus de New Sharon permaneceu mergulhado na mais alta tensão. Os alunos liderados por Ed Chase ainda ocupavam o prédio de direito, enquanto os policiais continuavam a cercar o local. De tempos em tempos, Ferguson escutava o som de moveis e aparelhos eletrônicos sendo destruídos pelos revoltosos.

Helena e Frank continuavam empenhados em reduzir o numero de vítimas em potencial de Jack Calcanhar De Mola. Com seus esforços somados, os dois agentes conseguiram reduzir o numero de possibilidades dos alvos do serial killer para trezentas alunas divididas por cinco cursos. Helena tentou seguir o conselho de Sage, e tratar o caso de forma menos pessoal. Embora não estivesse mais trabalhando de forma obsessiva, a moça ainda sentia-se bastante ansiosa.


APARTAMENTO DE SAGE

Frank abre a torradeira, e põe o pão torrado em um prato. O veterano leva o prato juntamente com um copo de suco de laranja para Helena, que esta sentada á mesa da cozinha.

SAGE

– Espero que esteja do seu agrado. (Diz sentando-se na frente dela).

Ela inclina a cabeça em agradecimento.

SAGE

– Você parece mais descansada.

HELENA

– É só aparência. Não tenho dormido direito.

SAGE

– Com sorte acabaremos com isso nos próximos três dias, e você vai poder ter suas boas noites de sono de volta (Diz animadamente enquanto passa manteiga em sua torrada).

HELENA

– Ou a coisa pode piorar. Hoje será noite de névoa.

SAGE

– Anime-se. Temos uma vantagem. Sabemos como o filho da mãe trabalha.

Helena olha para Sage com censura, e fala com preocupação na voz.

HELENA

– Sabemos mesmo? Trezentos alvos em potencial é um numero bem grande pra mim.

Frank balança a cabeça negativamente, e engole o suco que tem na boca antes de falar.

SAGE

– Trezentos não. Oitenta e duas.

A agente o olha sem compreender. Logo ela percebe um sorriso surgir no canto da boca do veterano. O sacana havia descoberto algo, e ao invés de contar, esperou o momento certo para fazer uma revelação dramática. Helena pensa em reclamar, mas logo percebe que seria pura perda de tempo. Sage era assim mesmo.

HELENA

– O que descobriu?

SAGE

– Ainda há cinco cursos do ano de abertura de New Sharon que ele não atacou. Isso nos deixava com trezentas alunas. Mas ao pesquisar melhor a historia desses cursos, percebi que dois deles só tiveram inicio durante o segundo semestre de abertura da universidade.

HELENA

– E dai?

SAGE

– E daí que acho que ele esta seguindo uma ordem. Sabemos que as vítimas são alunas de cursos fundados no ano um. Mas se ele estiver seguindo uma ordem cronológica, vai escolher um dos cursos do primeiro semestre daquele ano. Isso nos deixa com duas opções. Atualmente, existem oitenta e duas estudantes no campus que fazem parte destes cursos.

Helena sente uma breve sensação de alivio espalhar-se por seu corpo. Vigiar oitenta e duas alunas não era muito mais fácil do que vigiar trezentos, mas com certeza era um avanço.

SAGE

– Não vai ser fácil vigiar oitenta e duas garotas. Tenho um plano. Não é o melhor que eu já bolei, mas é só o que temos. Entrei em contato com alguns velhos amigos. Dei a eles a ficha de boa parte das garotas. Quero saber quais trabalham, quais vão estudar á noite, e onde vão estudar. Quero saber a hora de entrada e de saída, enfim. Temos que saber tudo. Nós vamos checar as garotas restantes. No meio da tarde devemos ter o panorama completo.

HELENA

– Mais uma coisa. Quais são os dois cursos alvos?

SAGE

– Direito e psicologia (Responde ele enquanto acende um cigarro).

QUARTO DE ISADORA

Isadora e Bruce estão sentados na cama da garota. O casal troca beijos apaixonados. Após seus rostos se afastarem, ela fala distraidamente.

ISADORA

– Meus pais ligaram hoje cedo pra mim.

O rapaz parece não ouvir, e continua a beijar o pescoço dela.

ISADORA

– Eles querem que eu vá embora. Insistiram bastante nisso.

Ele para de beija-la, e a olha preocupado.

BRUCE

– E você vai?

ISADORA

– É claro que não!

A moça levanta-se da cama, parecendo um pouco envergonhada.

ISADORA

– Eu toquei no assunto por que... Eu contei pra eles sobre... Sobre a gente.

Bruce dá uma risada nervosa, e levanta-se andando em direção a namorada.

BRUCE

– Bom, uma hora ou outra meus sogros iam saber que eu existo (Diz abraçando-a).

ISADORA

– Tem mais uma coisa. Eles vêm me visitar daqui á cinco dias... E querem te conhecer.

O rapaz a solta rapidamente, com a surpresa espantada em seu rosto.

BRUCE

– Cinco dias? (Diz incrédulo).

Isadora tenta segurar o riso diante da reação do namorado.

ISADORA

– Uma hora ou outra você tinha que conhecer os seus sogros, não é?

BRUCE

– Sim... Mas cinco dias?!

Isa solta uma gostosa risada, e abraça o rapaz.

ISADORA

– Bruce Graham, “o frio”, com medo dos sogros. E olha que você esta com sorte. Eles queriam vir hoje, eu é que não deixei. Você sabe, por causa da névoa e tudo mais.

Bruce tem a sensação de um peso caindo em seu coração. Havia monitorado a previsão do tempo desde que as mortes começaram, mas o inicio do namoro com Isa, somado ao acumulo de trabalho, fizeram-no esquecer de checar a previsão com a mesma regularidade. Um medo avassalador repentinamente se apossa do rapaz, e é com voz trêmula que ele se dirige a Isa.

BRUCE

– Eu acho que seus pais tem razão. Olha, são só onze horas. Ainda dá tempo de arrumar suas coisas e pegar um ônibus pra fora do campus.

ISADORA

– Não pode estar falando sério! Quer que eu me esconda? (Diz com furiosa incredulidade).

BRUCE

– Não. Só que saia do campus por algumas semanas. Quando a primavera vermelha acabar, acho que não vai mais fazer diferença.

ISADORA

– Não vou deixar esse psicopata interferir na minha vida, Bruce!

O rapaz olha para a garota, e vê nela aquela determinação que tanto ama.

ISADORA

– Acho melhor você ir. Pelo que eu lembro, você tinha uma aula às onze e meia.

O estudante olha para o relógio em seu celular, percebendo que ela tinha razão. Mas ele não achava que a namorada estava preocupada com seu horário. Isa era orgulhosa, e ele cometera a audácia de tentar arranhar este orgulho.

BRUCE

– Eu vou indo então. Não ficou brava comigo, ficou?

Isadora sorri para ele.

ISADORA

– Claro que não. Agora vá antes que se atrase.

A jovem se dirige até a entrada, e abre a porta para o namorado. Ele sente vontade de beija-la novamente, mas sentindo não ser o momento, limita-se a dar-lhe um beijo no rosto. Após ele sair, Isadora fecha a porta, e senta-se na cama, levando as mãos ao rosto.


APARTAMENTO DE SAGE/SALA

Helena folheia as folhas impressas que tem na mão. Ali estava às fichas das garotas que podiam ser atacadas aquela noite. Felizmente, nenhuma trabalhava nos refeitórios do campus.

Frank entra no recinto, carregando algumas folhas na mão.

SAGE

– Os rapazes acabaram de me enviar por email. Estas são as ultimas. Estamos com sorte. Pelas minhas contas, trinta e sete estão envolvidas no protesto dos estudantes. Quer dizer que estão isoladas em um prédio totalmente cercado por policiais.

HELENA

– Há trinta e cinco estudantes instaladas em três prédios diferentes. Dois desses prédios são vizinhos. O problema é o terceiro, que se localiza há uma boa distancia dos outros dois.

Frank desenrola um mapa sobre a mesa, que esquematiza a ala nordeste de New Sharon.

SAGE

– Vamos nos dividir. Você cobre os dois prédios vizinhos na zona N. Eu vou ficar com o prédio da zona P.

HELENA

– Como vou vigiar dois prédios? Mesmo ficando um ao lado do outro, não é fácil.

SAGE

– Não. Mas nós não temos muita...

Antes que o veterano possa terminar de falar, a agente põe-se de pé, e se dirige a bancada.

HELENA

– Chega! Você e eu seguramos isso sozinhos por tempo o bastante. Agora nós vamos pedir ajuda (Diz com voz firme, pegando o celular).

Sage sempre se orgulhou de um talento especial que tinha, Sabia exatamente quando uma pessoa podia ser persuadida e quando não podia. Ele raramente errava. Por isso, foi com serenidade, sem rancor ou crítica, que ele se dirigiu a morena.

SAGE

– Tem noção dos riscos que está assumindo ao fazer isso?

HELENA

– Eu confiei em você. Pode confiar em mim agora, Frank? (Diz levando o celular ao ouvido).

PRÉDIO DOS DORMITÓRIOS FEMININOS

Isadora esta sentada na cama com as costas encostadas na parede, estudando um de seus livros. Enquanto isso, sua amiga Judy esta sentada em frente á mesa, com um espelho em uma mão, e uma pinça na outra, que ela esta utilizando para fazer as sobrancelhas.

JUDY

– Não é surpresa você e o Bruce ficarem juntos. Pra mim era obvio que vocês se curtiam.

Isa sorri discretamente sem desviar os olhos do livro.

ISADORA

– Você é que tá dizendo.

Judy larga a pinça e levanta-se, indo se sentar ao lado da amiga na cama.

JUDY

– Me conta. Você e ele... Já rolou?

Isadora olha com divertida censura para Judy, que simplesmente ri em resposta.

ISADORA

– Ainda não rolou nada, sua intrometida!

JUDY

– E quanto falta pra finalmente acontecer? (Pergunta maliciosamente)

Isadora acerta o travesseiro no rosto da amiga.

ISADORA

– Tá querendo saber demais, garota.

Isa levanta-se, e guarda o livro que estava estudando dentro do armário.

ISADORA

– Mas acho que vai ser logo (Diz com um sorriso).

Antes que Judy responda, ouve-se o som da campainha. Isa vai até a entrada do apartamento, e ao abrir a porta, vê um rapaz de cabelos raspados, e usando um piercing na sobrancelha.

LEW

– Me disseram que esse é o quarto de Isadora Thompson. É você?

A garota confirma com a cabeça, olhando seu visitante com desconfiança.

LEW

– Meu nome é Lew. Eu trabalho nas ilhas de Edição do curso de cinema. Você era amiga de Kelly Wilson, não era?

ISADORA

– Era sim (Diz incomodada pela menção do nome da amiga falecida).

Lew não parece se incomodar com a reação da garota. Ele abre o fecho de uma bolsa que ele carrega no ombro, retirando lá de dentro uma câmera digital.

LEW

– Ela estava editando estas fitas na ilha. Nós só encontramos há pouco tempo, por isso não entregamos á família. Acho que você sabe a confusão que tá rolando na faculdade, não é?

ISADORA

– Bom, acho que é difícil não saber.

LEW

– Pois é. Por isso, a gente queria saber se você não poderia entregar isso pra família.

ISADORA

– Claro. Eu posso fazer isso.

LEW

– Vai ter que assinar um termo de responsabilidade.

Lew volta a colocar a mão na bolsa, retirando desta vez uma prancheta com uma folha anexada. Sem discutir, a garota assina o documento usando a caneta presa na prancheta. O jovem guarda o documento na bolsa, e sorri pela primeira vez para ela, revelando o aparelho em seus dentes.

LEW

– Muito obrigado, Thompson.

O rapaz entrega a bolsa e a câmera digital á Isadora, e vai embora. A garota fica parada na porta, olhando para a câmera em suas mãos como se esta fosse um objeto extremamente misterioso. Judy aproxima-se de Isadora.

JUDY

– Que absurdo pedirem pra você devolver a câmera. Quando a gente acha que viu tudo...

Isadora parece não escutar Judy. Ela esta se lembrando de Kelly. Lembrando-se de como aquela câmera funcionava como uma terapia para a sua dona. A falecida amiga gostava de “filmar o trivial” quando estava triste, como ela mesma dizia. Isa sabia que os últimos dias da vida dela não foram os mais felizes de sua vida, devido as suas brigas com Nick. A garota sente uma pontada de culpa no peito ao pensar que aquela câmera esteve ao lado de Kelly quase o tempo todo nos últimos difíceis dias de sua vida, quando era ela, Isadora, que deveria ter estado lá. Aquela câmera...

ISADORA

– A câmera estava quase sempre com ela... (Diz mais para si mesma).

Judy olha preocupada para a amiga. Isadora tem a expressão de quem viu um fantasma.

JUDY

– Isadora? Ta tudo bem?

Isadora olha para a amiga como tivesse acabado de acordar de um transe.

ISADORA

– Judy, Eu tenho que fazer uma coisa. É só bater a porta quando sair, ok?

JUDY

– Tudo bem. Mas o que você...

Isadora não responde. Ela pega a sua a chave sobre a cômoda, e sai levando a câmera e a bolsa com as fitas, deixando uma Judy atônita para trás.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado do capítulo. O penultimo capítulo não deve demorar (sério!). Garanto que o penultimo capítulo esta recheado de fortes emoções.
Espero que tenham gostado do capítulo. Quem puder, Deixe um review, dizendo o que oostaram, e o oque pode ser melhorado.
Grande abraço a todos, e até o penultimo capítulo!