Ethan

– Ethan. Posso falar com você um minuto?

– Falar comigo? Sobre?

– Aqui não. Vamos até o jardim, longe de todos esses olhares curiosos.

– Letícia o que você tem de tão importante pra falar comigo que não pode ser dito aqui?

Eu confesso que estava meio desconfiada das suas intenções. Eu não gostava nem um pouco do olhar que ela me lançava.

– Deixa de ser desconfiado Ethan.

– Eu não sou desconfiado, apenas quero saber qual é o assunto em pauta. O que é totalmente normal, caso queira saber a minha opinião.

– Não posso dizer aqui, mas não precisa ficar com medo. Eu não mordo. A não ser que você queira, é claro. – Ela disse isso e depois deu um sorrisinho malicioso. Eu não gostei nem um pouco daquele sorriso. Não mesmo. Simplesmente aterrorizante. Essa garota me assusta.

– Tudo bem, mas não podemos demorar. Eu tenho que passar na biblioteca antes de voltar para a sala.

– Não vamos demorar, eu prometo. – Mais uma vez ela deu aquele sorriso malicioso que me faz arrepiar até o último fio de cabelo.

Se eu não fosse capaz de sentir a energia negativa e os poderes das pessoas através da aura, eu diria com toda a certeza que a Nina e a Letícia estavam nos corpos errados, pois a Nina é completamente doce e tímida, enquanto que a Letícia é extrovertida, confiante e porque não, oferecida, sim, oferecida, essa é uma palavra que se aplica perfeitamente a Letícia. Sinceramente eu ainda tenho dificuldades de entender como um demônio pode parecer um anjo e uma humana pode parecer tanto com um demônio.

Caminhamos até o jardim, sem adentrar muito, pois eu continuava desconfiado das reais intenções da Letícia.

– Pronto. O que você tem de tão importante para me falar.

– Eu queria falar sobre nós. – Ela disse enquanto caminhava na minha direção.

– Sobre nós?

– Sim. Sobre eu e você.

– Letícia, não existe eu e você.

– Ainda não, mas pode existir. Só depende de você. – Ela disse isso enquanto dava mais um passo em minha direção.

Eu dei um passo para trás e ela se aproximou mais ainda, ficando tão perto que o que aconteceu em seguida me pegou totalmente de surpresa. Ela parecia uma gata de tão ágil. Eu confesso que apesar dos seus olhares maliciosos em minha direção, eu não esperava que ela fizesse o que fez. Eu senti os seus lábios atacarem os meus de maneira feroz, parecia que ela iria me devorar. No primeiro instante eu simplesmente não soube o que fazer. Senti os seus braços entrelaçarem o meu pescoço, a ponta dos seus dedos acariciando os meus cabelos. A sensação não era ruim, mas não era ela que eu queria beijar, era a N... A meu Deus. O que está acontecendo comigo? Porque ela simplesmente não sai da minha cabeça?

Olhei para a garota a minha frente, me beijando apaixonadamente e me senti mal, eu não podia deixá-la continuar com aquilo, era errado, eu não sinto o mesmo. A afastei com cuidado, olhando diretamente nos seus olhos.

– Você não gostou? – Ela perguntou séria.

– Não. Quer dizer, não é que você beije mal, é só que... Eu... Eu não sinto o mesmo por você Letícia. Não posso ficar com você pensando em outra pessoa. Não é certo. Não é justo com você.

– O que você vê de tão especial nela? Aliás, o que vocês homens veem de tão especial naquela garota? – Ela disse de maneira exasperada.

– Letícia...

– Me diz Ethan. Ela é totalmente sem graça. Eu sou muito mais bonita e sexy que ela, no entanto, eu os vejo babando por aquela sonsa sem graça.

– De quem você está falando Letícia? – Perguntei tentando parecer inocente, como quem não sabe sobre quem ela está falando.

– Você sabe muito bem de quem eu estou falando. Estou cansada de vê-lo babando pela Nina. Eu o vi primeiro, não ela. Eu tenho muito mais direito de ficar com você.

– Letícia, eu não sou um objeto, sou uma pessoa, não tem essa de você ter mais direito do que a Nina, ou quem quer que seja. Além do mais, em momento algum eu disse que gosto da Nina.

– Nem precisa. Todo mundo já percebeu como você a olha. Você mal consegue tirar os olhos daquela idiota sem sal.

– Não viaja Letícia. – O que mais eu poderia dizer?!

– E não tente me fazer de idiota Ethan.

– Olha. Eu não quero brigar com você está bem. Por isso eu estou voltando pra sala.

– Achei que você ia passar na biblioteca antes de voltar para a sala?!

– Eu ia. Agora não tenho mais tempo. A aula já vai começar. – Respondi enquanto saia do jardim.

– Ethan! Volta aqui. – Ela gritou. – Ethan! Não me deixe falando sozinha.

– Tchau Letícia.

Pouco tempo após eu me sentar, a Nina chegou acompanhada do... Daniel? O que ela estava fazendo com o Daniel? Eu sei que eu não devia ficar com ciúmes, mas era mais forte do que eu. Sei que eu devia confiar no Daniel, afinal ele sabe o que eu sinto por ela e é o meu melhor amigo, mas mesmo assim, ninguém o conhece melhor que eu. Ele não dá ponto sem nó.

Eu olhei os dois entrarem juntos na sala e algo me dizia que não foi uma simples coincidência. Tentei me acalmar o máximo que pude. Hoje eu e o Daniel teríamos muito o que conversar. Ele vai ter que explicar porque estavam andando juntos.

Quando chegamos em casa, olhei para o Daniel sério enquanto cruzava os braços, esperando a sua explicação.

– O que foi? Por que está me olhando assim?

– O que você estava fazendo com a Nina?

– Eu? Quem disse que eu estava com a Nina? – Olhei-o sério. – Ok! Eu estava com ela, mas a culpa não foi minha. Na verdade, o único culpado por eu ter passado um tempo a sós com ela é você.

– Eu?

O que ele quer dizer com isso? Como eu posso ser o responsável por ele estar a sós com ela. Olhei para o anjo à minha frente com uma expressão confusa. Que raios de desculpa esfarrapada era aquela?

– Sim Ethan, você. Eu fui falar com você quando o vi entrando no jardim com a Letícia. Fui atrás de vocês e quando estava seguindo até onde vocês estavam, eu a vi chorando e olhando fixamente até um ponto em específico. Fui até ela, chamando-a, mas ela parecia não me escutar. Então cheguei mais perto e a chamei novamente, ela finalmente pareceu perceber a minha presença e eu pude finalmente ver o que estava causando as suas lágrimas. – Ele disse isso olhando diretamente nos meus olhos.

Isso não é possível. Ele não pode estar me dizendo o que eu acho que está dizendo. Ela não pode ter visto o beijo que a Letícia me roubou. Ela não... O que eu vou fazer agora? Ela deve estar pensando que eu estou namorando com a Letícia. Deus, porque essas coisas só acontecem comigo? Como eu vou explicar para a Nina que eu e a Letícia não temos nada?

Pensando bem, talvez seja melhor assim. Talvez seja melhor ela achar que eu e a Letícia estamos juntos. Vai ser melhor para nós dois.

– Ela viu o beijo não foi?!

– Sim. Ela viu.

– O que ela te disse?

– O que você quer saber Ethan?

– Além de chorar, o que mais ela fez ou falou?

– A princípio ela negou que estivesse chorando por sua causa, mas depois acabou confessando que você era o culpado por ela estar chorando.

Me sentei no sofá, aliás, sentei não, me joguei. Não era possível que ela estivesse apaixonada por mim. Isso é impossível. Ou não?! Assim as coisas ficam ainda mais difíceis. Como eu posso me afastar da Nina quando nenhum dos dois quer isso? Eu não queria fazê-la chorar, não queria que ela ficasse triste ou sofresse por minha causa, mas eu também não posso ficar com ela. Aí eu te pergunto. O que fazer num caso desses?

– O que eu faço Dan? – Olhei para o meu amigo enquanto fazia a pergunta. Eu tinha certeza absoluta que o meu rosto demonstrava todo o desespero que acompanhava a minha voz.

– Sinceramente. Eu não faço idéia Ethan. A minha proposta foi descartada e eu não consigo pensar em mais nada no momento. Além disso... – Ele fez uma pausa, ponderando se deveria ou não continuar o que estava falando. – Talvez ela não seja tão má quanto pensamos.

Tá legal. Para tudo. Acho que eu estou com problemas de audição. Eu não posso ter escutado direito. O Daniel disse que a Nina pode ser uma boa pessoa? Foi isso mesmo?

Eu apenas fiquei olhando para o anjo à minha frente, sem conseguir proferir uma palavra que fosse. Ele só podia estar ficando louco, ou usando algum tipo de droga. Era a única explicação plausível. Justo o Daniel que nunca confiou em um demônio na vida, agora está defendendo um, ou melhor, uma. Realmente, acho que o mundo está prestes a acabar.

– Você está bem Daniel?

– Argh! Você também. Já basta a Nina me olhando com essa cara e me perguntando a mesma coisa. Pelo jeito vocês nasceram mesmo um para o outro.

– E pelo jeito vocês conversaram bastante. – Falei irritado. O ciúme me corroendo por dentro.

– Não precisa ficar com ciúmes. Eu não vou tentar roubar a sua namorada.

– Ela não é minha namorada. – Falei com o coração doendo. Eu queria que fosse.

– Ah! É verdade. Agora você está namorando a Letícia. Isso quer dizer que a Nina está disponível.

Era óbvio que ele estava falando aquilo para me irritar e o que me dava mais raiva era que ele estava conseguindo.

–Eu não estou namorando a Letícia e você sabe muito bem disso. – Falei com os dentes cerrados. – E fica longe da Nina. – Completei.

– Nunca imaginei que você fosse tão ciumento Ethan. – Falou rindo, claramente se divertindo as minhas custas.

– Eu não estou com ciúmes da Nina.

– Não está?

– Não. Eu não estou. Agora é melhor pararmos por aqui com esse assunto porque você está começando a me irritar.

Ele apenas riu.

Nina

Chegou o grande dia. Estou tão nervosa que parece que o meu coração vai sair pela boca a qualquer momento. A Clarisse me ajudou a escolher o vestido, branco, tomara que caia, com uns detalhes em rosa claro. Nada muito chamativo. Apesar do seu estilo rebelde, a Clarisse tem um ótimo gosto para roupas, mesmo tendo um guarda-roupas com apenas um tom de cor. Já o Léo fez a maquiagem e o penteado.

– Está linda. – Ela disse enquanto olhávamos o meu reflexo no espelho. – Acho que hoje vai ter muita gente precisando de babador naquele festival, principalmente um certo rapaz. – Ela disse com um sorriso sacana no rosto.

– Quem vê você falando assim pensa que é verdade. Até parece que eu estou tão bonita assim.

– Tem razão, você não está bonita. Está linda. E o Ethan vai ter um infarto quando te ver. – Dessa vez quem disse foi o Léo, com os olhos brilhando. – Estou tão orgulhoso de mim mesmo. Você ficou perfeita. Uma verdadeira obra de arte.

Eu tive que rir do seu comentário, nem um pouco modesto.

– Ele nem olha pra mim direito. Além do mais, ele está com a Letícia agora. Provavelmente ela vai estar pendurada no pescoço dele durante o festival.

– Do que você está falando Nina? E que história é essa do Ethan estar com a Letícia? Desde quando? – Perguntou a Clarisse.

– Alguns dias atrás eu vi eles se beijando no jardim. – Eu disse com os olhos vermelhos e marejados.

– Ah não. Nem pense em chorar. Eu gastei mais de meia hora fazendo a sua maquiagem e não vou deixar você acabar com a minha obra de arte por causa do Ethan e da piriguete. Não mesmo. – Eu tive que rir com isso. O Léo é mesmo uma figura.

– Você também está linda Clarisse. Esse azul ficou muito bem em você. – Eu disse, sendo sincera. – E você Léo, está um gato. Acho que hoje você finalmente fisga o Daniel. – Eu disse rindo levemente, pois meu coração ainda doia por causa do Ethan.

– Amém. – Respondeu um Léo totalmente esperançoso e com olhos brilhantes.

– Obrigada. Mas eu ainda preferiria usar o vestido preto. – Clarisse disse com uma cara emburrada, o Léo e eu apenas rimos da cara dela.

– Acho melhor irmos logo, ou vamos acabar nos atrasando para a peça.

– Vamos. – Ela disse, pegando a sua bolsa e a chave do carro.